ANDRÉIA
VIEIRA
PODER
E
DOMINAÇÃO
NUM
ESTABELECIMENTO
PRISIONAL
RETRATO
DO
SEU
COTIDIANO
ado É-EÂQ [z S ,pI:V' ' t Mari V;nͧ»nSezvi`‹Í° S
em
chefe ° DÊfSE'¡uI=sCFLORIANÓPOLIS
1997
Trabalho de Conclusão de Curso de Serviço Social
apresentado ao Departamento. de Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina para' obtenção do
título
de Assistente Social, orientado pela
øíhueles aos
quais
devo minha
vida.011
meu
pai()sni
(inmemoriam)
en
minha
mãe
QninilaleszI
Quando
uma
Osemente não
se
torna planta,dizemos
que
a
terrapode não
tersido
propícia,que a
semente
pode não
ter recebidoagua
ou
lu:solar suficientes -
nunca colocamos
a culpa
na
semente. lY1')asse
não desabrocham
flores
na
vidado
homem,
dizemos
que
ele éo responsável
por
isto.`/Yinguém pensa
se
o adubo
foipouco,
se
houve
escassez de
agua ou
faltade
sol, e faxalgo
em
relaçãoa
isso;o
próprio
homem
éacusado
de ser
mau.
07-\ssim
a
planta-homem
tem permanecido
subdesenvolvida, oprimida
pela hostilidadee
incapaz de
alcançaro
estagiode
'
florescimentoƒ
_
Osho
_
~
AGRADECIMENTOS
Citar
nomes
éuma
tarefa dificil, pois corre-seo
riscode
magoar
alguém
pelo esquecimento. Creioque
omais impofiante
é asatisfação
anônima
dequem
dá, eo
reconhecimento íntimo dequem
recebe.Desta
forma, agradeço ar todosque
diretaou
indiretamentecontribuíram para a realização deste trabalho.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
... ..viCAPÍTULO
1 ... ..¡›‹ 1Resgate
Históricoda
Pena
edas
Prisões ' 1.1Evolução
históricada
pena..i ... ..x1.2
Surgimento
das prisões ... ..xvii1.3
A
pena
no
Brasil(As normas
penaisno
Brasil) ... ..xxiCAPÍTULO
Ii ... ..××vi2 Prisão:
Espaço
de
Dominação
2.1Um
retratodo
poder edominação
exercidosno
sistema prisiOnal...xxvii2._2
A
Penitenciária Estadual deF
lorianópolis e seu cotidiano ... ..xxxiv2.3
A
práticado
Serviço Socialno
espaço prisional ... ..xxxix2.4
O
Serviço Socialna
Penitenciária Estadual de Florianópolis ... ..xliiiCONSIDERAÇÕES
FINAIS
... ..lINTRODUÇÃO
O
presente trabalho,além
de cumprir a exigência do curso de/ Serviço Social para a obtenção
do
título de Assistente Social, procuramostrar,
um
pouco, as formas de controle,poder
e sutis violênciasque
fazem
parteda
estrutura autoritáriada
prisão.Não
sebusca
aqui manifestar simpatia pela sortedo
homem
que
vaipara a prisão. Acredita-se
que
ele fez por merecer.Porém,
o fato de tercometido
num
momento
atípico de sua vida, talvez sobre pressõesemergentes
ou
a longotempo
acumuladas,um
ato nocivo à sociedade,não
extermina toda a sua natureza
humana,
nem
o faz “contagiosocomo
a própria peste”, justificando, assim, osmaus
tratos recebidosenquanto
cativo.A
visãoque
muitostem
a respeitoda
prisão e dos que ali se / '.encontram
detidos, deve ser alterada.Não
sepode
ver a penitenciáriacomo
se fosseum
hotel e o presocomo
se fosseum
hóspede
às custasdo
Estado.Os
quatro semestres de Estágio Supervisionado realizadono
espaçoprisional proporcionaram
uma
aproximação maior
com
esta realidade tão obscura para maionhdas pessoas.E
foi a partir deste convíviocom
todocorpo
que forma
uma
instituição penalque
surge o interesseem
discutiro
tema Poder
eDominaçãonum
estabelecimento prisional.É
mister dizer aquique
desses quatro semestres de estágio, trêsforam
realizadosno
PresídioFeminino
de Florianópolis eum
na
Penitenciária Estadual de Florianópolis.Apesar
demais
longo otempo
passado
na
primeira instituição mencionada, este trabalho dará enfoque à Penitenciária,onde
a problemática discutida se apresentou deforma mais
evidente.No
primeiro capítulo,com
o
auxílio de considerável material bibliográfico, é feitoum
resgate sobre a evolução históricada
pena, o surgimento das prisões eum
pequeno
relato dasnormas
penaisno
Brasil.É
importante precedero
tema
principal deste trabalhocom
um
resgate histórico, pois destafonna
torna-semais
fácil perceberque no
decorrer
do
longo percursoda
evoluçãoda forma
de apenar,houve
um
“afrouxamento”
da
severidade penal, deixando o corpo de ser alvo principal, passando-se aum
castigoque
atingissemais o
coração,o
intelecto, a ahna.
No
segundo
capítulo mostra-seque
na
prisão o poder e a“ressocialização” transforma-se
num
objetivoque
vem
subordinadoa
função punitiva
do
sistema.Em
contatocom
o
material obtido durante0
periodode
estágio,procurou-se relatar
um
pouco
sobre a Penitenciária Estadual deFlorianópolis e seu cotidiano, analisando a atuação
do
Serviço Socialnessa instituição, relacionando, ainda, a bibliografia utilizada para
o
embasamento
teóricodo
mesmo.
Espera-se
que o
conteúdo aqui apresentado contribua dealguma
forma
paranovos
estudos sobreo
tema
abordado
eque
possibilite a trocado
saber eo
crescimento profissional,provocando
reflexõesa
todosque
delefizerem
uso.~
CAPÍTULO
1 I '
~
RESGATE
HISTÓRICO
DA
PENA
E
DAS
PRISOES
“... a atual prisão e todas as suas seqüelas são
o
produto
finalde
um
longo
processode tormentos
físicos, e
morais
infligidosao
homem,
no
decorrer
dos
séculos e,por
isso, longede
seraquela
instituiçãoressocializadora
que
tanto se almeja.” -Orlando
FerreiraMelo
-1.1
Evolução
Históricada
Pena
A
pena
éuma
instituiçãomuito
antiga, cujo surgimento se registranos primórdios
da
civilização.“Em
seus começas, a pena erauma
reação contra o delito que aspiraareproduzir ou conservar os
caracterespróprios da ação criminal... Inflige-se ao delinqüente
um
sofrimentoigual ao que causou a sua vítima. ”
(FUNES, 1953. p. 26)
_
A
função repressivada pena
passou por etapas distintas,sem
que,no
entanto, a vingança tenha deixado de estar presentecomo
móvel
da
reação à ofensa,
sendo
que, até os dias de hoje, a reação contrao
crimeainda guarde
o
caráter de vingança.Durante o
período que se intitulou Periododa Vingança
Divina,observa-se
que
apena
tinhaum
objetivo de vingança, só que,como
a própria referência a esse período diz,uma
vingança divina.A
história penal dospovos
antigos apresentauma
reação primitivade caráter religioso, aparecendo
o
direito envolto por princípios religiosos e a religiãocomo
sendoo
próprio direito.O
delito erauma
ofensa àO
poder
dos reis e imperadorestambém
tinha caráter divino e asleis penais encontravam-se
em
meio
a livros sagrados.À
medida
que
se avança,o
crime contra as pessoas e seu patrimônioaumentam,
enquantoque
aqueles de caráter religiosovão
regredindo
pouco
a
pouco,perdendo cada vez mais a
sua misticidade. Issoocorreu
não
devido à suavização dos costumes,mas
de religiosidade.Com
o
evoluirda
civilização,novos
conceitos de valoresforam
surgindo,dando
início ao períododenominado
Períododa Vingança
Pública._
As
leis jánão
podiam
ser aceitascomo
simples costumes sagrados,reveladas e sancionadas pelos deuses, misturadas
com
regulamentoslitúrgicos, nos antigos códigos dos templos.
A
autoridade pública fortaleceu-se,tomando
forteo
Estado e, desta forma,com
competência
para sobrepor-se,ficando
responsável pelo exercícioda
pena, tirando tal responsabilidadeda
mão
do
ofendido,da
vítima
ou
de sua familia.Com
o decorrer dos séculos o processode
transformaçãodo
institutoda pena
se estabelece e, já quaseno
fim
da
Idade Antiga,o
cristianismocomeça
a exercer grande influênciana
moderação
daspunições cruéis, infamantes e extenninadoras, tendo
como
característicaprimordial
o
valordado
a vida.Nesse
período, duasfiguras
foram muito
importantes:Santo
Agostinho
eSão
Tomáz
deAquino, sendo que
SantoAgostinho
preocupava-se
com
a
problemáticado
mal,mostrando que
avontade
livretem
supremacia
sobreo
intelecto:“Na
justiçanão
se deve esquecera
misericórdia e ao se odiar
o
delitonão
sedeve
esquecerque
o delinqüenteé
homem.”
Estabelece a
pena
como
correção eemendas, propondo que
a leihumana
não
castiguealém
do
necessário ena
medida do que
sejanecessário, a
fnn
demanter
apaz
entre oshomens.
~
J
á
Sao
Tomáz
de Aquino, ao contráriode
Santo Agostinho,pregava
a primazia
do
intelecto sobre a vontade: “Para a integridade do ato moral, existem dois elementos: a lei e a intenção de agir de conformidadecom
alei.”
Na
IdadeMédia
poucos
eram
os crimes capitais, sendocondenados
à
morte
apenas os acusados de traição, homicídio, rapto e incêndio.Grande
importância eradada
aos crimes religiososcomo
a heresia e a descrença,mas
a Igrejanão
promovia
a repressão sangrenta, preferindo as penitências e mortificações. Evita-se apena
de morte, utilizando-se a« ».J
,
pena de
prisão,punindo o
clero atravésda
segregaçãoque
estimulavao
arrependimento.Aquele que
cometia falta era recolhido à cela para~
reclusao solitária,
chamando
a esta penitência.“O
homem,a
sóscom
a representaçãodo seu crime, limpa a sua consciência mediante o exercício sistemático da ação
catártica do remorso. Por isso, a
expiação alcança a sua forma mais pura
através da instituição da cela.
O
réu, asós
com
a sua culpa, é obrigadoameditar sobre ela, durante a maior
parte de sua jornada, irá retificando os seus sentimentos e edificará para si
uma
moralidade nova. ” (F UNES, 1953. p. 64)Desta
forma, apena
tinha duplo sentido: proporcionaro
arrependimento para reconciliação
com
Deus
aomesmo
tempo
em
que
puma.
Foi
da intemação
em
mosteiros e reclusãoem
celasque
se originou apena
privativa de liberdade euso
da
expressão celular.Apesar
de todoo
esforçoda
Igreja paraamenizar
as penas,na
Idade
Modema
registrou-seo
apogeu da
repressão.A
tortura era bastanteempregada,
não
sócomo
fonna. de procedimento,mas como
forma
depenalidade: arrancavam-se
ou
furavam-se a língua, faziam-se incisões nosxp
.
com
ferro quente, fustigavam-secom
bastões,usavam-se
a chibata, a
canga, a roda, etc. I
A
pena
de mortenão
era a simples privação de viver,mas
vinhaacompanhada
de suplícios, sob os quaiso condenado
agonizava lentamente,onde o
sofrimento era graduado._
A
execução da pena
objetivava impressionaro
povo,por
isso eraprecedida de cerimônia,
onde
ocondenado pennanecia
em
exposiçãopública.
"O
condenado era submetido aum
prolongado ritual: passeio pelas ruas, de
camisola, descalço, carregando então
uma
tocha, ou a caminho para olocal da execução, carregando carta'esá
com
dizeres' alusivos' ao crime cometidonas costas, no peito ou na cabeça,
fazia parada
em
vários cruzamentos, .confissão pública nas portas das igrejas,onde reconhecia solenemente seu crime, lendo várias vezes a sentença de
condenação.
A
execução podiaocorrer no próprio local onde o crime fora cometido,
com
a ostentação do seuinstrumento. " (OLIVEIRA, 1984. p. 20)
Tinha-se
uma
reprodução teatral de terror,triunfo e ritual
organizado, exibindo ao público
um
espetáculo lentocom
sofisticados
suplícios.
Tais formas de punição,
que
se estenderam até osfins do
séculoXVIII
euinício
do
séculoXIX,
eram
uma
maneira
de buscare exigir
uma
vingança pública. Para Foucault:
“É
precisoque
a justiça criminalpuna
em
vez de se vingar.”Aos
poucos, foi-semostrando que
“o cruel prazer de punir” jánão
causava
mais
o horror esperado, e destaforma não
servia para objetivaruma
vingança pública, poisem
cadahomem,
por piorque
seja, pelomenos
uma
coisa deve ser respeitadaquando
o punimos: sua“humanidade”.
As
autoridadesperceberam
a necessidade de se rever aforma
de punir,com
aadoção
deuma
outra política de apenar.“Que as penas sejam moderadase
proporcionais aos delitos, que a de morte só seja imputada con/ra os
culpados assassinos, e sejam abolidos os
suplícíos que revoltem a humanidade. ”
Surge, então,
em
toda parte,um
movimento
de protesto por juristas,magistrados, parlamentares, filósofos, legisladores e técnicos
do
direitoque
pregavam
amoderação
das punições, sua proporcionalidadecom
o
crime,dando
início ao PeríodoHumanitário da
Pena.Os
vários reformadores construíram e divulgaram as suas teorias, cujos princípiosrenovaram
eabrandaram o
sistema penal, despertando aComeçou-se
a perceberque
os crimes contra as pessoas (crime desangue
e agressões flsicas)foram
aospoucos
declinando,aumentando,
por sua vez, os crimes contra
o
patrimônio (roubo, furto e fraude) devido auma
grande elevaçãodo
nívelde
vida. Destaforma
a justiçatomou-se
mais
severacom
relação aos roubos, registrando-seum
desenvolvimentodo
aparelho policial._
Os
reformadoresnão pretendiam
apenas abrandar aspenas
com
o
fun dos castigos aflitivos
einfamantes,
mas
queriam
atingirtambém
aconupção
existentena
justiça,onde
instâncias múltiplasa denegriam
e a centralizavam ao superpoder monárquico.
,
A
reforma pretendia pleitearnão
sóuma
nova
teoriada
justiçada
pena,
mas
que
amesma
fossemelhor
distribuída,que não
privilegiasseuma
minoria,mas
que
fosse justa e universal.“Fazer da punição e da repressão das
ilegalidades
uma
função regular,coextensiva à sociedade; não
punir menos, mas punir melhor, punir
talvez
com uma
severidade atenuada,mas
para punircom
mais universalidade e necessidade, inserir maisj
profundamente no corpo social o poder
de punir.
”(FOUCA
ULTÇ 1995. p. 76)Na
realidade,somente
com
o
adventodo Código
Penal Francês, deaii”
começaram
a surtir efeito.Mas
épor
voltada
primeirametade
do
séculoXD(
que
os vários tipos de suplícios são definitivamente abolidos.“Se pouco a pouco a punição deixou de ser
uma
cena de terror sobre o corpo docondenado, a nova pena de reclusão que
veio substitui-la, por sua vez,
também
se impôs sobrea
vontade,intelecto e disposição do encarcerado, de
maneira dolorosa e institucional izada. ”
(OLIVEIRA, 1984. p. 27)
Assim,
percebe-seque
ao longo dos séculos,em
todas as épocas,sempre houve
uma
variedade de punições e diferentes fonnasde
executá-las, refletindo, desta forma, os
costumes
punitivos decada
organizaçãosocial e sua
formação
cultural.Hoje,
o
que
se encontra, éuma
fonna
depunição
menos
diretamente fisica. Procura-se fazer
com
que o
detento sofrasem
ter,no
entanto, o corpo
como
alvo principal.1.2
Surgimento
da
Prisoes“A forma geral de
uma
aparelhagempara tornar os indivíduos dóceis e úteis,
através de
um
trabalho preciso sobre seucorpo, criou a instituição prisão, antes
vi
que a lei a definísse.
como
a pena por, excelência.
”
(F
OUCA
ULT, 1995. p. 207)ff'
A
detenção surge, inicialmente,como
uma
simplesfonna
de
prevenção, para só
mais
tardetomar
um
caráter repressivo etoma-se
um
tipo de penalidade.Nas
sociedadespouco
desenvolvidas a prisão preventivanão
era necessária, jáque
a responsabilidade poruma
faltacometida
poruma
pessoa
não
deveria ser reparada individuahnentemas
sim, pelo clã deque
ela fizesse parte.Porém,
amedida
que
a sociedade vai se desenvolvendo,aumenta
a vida coletiva e se intensifica a responsabilidade individual. Surge, então, para evitar a fuga, a prisão localizadanos
paláciosdos reis, nas dependências dos templos, nas muralhas
que cercavam
ascidades.
Eram,
em
geral, subterrâneas, buracosem
forma
de fossa,onde o
condenado
erajogado
e relegado ao abandono,apodrecendo
na
imundície,no
meio.de
vermes, esquecido de todos.Uma
vezque
a prisãonão
erageneralizadamente instrumento
de
pena, havia muitas segregaçõesarbitrárias,
sem
nenhuma
culpa fonnada, muitas vezes até por antipatias políticas, autocratismo e prepotênciada nobreza
e dos políticos.O
rei eraX\/[Í
qe,
o
Estado e a Lei, podendo,mandar
matar, prender, supliciarou
enterrarnos subterrâneos das prisões.
Como
já foimencionado
antes, toda históriada
prisão estáimpregnada
duma
influência religiosa, católica, nos cárceres monásticos.Foi
na
sociedade cristãque
a prisãotomou
forma
de sanção.Primeiramente era aplicada temporariamente e, após,
como
detençãoperpétua e solitária
em
cela murada. <›f>‹‹“`”X
segundo
MARIANQ
RUIZ FUNEzz
"A Igreja instaura
com
a prisão canônica o sistema da solidão e dosilêncio.
A
sua reforma tem profundasraízes espirituais.
A
prisãoeclesiástica e para os clérigos se inspira
nos princípios da moral católica: _o
resgate do pecado pela dor, o remorso pela
má
ação, o arrependimentoda alma manchada pela culpa.
T
odosesses
fins
de reintegração moral sealcançam
com
a solidão, a meditação e a prece. ”Cronologicamente, e
com
independência das prisões canônicas, as primeiras experiências penitenciáriastem
lugarna
Europa.No
ano
de 1595, aHolanda
constrói a primeira penitenciária masculina, e dois anos depois,em
1597, constrói a segunda, estaz
z
~
feminina,
ambas
em
Amsterda.No
decorrerdo
séculoXVII
eXVIII
organizam-se por várias partes, estabelecimentosde
detenção,sem
que a
sua criaçãoobedeça
anenhum
sistema penitenciário.Nesses
estabelecimentos se prescindia detoda
norma
higiênica,pedagógica
e moral.“Os detidos são amontoados confusamente
numa
'promiscuidade intolerável; acham-se submetidos ao regime mais duro, sofrem penas disciplinares corporais e são obrigados a trabalhos penosos. Só
recebem
uma
alimentação mínima (pão e água); ocasionalmente são carregadosde cadeias, e
a
falta de ar, de `alimentação e dos cuidados higiênicos
mais elementares é tal que as febres
infecciosas se
propagam
no interior dasprisões, dizimam os reclusose
transmitem para fora, produzindo verdadeiros danos à população livre. ”(PRINS, 1954)
As
exceções são interessantes.Na
teoria,um
monge
beneditino francês, Jean Mabillon (1632)dá
idéias generosas sobre as prisões,a
respeito dos cárceres monásticos.Na
prática,Amsterdã,
refiigio entãoda
tolerância e
da
liberdade, implanta,em
1595,em
sua casa de correçãoum
regime
baseadona
ordem
ena
disciplina,com
separaçãonotuma
dosdetidos.
Em
1677, estabelece-seem
Florençauma
prisão celular.Em
1703,
o
papa Clemente
XI
destinauma
partedo
Hospício deSão
Miguel, deRoma,
para estabelecimento penitenciário.A
casade
força deGand,
de1775,
na
Bélgica, tinhao regime
de trabalhoem comum
duranteo
dia,sob a disciplina
do
silêncio, eà
noite havia isolamentocom
basenuma
classificação
metódica por
categoria dos condenados.Após
o
estabelecimentoda
prisãocomo
instrumento depena
peloCódigo
Penal Francês de 1810,a pena
de prisão se generalizou e sedisseminou por todo o
mundo.
Vigente até os dias atuais, utiliza-se
da
prisãocomo
mecanismo
definitivo de apenar, deixando,o
corpo / de sero
objetoda
punição.
1.3
As Normas
Penais
no
BrasilO
Brasiltambém
conheceu
as expressões cruentas das penas,na
época
em
que o
crime era confundidocom
0
pecado
e as puniçõeseram
severas: açoites, mutilações,
queimaduras
e outras modalidades cruéis,mas
essasformas
deexecução da
pena
eram
previstasem
Lei.Hoje
em
dia,mesmo
contrariandoa
Lei, existem casosde
presosque
sãotorturados
na execução da pena ou
mesmo
antesdo julgamento
definitivo.O
LivroV
dasOrdenações
Filipinas,Código
Penalque
vigorouno
definição
de crime está atrelada a esferas religiosas, moral, política elegal.
'A
Lei tinha porobjetivo a “intimidação pelo terror”.
A
pena
demorte
era freqüente, tendo a graduação de “natural”, “cruelmente natural”, “natural para sempre”, pela “forca”ou
pelo “fogo”,que indícavam
níveis diferentes de severidade e gravidade atribuídas a ações criminosas previstas pelo código. .As alternativas à
pena
demorte
eram
o
degrado,o
açoitecom
baraço e pregão e outras penas corporaisque
estigmatizavamo
criminoso. '
A
expressão “morte natural”, significava a extinçãoda
vida.
“Cruelmente natural”,
o condenado
deveria ser supliciado até a morte.Na
“morte natural para sempre”, pela forca, o
condenado
.ficava
pendurado
até apodrecer e cair sobreo
solo. .lá a “morte natural para sempre”, pelo fogo, ocondenado
deveria serqueimado
vivo.Quando
cometia-seo
crime deLesa
majestade,que
representava amais
alta traição contra a pessoado
Reiou
seu Real Estado, ocondenado
deveria ser desprezado e isolado de todos. Tiradentes foicondenado
porhaver cometido esse crime.
.
Depois
deProclamada
a Independência
do
Brasil, sancionou-se0
Código
Criminaldo
Impérioque
estabelecia a individualização da pena.Para
o
modo
deprodução que
prevaleceuno
Brasildo
séculoXIX
-escravismo intemo, subordinado
a
relações internacionais capitalistas, aprivação
da
liberdade (prisão simples) tinhauma
função penalcomplementar
a acessória.O
controle social penal se exerciapredominantemente
atravésda
pena
de morte, depenas
corporais (açoites) e demedidas que reproduziam
a condição social escrava (galés e prisãocom
trabalho).O
escravoque
não
fossecondenado
àmorte
ou
às galés, era necessariamentecondenado
àpena
de açoites e imposição de ferros (Art.60 do
Código
Criminaldo
Império) expedientecom
o
qual sepreservava sua produtividade
em
favordo
proprietário, e se estabeleciauma
ligação explícita entreo poder
penal público e privado, jáque
correspondia ao senhor trazer
o
escravo“com
ferro pelotempo
emaneira
que
o juiz designar”(A1t. 60). zf¬z...¬.-. . __-. ›
_7.)__¢_f__:_,,..¶~‹vf'“' "
7
Com
a República, veioo
Código
Penal de 11 de outubro de 1890.Nele
foi abolido apena
demorte
e instalou-seo regime
penitenciário.Em
1942, entraem
vigoro
Código
Penal de 1940.O
Código
Penal de1940
e a Lei das Contravenções Penais de1941, prescrevem as seguintes penas privativas de liberdade: reclusão,
detenção e prisão simples, diferirrdo entre si pelo
maior
ou
menor tempo
"~..
\
su,
×_x¡|I
de privação
da
liberdade,que
é determinadana
sentença pelo Juiz.(BENFICA,
1990)No
ano
de 1969, atravésdo
'Decreto Lei n° 1.004, procurou-sesubstituir
o
código anterior,porém,
em
função
de criticas recebidas,não
teve vigência, atéque
foirevogado
pela Lei n° 6.578 de 1978.O
Código
/'\
/Penal
de1940
sofreumodificações
impostas pela Lei n° 7.209,de
ll/O7/84.
O
Código
Penal Brasileiro,adotou
o
sistema progressivode
cumprimento
depena
privativa de liberdade,com
algumas
modificações:inicialmente
o
reclusoficava
sujeito aum
período de observação porpane
dos encarregadosda
terapia penal,tempo
não
excedente a trêsmeses
eque
erachamado
de período de prova. Posteriormente era admitidoao
trabalho
em
comum
dentroou
forado
presídio,mantido
o isolamento noturno.Num
terceiro periodo, eraencaminhado
para tun estabelecimento semi-abertoou
colônia agricola, preparando-se para recebero beneficio
da
liberdade condicional,que
era entãoa
quarta e última etapada
execução da pena
privativa de liberdade.Cumprindo
adequadamente
a liberdade condicional,o
sentenciado readquiria a condiçãode
homem
livre.
'
XXW
"i. '°-¬....,.,_,§`__ _ An¬ ./ ‹ 1 ¡, ~1 Á Í ‹‹"//rdNø-\\ .~/k I
com
características básicas, oe
no
Brasil,nda
prevalecsistema progressivo,
com
numerosas
variações.Tentando
daruma
nova roupagem
à prisãocomo
pena
porexcelência, a Lei 7.210/84, Lei de
Execução
Penal,com
fundamento
nosideais
da “nova
defesa social” tendocomo
base
asnovas medidas
de ao condenado, aponta para a necessidadeda
humanização
dasHoje
aiassistência
prisões e alternativas a elas.
Embora
possamos
considerar louváveis osmandamentos
da
referida lei,não
podemos
esquecerque
eles estão separados e distanciadosÍ
V
por
um
grandeabismo
da
realidade nacional. Aliás, até hoje,em
nenhum
'
lugar,
em
nenhum
tempo,nenhum
sistema penitenciáriomostrou
um
conjunto de recursos
que
tivesse sido considerado, pelomenos,
satisfatório.
Mesmo
porque, jamaisforam
estabelecidos especificamente,quais seriam,
em
qualidade e quantidade, tais recursos ideais.Como
dizAUGUSTO
THOMPSON,
citandoGRESHAM
M.
"Taƒvez por isso a maioria das gaessoas r
uma
verdade que está recuse reconheceentrando pelos olizos: reformar
crimiizosos pela prisão traduz
uma
jàlácia e 0 aumento de recursos.
de.s1inad‹›s ao sistema _pri.s'i‹›1zal, seja
razoável, médio, grande ou z`mens‹›, não
CAPÍTULO
11PRISÃO:
ESPAÇO DE
DOMINAÇÃO
'07-\ prisão,
essa
regiãomais
sombria do
aparelho
de
justiça, éo
localonde
o
poder de
punir,que
não ousa
mais
se
exercercom
o rosto
descoberto,organiza silenciosamente
um
campo
de
objetividadeem
que o
castigopoderá funcionar
em
plena luzcomo
terapêutica ea sentença se
inscrever entreos
discursos do
saber.-
Wnichel
joucault
~2.1
Um
Retrato
do Poder
-eDominação
Exercidos
no
Sistema
Prisional -
Como
já foi exposto anteriormente neste trabalho, desdemuito
tempo
vem
se alterando aforma de
cumprimento
da
pena.À
séculos passados, apunição
eramais
voltada ao corpo,com
suplícios e castigosfisicos.
Hoje, a
forma
de punição émenos
diretamente fisica. Procura-sefazer
com
que o
detento sofrasem
ter,no
entanto,o
corpocomo
alvoprincipal.
Segundo
FOUCAULT
apud
MABLY
(1995. p. 21) “ (...)o
castigo, seassim
posso exprimir,fira mais
aalma
do que o
corpo”.-Não
se pretende afirmarcom
issoque
os castigos corporaisforam
abolidos completamente. Ser privadode
ar, sol, espaço; serconfinado
entre quatro paredes; se submeter a
promiscuidade
com
companheiros
não
desejados; viver
em
condições sanitárias degradantes; ter refeiçõesque
não suprem
as necessidades, estas, entre outras, são provações ñsicasque
agridem
o corpo, deteriorando-o lentamente.O
que
sebusca
mostrar é que,além
dessas formas visíveis,há
fonnas
veladas de violênciaque não
ferem diretamenteo
corpo.'w
\IiI
O
sistema prisionalnão
representa hoje apenasuma
questão degrades e muros, de celas e trancas.
É
vistocomo
uma
sociedade dentro dentro deuma
sociedade,onde
se alterou radicalmente as formas decomportamento.
Tem
como
seumaior
objetivoo
custodiamento e amanutenção da
ordem
intema
dessa sociedade, concentrandoum
poder
repressivo
na
mão
de poucos. Cria, desta forma,uma
distância intransponivel entre osque
mandam
e osque
sãomandados.
Com um
regime totalitário, os presos são 'submetidos
a
um
controle extremo,com
constante vigilância e
minucioso
regulamento, auma
estrutura severa e limitada, sendo impossível a privacidade, pois a conduta e a intimidade decada
um
é observada pelos demais..--_-f"4_4f,,`
_ ‹=.-f"""r V
-‹ff':'fi
Ao
entrarna
prisãoo
indivíduo deve submeter-se auma
série dehumilhações
deforma
sistemática,com
o objetivo demodificar
suapersonalidade. Esta postura de
submissão
inicia-secom
atomada
dosdados
pessoais: impressão digital, fotografias, roupasque
serão substituídas pelo uniforme unificado,com
a retenção de todos os objetos pessoais ecom
a perdado nome,
substituído por apelidosou
números,o
que
constitui-senuma
das maiores mutilaçõesque
sepode impor
ao ser cativo.A
partir daí se liniciaum
processo total de descaracterização individualque
será absorvida por atitudes de submissão, transformaçãoexistencial
do
modo
de vidado
sentenciado, alterando sua vidasignificativamente e ajudando
no
enfraquecimentoda
própria individualidade.)Nova
hierarquia de valores e outro código decomportamento
lhesão impostos.
Terá
que
aprender as regras de convíviocom
oscompanheiros, e esse código não-escrito
ninguém
ensina. Para sua própria sobrevivência,no
decorrerdo
tempo, ele vai terque
aprender.A
obediência aocomando
e ao corpo burocráticonão
permiteque o
preso manifeste sua opinião, sua vontade, seu interesse, fazendo surgir
uma
grande apatiaou
frustração, tirando-lhes a iniciativa, tornando-os hesitantes entreo
fazer eo
não
fazer,aguardando que
outrostomem
asdecisões por eles.
ll‹ Esse automatismo, renovado
com
fieqüência nas cadeias, é
uma
tortura; as pessoas livres não imaginam a extensãodo tormento. Certo, há
uma
razão para nos mexermos desta ou daquela maneira, mas, desconhecendo o móvel dos nossosatos, andamos à toa, desarvorados.
Roubaram-nos completamente a iniciativa, os nossos desejos, os
intuitos mais reservados, estão sujeitosà
verzficação; e forçam-nos a
procedimento desarrazoado. " (IMMOS,
19 . p. 150)
/'K
._\\
.-f*‹
O
detentonão
dispõedo
próprio dinheironem
semantém
às suascustas.
Depende
do Estado que
decide todos os seus atos.A
condutaconsiderada fora das
normas
estabelecidas, acarretam punição,que além
do
castigo,pode comprometer
toda a vida carceráriado
sentenciado, jáque
a falta cometida vai para seu prontuário e para aboná-la deverá ter,nos seis
meses
subseqüentes,comportamento
exemplar. Neste período,beneficio
ou
entrada de recursos são suspensos.Além
de perder sua auto-imagem,o
preso acaba por perder algunsdos seus direitos fundamentais,
como
votar, responsabilizar-se pelos filhos,manter
habitualmente relações heterossexuais.O
marido
desliga-seda
esposa, aquem
verá constrangedoramenteem
dias e horários estipulados;o
pai transforma-seem
figura
estigmatizada,
cuja
autoridade debilita-se, pois acondenação
geravergonha
aos filhos:“(...)
Quando
elesvem
me
ver (a familia) tenhovergonha
eremorso
pelo
que
fiz
pramim
e pra eles.” (A.D./96 -Depoimento
deum
detento)há
uma
demissãodo
trabalho,da
profissão,do
conviviocom
amigos,enfim
a destruição dos papéis representadosno
modo
comum
da
existência.
Sua
personalidade enfraquece equando cumprida
a pena,o
I
té alienado.
Conforme
sentenciado
retoma
a vida livre confuso e aOLIVEIRA
apud
FARIA
JUNIOR
(1984 p. 26)`
I a desorganização
“A prisionizaçao eva
da personalidade, à deformação do
caráter, à degradação do
comportamento e ao abandono dos padrões de conduta da vida
4
extra~muro. "
A
medida
que o
sentenciado aceita os valores apresentados pela instituiçãocomo
forma
de reconstniçãoda
personalidade dentro dos padrões impostos,um
sistema de privilégios lhe são apresentados.@?Na
prisão, ao invés de ser proposto padrões decomportamento
I
ema
de castigos eprêmios
incens a se
adequarem
à vidado
cárcere.Segundo
THOMPSON
apud
adequados
aomundo
livre, o sist tiva ospreso
BUFFORD
(1993 p. 15):5
H
“Na verdade, não e' muito difícil ser
um
bom
preso, para aquele que chega a' ` '
*Ié
dominar os nervos.
O
que e mais diĒu saber para que pode servirum bom
preso,
uma
vez sua pena tenha ,terminado. "
Outra questão
que
agride terrivelmente o preso refere-seà%soluta
do
direito à intimidade e privacidade.ulo, ele e' observado a
Mesmo
estando sozinhoem
seu cubícaves de
uma
fenda qualquer hora e a qualquer instante pelo guarda, atrcolocada
na
porta.É
revistado diariamente.Durante
a noitepode
ser acordadocom
o
barulho de chaves
a
abrir a cela.Tudo
é vasculhado: suas roupas, sua cama, seus pertences.Pode
estarcaminhando
pelo pátio e ser interrompido pela segurançaque
resolveu lhe fazeruma
revista.Levanta
os braços, abre aspemas,
deixa-se apalpar pormãos
estranhas,que
retiram de seus bolsoso que
encontrar: papeis, cigarros, dinheiro.Muitas
vezeso
cigarro é destruído, os bilhetesou
cartas, caso haja, são lidos cuidadosamente. Isso tudopode
ocorrer
sem
que
hajaum
verdadeiro motivo,mas
simplesmenteporque
~ ~
sao presos e “neles
nao
se confia”.Confonne
THOMPSON
'apudBUFFARD
( 1993. p. )~
“A revista nao é e
nem
pode serconsiderada
como
uma
simples operação de controle: ela agride, aomesmo
tempo, o corpo real, 0 corpo imaginário eo corpo simbólico.O
homem
revistado e'um homem
possuído. "~
Faz-se necessário dizer que, a superlotação,
que nao
constacomo
uma
das “doresda
prisão”,vem
se transformandonum
dos maiores problemasdo
sistema penal,tomando
aindamais
degradante a vidana
' ~
prisao.
Na
grande maioria das prisões brasileiras, o espaço émínimo.
As
celas superlotadas impossibilitamque
os detentos semexam.
¶\
">. É . _ \ _ ~~”” \ ,‹f”/Ã 1
O
homem
que
numa
prisão é “depositado” viveem
condiçõessubumanas,
como
animais.Só
com
uma
resistência fisica e psicológica extraordinária sobreviverá. Violentado, despojado de sua identidadehumana,
encerrado dentrodo
próprio cárcere, sujeitoà
degradação sexual,o
homem
sai dai, deste “depósitohumano”,
desta “sementeirada
violência e
da
criminalidade”,sem
mais
nenhum
sentimentoque o impeça
de violar
ou
matar.“Entrei
com
o artigo 12 e vou saircom
todos. Isso é
uma
universidade. " HV.C./95 - Depoimento de
um
Detento)~ ~
“O
fato de nao querer mais traficar naoé por causa da prisão.
É
por causa dafamília.
O
ódio que tenho no coraçãome
faria continuar no crime.Na
prisão fiqueiuma
pessoa mais dura, amarga. ”HV
.C./95 - Depoimento deum
Detento)LPor
tudoque
foi descnto,somado
à outras característicasda
prisão,~
nao
é de admirarque
o
preso tenhaum
conceito baixíssimo de simesmo
como
pessoa, julgando-seo
lixoda
sociedade, pois se for secomparar
com
asdemais
pessoasdo
mundo
livre,o
presotem
a dramática sensaçãode haver atingido o
mais
baixo nível de degradação, identificando-secomo
algoque não merece mais
que
indiferença, descaso edesprezoJ`
xyiíi xxxi
2.2
A
PenitenciáriaEstadual de
Florianópolis e o seuCotidiano
A
Penitenciária Estadual de Florianópolis é omais
antigo estabelecimento penaldo
Estado de Santa Catarina. Foi criada atravésda
Lei n° 1.547, de
20
de outubro de 1926,onde o Poder
Executivo era autorizado a organizaro
regime penitenciário e a construirum
prédio para sua instalação.O
artigo 1°da
mencionada
lei, diz:“Fica 0 poder executivo autorizado a organizar nos moldes eslatuídos pelo Código Penal da República, o regime
penitenciário, adquirindo, oufazendo
construir ou adaptar
um
prédio, afim
deser no
mesmo
instituída a penitenciáriado Estado. "
Desta
forma,no ano
de 1930, sob a orientaçãodo
Dr.Edmundo
Acácio Moreira,
foi inaugurada a Penitenciária de Florianópolis. Inicialmente possuia sóuma
galeria eum
bloco para administração e tinhacapacidade para
60
sentenciados.A
penitenciária foi bastante ampliadaem
1940,com
a construção deum
pavilhãocom
três galerias ecom
uma
capacidade de atendimento a210
sentenciados. ×Em
1965,0
estabelecimento contoucom
aconstmção
deum
novo
bloco destinado à administração e
funcionamento do
serviço burocrático.Através
do Decreto
n° 5.197 de 03 de julho de l978, foiaprovada
a atual estrutura organizacionalda
penitenciária.Considerada de segurança
máxima,
tem
por finalidade darcumprimento
àexecução
daspenas
de reclusão e detenção,nos
regimesfechado e semi-aberto.
É
um
estabelecimento exclusivamente parahomens,
maioresde
18 anos,sem
nenhuma
distinçãoou
critério deseparação. Estão juntos os presos perigosos, de grande periculosidade, os reincidentes, os primários.
Os
usuários desta instituição, caracterizam-se,em
sua maioria, pelobaixo
ou
inexistente nível de escolaridade, qualificação precáriaou
inexistente, baixo nivel sócio-econômico eproblemas
familiares diversos.Antes de
se integrarno
cotidiano prisional,o
sentenciadodeve
passar por
um
período de adaptação ao sistema,que
consisteem
ficarrecolhido
em
sua cela porum
periodo de30
dias. Para os agentes prisionais, esse é o periodoem
que o
preso reflete sobre sua culpa, sobre seus atos. Parao
preso é eafonna
atravésda
qual a estrutura dedominação
se materializa, éo
periodono
qualo
homem
embrutece.“Quando a gente mais precisa se
comunicar
com
alguém, não tem direitoa essa comunicação. ” (C. L. S./95- Depoimento de
um
Detento)Esse periodo é regulado de acordo
com
os anos decondenação
enessa fase o sentenciado
não pode tomar
sol, enviarou
recebercorrespondência, receber visitas,
sendo
seu único contatocom
o
mundo
extra-muros os agentes prisionais e alguns
membros
da
equipe técnicaCumprida
essa exigência,o
sentenciado está apto' a fazer partedo
cotidiano
da
prisão.V
“O
cotidiano éa
vida de todos os dias e de todos oshomens
em
qualquer
época
históricaque
possamos
analisar.”(FALCÃO
eNETO,
1993. p. 23)
_
Imagina-se
que o
detentopermaneça
24
horas por dia dentro de suacela. Isso, porém,
não
ocorre. qCom
horários pré-estabelecidos e seguindonormas
rígidas,o
detento ao acordar já sabe
o
rotina de seu dia: caféda
manhã,
respondera
chamada
(ondeo
agente verifica sehouve
fuga), trabalho, ahnoço,, descanso, trabalho, jantar,chamada
e toque de recolher.Algumas
vezeshá
variações nessa rotina. Isso ocorrequando o
detento necessita ir ao médico, falarcom
assistente socialou
algum
outromembro
da
equipe técnica;quando
vai a culto religiosoou
participade
algum
programa
de ensinoou
'trabalhos dentroda
própria instituição equando
recebe a visita de familiares e amigos. Este, por sinal, éuma
xxvi 3000
situação de grande importância para
o
preso, poiso
mantém
em
contatocom
o
mundo
exterior enão
permiteque
ocorrao
rompimento
total doslaços familiares.
“A visita é necessária e importante
em
tudo. Se o preso não recebe visita sente-
se abandonado. Só faz o pior.
A
visitatraz novidades do que se passa na rua. ”
(F. R. L./96 -Depoimento de
um
Detento)“É muito ruim ficar
sem
visita.Dá
saudade da família euma
tristeza muito grande. " (A. S./96 - Depoimento deum
Detento)
“A pior coisa na prisão é que
mantém
a gente longe da família e dos amigos.” (]v£D.S./96 - Depoimento deum
Detento)A
“população” carcerária divideumaárea
ñsica bastante limitada,sendo
forçada a vivernuma
intimidade estreita.Desta
forma, pode-secitar,
também,
como
partedo
cotidianodo
preso,a
sua relaçãocom
osdemais
detentos e a sua relaçãocom
os funcionáriosda
prisão,principalmente
com
o
agente prisional, pois écom
eleque
mantém
um
contato maior. Isso faz
com
que o
sentenciado,no
seu diaa
dia,além do
sofrimento
que
a vida prisional lheimpõe, fique
dependentedo
temperamento, interesses e sentimentos pessoais dos funcionarios e
agentes
da
penitenciária,que
acabam
por terum
certo descasocom
relação ao detento. Isso ocorre, talvez, pela ausência de valorização e
XXXWÊ
atenção pelo seu trabalho desgastante.
O
servidor, muitas vezes, é tão carente quantoo
próprio detento, sendo,com
freqüência, de baixo nívelde instrução,
sem
conhecimento
de relaçõeshumanas,
com
baixo salário edespreparados para a função
que
exercem.Acabam
por
colaborarno
tratamento
inadequado
recebido pelo detento,o que
irá contribuir parao
fracasso
da
ressocialização.“O
preso dificilmente gosta do agenteprisional. Sempre desconfia dele e ele do
preso. " (L. D. O./96 - Depoimento de
um
Detento) V“Existe agente sem preparo; sua função é abrir e fechar portas. ” (0. J. V./96- Depoimento de
um
Detento)Com
relação aos seuscompanheiros
, procura,o
sentenciado,adaptar-se às regras de convívio. Teoricamente
composto
de iguais -todos se -achamem
regime
decumprimento
depena
- a “sociedade dos cativos”tem
práticas dedominação mais
dificeis deserem
captadas.Presume
uma
estratificaçãoem
seu interiorque
garanteo dominio de uns
em
relação aos outros.Por
sermenos
visível estaforma
dedominação
émuito
eficaz.“Quando a gente chega (na prisão) tudo é estranho; a gente vai conversando
com
os companheiros (__) aí a gente encontra pessoas que são do crime primeiro que agente que é primário (...).
Da
primeiravez que eu estive aqui, eu sofri muito, era
inexperiente, não sabia nada; agora não,
agora já estou pegando a segunda vez,
›t×\/*iii
agora já sei
como
filzer para viver aqui; eu vejo tudo e não vejo nada, eu ouço tudo e não ouço nada. " (R. A. V./96 - Depoimento deum
Detento)Com
o
passardo
tempo
o
preso vaiaprendendo a
conviver ea
enfrentar a
dominação
do
sistema. Sabe, ate'mesmo,
0
preço a pagar pelas infrações cometidas.O
imprevisível situa-seno
cotidianocom
oscompanheiros. as relações
que
mantém
estão envoltas pela cautela, pelotempo, pelo
conhecimento
e pelo respeitoao
código de éticado
mundo
da
delinqüência e vai
além
deste - por certa cumplicidadeque contempla o
medo, o
silêncio, os pactos.Não
aceitarou
não
respeitar é caminhar_ parao
imprevisível.(CASTRO,
1991)lAssim,
na
prisão ao invés de se propor padrões decomportamento
à vida livre,
o
sistema de castigos, códigos e prêmios incentiva0
sentenciado a adaptar-se à vida
do
cárcerei2.3
A
Práticado
Serviço Socialno Espaço
Prisionali
O
Assistente Socialnão
pode
pensar sua intervençãocomo
se fosseindependente
da
estrutura/conjuntura,onde
se estabelecem as relações sociais contraditórias, especificamenteno
tocante às instituiçõesdo
Estado
no
exercícioda
profissão.×›‹x¡
Requisitada pelo Estado para concretizar suas políticas,
a
práticado
Serviço Social é
também
determinada,comoa
própria instituição, pelacorrelação de forças
que
defmem
o
poder. Explícita-secomo
uma
forma
de
mediação
dos interesses de classes.Se
as classes existemnuma
relação' contraditória, amediação do
Serviço Social tantopode
conduzirmensagens que
legitimam aordem
social vigente, quantomensagens que
I
_
a
problematizam
e contestam. Isso tudo vai dependerda
correlação deforças e das
opções
ou
posturado
profissional, levandoem
consideraçãoo
componente
teórico-metodológico,que poderá
conduzirna
direçãoda
expansão da
dominação
ou da
transformação; iA
mediação, idealizada pelo Assistente Social para direcionara sua prática profissional,
não
significa simplesmenteo
papelde
intermediário
ou
porta voz. Refere-se auma
categoriada
práxis, presenteem
nossa prática;com
dimensões mais
profundas,com
um
caráterpolitico. Refere-se aos processos ocorrentes nas tramas de relações e refere-se igualmente aos processos e instâncias
que ocorrem
a nível deconsciência e detemrinantes existentes entre
o
singular, sentido e vividopor
cada
um
ea
sua relaçãocom
a classe social aque
pertencem.(FALELROS,
1995)“A práxis do serviço Social nas
instituições deve ser analisada dentro da
dinâmica contraditória das relações de
produção que se estabelecem e
reproduzem no seu interior,
bem como
determinadas contradições sociais
geradas pelas necessidade concretas dos homens,
como
pertencentes auma
determinada classe social. Para tanto,
inicialmente é necessário entender que
esses elementos são relutantes de ami
processo complexo desenvolvido
por
certas relações geradas pela ação dohomem
com
a natureza e a própriaformação social (da sociedade) ".
(BARBOSA,
1990, p. 15) -O
Assistente Social ao atuarnuma
instituição prisional,enquanto
mediador
nas relações de poder,deve
estar ciente deque
seu diaa
dia serámarcado
por contínuas buscas de alternativas parao
fazer profissional, jáque
as barreiras existentes nesse espaçofazem
partedo
seu cotidiano.Através de
um
alto grau de reflexão-crítica e criatividade,juntamente
com
um
posicionamento teórico,poderá compreender o que
é peculiarà
instituição e ao
homem
na
situação de preso e então percebero
tipode
intervenção
que deve
ser utilizada.“A práxis possibilita que toda atividade teórica se reveja, se enrique, se atualize historicamente.
A
relação entre a teoriae a prática é quea
`
atividade teórica, coordenada
com
aatividade prática, realiza
a
ação transformadora, transformando anatureza e o homem. "
(BARBOSA,
1981..›».›_~
‹..» 1
Quando
sua prática está voltada apenas aos interessesda
instituição,sem
qualquerreflexão
sobre sua atuação, o Assistente Social estará contribuindo para amanutenção ou
reprodução das relações deum
` s sistema falho. j _ . 4 " - -›,c.=f-=-^“ Y
Confomie
a Lei 7.210/94, Lei deExecução
Penal,no
seu Art. 22:“A
Assistência Socialtem
por fmalidadeamparar
o preso eo intemo
eprepara-los para a liberdade?
”Porém,
se a atuaçãodo
@xviço
Social estiver voltada apenas ao indivíduo e seucomportamento
marginal, estaráreproduzindo
uma
práticapermeada
por valores filantrópicos, entendidoscomo
mera
ajuda.É
necessárioque
se atinja a causado
problema
enão
sóo
efeito.A
questão de condicionar 0 sentenciado à estrutura, contradiz todauma
proposta transformadoraque o
faria portador deuma
consciênciacrítica
em
relação a si próprio e a realidadena
qual está inserido.Mas
como
desprender-se das questões de ajustamento social e avançarna
visãode transformação