ROSA
BATISTA
A
ROTINA
NO
DIA-A-DIA
DA
CRECHE:
ENTRE
O
PROPOSTO
E
O
VIVIDO
Dissertação
apresentada
ao Curso
de
Mestrado
em
Educaçäo da
Universidade Federalde
Santa
Catarina
como
requisito parcial paraobtenção
do
títulode Mestre
em
Educação,tendo
como
orientadora a Profa. Dra.
Ana
Beatriz Cerisarat
|=|_oR|ANÓPo|.|s
_. .\. »,_¡ ..¿. . _ `.`.-TM-~ "' 5..
uN|vERs|DADE
FEDERAL DE
SANTA
cATAR|NA
CENTRO
DE
CIÊNCIAS
DA
EDUCAÇÃO
PROGRAMA
DE
Pós-GRADUAÇÃO
CURSO DE
MEsTRADO
EM
EDUCAÇÃO
“A
ROTINA
NO
DLA-A-DL4
DA
CRECHE:
ENTRE
O
PROPOSTO
E
O
VYVIDO”.
Dissertação
submetida
ao
Colegiadodo
Curso
de Mestradoem
Educação do
Centrode
Ciênciasda
Educação
em
cumprimento
parcial para a
obtenção do
títulode
Mestreem
Educação.
VAPROVADO
PELA COMISSÃO
EXAMINADORA
em
14/12/98J , ,
Dra.
Ana
Beatriz Cerisara (orientadora) ‹*(:«×'-^¬%‹=«›×~›__
(4`-
Â Í Í/ /
Dra.
Carmen
Silvia deArruda
Andaló ALi/\`×'\"="/ͬfv '~U›""'¬”'f
_ I; A
Dra.
Maria
Tereza SantosCunha
f'Í/(ÁÁ(,‹'zLv¿/l‹:«-Dr. João Josué
da
Silva Filho (suplente)X
(aew
eu/_
ifProf”. Edel Ern “
Coordenadora do Programa de
Pós-Graduação em Educação
CED/UFSC - Portaria 0464/GR/98
íêaàeià
_Rosa
B
tistaAGRADEÇO
Aos
profissionais e criançasda
crecheonde
foi realizadaa
pesquisa, pelaacolhida
e
disponibilidade.Um
agradecimento
particular,à
professora, auxiliarese
criançasdo
grupoem
que
foi realizada a pesquisa,que
me
receberam
de
forma
especial permitindo
que
eu
fizesse partedo seu
dia-a-diae
me
baseasse
nas
suas
vivências diárias para repensara
rotinada
creche.À
Professora Dra.Ana
Beatriz Cerisara, orientadora desta dissertação,pela
confiança
que
depositouem
mim
e
especialmente pelo apoio, estímuloe
contribuições valiosas para esta pesquisa.
À
LucianaEsmeralda
Ostetto, pela contribuiçãona
definiçãodo
objetodesta pesquisa
e
elaboraçãodo
projeto.Aos
participantesdo
Núcleode
Estudose Pesquisas
em
Educação de
O a
6
anos
(NEE
0A6), principalmentea
Eloisa e o Josué, pelas sugestões feitasno
momento
da
apresentação do
projeto.-
Às
professoras Dra.Carmem
Andaló e
Dra. MariaTeresa Santos Cunha,
pelas
sugestões no
exame
de
qualificação.Aos meus
filhos,Bruna
e
Guilherme,que mais
uma
vez
vivenciaramminhas
ausênciasnas suas
vidas.Ao
Sidney,que
me
mostrouo
lado poético edesafiador da
vidae
que,ao
longo deste trabalho,
tomou-se
um
interlocutor indispensávelno processo
de
sua
elaboração.
Ao meu
pai que,em
silênciosempre
torceu pormim.
Se
estivesse entrenós, ficaria muito feliz.
À
minha
mãe,
peloexemplo
de
mulher guerreiraque
nunca se
deixouabater pelas dificuldades vividas.
Aos meus
irmãos, Cida, Dite, Neid, Mita e Vlfilsonque
cada
um
da
sua
\
Para
os meninos e meninas
que
permanecem
na creche
.deza
doze
horas por dia, sessentahoras
porsemana,
duzentose
quarenta horas por mês,
duas
mile
quatrocentas horas porano, durante os primeiros
anos
de
suas
vidas.'
\
À
Cecília,amiga
de
todas as horascom quem
dividitodas as
alegrias,angústias
e
inquietações.Companheira
de
vidae de
trabalhoque tem
trilhadocomigo
o
percurso desta pesquisa.Aos
amigos que
estiveram presentesde
forma particularna
elaboraçãodeste trabalho: Joana, Cida, Rosalba, Jorge, Rogério, Ana, Maria Helena, Letícia,
Solange
e
Dóris.Um
agradecimento
especial àJoana
pelassugestões
preciosas,especialmente
porque
atravésde sua
leitura críticatomou-se
uma
importanteinterlocutora. -
À
Sandra,amiga
de
sempre,que
me
ajudouem
momentos
difíceis.À
Júlia,amiga desde
agraduação e companheira de
estudo, peloexemplo
de
dignidadena
luta pelos direitoshumanos.
À CAPES
pelaconcessão da
bolsade
estudosque
garantiuas
condiçõesRESUMO
Ao
longo deste estudoforam
tecidas considerações empíricase
teóricassobre
a
rotinano
cotidianoda
creche.A
interlocuçãocom
alguns
autoresda
Sociologia,
da
História,e da
Psicologia, entre outros, contribuíram paraa
melhor
compreensão
de
alguns aspectosda
rotinada
crechee
permitiramanalisá-la
na
perspectivada
Pedagogia.Para compreender
o caráter educativoda
rotina, optou-se pelo registroem
vídeodas ações
e reaçõesdas
crianças frenteao
proposto pelo adultono
dia-a-dia
da
creche. ` `Através
das
análisesdos
registros filmicos, foi possível captara
dinâmica plural
e
heterogënea, vivenciadano
cotidiano por adultose
criançasque
permanecem
em
periodo integral nesta instituição cuja rotinaé
pré-fixadae
organizada
em
tempos
homogêneos.
Constatou-se
que
a lógica temporale
espacial,que fundamenta
a
rotinada
creche,assemelha-se
muitoà
lógicada
organizaçãodos
tempos
e
espaços
da
escola.No
entanto, esta incorporação pela crecheda
organização temporale
espacialda
escolanão
ocorrede
forma
linear. Elase
materializade
formas
diversas
em
funçãode suas
especificidades,como
a
faixa etáriaque
atende,e
o período
de
dez
adoze
horasde
funcionamento. Assim,a forma
como
o
tempo
e oespaço da
creche estão organizados exigeque as
crianças 'sejamtratadas
mais
como
sujeito-alunodo
que
como
sujeito-criança.Foi possível perceber
que
esta formade
organizaçãoé
inadequada
parao atendimento
das
criançasde
O
a6
anos
em
instituições educativas. Estainadequação
manifesta-senas ações e reações das
criançasexpressadas
pormovimentos
de
ruptura,acomodação
e
resistência, frenteao que
lhesé
proposto
no
dia-a-diada
creche.As
análises aqui apresentadaspermitem desencadear
um
processo
de
reflexão
e
discussãoem
tomo da
organizaçãodos
tempos
eespaços
da
creche
ssu|v|ÁR|o
|NTRoDuçÃo
...-Panel
1.
OS
CAMINHOS
DA
PESQUISA
... ._1.1.
Por
que
a
rotina? ... _.1.2.
A
realidade investigada ... ..1.3.
Um
caminhar
metodológico ... _.Parte ll
2.
HISTORICIZANDO
O TEMPO
E
O
ESPAÇO:
aproximações
teóricas paracompreender
a
rotinada
crecheParte Ill.
3.
O
DIA-A-DIA
DA
CRECHE
... _.3.1.
No
começo de
cadamanhã
... ._49
3.2. “Agora é hora de brincar" ... ... ._
3.3.
“Vamos
guardar os brinquedos para lanchar” ... ._3.4. “\/amos fechar a roda” ... _.
67
3.5. “Depois
de
trabalhar pode brincar” ... ._3.6.
A
sala,“um
porto seguro” ... ._3.7.
Nos
pneusuma
viagem, nos galhos da árvoreum
campo
de
luta, embaixo do arbustouma
casinha...3.8. “Nós precisamos guardar os brinquedos
porque o almoço já chegou” ... _. 110
3.9. Fecham-se as cortinas: preparando para o descanso...
3.10.
A
hora do descanso: ? ... ... _.3.13.
Na
roda outra vez ... 1373.14. Trabalho ou brincadeira? ... .. 141
3.15. Voltando prá roda ... ..
148
3.16. “Não dá para fazer tudo ao
mesmo
tempo.Só
podeuma
brincadeira de cada vez” ... .. 1543.17. “Tá na hora de ir para casa,
vamos
guardaros
brinquedos” ... .. 161Considerações
Finais ... ._165
_`š\`I¿_A“ __I_“â_Vfl 7 Qu, 'É *_ '_ šh`‹_WMmw‹`__¿¿ W L __`_Ê___J *MM "H¿_%M__¿)_,h _À _,__ r WV; _, ___: _" VW” WM! W_”M%\@ã_MW“ »“ _ “ Ušv _m` "__ _` Ã “_ É __' 2 l_____` QE *_ _* É _` _w~ pm 1%
Q
M¿_$wm%ƒ_ _ _ _ _; Í ___M__ _w_r_`¬_ _§ Wow: _ _ W^_`M@%4“__¢__u__¬® i, TM "H __:_ ) ¡ “_ 9 W às í “WM ø É 3% 3 \ ga _ ly IL' _w_ J? 'v_^`_ v¬ I " vw "Jú _ Mv, “N 1 _): _? /_ ~H ¿ _N7_ _&`fl__§___4 *_ Q É _ ¿_ _'‹__,¡ ____ wwmgwäqwwwšmäwumw Mä?Educaçãoinfantil,
espaço de
vivênciade
direitosde meninos
e meninas
menores
de
seteanos
- esteé o
princípioque
tem
mobilizado alguns professorese
pesquisadoresna
lutaem
defesado
caráter educativo desta instituiçãoque
presta atendimento
às
criançasem
idadede O
a6
anos
de
idade. .A
conquistana
Constituição Federalde
1988
(Art.7, incisoXXV, no
CapituloDos
Direitose
Garantias Individuaise
Coletivas)do
reconhecimentoda educação
em
crechese
pré-escolas'como
um
direitoda
criançae
um
dever
do
estado,representa
um
marcorelevante na
históriada
educação
infantilno
Brasil.Além
desta conquista legal,
houve
também
a
inclusãoda
educação
infantilcomo
parteintegrante
do
ensino fundamentalna
Leide
Diretrizese Bases
da Educação
(Lein° 9.394/ 1996).
'
O
entendimentodo
valor sociale do
caráter educativodas creches
e
pré-escolas
em
nivelde
legislação representaum
avanço
incontestável,se se
considerar
que
anteriormentepredominava
a tendênciaà
assistência,guarda
e
recreação.
Como
afinna
Campos
et alii: .A
subordinação do atendimentoem
creches e pré-escolas à área da educaçãorepresenta, pelo menos ao nível do texto constitucional,
um
grande passo nasuperação do caráter assistencialista predominante nos programas voltados para
essa faixa etária.
Ou
seja, esta subordinação confere às creches e pré-escolasum
inequivoco caráter educacional (1993:18).
Se
há
um
consenso
entre alguns professorese
pesquisadores, políticose
administradores sobre
o
caráter educativoda
educação
infantil, "omesmo
não
acontece
em
relaçãoà
definiçãodo
que
isso significa ede
como
deve
serviabilizada
essa
possibilidade junto às criançaspequenas"
Rocha
(1995:1).O
que
se
percebe,no
cotidianoda educação
infantil,é
que
existe, ainda,uma
grande
distância entre oque
se pretendee o
que
se realiza,o que se
“querfazer" e o
que
se“pode
fazer.”A
implementação de
uma
propostade
caráter1
O
termo creche será utilizado neste texto para se referir ao atendimento institucional
preferencial,
mas
não exclusivo, a crianças de 0 a 6 anos e de período integral.O
temio pré-escola será utilizado para o atendimento institucional a crianças de três a seis anos
em
períodoparcial tal como se configura nas creches e núcleos de educação infantil da Rede municipal de
Florianópolis.
educacional-pedagógicoz
que
possibiliteàs
criançasa
vivência dignados seus
direitos
e se contraponha
ao
caráter assistencialista, espontaneístaou
compensatório
de
educação, exige,além
da
vontade
dos
profissionaisa,o
comprometimento
políticopedagógico
da
instituição,das
agências fomiadoras,dos
govemantes
e dos
pesquisadoresque contam
hojecom
um
vastocampo
de
investigação ainda
em
aberto, principalmenteno que
diz respeitoà
caracterizaçãodo
trabalho realizadonas
crechese
pré-escolas.Neste sentido, acredito
que o
momento
atual exigeque
aEducação
Infantilredimensione
seu
papel,mas
também
amplieseu
campo
de
pesquisade
forma amelhor
atendere
“...delimitar asfunções e
objetivos destas instituiçõesde
carátereducativo
que
partilhamcom
as famíliasa
responsabilidadede
educar
as
criançasde O a 6
anos”,conforme
explicitaa
professoraAna
Beatriz Cerisara (1997:1).Segundo
esta autora “apedagogia
tem
historicamente estabelecidoparâmetros
pedagógicos
a
partirda
delimitaçãoda
infânciaem
situação escolar,pertinente para
o
modelo das
escolasde
1°e
2° graus,mas
inadequado
paraas
instituições
de educação
infantil” (Ibidem:1). Estas premissasvêm
reforçara
necessidade
de
se 'produzir
uma
pedagogia
voltada paraos
interessese
necessidades
especificasque
caracterizama
educação de
criançasna
faixa etáriade
O a 6 anos de
idade e,também,
paraas
questõesque
a elavem
sendo
continuamente colocadas.
Uma
destasquestões
refere-seà
rotina, estrutura entendidacomo
sendo
gerenciadora
do tempo-espaço
da
creche
e, que, muitas vezes,obedece a
uma
lógica institucionalizada
nos padrões
da
pedagogia
escolarque se
impõe
sobreas
crianças e sobre os adultosque vivem grande
partedo
tempo
de
suas
vidasnesta instituição.
A
crechevem
se constituindocomo
um
espaço
de educação
coletivano
mundo
contemporâneo,
cuja relevâncianão
é
possivel ignorar.Se
em
outros2
O
temo
educacionakpedagógico está sendo utilizado no sentido dado por MariaLucia de A.
Machado (1996), para
quem
o atendimento institucional às crianças menores de 6 anos temum
caráter educacional no seu sentido amplo,
mas
tem, também,um
caráter pedagógico, ou seja, deintencionalidade assumida, planejada, sistematizada pelos profissionais que desta tarefa
articipam.
E Utilizarei neste trabalho os tennos profissionais e adultos para
me
referir à professora e auxiliartempos
cabiaà
familia cuidare
inserirseus
filhospequenos no
universoda
cultura, hoje
com
oprocesso
crescentede
industrialização e urbanização,com
a
inserção
cada vez mais
intensada
mulherno
mercado de
trabalho,parece
sera
creche que cada
vezmais
partilhacom
a familia esta tarefa.Atualmente a
criança ingressa nesta instituiçãoa
partirdo
terceiromês
de
vida
e permanece,
em
tempo
integral,cada
diada sua
infância, voltando parao
convívio
da
famíliasomente no
finaldo
dia.É
importante dizerque
a
grande
maioria
das
criançaspequenas
que
freqüentam esta instituiçãopassam
nela,aproximadamente, doze
horas diárias.O
tempo de
convíviocom
outraspessoas,
outros objetos, outros
espaços e
outrostempos
toma-se
muito reduzido. Estedado
revelaque
o
tempo-espaço da
creche exercena
vidada
criançaum
papelfundamental
e
distintodos
demais tempos
eespaços
(escola,, família, rua, entreoutros), exigindo
que
sejapensado,
discutido, refletidoe
pesquisado.Neste
sentido,a
investigação sobreo
caráter educacionalpedagógico
da
creche,
a
partirda
rotinaé
uma
necessidadeque
se
coloca nestemomento
em
que buscamos
resignificaro seu
papel sociale
construirsua
identidade pelavalorização
dos
tempos da
criança, pelo resgatede seus
direitos,das
suas
competências
e
dos
saberesque
lhesao
próprios.Esta investigação implica reconhecer a relevância
da
crechecomo
contexto coletivo
de
educaçao
e compreender a
criançacomo
um
ser social,cultural e histórico
que
possui raizes espaço-temporaisdesde
que
nasce,porque
está situada
no
mundo
e
com
omundo.
A
partirda compreensão de
que suas
dimensões
corporal, individual, cognitiva, afetiva constituemprocessos
que
se
dão
num
todo,numa
relaçãode
reciprocidadee
de
complementaridade
é
que
se
faz necessário
que
o
tempo
e o espaço
estejam organizados, respeitandoa
lógica
do
tempo
e
do espaço da
vidahumana
nestas diversas dimensões.A
lógica temporalpredominante na
organizaçãoda
rotinanas
instituiçoesque
trabalhamcom
criançaspequenas tem
dificultadoum
trabalho educacionalpedagógico
que
permita aformação
do
sujeitonessas
múltiplasdimensões.
Sua
tendência
é
ade
abreviaras
possibilidadesdas
crianças viveremcom
intensidade
suas
pluralidadesde
saberes,sua
diversidadede
raça,credo
e
gênero,
de
sentimentos, desejose
fantasias.Ou
seja, a crechecom
sua
rotinarígida, uniforme
e homogeneizadora parece
dificultar a vivênciados
direitosdas
crianças atualmente proclamados.
A
propostade
Políticade
Educação
_lnfantildo
MEC,
que
enfatiza aquestão
do
direitoao
cuidado eà
educação
das
criançaspequenas,
entendidoscomo
sendo
indissociáveis,vem
contemplar as
discussões feitas por professorese
pesquisadoresda
áreada
educação
infantilem
defesade
um
atendimento
que
assegure o
bem-estar,a segurança e a
vivência dignados meninos
e meninas
meflOl'eS
de
SGÍG al"lOS.O
documento do
MEC
(1995) Critériospara
um
atendimentoem
creches
que
respeiteos
direitos fundamentaisdas
crianças-
ao
refletir as discussõesque
vêm
sendo
feitas por professorese pesquisadores da
áreaao
longodos
últimosanos,
aponta
paraum
redimensionamento
do
papel social epedagógico da
creche.
Nesta
perspectiva, a criançaé concebida
como
suieitode
direitos,que
possui
competências
e necessidades própriasdo
momento
que
está vivendo.A
creche, porsua
vez,é
concebidacomo
um
espaço de
vivênciadesses
direitos.No
documento
são
definidosos
direitos consideradosfundamentais das
crianças, visando
a
subsidiara
avaliação, organizaçãoe
estruturaçãode
programas
que
prestam atendimento à faixa etáriade 0 a
6
anos
em
creche.A
criança tem, portanto: direito
à
brincadeira; direito à atenção individual; direitoa
um
ambiente
aconchegante,seguro
e estimulante; direitoao
contatocom
anatureza; direito à higiene, à
saúde e a
uma
alimentação sadia; direito adesenvolver
sua
curiosidade,imaginação
e
capacidade de
expressão; direitoao
movimento
em
espaços
amplos; direitoà
proteção,ao
afeto,à
amizade
e a
expressar
seus
sentimentos; .direitoa
uma
atenção
especial duranteseu
periodode
adaptação
à creche; direitoa desenvolver sua
identidade cultural, raciale
religiosa.
A
creche, hoie, estásendo proclamada
como
um
espaço
de
direitosda
criança
pequena que
deve
permitira
vivênciada
cidadania.Já
não se
falamais
em
preparar a criança paraum
dia vira
ser cidadã. Ela iá conquistou,do
ponto
independente
de
raça, classe,e
credo, elatem
a garantiaao
cuidado
e à
educação.
O
reconhecimento dos
direitosda
criançapequena
é,sem
dúvida,um
fatoimportante,
se
se considerarque
anteriormentenão
havia instrumentos legaisque
permitissem exigiruma
educação
de
qualidade para elas.No
entanto,as
pessoas
que,de
uma
forma
ou de
outra, interessam-se pelasua
educação
sabem
que não
basta identificar direitos e formular textos legaisque os
expressem,
é
preciso viabilizar propostas concretasque
adentrem
o
cotidianoda
creche
eque provoquem
reflexões e ações
que
correspondam às necessidades
concretas
das
criançase das
famílias.Ao
mesmo
tempo, contudo,é
necessárioque
se
pense
nos
profissionaisque atuam
na
creche,sua
formação,sua
condição
de
sujeitosnão
apenas no
interiorda
instituição,mas
na
sociedade
como
um
todo.Como
afirmam
Souza
e
Kramer:Só
é possivel concretizarum
trabalho com a infância, voltado para a construção dacidadania e a emancipação (...) se os adultos envolvidos forem dessa forma
considerados. lsso implica no entendimento de que os mecanismos de fonnação
sejam percebidos como prática social inevitavelmente coerente com a prática que se
pretende implantar na sala de aula e implica
em
salários, planos de carreira econdições de trabalho (1994:19).
Não
é
possível deixarde
considerar oavanço
conquistadodo
pontode
vista
da
lei.No
entanto,temos
que
reconhecerque
as preocupações
e ações
politicas
e
econômicas
paraa
viabilizaçãodas
propostasanunciadas
paraa
Educação
infantilnão garantem a sua
concretização principalmentese
se
considerar
a escassez dos
recursos aplicadosna
expansão
do
atendimento,na
fomiação
dos
profissionaisque
nelaatuam e na
melhoriado atendimento
prestado
às
crianças pequenas.Neste
sentido,o “avanço na
conquistados
direitos,”
se
é que
podemos
assim
chamar,não chega a
modificaro
cotidianoda
creche.
Não
bastaque
a criança a ela tenha direito.É
precisoque a creche
sejao
lócus
da
vivênciados
direitos fundamentaisdas
crianças.A
creche
como
um
espaço
de
vivênciade
tais direitos, por certo, está porser construída.
Não
se pode,no
entanto, ignorarque
esseprocesso
de
construção
vem
setomando
uma
preocupação cada vez
mais presentenas
instituições
de educação
infantil,nos
meios
acadêmicos
e nos
movimentos
organizados
da sociedade
civil._
Tomando
alguns trabalhos realizadosmais especificamente na
áreada
educação
infantil, percebe-seque a
rotina diáriaé
um
dos elementos
da
práticaeducativa
que
tem merecido maior
atençãodos
pesquisadores.O
interesseem
redimensionar a rotina está atrelado àsconcepções de
criança,
de educação e
de
instituiçãoque
vêm
emergindo
ao
longodos
anos,em
decorrência
dos
pressupostos teóricosda
Psicologia,da
Antropologia,da
Sociologia,
da
Filosofia, entre outras.Segundo
os
mesmos,
a criançaé
vistacomo
um
ser social, culturale
histórico eque
se
constituicomo
talnas
relaçõesque
estabelececom
o
mundo,
desde que
nasce.É
um
serque
aprende
e,porque
aprende, se desenvolve.
É
um
serque
deseja e,porque
deseja,age
misturando-se
com
a realidadena
busca
de
compreende-Ia.Nesse
processo, criançase
adultos
vão
produzindoe se
apropriandoda
cultura,tecendo
histórias,construindo
e
reconstruindo, significandoe
resignificandoo
mundo
no
qual estãoinseridos. P
A
creche, nesta perspectiva,passa
a
serum
lugar privilegiadode
interações intersubjetivas,
de
interlocuções ede mediações
em
tomo
da
apropriação
da
cultura. Para analisá-la, faz-se necessário rever entre outrascoisas, o
tempo
ea
organizaçãodo
espaço,onde
criançase
adultos realizamessas
interaçõese
mostram-se
atravésda
fala,do
gesto,do
silêncio,da
brincadeira,
do
conflito,dos
diferentes ritmos,modos
de
sere de
atuar.É
neste sentidoque
alguns trabalhostêm
indicadouma
perspectivarenovada
para sepensar questões
referentes ãorganização
do tempo e do
espaço na
rotina diária."Rotina.
Por
que
rotina?” PerguntaMadalena
Freire:Rotina envolve tempo, espaço, atividade. Tempo-história, porque cada
um
tem odireito, a obrigação, o dever de ter a sua história na mão.(...)
Tempo
que envolveritmo.(...) Ritmo significa pulsação pedagógica, ritmo que significa abre-fecha,
direciona-observa, entra-sai, acelera-acalma.(...) o ritmo do
gmpo
é constituido dosvários ritmos de todos.
O
papel do educador é reger estas diferenças rítmicas para aA
rotinade
que
falaMadalena
Freirenão
é a "rotina rotineira"que
como
ela
mesmo
diz,De
...se arrasta
num
tédio mortal.(...)- Porque é alienada aos ritmos, aos desejos, aopulsar do pensamento do educador e do educando. Porque os dois, nessa rotina,
não têm a história e a geografia
nem
a construção do conhecimento na mão. Porisso, é
um
tédio (1 9931163)acordo
com
Oliveira,O
estabelecimento deuma
seqüência básica de atividades diárias, a "rotina, “é útilpara orientar a criança a perceber a relação espaço-tempo, podendo aos poucos
prever o funcionamento dos horários da creche. Contudo, o acontecer
de
coisasnovas, inesperadas, é fundamental para a ampliação das experiências
infantis.(...)planejar atividades não se refere propriamente à previsão de
uma
seqüência de atos que serão obrigatoriamente cumpridos, cabendo ao educador
controlar para que as crianças participem obediente da mesma." Segundo a autora,
esta fonna de conduzir o trabalho "contraria a visão de criança ativa, motivada, capaz
de decidir, que busca agir
com
o outro, a interagircom
ele ( 1992:76)Para
Warschauer,
...uma rotina de trabalho é importante para a estruturação de
um
grupo de crianças(e também_ de adultos).Rotina de trabalho significa organização, sistematização e
disciplina.
E
através da rotina que o tempo e o espaço se estruturam para a criança(ahora da roda, a hora do Ianche, a arrumação das mesas e dos materiais, etc.).
A
rotina orienta a criança a se organizar dentro de
um
espaço e deum
tempodeterminado(...), porém a rotina deve ser flexível, de modo a organizar os espaços e
os tempos conforme as novas necessidades que surjam, caso contrário ela toma-se mecânica e
sem
sentido (1993:66),Cardona,
num
estudo realizado sobrea
organizaçãodo espaço e
do
tempo
na
salade
jardim-de-infância,afirma
que:O
existir deuma
"rotina" definitiva não é forçosamente sinônimo de “rigidez“.Ao
longo do ano, consoante os projetos que vão sendo desenvolvidos pelo grupo, esta
vai sendo modificada.
O
que é fundamental é que estas transfonnações sejam sempre devidamente explicitadas e negociadascom
as crianças, de fomwa a que elas as percebam e consigam situar-se autonomamente no decorrer do dia de atividades(1 992110).
Numa
pesquisa realizada sobreo
ingressona
pré-escolaa
partirde
uma
leitura psicogenética,
Nunes afirma que
a rotina escolar deve favorecer o conhecimento de si nas dimensões fisica, afetiva
e cognitiva, sendo necessário que cada criança possa se perceber
como
personalidade diferenciada. Não basta colocar o conhecimento do
EU
comoconteúdo programático: é preciso que seja respeitada a individualidade de cada
criança. Fazer
com
que todos os alunos realizem asmesmas
ações, durante todo otempo, não é o melhor caminho para isto. É preciso que cada
um
deles tenha apossibilidade de se opor, de se negar a fazer e de escolher o que fazer, não devendo
ser sempre forçado a se conformar
com
as exigências que lhe são feitas(1995a:127).
Peter McLaren,
num
estudo realizado sobreos
rituaisna
escola, refere-se arotina dizendo
não
estar sugerindo que:a ordem, a rotina e a redundância sejam de todo afastadas pelos professores, pois,
afinal, o caos e a ordem são rituais correlacionados e que todos nós precisamos de
alguma previsibilidade, nos nossos esforços do dia-a-dia, para que nos sintamos
confortáveis e seguros.
Complementa
dizendo:A
vida escolar não pode ser vivida somentenum
ar festivo ou dentro deuma
indulgência liminar do desgosto. Mas a rotina pode facilmente pender para a
repressão; devemos ser cautelosos para que as nossas rotinas não capitulem à
contaminação das coerções opressivas ou transfonne nossos combates cotidianos,
seguros e prediziveis,
em
tortuosos caminhos de arregimentação (1991 :314)Observa-se
que
a
partirda década de 90
a produção
teóricasobre o
cotidiano
da educação
infantiltem se
intensificado.Autoras
como
Garcia etal¡i.(1993),
Haddad
(1992), Oliveira et alii.(1992e
1994),Machado
(1991)e
outrostêm
contribuído para desvelaro
universoda
educação
infantil, explicitaros seus
limites,
avanços
e as possibilidades paraa
realizaçãode
uma
práticapedagógica
que
considere as criançascomo
sujeitosde
múltiplos tempos.A
realizaçãode
uma
revisão bibliográfica sobreo tema
permite constatarque
se
tem, hoje,um
acervo considerávelde
publicaçõesde
pesquisas realizadassobre
o
cotidianoda
educação
infantil:Esteban
(1993),Gomes
(1993),Gonçalves
(1994),
Andrade
(1994),Nunes
(1994)e
outros.No
entanto, estaspesquisas
desconsidera a criança
como
sujeitode
direitose
a
crechecomo
espaço
de
vivência destes direitos.
Constata-se, ainda,
que
as
pesquisase
estudos priorizam a pré-escolaem
detrimento
da creche
e têm
como
referencial teóricoquase que
exclusivamente aPsicologia.
Considerando
que
a creche possuiuma
especificidadeem
relaçãoà
pré-escola (pela faixa etária
que
atende, pelo períodode
10a
12
horasde
permanência
diáriadas
criançasna
mesma)
é
que
entendo ser necessárioinvestigar
a
rotina nesta instituição._Verifica-se,
também,
que, dentre as pesquisas existentes sobreo
cotidianoda
creche,a
maioria dirigeo
olhar sobreo
adultoque
atua direta e/ouindiretamente
com
as
criançasna busca da
compreensão da
prática pedagógica,do
curriculo,do
planejamento, _deprogramas
e
propostase
de
formação
profissional. Outras,
quando
priorizamo
olhar sobre as crianças,têm
como
focode
análise' exclusivamente as interaçõese
suas
implicações parao
desenvolvimento
e
a
aprendizagem,baseando-se nos
pressupostosda
Psicologia4.
Assim, vai
se
delineando a convicçãoda
necessidadede
realizaruma
investigação
com
um
caráter pedagógicosobre
a
rotinada
creche que,ao
contemplar a relação entre
o
que
é proposto pelo adultoe o que é
vivido pelascrianças,
busque
contribuir paraa
construçãode
uma
propostade
trabalhopedagógico do
adultoa
partirdas
manifestaçõesdas
crianças:sua
cultura,seus
tempos,
suas
necessidades
e
possibilidadesde
relaçãono e
com
o
mundo.
Considero
que a
relevância desta investigação consisteem
buscar
analisaras ações e reações
das
crianças frenteao
que
lhes é propostono
tempo
e
no
espaço
da
crecheonde permanecem
aproximadamente dez
a
doze horas
por dia,sessenta horas por
semana,
duzentos e quarenta horas por mês,duas
mile
quatrocentas horas por ano, durante os primeiros
anos de suas
vidas.O
trabalho está organizadoem
quatro partes:Na
parte 1,Os
caminhos da
pesquisa,
a
intençãoé
situaro
tema,o
universo investigadoe o
percursometodológico seguido.
Ver Educação Infantil: bibliografia anotada. Brasília,1 995.
Na
parte 2, Historicizandoo tempo e o
espaço:aproximações
teóricaspara
compreendera
rotinana
creche, é realizadoum
estudo a partirde
diferentesaportes teóricos
da
históriae
da
sociologia paraum
conhecimento mais
aprofundado a
respeitoda
construção históricae
socialdo tempo e do espaço
ede
como
estesse
instituemno
universo educativoda
creche.Na
parte 3,O
dia-a-diada
creche, pretende-se,a
partirda
análisedos
dados
empíricose
teóricos, apresentar a rotinana
creche, analisandoas
ações
e
reações das
crianças frente às propostasdos
adultosnos
diferentessegmentos
da
rotina.Para
isso,são apresentadas cenas
que
permitem
analisara
rotinano
dia-a-dia
da
crechecom
o intuitode
apreender
a dinâmicaheterogënea e
ascontradições entre
o
propostoe
o
vividono ambiente
coletivodo
grupo.Como
considerações flnais,são anunciadas algumas
possibilidadesque
os elementos
analisadosno
transcorrerdo
trabalho evidenciamem
relação ànecessidade
de
uma
redefiniçãodo uso do
tempo
edo espaço nas
instituiçõesde
.~,~.:;j,=,-,¡¿.~¡›5›‹;-,¿._í.‹-._»_»-fz¡¿:;r›-z;=¬;:~-‹;«~;f.~:¿.-gv .. ›-~~¡f‹z:.-;¡§› ': :z .- -~~.‹~›.-,y-¡=_»;_~~i.;,¿4-‹:'~¡¿.~_:_. ¿_›_¿=~'f-.:;z. :-'-=_-.='1 _'~;.J- z‹~ Nf, ‹¡»f¡‹.z=:,‹~_1»'~:›'› ¿~-,¿_-›:=- .z _-_'-' :z,¿¿¿_¿‹-,~›=‹_:.;:¡¡;$¿¿_-._-,:›- »._- ~_ A-,›‹.-.¿.=- J-.;«_-'‹,‹›m¿¡-¿,..,,z. ,_ -_ -:I-;~¿¿¿.‹~ -,¬¡_¿4: .f-.›‹~,-.-«ff .z .~ ›* '> - fiz- ¬.~ ','“§2' 1~- ¿.¿¿_z z§‹¬â¢='.“ , zffâ V ›z.«~-:«¿.,z,xQ,._/ '*~ ':_ ' '- gti Y. z*$¬3§:¡» ‹,,.F'› “ .'{" : ' . .~ R ,,¿.~* )¿¡;×v$&¿‹- ›` « if*-_ _ ,. _z›_›äzl ~*› , «z * _› , ,M ,f , *~ % Ê ‹ * .\ f -fg” 'Ã' ` ~;, z.z14,›5“'‹¿í›.'* « ¬`~¿ >
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Por que
a
rotina?
A
escolha destetema
está relacionada aminha
vivência diretae
indiretano
contexto coletivo 'deduas
creches vi_nculadas àRede
Municipalde
Florianópolis,
onde
atueicomo
orientadorade
estágiodo
Curso
de Pedagogia
-Habilitação Pré - Escolar
da
UFSC
no
ano de
1996 e
também
como
professorada
pré-escolano
ano
de
1994,além
da
experiênciaem
capacitação
de
professores
da
rede municipale
estadual a partirde
1997. q'
Destas experiências
emergiram questionamentos
acercada
rotinada
creche. Tais questionamentos confundiam-se
e
misturavam-secom
angústias,inquietações
e
conflitos entre ofenômeno
aparenteque
se apresentavaaos
olhose a
essência confusae
ofuscada pelovéu do
cotidiano naturalizado.Segundo
Kosik:
O
complexo dos fenômenos que povoam o ambiente cotidiano e a atmosferacomum
da vida humana, que com a sua regularidade, imediatismo e evidência, penetram na
consciência dos indivíduos agentes, assumindo
um
aspecto independente e natural,constitui o mundo da pseudoconcreticidade. (...) Este é
um
claro-escuro de verdade eengano.
O
seu elemento próprio é o duplo sentido.O
fenômeno indica a essência, eao
mesmo
tempo a esconde (1 976115)No
dia a diada
creche, acumuleiimpressões
da
empiria bruta,de
um
olharainda incapaz
de
perceberas
inúmeras determinaçõesque
compunham
aquela
realidade
onde
crianças eeducadoras
pareciam viversob
a tutelade
uma
estrutura regulada
e
gerenciada poruma
rotina únicae homogeneizadora.
Naquele momento,
a impressãoque
eu
tinha erade
que
ogerenciamento
da ocupação do
tempo
e
do
espaço nas
crechesassemelhava-se muito
ao
modelo
escolar,como
por exemplo: a organização seriada por faixa etária,com
conteúdos
determinados paracada
etapa;as
atividadesna sua grande
maioriadesenvolvidas
em
ambientes
intemosdenominados
de
salade
aula;os
tempos
e
os espaços
definidosna
maior partedas
vezes,não
paraatender às
necessidades
das
crianças,mas
àsnecessidades dos
adultos; Aa distribuiçãodo
\
habilidades
e
competências
cognitivas escolares) considerado pré-requisito paraas
etapas subseqüentes.Neste
contexto,a preparaçao
para a escola parecia sero
centrodo
processo. Exigia-se
que
a criançase comportasse
como
aluno, atribuindo-lhefunções e
obrigaçõesàs
quais,de
certa forma,a tomariam
aptapara se
adaptarao
tempo-espaço da sua
futura escola.As
atividadeseram
realizadasem
tempos
estanques
por todosos grupos
concomitantemente: horada
roda, horado
lanche, hora
do
parque, horada
atividade pedagógica, horada
atividade livre,hora
da
história, horade
dormir, entre outras.Parecia
que
as criançasestavam sempre
vivendo otempo e o
espaço
de
uma
estrutura previamenteorganizada
e,mais do que
isso, iitualizada.A
minha
primeira impressão era
de que
essa
estrutura dificilmente possibilitavaque
as
crianças vivessem
seus
tempos
de
privacidade,de
prazer,de
vivênciaspartilhadas,
de
angústia,de
alegria,de
ansiedade,de
descoberta,e de
fantasiasem
estarem
subordinadasà figura
da
educadora. Esta pareciase
confundircom
a
instituição,uma
vez
que
setomava,
muitas vezes, controladorado
tempo,do
espaço,
das
idéias edos comportamentos,
não
sódas
crianças,como
dos seus
próprios. Isto evidenciava
a
distânciacom
o
que
vinhasendo proclamado
acercado
atendimentoaos
direitosfundamentais
das
crianças.Era
comum
adesconsideraçao
do
tempo
e do espaço das
crianças,uma
vez
que
quem
definiaonde
ecom
quem
elas deveriam estar, oque podiam
eo
que
deveriam fazer,e
otempo de
duração
era,na
grande maioriadas
vezes,a
professora. Esta
passava grande
partedo tempo
controlando-as,porque
haviaum
tempo
determinado paracada
coisae
um
espaço onde
tudo parecia estarorganizado
sem
uma
preocupação
explicitacom
odesenvolvimento
da
autonomia.
Os
espaços
eram
freqüentemente
demarcados
com
obstáculos (cercasnas
portasdos
berçários, portasdas
salas fechadas, entre outras), distribuídosde
forma
distinta ecom
funções específicas.O
hallde
entrada, por exemplo,constituía-se
em
um
espaço
amplo
apresentando
inúmeras possibilidadesde
para este fim. Sala
dos
professores, secretaria, cozinhae
corredoreseram
vedados
às crianças.Mesmo
o
parque, consideradoespaço
por excelênciade
brincadeira, parecia ser constantemente controlado
e
vigiado pelos adultos.A
impressao
que
tive, à época, sobre_o
cotidianoda
crecheé
de que
existia
uma
necessidade
de
garantir, a partirda
rotina,a
ordem
e
a disciplinacomo
condição paraum
funcionamentopretensamente harmônico
da
instituição.Em
muitosmomentos,
pareciaque
era precisonegar o
sujeito- criança, fazer delaum
sujeito-aluno, paraassim
garantira
organização'da
estrutura seriada,hierarquizada
e
uniforme advindado
modelo
escolars.Colocar as crianças
no
ritmodo tempo da
creche parecia serum
dos
critérios para
a
viabilizaçãodas
atividades. Estas,na
maioriadas
vezes,aconteciam
todosos
diascom
o
mesmo
tempo de
duração
e
quase
sempre no
mesmo
local. Era raro ver as crianças realizando atividades foradas
salas,como
também
era raro ver as criançasde
um
determinado
grupo interagindocom
outrasde
grupos diferentes.Na
sexta feira,mesmo
sendo o
dia escolhidopara
atividades livres,
em
que
as criançaspoderiam
trazerseus
brinquedos favoritosde
casa
para brincar, a escolhados
parceirose
as
brincadeirasficavam
restritasao
espaço da
salade
aulade cada
grupo.O
tempo
eo
espaço,como
sempre,
eram
controlados pelo adulto, respeitando a rotinados
outros diasda
semana.
Nessa
minha
trajetória atenta e,em
certosmomentos,
conflituosae
angustiante
pude
observarum
certoconformismo
instaladono
coletivoda
creche.Tinha
impressão, àsvezes
clara, outrasvezes
obscura,de
que
haviaum
esforçomuito
grande das
professoras para garantirum
clima harmonioso.Para
issotinham
que
construirum
conjuntode
regrase
significações que, colocadasem
prática,
tomavam
oambiente aparentemente
calmo
e tranqüilo.Estas regras pareciam ser feitas para
que
as
crianças secomportassem
de
acordo
com
as
exigênciasda
instituiçãoe
não
a
partirdas suas necessidades
cognitivas, afetivas, motoras, entre outras.
Neste
sentido, pareciaque eram
5 De
acordo com Maria das Mercês Feneira Sampaio (1997:174) “as organizações burocráticas
funcionam
com
determinação de lugares e regras hierárquicas que permitem o controle das açõesde todas as pessoas que dela participam, possibilitando prever e calcular acontecimentos e suas
induzidas
a
aceitarquase
que
passivamente as
atividadespouco ou nada
significativas, rotineiras
e
desprovidasde
interesse,o
que
dificultava.a
possibilidade
de
criação,de
imaginação,de
relações intersubjetivasgeradoras
de
confronto,
de
intercâmbio,de compartilhamentos
de
idéias edo pensamento
divergente. '
A
O
diaa
diada
creche deixoutambém
a
impressão de
que
existiauma
lutatravada entre
a
criança (que pormais
que
se
quisesse sujeitá-laàs
regrasestabelecidas, reagia, intervinha, transgredia
e
desinstalavaa
aparenteharmonia)
e a
instituiçãocom
sua
organização
rígida, uniformee
homogeneizadora.
Mantinha-seuma
busca
constante por partedo
adultode
manter,
a
todo custo,um
ambiente
cultural harmônico. Isso, deicerta forma, dificultavaa emergência do
conflito,do
diferente,do
inusitado,da indagação e
das
decisões partilhadas,ou
seja,da
participação coletiva nas decisões sobreonde,
como
e o que
fazer neste contexto coletivode
educação.Desse
modo,
a
rotinada
forma
como
estava estabelecida parecianão
respeitar
a
riquezada
diversidadee
da
coexistênciade
modos
de
sere
de
atuardos
sujeitos-criança.A
repetiçãodas
ações
realizadasno tempo
e
no espaço
parecia estar cristalizada
na
vidadas
criançase das
educadoras.A
impressão
era
de
que
nem
as
crianças enem
os
adultosconseguiam
seperceber
foradaquela rotina
que
parecia estaracima
das
vivências reaise
concretasque
extrapolam
as
determinaçõesdo
tempo
rigidoe
do espaço sempre
igual.Percebi, ainda, nesta vivência,
que pensar
sobreo
tempo
e o
espaço não
fazia parte
do
cotidianoda
creche.A
rotinanão
era problematizada,não
faziaparte
das
discussõesnos
momentos de
planejamento.A
discussãoque
norteavaesses
momentos
estava muitomais
centradano
que
fazer nos intervalos entreuma
atividadee
outra. Poder-se-ia dizer que,em
muitosmomentos, a
criançatomava-se
muitomais
um
ser secundáriono
contexto educativoda
creche,do
que
um
serde
direitos. -sistema burocrático e hierarquizado, que opera sob normas e padrões uniformes de
Foi desta leitura, nascida
da
empiria,da
leitura obscurado
real,que
fuilevada
a considerarno
primeiromomento
desta investigação a rotinacomo
tendo
um
“caráter (des)-educativo”.Nos
cursosde formação
com
profissionaisda
crecheque
ministrei, foificando
mais
visívela
necessidadede
uma
discussão sobre a rotinada
creche.Nas
andanças
por várias cidadesdo
Estadode
Santa Catarina, trabalhandocom
as
profissionais, tive oportunidadede
constatarque
a rotinanão se
diferenciavade
um
lugar para outro.Independente
do
lugar,o
horáriodo
sono,da
alimentação,
do
parque
é praticamenteo
mesmo.
Numa
ocasião, discutindoa
rotina,
uma
professora perguntou:“O
que é que
a gente faz paramudar
a
leida
rotina?
Onde
que
a
gentetem
que
ir?”Segundo
a
professora, a rotinaé
uma
“lei”determinada
por instâncias superiorese
que
deve
ser colocadaem
práticaem
todas as
creches indistintamente. Outra professora diziaque
em
todasas
creches
que
ela havia trabalhadoe
todasque
ela conheciaseguiam a
mesma
rotina:
“É assim
em
todosos
lugarese sempre
foi assim” 6.Esta
concepção
de
rotina vaificando
mais evidente,quando
num
outromomento
e
num
outro lugaras
profissionaisde
várias creches diziam coisasmuitas
vezes semelhantes
ao
falarda
rotina.Todas
as creches representadaspelas respectivas profissionais tinham
a
mesma
rotina.Essa semelhança
eraexplicitada por elas
da
seguinte forma:Nós
não planejamos a rotina, porque ela não depende da gente.O
que sobra paranós, é o planejamento da atividade pedagógica e
mesmo
assim, temosum
tempodeterminado para faze-las.
Os
outros momentos do tfia precisam ser seguidos deacordo
com
a rotina que já tem na creche porque cadauma
tem a hora de ir para oparque, a hora de ir para o refeitório, para donnir e para fazer a higiene. Se a gente
não seguir este ritmo, a creche não funciona.
É
o caos na creche.Este depoimento,
como
tantos outros, foram deixandomarcas e
revelandoindícios
de
que a
rotina parecia seruma
estruturaque
estavaalém dos
sujeitos5
De
acordocom Mana
das Mercês Ferreira Sampaio(1997;l75), “numa estrutura burocrática há
uma
série de cargos organizados hierarquicamente, com limites de atuação e autoridadedefinidos por
um
conjunto de nonnas estáveis e impessoais registradasem
documentos. Asnomias criam a lei da organização, de
modo
que o acatamento a elas significa obediência à lei eque
fazem
partedo
oonte›‹toda
creche.Nas
discussõesnos
diferentes grupos, iapercebendo
juntocom
as profissionaisque poucas
eram
as
possibilidadesde se
insurgir contra a organização
do
tempo e
do
espaço da
creche materializadosatravés
da
rotina.Na
falade
uma
professora issoficou mais
evidente:O
nosso tempo e o nosso espaço é definído pela rotina da creche.As
vezes nósnem
olhamos para as crianças para saber se o que elas estäo fazendo é sígníficativo ou
não, se elas já tenninaram de brincar, se estäo ou não
com
sono, se a atividade quea gente faz é interessante para elas. Nós olhamos para o relógio, se estiver na hora
de donnír, por exemplo, temos que recolher todos os brinquedos e preparar a sala
para domrir.
A mesma
coisa acontececom
a hora do almoço, da janta e do parque.Apesar desses depoimentos
e de
observaçoes,compreendia
que
estavivência,
mesmo
sendo
frutode
uma
experiência significativa,não
era suficienteo
bastante paraconhecer
uma
dada
realidade. Era preciso olharnovamente o
cotidiano
da
creche para tentarcompreende-la
a
partirde
dentro,sem
descuidardas
diversas determinaçõesque
a
compõem.
Para
compreender
este real, faz-senecessário ir
além
daquiloque
aparece,num
percursode
idae
volta,da
aparência para a essência,
do
singularao
universal. Desvelaro
que
estána
superfície,
mais
oque
está por baixo,mais
o que
estáem
volta,mais o
que
estádentro invisível
aos
distraídos.De
acordocom
Kosik: ~O
caminho entre a “caótica representação do todo” e a “rica totalidade damultiplicidade das detemiinações e das relações' coincide com a compreensão da
realidade.
O
todo não é imediatamente cognoscível para o homem, embora lhe sejadado imediatamente
em
fonna sensível, isto é, na representação, na opinião e naexperiência. Portanto, o todo é imediatamente acessivel ao homem,
mas
éum
todocaótico e obscuro. Para que se possa conhecer e compreender este todo, possa
tomá-Io claro e explicá-lo, o
homem
tem que fazerum
detóur. o concreto se tomacompreensível através da mediação do abstrato, o todo através da mediação da
parte (1976:36).
Tendo
por objetode
investigação a rotinada
creche e partindodos
pressupostos
de que
otempo e
o espaço são
categorias históricas,mutáveis
e
não
naturais;de
que
a crecheé
uma
instituiçãoque
trazem
sielementos
da
foi construída
nas
relações sociaise
de que
a
crechedeve
serum
espaço de
vivências
de
direitosda
crianças, sentia
necessidadede
avançar
na
compreensao de
alguns questionamentos:-
Como
a creche
organizaseus
temp_ose seus espaços
( a rotina,
as
normas,
a
ocupação)?
-
A
creche,da
formacomo
está organizada, permite a objetivaçãodos
direitos
proclamados
em
forma
de
leie a
vivênciadas
múltiplasdimensões que
constituem
a
infância?-
As
criançastêm
direitode
fazer escolhas,de
controlaro
ambiente?
-
As
criançastêm
direitoao
tempo-espaço
da
privacidade,da
afetividade,de
aprendizagem,
do
desenvolvimento,das
vivências partilhadascom
adultose
outras crianças,
das
brincadeiras?-
O
uso do
tempo e do
espaço
estáem
funçãodo
sujeito-criançaou do
sujeito-aluno? -
- Até
que
pontoa
lógica organizacionalda
rotinada
crecheassemelha-se
ou
diferencia-seda
lógica organizacionaldo
ensino fundamental?-
O
que
determinaque
otempo e
o espaço da
creche seja organizadode
um
jeito enão de
outro? _`
1.2 -
A
realidade investigada
A
investigação foi desenvolvidaem
uma
das
crechesda
Rede
Municipalde
Florianópolis.A
creche foi selecionada pelo fatode
atenderem
períodointegral e pela disponibilidade
dos
profissionaisem
colaborarcom
o
trabalhode
pesquisa.
É
importante registrarque
nesta creche as criançassão
divididasem
função