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O que é a retórica no Fedro de Platão

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES.

DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA

ERITIA COSTA DE ALMEIDA

O QUE É A RETÓRICA NO FEDRO DE PLATÃO

NATAL 2015

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ERITIA COSTA DE ALMEIDA

O QUE É A RETÓRICA NO FEDRO DE PLATÃO

Monografia apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, como parte dos requisitos para obtenção do grau de bacharel em Filosofia.

ORIENTADOR: Prof. . Dr. Markus Figueira da Silva.

NATAL 2015

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ERITIA COSTA DE ALMEIDA

O QUE É A RETÓRICA NO FEDRO DE PLATÃO

Monografia apresentada à Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, como parte dos requisitos para obtenção do grau de bacharel em Filosofia.

Aprovado em:____/____/_____ Filosofia Antiga.

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________ Prof. Dr. Markus Figueira da Silva

Orientador

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

___________________________________________ Prof. Dra. Fernanda Machado Bulhões

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

___________________________________________ Prof. Dr. Sérgio Eduardo Lima da Silva

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DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho a todos que de alguma forma cruzaram comigo neste caminho filosófico, seja no início do curso ou no final. A todos que conheci que desistiram no percurso, e mesmo aos que não cheguei nem a manter um contato maior, e por fim; a mim mesmo por não ter desistido.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que colaboraram direta ou indiretamente para esta conquista, mas em especial: a Deus; ao meu orientador Markus Figueira – pela paciência e compreensão; a toda banca avaliativa nas pessoas do professor e coordenador Sérgio Eduardo e a professora Fernanda Bulhões; a minha amiga fiel Ida Carmen; a minha família – Maria Dalva, minha mãe, meu pai Elízio, meu bem Paulo Cesar; e por fim, a todos que conseguiram me ensinar algo deixando lembranças boas ou ruins.

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“Palavras bonitas, nunca foram de meu feitio, acho que, bem certo, porque nunca as encontrei construindo escolas, levantando muros, ou matando a fome; por isso não acredito em verbos bem colocados e nessa sintaxe elaborada e regrada. Meramente nunca me deparei com uma palavra bonita que acordasse cedo pra trabalhar ou molhasse a terra árida do sertão. Todavia uma coisa é certa, essa palavra muitas vezes acaricia a alma cansada de esperar e possui a tênue maledicência de arrebatar minha familiar solidão.”

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RESUMO

O presente trabalho trata de analisar o tema principal do diálogo Fedro, de Platão, que é a retórica. Por sua vez, trata da noção de persuasão, da utilização dos sentimentos como mecanismo de sedução do ouvinte, a busca da verdade através da dialética e da técnica da hermenêutica. Assim, demostra que a retórica não possui o fim último de apenas entrelaçar palavras bonitas em público, mas suas peculiaridades que vão desde o bem falar, no seu papel comunicativo, até ser ferramenta fundamental na sociedade seja atual ou na Grécia antiga. Apresenta-se inicialmente uma visão histórica sobre o caminho da retórica, citando filósofos gregos e suas visões sobre este tema; posteriormente, a melhor construção do bom entendimento e convencimento do ouvinte, a passagem pela “erística” até a dialética, e as necessidades da retórica como técnica jurídica para melhor exposição na defesa e construção do Direito.

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ABSTRACT

This paper deals with analyzing dialogue "Phaedrus", Plato, on its main theme is the rhetoric. In turn, exposes concepts, persuasive vision, the use of feelings as a listener of seduction mechanism, the search for truth through the dialectic and the legal technique of hermeneutics. Thus showing that the rhetoric does not have the ultimate end only weave beautiful words in public, but their peculiarities, ranging from good words, their communicative role and fundamental tool in society is current or in ancient Greece. Based on this reasoning, presents initially a historical insight into the way of rhetoric, quoting Greek philosophers and their views on this subject; subsequently, the best building of good understanding and conviction of the listener, passing by "eristic" to the dialectic, and rhetoric needs as a legal technique for better exposure in the defense and construction of the right.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...10

2 NOÇÃO HISTÓRICA GERAL DE RETÓRICA NA GRÉCIA...13

2.1 Surgimento da retórica...13 2.2 Os sofistas...14 2.2.1 Górgias ...15 2.2.2 Protágoras...16 2.2.1 Isócrates ...18 2.2.2 Platão...18

3 CAPACIDADE DE CONVENCIMENTO (PERSUASÃO)... 22

4 A SEDUÇÃO SENTIMENTAL ...28

5 DIALÉTICA...36

4 ORATÓRIA JURÍDICA...42

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS...48

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho possui por objetivo analisar a visão platônica sobre a arte de falar em público, observando a persuasão, sedução e desenvolvimento, seja no campo da retórica, da emoção, da dialética e/ou da hermenêutica, partindo das perspectivas apresentadas por Platão através do diálogo Fedro.

O Fedro é a obra que apresenta os principais temas filosóficos de Platão, nele encontram-se discursões sobre o amor, a amizade, a retórica, a dialética, a justiça, a felicidade, a confiança, o mundo das ideias, verdade e mentira; toda esta coletânea de temas é apresentada através da análise sinuosa sobre a forma de estudo da retórica na Grécia de seu tempo.

A retórica, por sua vez, é a arte da boa elocução, da argumentação convincente e da concatenação de ideias de forma a obter o convencimento de uma plateia, podendo o orador utilizar de argumentações contrárias, de ferramentas emocionais, variantes sonoros na entonação da voz, entre outros mecanismos. Todavia, um elemento peculiar na retórica é o estudo do espectador pela observação de seu grau de conhecimento e de suas realidades individuais, para, assim, melhor aproximar este de uma exposição compreensível.

A forma como Platão apresenta a retórica no Fedro é diferente do modo negativo como havia explorado em outros diálogos como Górgias, o qual além de compará-la de forma pejorativa com a arte culinária1, Górgias -, tido como um

grande orador- conduz sua discursão com Sócrates para diferenciar a capacidade de convencimento dos estudos científicos em comparação a simples exposição da opinião não fundamentada experimentalmente. Conclui que a retórica dos tribunais e da política não apresenta a verdade, diferentemente do conhecimento cujas bases estão na sabedoria que é o estudo da filosofia. No final do diálogo resta a questão sobre a justiça e como ensinar a distinção sobre o que é justo ou não.

Todavia, no diálogo Fedro, Platão partirá da retórica vista como a arte do justo, na qual o bom orador é abençoado2 pela beleza e nobreza das palavras, tendo a capacidade de demostrando o bem que existe nesta arte; da mesma

1 MIGALE. Uma Recordação da retórica no ‘Fedro’ de Platão ou a força de resposta do discurso jus político inspirado na ideia de justiça, 2008, p. 11

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forma, que busca a verdade real e o conhecimento como forma de não apenas expressar a justiça, mas conhecer a alma humana e ser capaz de um convencimento através da realidade ideal das coisas.

Utilizando o método interpretativo e analítico, este trabalho tratará de esmiuçar a retórica, partindo de uma apresentação geral sobre vários filósofos que a exploraram, até a visão platônica da importância pela busca da verdade através da alma.

O tema sobre a retórica, aqui remetido, se faz útil à aplicação social na atualidade, uma vez que vivemos em meio a uma crise no campo jurídico, educativo, político e pessoal, diante das diversas opiniões e palavras apresentadas como verdade. A população acaba por ser conduzida a caminhos ditados por indivíduos retoricamente despreparados e não detentores do que Platão considerava como sabedoria primordial para governar, tornando mais atual a necessidade de uma visão e desenvolvimento do campo retórico filosófico.

Em nossos dias, muitos oradores utilizam os palanques, os júris, as escolas e as praças públicas, e vários meios de comunicação, para conseguir clamores e apoio popular para atividades ilegais e fora dos padrões morais, influenciando uma aparente e efêmera liberdade de escolha. Como exemplo mudanças políticas abruptas, elevação da maioridade penal quando é necessária uma reforma penitenciária, ou a aprovação na influência consumerista de uma sociedade que não escolhe mais o que tem ou usa, mas espera por ditames de moda e atualidade.

Sendo assim, o que deve ser realmente tomado como certo ou errado? De que forma sabemos que os desejos humanos são realmente influenciados ou não? E o bom orador, deve se deter ou não com o papel da verdade e sua formação nas opiniões populares? E a liberdade de expressão, qual seria seu lugar na retórica? A retórica seria uma arte para expressar ideias ou um mero palco teatral?

Diante deste cenário é construído um sistema político e social frágil, cujos alicerces estão apenas na ausência do real conhecimento da verdade, ou das virtudes necessárias àquele que possui o poder das palavras, e que Platão clama no final do texto em sua prece aos deuses3. Assim, o bom orador acaba se

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escondendo no papel de “lobo ou cordeiro”, à medida que continua formando pensamentos, seja nos dias atuais ou nos tempos gregos, nos quais a verdade das coisas continua uma incógnita sem resposta e um ensaio retórico mal explicado.

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2 NOÇÃO HISTÓRICA GERAL DE RETÓRICA ENTRE OS SOFISTAS O homem inicia sua história no instante em que passa a modificar o ambiente em que vive. Todavia, pode-se dizer que este só conseguiu efetivar seus registros ao longo do tempo após o desenvolvimento e surgimento da linguagem. Através das palavras o indivíduo passou a se fazer entender, gerenciar pensamentos, expressar-se, e convencer seus semelhantes, com essa possibilidade de influenciar surge o desejo de poder e os primeiros resquícios do que seria chamado, posteriormente, de persuasão retórica.

Como ocorreu na música, na filosofia e nas artes, a técnica de falar em público surgiu entre os gregos; entretanto sempre se encontrou concatenada à capacidade de verbalização e manipulação da linguagem. Os gregos, por sua vez, elevaram a retórica da capacidade útil a uma reflexão e compreensão, e por assim dizer, a um nível indiscutivelmente científico. Para este povo restou a capacidade de ensinar e formar um exímio orador, formação que é conduzida desde a postura física do cidadão perante uma plateia, o convencimento argumentativo e o raciocínio rápido nas respostas, até à escolha estética das palavras utilizadas.

2.1 Surgimento da retórica

A retórica já nasce vinculada a necessidade jurídica de uma época cheia de conflitos, desde o surgimento da pólis grega. Após a queda do tirano Trasíbulo em Siracusa na Magna Grécia, tornou-se necessária a restituição das terras confiscadas pela tirania por volta de 456 a.C.4, e a retórica era um meio de

exposição para cada um defender sua causa.

Oradores como Tísias e Córax, supriam uma necessidade na defesa das vítimas da tirania, que logo daria lugar a atividade do escrivão público - os chamados logógrafos -, que adotaram as técnicas da retórica para exercer um papel de defesa, garantindo convencimento em qualquer disputa de posse, seja qual fosse o objeto da ação. Nesta atividade, já não havia preocupação com a

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exposição da verdade, mas da verossimilhança, conseguindo subtrair dos argumentos mais fracos a vitória deseja.

Com o crescimento de tais práticas se desenvolve o córax 5, que consistia

em argumentar sempre na busca de um convencimento em favor de quem o elucidava. Buscava então, demonstrado como verossímil de mais, ou óbvio de mais o autor ser acusado do fato culposo, sendo considerado inocente por notoriedade de uma culpa que não estaria tão explicita, caso realmente tivesse praticado. Desta forma, não se atribuiria um crime a um indivíduo fraco o suficiente para contribuir com tal delito, ou forte demais que o tornaria claramente culpado, gerando duas direções: elevar o autor ou o réu a inocência ou a certeza da condenação, dependendo do campo argumentativo apresentado.

Nestes termos, cita Reboul:

O mais maçante é que o córax pode ser voltado contra seu autor, afirmando que ele cometeu o crime por achar que pareceria suspeito demais para que dele suspeitassem, e que chegou a acumular propositadamente acusações contra si mesmo, para depois as refutar com facilidade (REBOUL, 2004, p.4).

Junto ao córax seria explorado o discurso jurídico, que seriam argumentos decorados e recitados em júri na certeza de convencimento e ganho de causa. Daí a retórica se encontrar no mero papel de convencimento tanto a favor da verdade quanto da mentira.

Com o fortalecimento da democracia em Atenas os cidadãos passaram a participar e ter voz nas assembleias6, tendo de votar e muitas vezes se expressar em defesa se si mesmo ou de sua opinião, desenvolvendo a função política. Para tal, os atenienses necessitavam de professores hábeis para ensinar a ciência do raciocínio rápido e do convencimento da plateia. Tal papel seria dos sofistas7.

2.2 Os sofistas

Mesmo não construindo uma escola no sentido literal do termo, os sofistas mantinham certa afinidade na forma de pensar e nos métodos propostos

5 “A técnica do corax leva o nome de seu inventor Córax” - coletânea de argumentos que sempre

tenderia a justificar o fato ocorrido.

6 “Em Atenas as assembleias possuíam função judiciária, executiva e legislativa”. Mas só os

cidadãos estavam habilitados para participar dessas reuniões públicas. Mulheres, crianças e escravos estavam excluídos deste direito por não serem considerados cidadãos.

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para ensinar a arte da persuasão e da argumentação, além da exposição sobre o justo e injusto8. Estes indivíduos foram os primeiros representantes da retórica e

porque ensinavam o bem falar, eram disputados entre os jovens bens nascidos de sua época.

Com sua característica errante, os sofistas, iam de cidade em cidade, espalhando seus ensinamentos, criando inúmeros seguidores, e construindo pensamentos que serviriam de matéria crítica a filósofos como Sócrates, em razão de lhes atribuir visões vazias, meramente cheias de palavras sem raciocínio ou construção interpretativa e lógica, porém; enquanto isso, altas quantias eram pagas pelos serviços destes professores que apresentavam ensinamentos além da época passando de atividades físicas e cálculos.

2.2.1 Górgias

Entre os sofistas temos a figura de Górgias, nascido em 485 a.C.9. Era Siciliano e desenvolveu uma retórica associada à visão estética, literária e política. Górgias era discípulo de Empédocles e, em 427 a.C. , foi para Atenas, conduzindo uma inovação diante de uma Grécia que só encontrava literatura na poesia. Por sua vez, apresenta o discurso epidíctico10, rico de figuras de linguagem, rimas, paronomásias, metáforas, perífrases e antíteses.

Um dos discursos mais magníficos de Górgias é o “Elogio a Helena”: Se o olhar de Helena originou em sua alma desejo e paixão amorosa pelo corpo de Paris, que há nisso de assombro? Se o amor é um deus, como poderia resistir e vencer o divino poder dos deuses quem é mais fraco que ele? Se se trata de uma doença humana e de um erro da mente, não se deve censurá-la como se tivesse culpa, mas, sim, considera-la como pessoa de má sorte. E, com efeito, ela se foi para Tróia, como foi por causa dos enganos que padeceu em sua alma e não por voluntária decisão de seu espírito, devido à inexorabilidade do amor, por intrigas de sua arte. (GÓRGIAS- Elogio a Helena. 345 d).

Górgias em seu discurso, Elogio a Helena caberia elencar os fatos que levou Helena a lançar a Grécia numa guerra de dez anos, em razão de sua traição contra o rei Menelau, resolvendo abandoná-lo para acompanhar o príncipe

8 Platão Górgias. 1989, p. 62. 9 REBOUL. 2004, p.15.

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Páris. Inicia seu enredo apresentando a justificativa de um suposto rapto, posteriormente de um decreto dos deuses ou um acaso do destino, podendo ser também obrigada à força; e por fim, o convencimento por meio das palavras de Páris, buscando assim utilizando tudo que fosse plausível para levar Helena a tal ato. Em toda a alternativa Helena não estaria livre na sua escolha, mas Górgias justificaria tal ação pelo poder sedutor da argumentação do jovem sedutor. Assim:

O discurso é um tirano poderosíssimo; esse elemento material de pequenez extrema e totalmente invisível alçam à plenitude as obras divinas: porque a palavra pode pôr fim ao medo, dissipar a tristeza, estimular a alegria, aumentar a piedade (GÓRGIAS apud REBOUL, 1925, p. 5).

Górgias sugere a inocência de Helena em seu discurso acima, não apenas pelo fato de considerar que ela não tenha partido por livre vontade, mas por apresentar o ato involuntário como algo não culpável, o que nunca fora utilizado como defesa. Assim, esse discurso elevam-se os pontos fortes de um discurso sofista- o jogo nas palavras, e fariam de Górgias um professor que conduziria seu ensino pelas cidades, suprindo a necessidade de um novo tipo de ensino, que partia de uma visão nova e intelectual, não religiosa e agora profissional.

Todavia, Górgias é conhecido por sua linguagem difícil e já teria rascunhado passos que seriam exemplos para Protágoras, Demóstenes, Tucídides e Platão. Com os trabalhos de Górgias a retórica era vista como a arte do belo, porém carente da compreensão de seus ouvintes.

2.2.2 Protágoras

Protágoras é outro sofista que através de seus discursos exalta o interesse pelos substantivos, pelos tempos verbais e pela psicologia dos personagens de Homero. Diante de tais preocupações surgiu o que seria chamado de gramática e também os primeiros passos da erística11, tendo em

vista sua afirmação de que todo argumento poder ser refutado.

11 Combate dialogal, segundo o qual se vencia pela melhor argumentação, não se buscava encontrar a verdade.

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A erística12 traria o que de mais problemático poderia vir no ensino dos

sofistas, já que sua preocupação estava apenas na refutação das ideias, independente da ligação no sentido das frases, raciocínio ou questionamento que o diálogo pudesse gerar nos ouvintes. As discussões nos diálogos eram a principal mola mestra da arte erística e faria parte da história dos piores sofismas, exemplo:

O rato (mys) é um animal nobre, pois é dele que provêm os mistérios [...]

pode-se ser branco não branco ao mesmo tempo, porquanto o etílope é negro (na pele) e branco nos dentes. (NAVARRE apud REBOUL, 1925, p.65)

A citação acima demostram a falta de importância com a verdade no conteúdo exposto, no entanto, algo de intrigante havia nos sofismas, tendo em vista o grande esforço que pensadores como Platão13 e Aristóteles14 teriam se ocupado em combater e rebater tais formas de pensar.

Protágoras era um filósofo que defendia uma verdade cujas bases estavam na visão e no interesse do locutor, seja em cada cidade que exercia o ensino retórico ou nos seus interesses almejados. Era uma verdade tão relativa quanto à retórica que defendida, a qual se baseava no ambiente, podendo legitimar a violência ou louvar a tolerância, criando uma total um relativismo15.

Só se conhece Protágoras através dos escritos e da visão de Platão, que talvez pudesse ser considerado um de seus maiores inimigos, já que o considerava perversor dos jovens. Em algumas obras de Platão é apresentado um Protágoras cativante e respeitável, resultando uma lacuna em aberto no entendimento sobre a personalidade e o trabalho deste filósofo. Sabe-se apenas que colaborou com a gramática, desenvolveu uma eloquência mais rica, uma sistematização do ensino e um discurso persuasivo.

A ligação entre a retórica e os sofistas estaria marcada diante da ausência de uma verdade absoluta no discurso, criando uma mera aparência de

12 Forma argumentativa que, através de belas palavras, busca vencer um diálogo sem mesmo

possuir a razão verdadeira do caso.

13 Platão na obra Górgias onde compara a retórica pejorativamente a arte da culinária, e no

Fedro, diante da ausência de verdade nos discursos sofistas.

14 Aristóteles na obra “Arte retorica e Arte poética”, diante o sentido histórico e empírico da

retórica.

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lógica ornamentada de estilos linguísticos, porém instigante e desafiadora do poder e do duelo proposto pelas partes dialogantes.

É certo que para a retórica restaria o poder do discurso persuasivo, na sua capacidade de impor, dominar e vencer, e as aptidões necessárias para convencer o outro apenas com palavras, formando os futuros políticos que ganhariam a plateia através de suas belas palavras. Agora a retórica seria a rainha, dona de brilho e poder.

2.2.3 Isócrates

Isócrates era uma figura tida como grande professor de oratória, conhecido por não utilizar palavras rebuscadas e rejeitava a automação do ensino, influenciando a reflexão do aluno e criando um círculo de cooperação entre discípulos e mestres, defendendo que para aprender retórica eram necessária aptidão natural, prática constante e ensino sistemático. Contudo, na ausência da aptidão natural, os demais métodos ensinados, e possivelmente assimilados pelos seguidores, eram tidos como inúteis16.

Este filósofo irá apresentar uma prosa clara, precisa e livre de malabarismos e firulas, não se detendo a rimas grandiosas e apenas usando fechamentos precisos. Era essencial, segundo Isócrates, o acompanhamento de uma moral à retórica, haja visto a necessidade de uma causa nobre que justificasse o uso dessa técnica persuasiva. Portanto, conclui-se que esse filósofo enalteceu o belo e a capacidade de fazer, da retórica, uma harmonia de discurso e vida, numa educação estética e moral.

2.2.4 Platão

Diante da atuação dos sofistas que ensinavam a retórica aos bem nascidos da época, surge Platão que através de seus diálogos irá demonstrar descrença à retórica ensinada pelos sofistas ao mesmo tempo em que acredita em outra capaz de formar o justo e o injusto. Vários diálogos, que se debruçaram sobre a retórica, foram apresentados por Platão, entre eles “Górgias” e “Protágoras”, os quais mostram uma preocupação com o papel político exercido

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pelos sofistas, tendo na retórica apenas a manipulação de técnicas argumentativas que embaraçam a verdade.

Exatamente em “Górgias” haveria uma preocupação sobre o convencimento versus o conhecimento, e sobre a retórica na sociedade e seu poder dominador nos povos. Platão, através de Sócrates (como intérprete), inicia o diálogo questionando a forma como poderia definir a retórica; e o personagem Górgias responde afirmando ser “o poder de persuadir pelo discurso” 17, assim:

Górgias - Vou tentar Sócrates, revelar-te claramente o poder da retórica em toda a sua amplitude (...). Não ignore por certo que a origem desses arsenais, desses muros de Atenas e de toda a organização de vossos portos se deve por um lado aos conselhos de Temístocles e por outro aos de Péricles, mas em nada aos homens do ofício.

Sócrates - É isso realmente o que se relata a respeito de Temístocles, e, quanto a Péricles, eu mesmo o ouvi propor a construção do muro interno.

Górgias - E, quando se trata de uma eleição de que falavas há pouco, podes verificar que também são os oradores que em semelhante matéria dão seu parecer e que a fazem triunfar. Sócrates - posso verificar isso com espanto, Górgias, e por isso me pergunto há muito tempo que poder é esse da retórica. Ao ver o que se passa, ela se me aparece com uma coisa de grandeza quase divina.

Górgias - Se soubesse tudo Sócrates, verias que ela engloba em si, por assim dizer, e mantém sob seu domínio todos os poderes. (PLATÃO, Górgias, p. 455 D, 456 C).

Platão através dos personagens Sócrates e Górgias coloca em questão o papel da retórica diante dos especialistas da sociedade de sua época, pois como exemplifica Reboul em sua obra “Introdução à retórica”18, não são os oradores

que promovem as vendas e sim os publicitários; as decisões políticas não são tomadas por especialistas; os presidentes das empresas é que decidem e não os engenheiros; da mesma forma o ministro da educação não precisa ser educador e os melhores comandantes de guerra não são militares. O que levaria a tal importância dada a retóricos? Talvez a ausência de seleção ou o grande volume de técnicos, certo é afirma que na maioria dos profissionais falta o necessário, saber ouvir e saber fazer-se ouvir.

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PLATÃO, Górgias, 1991, p. 455

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O personagem Górgias, através de Platão, demonstrando as ideias de Isócrates, acaba colocando a retórica a mercê da moral. Todavia, seria uma forma de camuflagem de seu poder, tendo em vista que mesmo sendo utilizada de forma benéfica não deixaria de ser uma arma e nunca seria totalmente controlável. Assim, Platão irá comparar a retórica à atuação de um tirano, cujas ações se deixam levar pelo desejo de prazer e poder, nunca deixando claro o que realmente quer, parece ser uma satisfação efêmera e fugaz. A realidade é que para Platão o ensinamento do sofista nunca pode chegar a uma ciência, tendo em vista que lhe faltar a verdade como base de sua construção, da mesma forma que falta ao tirano a força e a felicidade, como cita:

E a retórica, com todo o seu prestígio, sofre da mesma impotência; não passa de técnica cega e rotineira que, longe de proporcionar aos homens aquilo de que eles de fato precisam para serem felizes, apenas lhes lisonjeia a vaidade e agrada-os sem ajudá-los, prejudicando-os mesmo (PLATÃO, Górgias, p. 463).

Fica bem clara a posição controversa de Platão contra a total confiança nos sofistas e no poder de seus ensinamentos, para ele o resgate da retórica possui bases no conhecimento e no caminho das ideias para chegar à verdade inteligível, o que estará claro a partir de seu diálogo Fedro: “A autêntica arte do discurso, desvinculada do verdadeiro, não existe e não poderá jamais existir” 19.

Para Platão a ausência da verdade acaba por corromper o poder e a técnica atribuída à retórica, o que a rebaixa não chegando à arte e muito menos à ciência, caso não lhe tenha um motivo justo, uma ciência da justiça em primeiro plano. Seu poder não é nada diante da justiça que realmente concebe a felicidade, e assim sendo, Platão acabará achando na dialética o verdadeiro caminho para os conhecimentos éticos e políticos, o condão de conceder decisões irrefutáveis e gerar ações corretas e verdadeiras.

Platão apresenta uma retórica com base nas vaidades e no valor mínimo dos discursos sofistas, de encontro à outra cuja base esta apenas na filosofia. No diálogo “Fedro”, Platão parece aceitar uma retórica nova, a qual tendo na dialética seu princípio encontra a capacidade de torná-la mais próxima da

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verdade, gerando a “capacidade de falar e pensar” 20. Este filósofo por sua vez,

irá apresentar uma retórica que abandona das paixões e se eleva aos níveis da causa pela verdade, sendo assim uma expressão do filosófico. Resta-nos questionar: isso seria realmente retórica?

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3 CAPACIDADE DE CONVENCIMENTO (PERSUASÃO)

O diálogo Fedro de Platão inicia sua trajetória com a saída dos personagens da cidade, movidos pela discursão sobre o indivíduo apaixonado, e a possibilidade de confiar ou não nele. Diante deste cenário, o jovem Fedro acaba mencionando o discurso de Lisías que com belas palavras, e em razão de sua devoção ao ser amado, é considerado digno de total desconfiança pela falta de razão nas ações deste apaixonado; neste instante, o personagem Sócrates se propõe a elaborar um discurso tão bonito quanto o apresentado e que apesente a mesma temática questionada.

Após declamar o discurso de sua autoria Sócrates irá questionar as razões de tal condenação, e ele busca um convencimento contrário, se propondo a fazer bem melhor que Lisías, mas agora em defesa dos amantes, exemplo claro de sua alta capacidade de convencimento e exposição, seja a favor ou contra o tema elucidado.

O termo persuasão que significa: argumentação forte – sendo esta a determinação na defesa de ideias em um diálogo, buscando convencer os outros ou uma determinada plateia, e ainda conquistar adesão ou desacordo sobre a ideia principal questionada.

Na argumentação, o contraste de ideias é enriquecedor, pois o antagonismo de pontos de vista é o melhor caminho trilhado para a prática e o desafio diante de ouvintes que podem ser convencidos sobre uma das teses. Da mesma forma, um elemento essencial no caminho argumentativo é o estudo sobre o destinatário e sua visão diante do tema apresentado, como também seus preconceitos. Todos esses elementos irão influenciar a evolução da argumentação como também é necessário um acordo entre as partes, para que não busquem a imposição de uma verdade, tendo em vista que isso não seria argumentação e sim uma mera imposição sobre determinado assunto.

Carlos Ceia, em seu texto no “Dicionário de termos e literatura” cita:

É, pois condição necessária, o estabelecimento de um acordo que em nenhum caso pode ser tácito. A argumentação não é um ato de persuasão meramente psicológica de um auditório. Não nos serve nem a pretensão de eloquência de Isócrates nem a definição de Sócrates referida à tradição sofística da retórica como uma psicologia ou persuasão da alma. (CEIA- 2014)

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Certo é afirmar que a conquista do público é fundamental para o bom desenvolvimento da argumentação em um diálogo, mas como defendido acima, não basta apenas que a plateia seja convencida como antes era defendido pelos sofistas. Faz-se, portanto, necessário um acordo no qual o interlocutor ou o receptor estejam dispostos a ocupar a cadeiral de protagonista e em outras vertentes estar na plateia.

A persuasão não pode ser o intuito fundamental do orador e, sim, o enriquecimento de ideias no diálogo; neste raciocínio Platão elucidará o cuidado com o papel da verdade no discurso na conversação entre Fedro e Sócrates, atentando para o seguinte:

Fedro: Ouvi dizer que para quem deseja tornar-se um orador consumado, não se torna necessário um conhecimento perfeito do que é realmente justo, mas sim do que parece justo aos olhos da maioria, que é quem decide, em ultima instância. Tão pouco precisa de saber realmente o que é bom ou belo, bastando-lhe saber o que parece sê-lo, pois a persuasão se consegue não com a verdade, mas com o que aparenta ser verdade. (PLATÃO, Fedro, 260 a).

Platão passará a retomar a ideia exposta anteriormente pelos sofistas, tanto sobre a conquista do público através da beleza do discurso, como do lugar da verdade nos diálogos sofistas. Para eles a base argumentativa era lógico-formal, deixando em segundo plano alguns argumentos que não seguiam rigorosamente a lógica mesmo que detivessem importância significativa; o que será muito criticado por Aristóteles que dividiu os argumentos estritamente lógicos em analíticos e os dialéticos em retóricos.

O papel da verdade dentro do texto era uma preocupação na filosofia da época, e havia sido esquecida por muito tempo devido a necessidade de formar bons oradores. Mesmo sem conteúdo ou pensamento crítico, restava aos formadores da época explorar o campo da capacidade de convencimento, mencionar a distinção entre argumentação e exposição, já esmiuçada de forma tímida acima; para tal, mais uma vez, cita-se um trecho de Carlos Ceia em sua didática sobre o tema:

A argumentação não se confunde com a demonstração, pois enquanto esta não exige um auditório para ser concretizada ou construída, aquela depende dele para se concretizar plenamente.

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A argumentação é, pelo contrário, um exercício racional monologado ou impessoal. No primeiro caso, prevalece uma relação entre um EU e o Outro a quem se tenta influenciar de algum modo; no segundo caso, subsiste a relação de um Eu com as leis da lógica, sendo o próprio sujeito o primeiro a ter de ser convencido das teses a demonstrar. (CEIA-2014)

Em alguns casos a argumentação pode ser destinada para o próprio “eu”, não sendo necessário outro individuo para haver uma retórica, como nas aplicações da psicanálise. Posteriormente, Platão irá demostrar o estudo sobre a alma e seu caminho diante da verdade dos seres, nesta passagem descobre-se um discurso que busca em si mesmo as respostas e os argumentos corretos na arte de falar em público21, sendo determinante conhecer-se e explorar seu oponente delimitando fraquezas próprias e do outro. Sócrates conhecia Fedro, sabia de sua admiração por Lísias, escritor sobre o qual discutiam as ideias, assim, permite que este jovem o tenha como ignorante perante o tema discutido a fim observar sua posição argumentativa, e sobre as ideias admiradas por Fedro.

A argumentação tem por base a incerteza, o paradoxo, as entrelinhas, o duvidoso, pois para todo argumento há um oposto, e a capacidade de negar as afirmações que apresentam uma verdade ainda não contestada, este, portanto, será o campo minucioso trabalhado por Sócrates.

“Para uma afirmação sempre existe uma contra afirmação”, esta é a base do texto filosófico dedutivo, segundo Carlos Ceia22. Uma afirmação deve ter sido

objeto de várias investigações, e todas as suas premissas podem ser confrontadas por ideias adversas. A argumentação socrática possuía bases sempre na refutação, quando o interlocutor se desarmava para conhecer o campo do seu ouvinte, era o que os estudiosos chamavam de persuasão epistemológica, que sempre deixava em aberto uma verdade não revelada, mas ia além de destruir um argumento ou mera dialética negativa, como cita:

A argumentação socrática requer um acordo final entre as partes envolvidas no diálogo: o arguente “A” tem de convencer o arguente “B” de que a sua posição inicial era falaciosa, portanto, a argumentação de “A” tem que ser mais sólida e convincente do que a de “B”. O fim último da argumentação socrática não é o da simples contradição das ideias pré-concebidas por outrem, mas o

21 PLATÃO, Fedro, 1991.

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de mostrar a este Outro como é que se de construir uma argumentação. (CEIA, 2014)

A persuasão surge da organização de teses, umas podem complementar o raciocínio, e outras poder questionar a tese principal com extrema relevância. Contudo é preciso elucidar que a intenção final do texto convincente é encontrar um denominador que pode não gerar a concordância com as ideias apresentadas pelo locutor, mas deve criar no ouvinte um desconforto pelos preconceitos que eram defendidos: esse era o almejado por Sócrates.

Sabendo que nem todos os argumentos possuem a mesma força dentro da argumentação, claro é respeitar uma ordem podendo ser esta decrescente, crescente ou a chamada “nestoriana” – muito utilizada nas antigas retóricas, cujos argumentos fortes se encontram no início e no fim, colocando os mais fracos no meio. É necessário perceber que a capacidade de persuasão de um orador está nas entre linhas que este possa perceber entre a observação dos seus ouvintes e a boa colocação de suas teses, sejam estas contraditas ou iniciais23.

Um dos perigos do discurso argumentativo é a demagogia, esta acaba quebrando o equilíbrio existente no discurso para construção das ideias, tendo em vista que o orador passa a atuar como único fazedor de ideias, ator principal; aglomerando os vocabulários rebuscados ou vãos, cuja validade é vazia ou fraca. Esta era uma figura utilizado pelos sofistas, e não se pode ter a argumentação como uma techne, mas apenas uma manipulação que enriquece o autor de aplausos, não produzindo questões nem reflexões filosóficas, e para combater tais atuações surge o questionamento sobre a veracidade e beleza do discurso de Lísias, como cita Platão, através de seus personagens:

Sócrates: - como? Será preciso que o discurso seja elogiado por mim e por ti? Temos de afirmar também que seu autor disse tudo que era necessário, que cada expressão é clara, bem elaborada e compreensível? Seja, farei isso por amizade para contigo, se bem que eu, na minha incompetência, não tenha notado tal coisa. Só prestei atenção às qualidades retóricas, e creio que, visto desse aspecto, o discurso nem sequer ao próprio Lísias agradaria. Se me permites, caro Fedro, direi que ele me parece ter repetido a mesma coisa duas ou três vezes, como fazem as pessoas que não têm muito assunto; ou talvez essa matéria não se ajuste às suas capacidades. Para mim, é evidente que ele procedeu como

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um jovem pedante, querendo mostrar termos retóricos. (PLATÃO, Fedro, 235 a).

É perceptível a crítica de Platão sobre o uso demagógico das palavras. Tendo como pano de fundo a discursão na tese da confiança no amante, demostra, o filósofo, de forma veemente que qualquer um pode argumentar seja contra ou a favor deste ou daquele assunto. No entanto, a riqueza e destreza na persuasão é o questionamento feito pelas oposições alcançadas dentro de uma afirmação já existente e alicerçada no ouvinte, como as que o jovem Fedro já aceitava como verdade.

A posse do ouvinte sobre a verdade é um desafio apresentado ao locutor; e por se tratar de um campo de conhecimento já dominado, vários indivíduos não possuem a coragem de invadir este espaço, tendo em vista que é mais cômodo deter-se apenas ao que já é afirmado que se lançar as críticas reproduzidas pelas ideias contrárias.

Através da contestação Sócrates questionará a admiração também estética, sobre o discurso em análise apresentado por Fedro. Ao mesmo tempo a beleza do discurso pode estar na aptidão com as belas palavras e construir um convencimento plausível com a conquista almejada pelo orador, ou seja; a capacidade argumentativa vai além da visão do “outro”, podendo construir as reações e confirmações sobre o que lhe seja capaz de ter como uma acepção ou não24, assim cita Markus Figueira:

A retórica anuncia a figura do orador que luta para subjugar a massa de seus ouvintes. O lugar do discurso reveste-se de poder, passando a ser o lugar da autoridade. A formação dos indivíduos prima por estabelecer um hiato entre os que definem com seus discursos (logoi) o lugar da autoridade política e aqueles que a ela se submetem. A noção de sabedoria para a cidade dos muitos discursos passa a ser identificada com o poder. (FIGUEIRA, 2004, p. 325)

Portanto, o papel político de obtenção de poder que a retórica poderia gerar na Grécia da época era desejado por muitos poderosos, e para isso a boa exposição das ideias enriquece o discurso como um todo, e a participação entre as partes que dialogam gera um equilíbrio, porém o fator essencial é a

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observação do “eu” que apenas escuta, tendo em vista que o convencimento é buscado em seu íntimo, e no poder refletido mais profundas da plateia.

O outro e o eu agrupados, possuem a capacidade de construção de uma persuasão cuja extensão atua de uma forma muito mais profunda, já que esta fusão entre ouvinte e locutor tornam as ideias não meramente aceitas, mas retidas em um campo de totalmente ímpar e sentimental, o caminho da alma.

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4 A SEDUÇÃO SENTIMENTAL

Sócrates dentro de sua refutação do discurso de Lísias irá apresentar um profundo estudo sobre a alma humana e sua forma de comportamento quando movida pelo sentimento ou pela razão, além do caminho mais curto para conquista do homem pela palavra através da capacidade de envolvimento do ouvinte pelo reconhecimento de seus sentimentos25 pelas palavras do orador.

A persuasão a partir de agora descobre no apelo sentimental um aliado na conquista de opiniões favoráveis, tornando-se uma das necessidades mais cobiçadas dentro do meio retórico na época da Grécia antiga. Para desenvolvimento deste ensino, várias ferramentas passaram a ser exploradas, principalmente entre os sofistas, como cita:

Os sofistas prometiam a seus ouvintes/alunos, segundo Platão, que por intermédio das suas lições eles alcançariam a excelência (areté) da téchne oratória que os levaria a predispor do modo mais eficaz possível o surgimento da emoção no público. Daí a construção da plástica figura do orador-político, cujas armas são a sedução e a persuasão (FIGUEIRA DA SILVA, 2004, p.325) Na elaboração de discursos que buscassem cativar o interlocutor através de sentimentos, destacou-se o papel dos poetas, que através de versos e palavras, conseguiam arrancar sorrisos nas comédias, ou lágrimas nos dramas, tudo reflexo da aceitação das ideias remetidas e dos questionamentos explorados.

Possuindo um papel fundamental na educação da época, os textos poéticos e suas oratórias sabiam o caminho mais curto para a alma humana, e reconheciam na retórica o mecanismo para atingir este caminho. A verdade é que a poesia era apenas o eco dos clamores populares, que segundo Platão, não ERA opinião verdadeira nem um conhecimento filosófico da palavra, restando à declamação de imitações sobre a realidade existente nos versos do poeta que clama segundo o que a multidão enaltece como bom ou ruim.

O papel educativo da retórica na Grécia, é exposto por Figueira (2004):

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Vem de longe a idéia de que é possível moldar o ethos por meio da educação. Desde a Grécia antiga, precisamente no século V a. C., a figura do didáskalos, isto é, o professor, toma o lugar do poeta-aedo na condução (agogé) do processo formativo do cidadão. A sofística inicia um movimento de tornar público os ensinamentos com a promessa de formar homens sábios, virtuosos, poderosos e felizes. Paralelamente a este novo modelo de educação surge à ideia de publicidade. Entre as duas a mais forte, a que vigora hoje como instrumento massificador e seduz com uma eficácia sem limites os sentidos por ela capturados é sem dúvida a publicidade. (FIGUEIRA DA SILVA- 2004, p.322) Os poetas sabiam que a retórica que utilizavam era alimentada pelo combustível dos aplausos populares, seja esta retórica possuidora de uma verdade ou não, pois as paixões tornam as dores mais lamuriosas. A poesia utiliza-se do fator retórico quando lhe convém, imitando a dor e representando o sentimento de forma mais acentuada, acabando por lançar o homem com mais entusiasmo no sentimentalismo. O poeta utiliza-se do “ethos” da poesia trágica que sufoca o estado racional, lançando sobre um número de espectadores nos festivais religiosos a influência de seus versos, sabendo que o território passional da alma é facilmente estimulado pela visão, assim o uso de imitações e recursos visuais, invadem o âmbito da ficção.

A sedução do discurso é apresentada de forma temática, formal e expositiva, no diálogo “Fedro”, base do presente trabalho. Inicialmente pode-se perceber a sedução dos argumentos pelo sentimento do jovem Fedro que se encontra totalmente fascinado pelo tema do amante não confiável. O perigo do amante, cujos atos são movidos pelo desejo, acaba reproduzindo o leitor na pessoa do apaixonado nada confiável ou na figura do autor crítico e observador sobre as faces do amor.

Platão irá também demostrar a atuação dos sentimentos no campo da vaidade perceptível no jovem Fedro e no seu desejo de sabedoria levemente retida no que lhe aparentava belo. Assim, Sócrates peonagem, através do diálogo em questão, enaltece o ouvinte para observá-lo da forma mais próxima possível, estudar seus limites íntimos e suas fraquezas mais próximas. Para tal exalta o ego que o move, como abaixo:

Fedro: creio que disse o suficiente. Se te parecer, entretanto, que omiti alguma coisa, pergunta! Que achas deste discurso

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Sócrates? Não é ele belíssimo, tanto no conteúdo como na expressão?

Sócrates: - Caro amigo, o discurso me parece excelente, e deixou-me entusiasmado. E se deixou-me fez tal impressão, deixou-meu querido Fedro, foi por tua causa: eu te olhava, e durante a leitura tu parecias iluminado pelo discurso. Convenci-me de que nessas coisas, és mais competente do que eu. Segui o teu exemplo e deixei-me tomar pelo teu entusiasmo. Divina cabeça! (PLATÃO, Fedro, 234 d)

Claro e evidente é o estudo e a percepção da vaidade a qual Fedro se encontrava, e de total encantamento que o texto havia efetuado nele. Fedro era um jovem estudioso da retórica, e como podemos deduzir no item 2 deste trabalho, abastado de bens, já que só os jovens bem nascidos teriam condições para tais estudos, o que o coloca em situação privilegiada diante de seu tempo. Assim, Sócrates problematizava os temas apresentado pelo jovem para utilizá-lo a seu favor e vai aos pouco construindo um mapa de conhecimento sobre o ouvinte, partindo de uma visão dialética que segundo ele iniciava no sensível para chegar às ideias e depois retornar ao sensível para explicá-las26.

Sócrates irá iniciar seu segundo discurso expondo o que para ele é fundamental: ter o verdadeiro conhecimento sobre o que fala além de demonstrar que o bom orador pode expor duas visões sobre um mesmo tema, ao mesmo tempo em que defende o método dialético. Este filósofo também combate qualquer vestígio de imitação ou ausência da verdade, encontrando na alma o princípio desta verdade:

Partindo do seguinte princípio: toda alma é imortal, pois aquilo que se move a si mesmo é imortal (...). A alma pode ser comparada com uma força natural e ativa, constituída de um carro puxado por uma parelha alada e conduzida por um cocheiro.

Os cavalos e os cocheiros das almas divinas são bons e de boa raça, mas os outros seres são mestiços. O cocheiro que nos governa rege uma parelha na qual um dos cavalos é belo e bom, de boa raça, enquanto o outro é de raça ruim e de natureza arrevesada. Assim, conduzir nosso carro é oficio difícil e penoso. (PLATÃO- Fedro, 245 d).

A alegoria do cocheiro, presente no trecho acima demonstra a relação alma e sentimentos humanos, onde o homem é movido por duas vertentes, quais sejam, o racional e o irracional. O equilíbrio responde pelo cocheiro regente da

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carruagem, e os impulsos bons são os cavalos de boa raça; por fim, os sentimentos o cavalo cuja raça é ruim e o adestramento difícil. O liame entre razão e sentimento cabe apenas ao cocheiro que quando se encontra movido apenas pelos desejos acaba dando liberdade ao cavalo rebelde e abandona as rédeas a total irracionalidade humana, onde os desejos dominam o ser.

A manipulação das paixões é um dos mecanismos mais utilizados na retórica, pois o estimulo aos sentimentos exacerbados eleva o potencial impulsivo do homem e o coloca em total consentimento ao que vê e ouve sem qualquer discernimento, como o descrito no texto de Lísias sobre o amante do primeiro discurso. Tal dominação de sentimentos ocorre apenas na ausência da verdade e do real conhecimento das coisas, como cita Aristóteles:

A verdade é que a alma está dividida entre esses dois logoi já em Platão, e que aí se trama o jogo das paixões, dos desejos sensíveis, embora estes não façam, verdadeiramente, parte do logos. Daí a alegoria, o mito, as imagens a que Platão recorre no Fedro para falar do que escapa à razão, do que se lhe opõe e que deveria também poder, apesar de tudo, voltar a ela.

A alma é comparada a animais atrelados, conduzidos por um cocheiro que tenta harmonizar as paixões dos cavalos que se lançam em direções opostas. Eles simbolizam de fato o apetite sensível e a força de resistência a esse apetite, enquanto o cocheiro representa o julgamento da razão sã. (MEYER- 2000, p.20).

O domínio das paixões acaba por negar o equilíbrio, levando o cocheiro a perder o controle e por muitas vezes acidentar toda a carruagem. Tal alegoria pode muito bem ser aproximada ao que Platão temia quanto ao domínio da imaginação e da ficção que acabava enaltecendo as imagens das imagens, gerando no indivíduo reações alicerçadas no que ele chama de mimeses, no diálogo A república.

As reações apaixonadas são respostas ao que, é apresentado ao espectador e considerado como verdade por este sem qualquer questionamento, é quando o ouvinte se encontra refletido em um discurso, podendo servir como alimento para uma perfeita reflexão ou um questionamento do que ele é ou vive. Assim a falta com a verdade torna deveras perigoso, diante do que o discurso pode provocar em seu interlocutor, como cita:

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Sócrates: - quando um orador desconhece o que seja a natureza do bem e do mal, encontra os seus concidadãos na mesma ignorância e os persuade, não a tomar a sombra de um burro por um cavalo, mas o mal pelo bem; quando, conhecedor dos preconceitos da multidão, ele a impele para o mau caminho – nesse caso, a teu ver, que frutos a retórica poderá recolher daquilo que ela semeou?

Fedro:- não pode ser bom fruto. (PLATÃO, Fedro, 260 b)

Platão reconhecia o perigo das imitações, quando estas atuavam no campo sentimental, e da exacerbação que estas provocavam nos indivíduos quando o cocheiro era entregue ao domínio do cavalo de péssima raça. Mas maior perigo, segundo o filósofo, estava na capacidade de influenciar as opiniões e desmandos de toda uma plateia que se reconhecia no que via e ouvia e acaba por reagir com efeitos massivos e irracionais. Assim, as paixões são as respostas das reais intenções do orador, estas refletem nas representações que fazem do ouvinte, materializando uma troca de imagens, e dando a entender o nível de compreensão e consentimento das ideias defendidas na locução.

Porém, Aristóteles sai em defesa das paixões num estudo minucioso através da interpretação de Meyer:

As paixões constituem um teclado no qual o bom orador toca para convencer. Um crime horrível deverá suscitar indignação, ao passo que um delito menor, absolutamente perdoável, deverá ser julgado com compaixão. Para despertar tais sentimentos, é preciso conhecer os que existem antes de tudo no instigador do auditório. (MEYER-2000. p. 16).

Nesta nova visão apresentada, É encontra na retórica uma função de relativa equalização entre os indivíduos, já que a argumentação não visa apenas convencer o ouvinte, mas, além disso, reconhecer que este convencimento da plateia que o escuta possui uma extrema relevância para o bom convívio social, diante da necessidade de uma maioria que precisa pensar e agir em acordo.

Esta atuação projeta prazeres elevados e lágrimas, sofrimentos e alegrias. As paixões formam uma verdadeira relação epistêmica, repassando sobre o indivíduo e sobre o outro a influência que exerce sobre eles, servindo assim de parâmetros, num jogo de proximidade e distância, uma total e revolucionaria atuação no campo da linguagem e do convencimento, seja pela cólera, tranquilidade, amor e ódio, a segurança e o temor, a vergonha e a

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imprudência, o favor, a compaixão e a indignação, a inveja, a emulação e o desprezo, entre outros.

Em um estudo sobre as paixões, a cólera, segundo Aristóteles, constrói parte do irascível da alma, ela se apresenta como a diferença florescente entre as partes, habitando este lugar tênue entre o desencontrar e o encontrar-se, entre orador e plateia. Pode ser uma diferença injusta, imposta ou apenas sentida, demostrando assim que a imagem do locutor refletida no interlocutor não apresenta fundamentos, daí o desejo de vingança. A cólera é o desnível na junção do ultraje, da afronta e do desprezo. Por sua vez, a vingança acaba por ver seu problema resolvido através da imaginação, como afirma:

A cólera é, pois, uma paixão que assenta num erro de julgamento de outrem sobre si mesmo (portanto, sobre nós), julgamento que lhe queremos provar ser errôneo. Aristóteles diz com razão que as pessoas que se julgam superiores- sobretudo os jovens e os ricos- são as que em geral provocam a cólera. (MEYER - 200 p.13). Tal nuance mostra que a cólera possui como alicerce uma relação de superioridade, que facilmente é quebrada com o surgimento do medo. De forma geral na cólera se percebe na distância e um aumento da distância entre orador e ouvinte, que se prolonga com o desenvolver das figuras no diálogo; tudo se dá no rompimento de identidade.

Outro sentimento analisado por Aristóteles é a calma, que aparece como um reverso da cólera, levando em consideração que refaz a simetria e a ruptura que outrora dera vazão. Na calma a reflexão é positiva e a imagem refletida no outro gera a virtude da temperança e da reserva podendo ser a melhor expressão da indiferença, tendo em vista uma profunda aceitação. A calma e a cólera representam por si um leque de todas as paixões, ondo seu excesso é a anulação. A indiferença que vem de uma calma total é uma ausência das paixões, pois se tem o contrário do arrebatamento dos indivíduos, apresentando um caráter pragmático.

O amor e a amizade é um vínculo parcial, uma identidade, ao contrário do ódio que dissocia. Da mesma forma que a base da cólera é a indiferença que se une ou se afasta; no amor há uma reciprocidade, pois as distâncias de cada indivíduo são insignificantes a ponto de alimentarem o amor e mesmo o ódio de tanta violência.

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O temor tem os fortes como base e estes são temidos, enquanto na segurança tem-se certa superioridade criando um afastamento fictício ou real em relação ao que pode ser prejudicado.

Diante da vergonha e da imprudência pode-se perceber nitidamente a imagem do outro refletido, pois na vergonha existe uma inferioridade diante do olhar lançado pelo outro que resgata essa minimização já presente no interlocutor, ressaltando a importância da visão e opinião alheia. Já na imprudência está à superioridade sem atentar para o outro, ignorando e anulando o julgamento de fora, ressaltando o superveniente do eu.

O favor é o sentimento que traz consigo a resposta a outrem com um caráter passional, prestando serviço, descobrindo a necessidade alheia, fazendo tudo sem um interesse previsto. Nesses termos, onde o amor e a amizade fazem para ver o bem do outro amado, o favor faz para ver em si mesmo a real intenção de bem estar.

A compaixão é bem próxima à piedade, mas é alicerçada em razão da sorte negativa do outro, mantendo certa distância e um nível elevado; todavia a piedade supõe uma participação, uma identidade que evolui até a indignação. Na medida em que a compaixão e a piedade mantém uma a distância do ocorrido, a piedade mantém uma proximidade e por sua vez, a indignação não aceita moralmente, criando uma desordem.

Por fim, a inveja deseja retirar o que o outro possui, e a emulação deseja imitar a posição deste outro, mas ambos estão em níveis iguais, sendo relações que prolongam a constância de sentimento, pois uma decai para a diferença e outra a identidade. Por último o desprezo põe um ponto final, acaba e gera ruptura.

Na análise Aristotélica das paixões percebe-se que estas vão além do homem, por tudo que elas fazem nele, já que dominados pelos sentimentos o indivíduo se mostra e se vê. Todas as manifestações das paixões são totalmente vivas e tornam o homem próximo de sua humanidade.

Os sentimentos surgem na alma humana e sobre estes cita Platão:

Sócrates: - Desse modo, há homens que serão persuadidos por certos discursos, enquanto os mesmos argumentos terão pouca ação sobre a alma de outros.

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É mister que o orador que aprofundou suficientemente os seus conhecimentos seja capaz de discernir rapidamente, na vida prática, o momento exato em que é oportuno usar uma ou outra forma de argumentação. Se assim não for, ele nunca saberá mais do que sabia quando ainda andava na escola. Quando for capaz de dizer por qual espécie de discurso se pode levar à persuasão as mais diferentes almas, quando, posto à frente de um indivíduo, ele souber ler no seu coração e souber reconhecer para si mesmo: eis o homem, eis o caráter que os meus mestres pintaram. Quando souber aplicar a esse homem o discurso apropriado, quando possuir todos esses conhecimentos, quando soube discernir o momento em que deve calar ou falar, quando souber empregar ou evitar o estilo conciso ou despertar com amplificações grandiosas e dramáticas as paixões, só então a sua arte será consumada e perfeita. (PLATÃO, Fedro, 245 A).

Tais paixões nascem no mais íntimo do homem onde nasce e habitam as ideias e as imagens; sabendo disso os oradores pairavam no campo das emoções para dominar seus argumentos em favor de seus interesses, o que os tornava invencíveis ao ponto de proclamarem retóricas consideradas divinas.

Portanto, os sentimentos e sua exploração colaboram com o bom orador, já que eles são o caminho mais curto para encontrar a alma humana, lugar onde nasce às imagens e ideias. É na união, verso, beleza e paixão que o homem é capaz de fazer o outro retornar a si mesmo ou sair de seu próprio eu. Para tal, resta elaborar o caminho que busca o conhecimento verdadeiro através da melhor eloquência e formação, assim surge a dialética.

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5 DIALÉTICA

Dialética é a arte da discursão na busca da verdade através da exposição de argumentos e contra argumentos que pouco a pouco constroem um enredo rico em diversidade de ideias, onde os conceitos são expostos de forma elucidativa e facilmente reconhecível.

Segundo Platão a verdade partir da alma assim, não há como separa dialética sem buscar sua relação direta coma a condição na anamnese27, pois os conhecimentos verdadeiros já se encontram no sujeito, bastando que seja redescoberto no próprio indivíduo, e na dialética torna-se essencial esta busca interior de uma resposta que ressurge dos questionamentos elencados no diálogo.

A dialética possui sua base na relação entre sujeito e objeto dentro de uma construção linguística. O objeto, por sua vez, poderá ser sujeito em outro estágio, para que ambos encontrem intimamente a noção de objeto e forma dentro da construção de uma ideia, através de um trabalho de rememoração, sendo assim um processo de anamnese.

Nesta relação à alma atua como ponte intermediária entre o campo sensível e o mundo das ideias, para daí rememorar o conhecimento verdadeiro. Esse papel da alma vem de uma origem divina, que concede ao homem a memória e, segundo Platão, só ela é capaz de conduzir a conceitos como inteligibilidade, imutabilidade, imortalidade etc. Daí, então, se torna possível essa ligação entre o sensível e o inteligível.

Partindo do conhecimento como um mecanismo de reconhecimento, claro é perceber que o sujeito movido por experiências empíricas deve primeiro possuir uma ciência pré-adquirida para expor seus dados, e assim extrair a importância da verdade como uma busca constante.

Inicialmente a dialética está em Platão como um entretenimento coloquial, entre respostas e perguntas, para gerar uma discussão. Todavia, diante das variações expositivas, há de se salientar que no diálogo existe a participação de mais de duas pessoas, enquanto que em um colóquio prevalece uma contradita dual. Essas duas palavras: diálogo e colóquio, claramente podem se enquadrar

27 Anamnese é a capacidade de a consciência vir a retomar sua vivência individual e originária do

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nas ideias sobre a retórica e a dialética, sendo utilizadas seja em discurso longo ou curto, podendo tanto enganar ou servir de abertura para uma verdade perante a sua plateia.

A dialética busca fundamentalmente encontrar o conceito essencial de cada coisa através de um jogo de perguntas e respostas, como cita o trabalho base deste capítulo “Dialética e retórica em Platão”:

Dialético é aquele que apreende a essência de cada coisa. E aquele que não a possui quanto menos for capaz de prestar contas dela a si mesmo ou aos outros, tanto menos terá o entendimento dessa coisa. Platão preocupa-se em deixar bem diferenciado que retórica e dialética são bem distintas ( FEITOSA-1997 p. 227).

Se a dialética seria esse diálogo de perguntas e respostas para a conquista de uma verdade real, e por sua vez a retórica seria a arte de falar de forma convincente em púbico, não poderia a retórica ser um conteúdo da dialética? Partindo desta premissa é salutar retomar a ideia da erística, que, foi muito comum na Grécia antiga entre os jovens, a qual não apresentava a preocupação com o assunto discutido ou ao menos com o surgimento de questões plausíveis ao enriquecimento do conhecimento; deixando tal prática ser levada pelo desejo de anarquia e injustiça tendo por vista apenas o sabor da vitória, não considerando valores e tradições.

Elucidando uma diferença entre dialética e retórica cita Jaeger (1997):

O diálogo não deve ser tomado como veneno, mas como antídoto (farmakon) para proporcionar um bem estar aos homens. Por isso dialética e retórica não se confundem, ou ao menos não devem se confundir. Dialética está em consonância estreita a se integrar à ideia do Bem, enquanto que a retórica, ao contrário, não tem compromisso com a ideia de justiça, de bem ou outros valores que são necessários para a formação do bom cidadão, e, quem a pratica de forma abusiva “ainda não se elevou ao verdadeiro conhecimento”. (ZORAIDA- 1997 p. 228).

Nesta passagem, a ideia principal demostra uma retórica que nega a verdade e a justiça, apenas se preocupando com o discurso público, todavia, a boa argumentação necessária em qualquer discurso sempre deve possuir o conhecimento para retirar o melhor desempenho em um diálogo, independente de seu fim último. Da mesma forma que a exposição de ideias na dialética demonstra

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a construção de conhecimentos a partir da busca pela verdade real, não se deve classificar a retórica como boa e a outra como ruim, mas apenas aceitar que ambas possuem o condão de reproduzir o que bem desejarem, dependendo apenas do orador que as colocará em prática. Para isso, o conhecimento e a habilidades no raciocínio perante os que lhe escutam, num estudo mais íntimo e observador; tornasse mecanismo crucial, como demostra Platão através do “Fedro”:

Quem não tenha classificado os caracteres dos seus futuros ouvintes; quem não for capas de dividir as coisas existentes segundo os seus caracteres específicos, e de reunir objetos particulares numa só ideia geral; jamais chegará a ser um artista da oratória dentro das possibilidades humanas! Ora isso é um resultado que ninguém consegue alcançar sem grande esforço, e só um insensato empreenderá tal tarefa com único fito de se exibir perante os demais homens, não com o propósito de agrada e aos deuses, pondo na sua escolha todas as suas energias, conforme os desejos dos deuses! Eis, Tísias, o que diz quem é mais sábio do que nós: o homem com poder de discernimento não procurará tornar-se agradável aos seus companheiros de escravidão, mas sim aos seus mestres de origem celeste. Eis porque não deve espantar-se com extensão deste caminho, pois este caminho só deve ser percorrido em busca de grandes ideias, nunca por causa dos fins que tens em mente! A razão mostra-nos que, se alguém o desejar, poderá também atingir esse magnifico objetivo por outros caminhos, bem diferentes dos teus! (PLATÃO, Fedro, 274 a) Não seria plausível, em nenhum momento, classificar a dialética como uma prática do bem enquanto que a retórica seria tida como ruim, pois ambas possuem círculos que em determinado ponto efetuam uma intersecção, com objetos e imagens comuns e gerados, muitas vezes, através de caminhos semelhantes.

Segundo Platão, o domínio do conhecimento só pode ser adquirido através da dialética, como também o acesso à verdade, e ao ser encontrada tem de ser transmitida aos outros por obrigação social de quem a encontrou, daí o retorno à caverna pelo indivíduo que descobre a realidade fora dela28.

A visão da dialética através do diálogo “Fedro” para ser compreendida, exige fazer uma retrospectiva de seu enredo, assim, encontramos uma divisão

28 Alegoria da caverna de Platão: segundo esta os indivíduos se encontravam presos dentro de uma caverna e a única imagem que viam era produzidas pelo reflexo do fogo. Após encontrar a liberdade e conhecer a verdade real das coisas subindo ao mundo das ideias, o homem ao retorna é morto pelos que ainda se encontravam presos na caverna.

Referências

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