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EDUCAÇÃO E DIREITOS HUMANOS Um histórico do combate ao trote na UESC

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Academic year: 2021

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EDUCAÇÃO E DIREITOS HUMANOS – Um histórico do combate ao trote na UESC

Ítalo Souza Lima1

Elis Cristina Fiamengue²

RESUMO

Este trabalho traz reflexões iniciais da pesquisa “Tecendo a história do combate ao trote na UESC”, no qual pretendemos traçar a história do processo de combate ao trote estudantil na Universidade Estadual de Santa Cruz. Partindo do pressuposto de que os trotes universitários não são rituais de iniciação, propomos com este trabalho evidenciar pontos abordados por autores, os quais a partir de análises sociais e até políticas, tentam revelar e denunciar os quadros de crueldades presentes nos trotes, quadros estes que estimulam uma série de preconceitos, inclusive o machismo e o racismo. Considerando um contexto em que os trotes se revelam com bastante violência e persistência, e ainda, que suas ações são mascaradas pelo pressuposto de favorecer a integração social, alertamos que conforme essa prática se enraíza nas instituições, impossibilita que outras práticas de recepção, que não tenham como sustentação o puro sadomasoquismo, sejam admitidas. Assim, além de discutir o trote em termos teóricos pretende-se realizar um histórico do combate ao trote na UESC a partir de documentos da instituição, boletins e noticiais em jornais locais, tendo como recorte temporal de 2006 à 2016, período que permitirá uma melhor compreensão do processo.

Palavras-chave: Trotes, Universidade, Violência.

1 Graduando em História na Universidade Estadual de Santa Cruz e bolsista de Iniciação Científica ICB 2018/2019. ² Doutora em Sociologia pela UNESP e professora adjunta da Universidade Estadual de Santa Cruz

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INTRODUÇÃO

O trote tornou-se um fenômeno bastante corriqueiro dentro das instituições de ensino na contemporaneidade. Embora muitos o percebam como simples brincadeiras, é importante refletir a respeito de sua prática e o modo como conseguiu adentrar os espaços universitários. Em Paris, 1342, ocorre o primeiro trote que se tem registro, o qual teve como protagonistas franceses e alemães e, que aconteceu em função da rixa entre essas duas nacionalidades que por questões narcisistas agrediam e ridicularizavam àqueles dessemelhantes. De modo a justificar que os candidatos aos cursos tivessem suas roupas queimadas e seus cabelos raspados, e ainda, que assistissem às aulas nos vestíbulos, espécie de vestiário onde eram mantidas as roupas dos estudantes, separados dos veteranos, era utilizada o discurso de prevenção à proliferação de doenças. (CAMILO, 2010, pg. 5003)

Os primeiros excessos nos trotes foram vistos em 1491, na Universidade de Heidelberg, na Alemanha. As torturas iam desde beber urina ou se alimentar de excrementos, até a realização da pratica de felação ou masturbação dos veteranos. Tudo isso ocorria para que os calouros fossem aceitos por seus colegas “mais experientes”. Tanto nessa, quanto em outras situações é possível perceber que os novatos sempre são considerados como animais que precisam da ajuda de seus colegas veteranos para serem amansados, e com isso alcançarem a racionalidade, e para tal, é imprescindível passar por várias situações de humilhação (ZUIN, 2011, pg. 590).

A palavra trote deriva daí. Ela tem sua raiz na domesticação de cavalos, e configura-se como sendo uma espécie de andar que precisa ser assimilado pelo animal, o qual está entre o galope e o seu passo costumeiro (ZUIN, 2011, pg. 590). Como um reflexo disso, no espaço universitário, os novatos compreendem um “estágio inferior” aos veteranos, e por isso, estes possuiriam a tarefa de domesticar aqueles, em razão de terem vivenciado por mais tempo aquele ambiente. Posto isso, não é por acaso a denominação “bixos” aos calouros.

No Brasil, o trote começa a aparecer em meados do século XIX. Em 1831, o primeiro que se tem registro, estudante da faculdade de direito em Olinda morre por se mostrar resistente

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quanto à aplicação do trote (CAMILO, 2010, pg. 5003). Posteriormente o número multiplica-se exponencialmente, todavia, não existiu um acontecimento mais marcante do que aquele que resultou na morte do calouro de medicina da Universidade de São Paulo em 1999, Edison Chi Hsueh, de 22 anos, tendo em vista o alto status relativo ao pólo educacional na qual o ato foi empreendido. No ano posterior a sua morte, foi aprovada uma lei que proibia a execução de trotes violentos no estado de São Paulo.

Na Universidade Estadual de Santa Cruz, centro educacional situado entre os polos urbanos de Ilhéus e Itabuna na Bahia, o trote é proibido mediante a resolução CONSU Nº5 de 2008. De acordo com ela são proibidas práticas capazes tanto de constranger, quanto de causar danos à saúde e à integridade física do calouro através de coação física ou moral. Também são censuradas aquelas que possam acarretar algum dano ao patrimônio do campus, ou perturbar a ordem do mesmo. Os alunos que realizarem tais práticas estarão sujeitos desde uma advertência escrita, até uma suspensão de três a trinta dias. Embora objetiva essa resolução não anulou as ocorrências aos trotes, afinal, ela só faz valer às práticas dentro dos muros do campus.

À vista disso, compreendendo que o trote possibilita a criação de um terreno em que as diversas perversões sociais podem tomar forma, objetivamos com tal pesquisa identificar as variadas formas de violências empreendidas e que estão ocultas “a olho nu”, discutindo teoricamente a ideia de trote como um ritual de iniciação, com a finalidade de tecermos um histórico de seu combate na UESC entre os anos 2006 e 2016.

METODOLOGIA

Dentre as etapas escolhidas para serem executadas no decorrer da pesquisa, destacam-se: revisão da literatura, pesquisa e investigação nos periódicos e boletins de ocorrência da Ouvidoria, e observação e reflexão das atividades empreendidas nos trotes. Na primeira, buscou-se identificar como autores contemporâneos discutem o fenômeno do trote, dentre eles citamos: ALMEIDA JÚNIOR & QUEDA (2006), ZUIM (2011), AKERMAN M, CONCHÃO S & BOARETTO R. (2013), etc; bem como compreender por quais percalços andavam as discussões.

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Na segunda, nos dirigimos ao Centro de Documentação da universidade (CEDOC) para fazer a investigação dos jornais que possuíam edições as quais se encaixavam no período definido, 2006 a 2016, dentre elas, foram encontrados Jornais de Ilhéus, tais como: Diário de Ilhéus e de Itabuna: Agora, A Região, Diário do Sul, e o Jornal da UESC. Por fim, tendo nos apropriado da bibliografia, buscamos registrar as atividades ocorridas nos trotes e observa-las “a contra pelo”.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Por se tratar de um trabalho inicial, apresentaremos os resultados parciais obtidos a partir da execução da primeira e segunda etapa da metodologia, os quais ainda permanecem em aberto. Inicialmente foram investigados os periódicos do Diário de Ilhéus, Diário do Sul e Jornal da UESC, nas edições correspondentes aos anos de 2006, 2007 e 2008, nos meses que correspondiam à entrada dos calouros na instituição, isto é, meados de fevereiro/março e agosto/setembro, momento no qual o trote comumente acontece.

Mediante análise dos jornais foi possível notar que não haviam noticias de violências empreendidas nos trote da instituição. Em contrapartida, foi constatada a existência de algumas manchetes, as quais ALMEIDA JÚNIOR & QUEDA (2006) afirmariam como sendo campanhas com a finalidade de acabar com a violência do trote e não com o trote em si. Tal como eles refletem: “podemos perceber que elas exercem muito bem o papel de desviar a atenção dos problemas causados pelo trote” (pg. 27)

Dentre as principais destacamos: “Karaoké vira Trote na Faculdade de Ilhéus” e

“Alunos participaram de Trote Inteligente na FacSul”. Apesar de não ser objeto direto da

pesquisa, afinal estamos estudando o processo do combate ao trote dentro da UESC, faz-se necessário frisar que ambas noticias aqui sinalizadas fazem-nos refletir sobre a dinâmica de manutenção do trote nas instituições brasileiras, sobretudo na região sul da Bahia.

A primeira, “Karaoké vira Trote na Faculdade de Ilhéus”, é uma manchete do Jornal A Tarde, um dos mais antigos jornais que circularam na Bahia, e diz o seguinte:

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“A Faculdade de Ilhéus (...) surpreendeu mais uma vez os calouros da instituição com um trote inusitado aplicado na última sexta-feira. (...) Sempre promovendo uma inovação, este ano a Faculdade utilizou o karaokê como ferramenta de recepção aos novos estudantes (...) com o objetivo de promover um trote descontraído que facilitasse integração entre os calouros e veteranos”. (Jornal A Tarde, 2007, ed. de fevereiro)

Ao ser questionado quanto ao evento inusitado, um estudante calouro do curso de administração declara que:

“Foi um trote sadio. (...) Esse trote quebra um pouco o gelo da instituição séria e suas formalidades. (...) O trote tem um caráter negativo, a partir do momento em que há constrangimento e violência, como acontecia antes nas universidades”(Jornal A Tarde, 2007, ed. de fevereiro)

Visualmente a ideia concebida pelos calouros da instituição apresenta-se como uma possiblidade ao trote violento, afinal, como expresso no primeiro fragmento, auxiliaria na integração dos estudantes. Todavia, o que os autores como ALMEIDA JÚNIOR & QUEDA (2006) e ZUIM (2011) dentre outros, propõem é uma revisão de tais métodos. De maneira a simplificar o pensamento de tais teóricos, bem como, compreender a dimensão do fenômeno trotista e como a UESC lida com ele, foi elaborado o esquema abaixo.

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(Fonte: Ítalo Souza Lima, 2019).

Suponhamos que no primeiro semestre de 2019, durante o trote de um determinado curso, tenha ocorrido uma tragédia (entendamos por tragédia alguma lesão ou agressão provocada no calouro). Diante do acontecido, um boletim de ocorrência pode ou não ser realizado na Ouvidora. É necessário salientar que existem pressões internas, veteranos e autoridades da instituição, e externas, família e amigos, que influenciam diretamente na manifestação da denúncia. Essa tragédia pode ainda chegar à Mídia, o que constituiria outro impasse para a realização da denúncia. Caso o boletim seja feito, são estabelecidas medidas de correção no(s) autor(es) da violência. De modo a clarificar o que instituição concebe como trote, segue a informações extraídas diretamente da resolução de 2008:

Art. 1º- Proibir trotes na Universidade Estadual de Santa Cruz que: I. utilizem práticas/condutas, elementos ou substâncias, gêneros alimentícios ou não, em especial os podres ou deteriorados, dejetos de animais ou humanos, bebidas

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alcoólicas e quaisquer substâncias ou elementos repugnantes ou malcheirosos, que possam constranger ou causar danos à saúde e à integridade física a quem quer que seja; II. possam configurar coação moral ou física a quem quer que seja, aos que participam ou sejam submetidos ao trote; III. possam configurar constrangimento de qualquer forma a quem quer que seja, com violação de suas liberdades individuais e integridade moral; IV. causem danos ao Patrimônio da Universidade; V. perturbem a ordem no Campus da Universidade. (Resolução CONSU Nº5, 2008)

A realização de qualquer um dos atos acima implicará na aplicação das penalidades previstas no Regimento Geral da Universidade, em especial no art. 178, são elas: advertência escrita, suspensão, de 3 (três) a 30 (trinta) dias e desligamento, com expedição de certidão de estudos.

Esse é o momento decisivo para as Campanhas de Manutenção do Trote. Ao invés de acabar, uma vez por todas, com o fenômeno e a violência empreendida nele, seus defensores (estudantes, professores, autoridades administrativas), com a finalidade de abafar o acontecimento, apelam para os chamados “trotes alternativos”: trote cidadão, o cultural, o assistencial (coleta de alimentos e roupas, doação de sangue, e etc.). No entanto, para ALMEIDA JUNIOR (2015) essas opções não possuem validade alguma, pois, ao invés de dar um fim as violências, beneficiam à regulação da autoimagem da Universidade, a qual seria manchada se tais práticas ocorressem frequentemente. Vale ressaltar que não é o fato de o trote ser solidário ou cultural que o descaracteriza como violento. Deve ser levada em consideração a forma pela qual a relação entre o grupo trotista e o recém-chegado desenrola-se. Há intimidação? Há estímulos de preconceitos? Há opressão? Então há violação de ética. O excitante no trote é a dominação e humilhação do calouro, se tais prazeres são cessados, não há graça.

Como vimos, a dinâmica do trote é mais complexa do que aparenta ser. Antônio Ribeiro de Almeida Junior, doutor em sociologia pela USP e estudioso sobre os trotes em seu trabalho

“Trotes, Violência e Democracia nas Universidades” de 2015, elenca algumas das principais

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“pedágio”, realizado com frequência na UESC, situação na qual o recém-chegado, simplesmente por essa posição, vai às rodovias e estradas e implora por dinheiro. Práticas como essa denotam e fortalecem o estimulo de preconceitos, haja vista que o novato é colocado na condição de sem-teto/mendigo, o que seria um preconceito contra os despossuídos. O autor também traz mais duas situações semelhantes ocorridas na ESALQ e na USP. Nesta, os novos alunos são forçados a rolar na lama, ficando nas mesmas condições de alguns garimpeiros. Naquela, os novos alunos são obrigados a usar um chapelão, colocando-os na condição dos trabalhadores rurais menos qualificados. (ALMEIDA JR., 2015, pg. 27)

Se por um lado, não foram detectadas noticias referentes ao objeto da pesquisa nos jornais analisados, por outro, nas mídias locais (Jornais da Web) encontramos notícias registrando casos de violência nos trotes estudantis, tais como casos de coma alcoólico em jovens que foram forçados a ingerir bebida contra a vontade. Sabendo que ainda há a persistência de denúncias de trote mesmo após a sua proibição em 2008, decidimos avançar na pesquisa dos Boletins de Ocorrência da Ouvidoria. Tal procedimento foi facilitado em decorrência da Ouvidoria disponibiliza-los no site da própria universidade. Até o momento estamos coletando as denúncias, para posteriormente fazer a análise do material.

CONCLUSÃO

Por se tratar de um trabalho inicial, existem muitas lacunas em aberto. Quais foram os principais articuladores e como foi o processo de criação da resolução CONSU Nº5? Como ocorreu a implantação da Ouvidoria na instituição? Quais processos foram levados à Ouvidora? E ainda Enfim, esses e muitos outros questionamentos deverão ser feitos a fim de consolidar a pesquisa. Contudo, a partir do que foi produzido até o momento, certamente asseveramos que foi um período fundamental para o amadurecimento do exercício e da prática de pesquisa, os quais os professores tanto discutem em sala de aula, dessa forma, favorecendo uma formação profissional mais sólida.

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Vale ressaltar que não estamos com esse trabalho sugerindo que as calouradas sejam interrompidas. Propomos apenas uma reflexão à “contra pelo” das chamadas “brincadeiras” de recepção estudantis, as quais, para alguns, são apenas um entretenimento compartilhado entre grupos de estudantes, no entanto, damos atenção aqui às circunstâncias que passam despercebidas. Pois, visto que a Universidade é um espaço de reflexão do conhecimento, difusão do pensamento crítico, e das relações interpessoais, porque insistiríamos na permanência de tradições humilhantes e que ferem a ética? Como poderemos contribuir para esse espaço se não nos pronunciarmos contra tais situações?

REFERÊNCIAS

AKERMAN M, CONCHÃO S & BOARETTO R. Bulindo com a Universidade: Um estudo

sobre o trote na Medicina. Porto Alegre: Rede Unida, 2013.

ALMEIDA Jr. A.R.. Trotes, Violência e Democracia nas Universidades. In: Dossiê Educação e Direitos humanos, 2015, p 16-57.

ALMEIDA Jr., A.R. & QUEDA, Oriowaldo . Universidade, preconceitos e trote. São Paulo: Hucitec, 2006.

CALDAS JUNIOR AL. A Privatização da Violência. Interface (Botucatu). 1999; 3(5):123-6. CAMILO, ANDRYELLE VANESSA. Do trote universitário como atentado aos direitos da

personalidade do acadêmico. In: XIX Encontro Nacional do Conpedi. Florianópolis: Fundação

Boiteux, 2010

ZUIN, ANTÔNIO. O Trote Universitário Como Violência Espetacular. Educação e Realidade, v. 36, p. 587-604, 2011.

ZUIN, ANTÔNIO. O trote no curso de pedagogia e a prazerosa integração

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