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Análise e classificação dos dados

Uma vez apresentados os vocábulos expressivos onomatopaicos e não onomatopaicos a que se refere este trabalho, é chegada a hora de examiná-los e defini-los de acordo com o papel ou função que desempenham na linguagem cotidiana do brasileiro.

Para essa análise, foram selecionados alguns dos enunciados de onde foram extraídos os vocábulos expressivos catalogados no capítulo anterior e que compõem o corpus deste trabalho.

3.1.

Apresentação de uma proposta descritiva

Conforme seu contexto e a maneira como tais vocábulos encontram-se empregados nos enunciados, cada um deles poderá ser encaixado em uma categoria funcional diferente, merecendo assim uma classificação correspondente própria, segundo a taxonomia e conceitos instrumentais já propostos no capítulo 2, item 2.1.6.

Assim, uma vez que se refiram diretamente às coisas do mundo e da vida, serão denominados referenciais. Neste caso, os que derem nome a tais coisas, sejam elas concretas ou abstrações, serão classificados como nocionais; os que se referirem a qualidades ou estados dessas coisas, como qualitativos; os que se referirem a ações e suas circunstâncias, respectivamente, como acionais e circunstanciais (cf. esquema na página 31).

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Já aqueles que não se referirem a nada especificamente e servirem apenas como elementos estilísticos de expressão, funcionando como adornos ou efeitos especiais da linguagem, serão chamados estilísticos (cf. esquema na página 31).

Não se verifica aqui, contudo, a possibilidade, ou mesmo a adequação de se estabelecerem quadros taxonômicos com grandes listagens de vocábulos expressivos, fixando-os desta forma em determinadas funções e conseqüentes classificações. Afinal, um mesmo vocábulo expressivo pode ser, por exemplo, referencial ou estilístico, conforme sua função em cada enunciado proferido. Essa flutuação pode ser observada nas frases seguintes, onde, respectivamente, a onomatopéia atchim assume um papel ora referencial, uma vez que se refere objetivamente a algo – o espirro –, ora estilístico, por ter unicamente a função de dar mais vida ao que se disse, numa tentativa de trazer à presença do interlocutor a cena narrada.

(10) Foi o atchim mais estranho que já ouvi. (11) Foi só abrir a porta e, atchim, ele espirrou.

Assim, enquanto em (10) atchim é um vocábulo expressivo onomatopaico referencial uma vez que se refere diretamente a espirro, no caso, por meio de sua representação sonora, em (11) atchim é um vocábulo expressivo estilístico que, pela reprodução do som do espirro, busca dar mais realidade, mais presença ao fato narrado.

Igualmente, um vocábulo expressivo referencial não tem obrigatoriamente sempre a mesma função, e conseqüentemente pode receber diferentes

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classificações dentre seus subtipos – nocionais, qualitativos, acionais e circunstanciais. Tudo vai depender das funções que exercem nas frases.

Pelo exposto acima, nota-se a impossibilidade de se apresentar um quadro taxonômico rígido, onde uns vocábulos expressivos seriam sempre classificados de um mesmo modo enquanto outros o seriam de outro, sem se levar em consideração a significativa margem de possibilidades de variação funcional verificadas entre eles.

O que se faz necessário saber sobre eles é, sim, a sua significação original – o que imitam ou sugerem para o falante nativo que os emprega – e como e em que condições se dá seu uso no discurso. Conhecer um pouco dos mecanismos metafóricos e associativos ou alusivos presentes no uso dos mesmos no discurso e o processo de manifestação lingüística que os envolve é o primeiro passo para a concretização de seu real aprendizado.

Apresento, então, a seguir, uma série de enunciados contextualizados, que exemplificam como vem se processando o funcionamento de tais recursos lingüísticos no português do Brasil.

Não obstante esses exemplos estarem didaticamente organizados conforme o quadro classificatório proposto por este trabalho, será possível notar que um mesmo vocábulo expressivo pode ser classificado de várias formas ao assumir as mais diferentes funções, como foi afirmado anteriormente, ainda neste item 3.1, comprovando-se, assim, que o fundamental é conhecê-los e entender como, quando e onde são usados.

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3.1.1.

Vocábulos expressivos referenciais nocionais

12. “Nada de bilu-bilu em público”.33

Dicionarizado como vocábulo onomatopaico, em que se repetiria o vozerio infantil, bilu-bilu (ou bilo-bilo) é uma palavra com que se acompanha o gesto carinhoso de mover com o indicador o lábio inferior ou o queixo de um bebê ou uma criança. Contudo, no trecho destacado na frase, quer dizer manifestações exageradas de carinho e ternura entre namorados.

13. “Não quero ouvir nenhum quiquiqui-quiquiqui; hoje não tem

bababá-bababá.”34

De origem onomatopaica, quiquiqui recebe nos dicionários a acepção de gago. Entretanto, no exemplo acima, significa conversa vazia, conversa sem importância, assim como bababá, ainda sem registro.

14. “Isso era bem feito pro Beiçola: levar um créu do tio Juvenal”.35

Não dicionarizada, onomatopéia indicadora normalmente de barulho de algo que cai e se quebra, muito usada nos quadrinhos, créu aí não tem valor onomatopaico, no sentido de imitar coisa alguma. É selecionada pelo falante

33 Danuza Leão, em seu livro “Na sala com Danuza 2” – p. 207.

34 Fala do personagem interpretado por José Wilker na novela “Senhora do Destino”, da Rede

Globo, exibida em 2004.

35 Fala do personagem Lineu, interpretado por Marco Nanini, em um dos episódios de “A Grande

Família”, da Rede Globo, exibido em 14/10/2004.

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apenas por sua expressividade, pelo efeito de impacto que provoca no discurso, e significa tapa, golpe, soco.

15. “O sex-shop A2 abriu uma filial só para mulheres, em Ipanema, no Rio, com uma nova atração: cursos só para elas. O aprendizado de nheco-nheco tem como “disciplinas” sexo oral, strip-tease e posição de Kama Sutra. As aulas podem ser particulares ou em turmas de até 30 pessoas.”36

Nheco-nheco, sem registro nos dicionários, significa, no trecho destacado, coito em sentido amplo. Seu poder onomatopaico original permanece ainda bastante sugestivo para o falante neste caso, sugerindo-lhe o barulho da cama por ocasião dos movimentos executados durante o ato sexual.

16. “Nota zero para o chororô em “América”. A coisa está tão grave, que até Caco Ciocler derramou uma lágrima solitária para...festejar o noivado! Haja cristal japonês...”37

Sem registro nos dicionários, chororô aí quer dizer choro constante. A reduplicação da última sílaba de choro fez com que se convertesse em uma forma mais expressiva de dizê-lo.

36 Ancelmo Góis em artigo entitulado “Salienciologia”, em sua coluna no Jornal O Globo, p. 20,

em 29/05/2005.

37 Patrícia Kogut, em sua coluna “Controle Remoto”, no Jornal O Globo, p. 4 em 8/4/2005.

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3.1.2.

Vocábulos expressivos referenciais qualitativos

17.“Antes de namorarem, elas vão se tornar amigas, sair juntas e dar selinhos, aquele toque vapt-vupt de lábios.”38

A combinação onomatopaica vapt-vupt, passa a idéia de rapidez de um acontecimento através da representação do barulho provocado por um deslocamento do tipo ida-e-volta quase instantâneo de algo, considerando-se o atrito do ar. Assim, no exemplo acima, vapt-vupt significa rápido, sua acepção mais comum, ainda que nos dicionários vapt-vupt conste apenas como um tipo de lençol dotado de elástico que se prende facilmente à cama, tornando mais rápida e menos penosa a tarefa de arrumá-la.

18. “Mulher teco-teco: só aceita um de cada vez. Pula e sacode tanto que deixa você nauseado, mas é sempre muito emocionante.”39

Teco-teco, onomatopéia que imita o barulho de hélices girando sem muita potência, significa, segundo os dicionários, avião pequeno, de um só motor de explosão, de reduzida potência, para trajetos curtos. No entanto, pode significar também avião velho, não confiável e/ou passível de apresentar problemas. Uma mulher do tipo teco-teco é uma mulher com características semelhantes às de um teco-teco.

38 Trecho da Revista da TV do Jornal O Globo, em 22/8/2004, p. 3.

39 Charge da série “Radical Chic – Gatão de Meia –Idade”, de Miguel Paiva, em novembro de

2003.

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19. “João Kleber é finalista do troféu Brasileiro Pocotó do site www.brasileirospocoto.com.br. O troféu vai para ‘quem mais contribui para o emburrecimento do Brasil`”.40

Não registrada nos dicionários, pocotó é uma onomatopéia que imita o barulho da cavalgada de um cavalo. No entanto, no trecho acima, não faz alusão a cavalo. O que acontece, neste caso em especial, é que desde o ano dois mil e três, mais ou menos, uma música chamada “Egüinha Pocotó” fez muito sucesso no Brasil, sobretudo na região Sudeste, Rio de Janeiro e São Paulo. Tal música engendrava em suas entrelinhas conteúdo altamente sugestivo de erotismo e sensualidade de gosto discutível. Desta forma, até hoje, quando se fala em pocotó, muitas vezes se está referindo à apologia feita a coisas eróticas em excesso e/ou a coisas de péssimo gosto nesse sentido ou a baixo nível de instrução e educação, característicos de quem se sente atraído por manifestações culturais desta sorte. Assim, no exemplo em questão, pocotó assume a significação de “baixaria”.

20. “São Paulo é erva, Rio é nhenhenhém”.41

Palavra onomatopaica registrada nos dicionários como relativa a falatório interminável, nhenhenhém significa aí de “bater papo”, de conversar, de se distrair. Na frase, enquanto São Paulo é tida como uma cidade forte, onde se trabalha, se executa, onde as coisas acontecem, no Rio as pessoas parecem menos rígidas, gostam de uma conversa, não levam as coisas tão a sério.

40 Patrícia Kogut, em “Controle Remoto”, no 2º caderno do Jornal O Globo, em 14/7/2004, p. 8. 41 Título de artigo de Joaquim Ferreira dos Santos em sua coluna “Gente Boa”, no 2º caderno do

Jornal O Globo, em 15/10/2004, p. 3.

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21.“Essa comida é muito pa-pum para essa hora da noite.”

Na frase acima, a combinação onomatopaica pa-pum, não dicionarizada, significa pesada.

3.1.3.

Vocábulos expressivos referenciais acionais

22. “Meu carro nunca tinha dado problema. Foi só eu botar ele na sua mão e créu.”

Créu, não registrado nos dicionários, coincidentemente aí assume de forma relativa seu valor onomatopaico de imitar algo que se quebra. No exemplo acima, quer dizer quebrou (ainda que não literalmente), deu defeito.

23. “Marcelo entrou na sala e nem tchum pra mim.”

A onomatopéia tchum, não dicionarizada, perde aí seu valor imitativo, uma vez que não imita o som daquilo a que se refere neste caso em que o falante a seleciona para siginificar olhou, prestou atenção.

24. “E ele lá pepepê-pepepê no ouvido dela...”42

42 Fala do personagem Agostinho, da série “A Grande Família I” (em DVD), da Rede Globo, na 1ª

cena do episódio “A melhor casa da rua”.

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Já nesta frase, pepepê-pepepê, que não se encontra registrado em dicionários manteve seu valor onomatopaico ou imitativo e significa falou muito e de forma constante.

25. “Ele chegou morto de cansado e pa-pum em cima da cama.”

Nesta frase, a combinação onomatopaica não dicionarizada pa-pum significa se jogou.

26. “As crianças trocaram logo de roupa e tibum na piscina.”

Não dicionarizada, a onomatopéia tibum significa aí caíram, se jogaram.

3.1.4.

Vocábulos expressivos referenciais circunstanciais

27. “Vou terminar meu trabalho vapt-vupt!”

Significando rápido ou rapidamente, ainda que essas acepções não constem dos dicionários, vapt-vupt imprime, no caso, a circunstância de rapidez à ação terminar meu trabalho.

28. “Quanto a isso, não tenha dúvidas. É pa-pum!”

Não dicionarizado, pa-pum aí refere-se à circunstância de uma ação que vai acontecer, imprimindo à mesma a noção de certeza.

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29. “Vou num pé e volto no outro. É zás-trás!”

Dicionarizada, a onomatopéia zás-trás, normalmente usada para reproduzir o ruído de uma pancada, uma batida rápida ou para representar uma ação rápida e decidida, reforça a idéia de rapidez na ação de “ir num pé e voltar no outro”, isto é, ir e voltar em um intervalo mínimo de tempo.

30. “Hoje não tem conversa. Hoje é pimba!”

Dicionarizada, exprimindo geralmente acontecimento imprevisto e/ou que marca o desfecho de uma ação, pimba imprime a um fato ou acontecimento subentendido um caráter de certeza, de inevitabilidade: “Hoje não tem conversa. Hoje é certo que determinado fato vai se dar”.43

31. “Aqui não tem história não. Escreveu não leu, é créu!”

As frases acima significam respectivamente não adianta embromar ou não tem perdão ou outra chance e se bobear ou se não estiver prevenido ou se proteger, certamente vai acontecer o que tem que acontecer. Dessa forma, créu, não dicionarizado, é utilizado para reforçar a certeza, a inevitabilidade da ação: “Aqui não tem história não. Escreveu, não leu, determinado acontecimento se sucederá com certeza”. A despeito de certeza não corresponder exatamente a uma

43 Considerando que todo fato ou acontecimento implica uma ação e que toda ação se dá em

determinada circunstância, pimba neste caso é considerado como tendo a função de informar algo sobre uma situação ou acontecimento previsível e aparece como vocábulo expressivo referencial circunstancial por imprimir circunstância enquanto fato acessório ou outro pormenor que se prende a um acontecimento ou a uma situação (HOUAISS, 2001), no caso a particularidade de inevitabilidade desse mesmo fato ou situação.

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circunstância, créu pode ser considerado um vocábulo expressivo referencial circunstancial por informar algo sobre uma situação ou um acontecimento previsível imprimindo-lhe circunstância enquanto fato acessório ou outro pormenor que se prende a um acontecimento ou a uma situação (HOUAISS, 2001), no caso a particularidade de inevitabilidade desse mesmo fato ou situação.

3.1.5.

Vocábulos expressivos estilísticos

32. “Os saquês entraram em ação, a galera se animou e, pimba!, lá estávamos nós falando besteira.”44

Nessa frase, o vocábulo expressivo pimba, de origem onomatopaica e que costuma expressar acontecimento inesperado e/ou desfecho de uma ação (Houaiss, 2001), não possui nenhuma significação em si mesmo, ou seja, não se refere a nada, não contém nenhuma informação objetiva. Sintaticamente supérfluo, podendo ser retirado da frase sem comprometimento da mensagem por ela veiculada, é usado apenas estilisticamente, para enfatizar a ação por ele expressada, tornando-o então mais expressivo.

33. “A foto publicada aqui ontem de uma banca que entrega o jornal ao motorista que buzina parado no sinal (uma buzinada para “O Globo”, duas para o “Extra” e três para “O Dia”) entupiu a caixa postal da coluna. Alguns aplaudiram.

44 Reportagem “Promessas e surpresas”, da série “Pé-limpo”, de Jefferson Lessa, no caderno Rio

Show do Jornal O Globo, em 16/7/2004.

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Mas a maioria – bibi, fonfom! – chiou, dizendo que, se a moda pega, a poluição sonora na cidade será insuportável. Tem razão.”45

O papel das onomatopéias dicionarizadas bibi e fonfom nesse trecho é também estilístico no sentido de dar mais vida ao enunciado, adornando-o com o som das buzinadas a que se refere, e, ao mesmo tempo, imprimindo-lhe um caráter, no caso, bem-humorado e jocoso, como que comparando as vozes das pessoas que “chiavam” a buzinadas.

34. “Fui à escola. Sei que moda também é cultura, forma de expressão, que acompanha as transformações sociais, que é um sistema, que é uma linguagem,

blábláblá, blebleblé, bliblibli, bloblobló, blublublu.”46

Sem prejuízo sintático, a seqüência de onomatopéias imitativas de vozes humanas blábláblá, blebleblé, bliblibli, bloblobló, blublublu, apenas blábláblá encontrando-se dicionarizada, poderia ser perfeitamente dispensada ou substituída por etc. etc. etc. no trecho acima. No entanto, sua escolha pelo enunciador garante ao enunciado maior expressividade ao evocar, com criatividade e de modo distenso, além do que conteria um simples etc, a sensação de falatório interminável e cansativo, sem dúvida dando mais vida ao discurso.

35. “Ontem, por volta de 0h30m, no estacionamento do Rio Sul, o carona do Honda Fit preto LDB 9646, que saía de um show de Djavan, desceu, pôs o microfone pra fora e – chuáááá – fez o maior xixi numa pilastra.”47

45 Ancelmo Góis, em “Ponto Final”, em sua coluna no Jornal O Globo, em 17/4/2004, p.17.

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Sintaticamente dispensável, a onomatopéia chuáááá, dicionarizada com a acepção de enchente, aí não tem tal significação, servindo apenas para imprimir graça ao enunciado, remetendo-se ao barulho do xixi narrado no trecho em questão, que se torna bem mais vivo e expressivo com sua presença.

36. “Um pobre papagaio grita sem parar desde o raiar do dia num poleiro pendurado do lado de fora da janela do 1º andar do prédio 78 da Rua Maria Quitéria, esquina com Redentor, em Ipanema. A vizinhança, apiedada do bicho, já fez queixa ao Ibama e ao síndico. Mas, até agora, curupaco-papaco, nada.”48

Curupaco-papaco, onomatopéia não dicionarizada que imita a voz do papagaio, confere ao enunciado um toque de humor e talvez uma pitada de ironia. Elemento com função estilística, é dispensável no que tange à sintaxe da frase em que aparece.

3.2.

Conclusão parcial da análise de dados

Durante o processo de catalogação e análise de dados que levou à proposta classificatória dos vocábulos expressivos apresentada no item 3.1, algumas evidências puderam ser observadas, como se pode confirmar por meio das amostras disponíveis nos anexos deste trabalho e pelo quadro sinóptico apresentado ao final deste item 3.2.

Dentre os vocábulos expressivos onomatopaicos, por exemplo, percebeu-se que sua variedade de ocorrência como referenciais nocionais e acionais é

46 Trecho da coluna de Arnaldo Bloch, no 2º caderno do Jornal O Globo, em 15/1/2005, p. 10). 47 Ancelmo Góis em sua coluna no Jornal O Globo, em 28/4/2005, p. 20.

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bastante mais significativa nas diversas situações interacionais se comparada à dos qualitativos e, principalmente, dos circunstanciais, que contam com uma amostragem bem mais modesta neste sentido, ou seja, bem menos variada.

No entanto, a evidência mais importante observada durante a análise de dados neste trabalho foi, sem dúvida, o fato de que tanto os vocábulos expressivos referenciais em geral quanto os vocábulos expressivos estilísticos, estes últimos também com importante diversidade de manifestação, oferecem uma grande e imprevisível margem de variação possível, uma vez que, como foi visto aqui, um mesmo vocábulo expressivo pode simplesmente ocupar qualquer uma das posições funcionais descritas aqui, de acordo com uma escolha momentânea do falante. Assim, nas frases que se seguem, a combinação onomatopaica pa-pum é um vocábulo expressivo referencial nocional em (37), por dar nome a determinada noção, um vocábulo expressivo referencial qualitativo em (38), por qualificar algo, um vocábulo expressivo referencial circunstancial em (39), por imprimir uma circunstância ou um caráter circunstancial a uma ação ou situação acional, um vocábulo expressivo referencial acional em (40), por representar uma ação, e finalmente um vocábulo expressivo estilístico em (41), por não ter caráter referencial e sim estilístico (cf. item 2.1.6).

(37) “Esse pa-pum constante é motivo de orgulho para ele.” (38) “Essa comida tá pa-pum.”

(39) “É pa-pum! Não tenha dúvida.” (40) “Ele pegou e pa-pum nela”.

(41) “De repente, pa-pum, o estoque de parafusos acabou”.

48 Ancelmo Góis em sua coluna no Jornal o Globo em 10/11/2003.

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Juntamente com a evidência constatada acima, foi apurado também que, quando referenciais, os vocábulos expressivos podem apresentar inúmeras significações, só sendo possível resgatá-las com o auxílio do contexto em que são usados. Assim, por exemplo, em (37) pa-pum pode se referir a várias e diferentes coisas, dentre as quais, por exemplo, sucesso nas conquistas, só sendo possível identificar sua real significação por meio da informação contextual fornecida pela interação em seu contexto. O mesmo pode então ocorrer em (38), onde normalmente pa-pum foi apurado com o significado de pesada, mas que bem poderia significar grudenta, saborosa ou se referir a outra qualidade qualquer. Em (40), a possibilidade de variação semântica de pa-pum seria também bastante interessante: bateu, caiu, se jogou com ou sem intenções sexuais, etc. Já em (39), seria mais difícil haver muito mais do que uma ou duas possibilidades de significação, uma vez que, dentre todos os outros tipos de vocábulos expressivos, os referenciais circunstanciais foram os que demonstraram menor produtividade em questão de variação de sentido.

Finalmente, observou-se também que, por vezes, o limite entre os vocábulos expressivos referenciais acionais e os vocábulos expressivos estilísticos ou entre os vocábulos expressivos referenciais qualitativos e os vocábulos expressivos referenciais circunstanciais pode parecer tênue. No entanto, há sempre, ainda que sutil, uma diferença funcional que os separa em grupos diferentes.

No primeiro caso, essa diferença é determinada pelo papel exercido pelos vocábulos expressivos – uns são referenciais e outros são estilísticos, isto é, uns se referem objetivamente a alguma coisa, sendo sintaticamente imprescindíveis, enquanto outros se constituem como elementos de força estilística, sendo, por sua

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vez, dispensáveis à sua sintaxe. Desta forma, em “e ele lá pepepê pepepê no ouvido dela”49, pepepê pepepê se refere diretamente a uma ação, no caso a de falar muito e insistentemente com o intuito de seduzir e ou convencer a dona do ouvido de alguma coisa, enquanto em “Ele disse que não podia ser assim pepepê pepepê...”, a mesma seqüência onomatopaica tem finalidade meramente estilística. Enquanto na primeira frase, pepepê pepepê não pode ser suprimido sob pena de prejudicar o entendimento do enunciado, na segunda, pode.

Quanto ao segundo caso, é preciso atenção para que não se confundam vocábulos referenciais qualitativos com circunstanciais quando estes aparecerem logo após o verbo de ligação ser, cuja característica mais comum na estrutura do português é a de qualificar alguém ou alguma coisa. Para que não haja problemas de distinção entre essas duas categorias de vocábulos expressivos, basta que se confira sua função nos enunciados. Assim, em “Essa comida é pa-pum”, pa-pum qualifica comida, no caso, querendo dizer que esta é pesada, enquanto em “Hoje é pa-pum”, pa-pum não qualifica nada, mas confere um caráter informativo-circunstancial50, o de certeza, de inevitabilidade e mesmo iminência a uma ação ou situação acional previsível subentendida.

O quadro sinóptico apresentado a seguir baseia-se nas diferentes ocorrências dos vocábulos expressivos catalogados por este trabalho e permite visualizar as variações funcionais a que estes estão sujeitos, ilustrando o fato de que cada um deles pode receber diferentes classificações conforme o papel que desempenha nos enunciados. Nele encontram-se enumerados, em ordem

49 Fala do personagem Agostinho, da série “A Grande Família I” (em DVD), da Rede Globo, na 1ª

cena do episódio “A melhor casa da rua”.

50 Circunstancial aí se reporta à sua acepção de fato acessório ou outro pormenor que se prende a

um acontecimento ou a uma situação, particularidade (HOUAISS, 2001).

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alfabética, em primeiro lugar as onomatopéias, e, em seguida os vocábulos expressivos não-onomatopaicos.

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VOCÁBULOS EXPRESSIVOS REFERENCIAIS VOCÁBULOS EXPRESSIVOS

ESTILÍSTICOS NOCIONAIS QUALITATIVOS ACIONAIS CIRCUNSTANCIAIS

ATCHIM BABABÁ BANGUE-BANGUE BIBI BLÁ BLABLABLÁ BLIM-BLOM BLU(H) BOOM/BUM BU BUÁ CABUM CHOMP-CHOMP CHUÁ

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VOCÁBULOS EXPRESSIVOS REFERENCIAIS VOCÁBULOS EXPRESSIVOS

ESTILÍSTICOS NOCIONAIS QUALITATIVOS ACIONAIS CIRCUNSTANCIAIS

CLICK COF-COF CÓS-CÓS CREC CRÉU DINDIN DUM/ DUM-DUM-DUM FIU-FIU FLAP FLASH

(20)

VOCÁBULOS EXPRESSIVOS REFERENCIAIS VOCÁBULOS EXPRESSIVOS

ESTILÍSTICOS NOCIONAIS QUALITATIVOS ACIONAIS CIRCUNSTANCIAIS

FON-FON GLUB/GLUB-GLUB GUERÊ-GUERÊ/ GUERIGUÉRI HIC LALALÁ NHAC/ NHAQUE-NHAQUE NHEC/ NHECO-NHECO NHENHENHÉM PÁ PAF PAPAPÁ

(21)

VOCÁBULOS EXPRESSIVOS REFERENCIAIS VOCÁBULOS EXPRESSIVOS

ESTILÍSTICOS NOCIONAIS QUALITATIVOS ACIONAIS CIRCUNSTANCIAIS

PA-PUM PARARÁ PATATI PATATÁ PI/PI-PI-PI-PI PIMBA/PUMBA PINGUE-PONGUE PIUÍ PLÁ PLAF PLIFT/PLOFT PRIIIII PUM QUIQUIQUI/ QUEQUEQUÉ

(22)

VOCÁBULOS EXPRESSIVOS REFERENCIAIS VOCÁBULOS EXPRESSIVOS

ESTILÍSTICOS NOCIONAIS QUALITATIVOS ACIONAIS CIRCUNSTANCIAIS

RASC-RASC RATATÁ RATIMBUM SNIF SONS DE ANIMAIS TCHAN TCHUM TECO TELECOTECO TERETETÉ(Ê) TIBUM/TCHIBUM TILT TINTIM TIQUE-TAQUE

(23)

VOCÁBULOS EXPRESSIVOS REFERENCIAIS VOCÁBULOS EXPRESSIVOS ESTILÍSTICOS NOCIONAIS QUALITATIVOS ACIONAIS CIRCUNSTANCIAIS

TITITI TLEC-TLEC TOC-TOC-TOC TOIN-OIN-OIN TRALALÁ/TROLOLÓ TRIM TUM/TUM-TUM-TUM VAPT/VUPT VAPT-VUPT VRUM/VRUM-VRUM ZZZ ZAP ZAPT/ZUPT ZÁS(Z)-TRÁS(Z)

(24)

VOCÁBULOS EXPRESSIVOS REFERENCIAIS VOCÁBULOS EXPRESSIVOS ESTILÍSTICOS NOCIONAIS QUALITATIVOS ACIONAIS CIRCUNSTANCIAIS

ZIGUE-ZAGUE ZIRIGUIDUM

(25)

VOCÁBULOS EXPRESSIVOS REFERENCIAIS VOCÁBULOS EXPRESSIVOS ESTILÍSTICOS NOCIONAIS QUALITATIVOS ACIONAIS CIRCUNSTANCIAIS

AUÊ BABAU BAFAFÁ BALACOBACO BAMBAMBÃ BELELÉU BILU-BILU BOROCOXÕ BOROGODÓ CHORORÔ/CHORORÓ CUTI-CUTI ESTABACADA FIOFÓ LENGALENGA

(26)

VOCÁBULOS EXPRESSIVOS REFERENCIAIS VOCÁBULOS EXPRESSIVOS ESTILÍSTICOS NOCIONAIS QUALITATIVOS ACIONAIS CIRCUNSTANCIAIS

LERO-LERO LESCO-LESCO LUSCO-FUSCO MISERÊ NANANINA OBA-OBA PARANGOLÉ PETELECO PIRLIM-PIM-PIM POPÔ PIRIRI QUIPROQÜÓ RAMERRAME RIFIFI

(27)

VOCÁBULOS EXPRESSIVOS REFERENCIAIS VOCÁBULOS EXPRESSIVOS ESTILÍSTICOS NOCIONAIS QUALITATIVOS ACIONAIS CIRCUNSTANCIAIS

SURURU TECO-TECO TCHUTCHUCA TIRIRICA TOTÓ TROLOLÓ XODÓ

Referências

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