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Identidade Formal, Conceito e Realismo Direto em Tomás de Aquino

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Seminário de Pesquisa (23/09/2011)

Identidade Formal, Conceito e Realismo Direto em Tomás de Aquino

Mário Carvalho O objetivo de nossa dissertação é explicitar e avaliar uma determinada concepção sobre a natureza dos conceitos empíricos, i. é, os conceitos que nos permitem identificar objetos individuais mediante características empíricas. A base a partir da qual pretendemos fazê-lo é o Tratado sobre a origem das coisas predicamentais, obra do filósofo, teólogo e cientista alemão do séc. XIII Dietrich de Freiberg, cuja importância tem se afirmado nos estudos de História da Filosofia Medieval sobretudo desde a publicação da edição crítica de sua obra completa, nos anos 70 e 80. A segunda parte da dissertação é dedicada à interpretação desse texto. A primeira visa a explicitar uma das concepções adversárias sobre o mesmo tema, fornecendo elementos para comparação. A base da primeira parte são alguns textos da obra de um contemporâneo e alvo constante das críticas de Dietrich: Tomás de Aquino. As três teses principais examinadas nesta parte, assim como as suas relações entre si, são o tema do presente Seminário de Pesquisa.

Antes de mais nada, convém explicá-las brevemente e em linhas gerais.

Uma delas é o que os comentadores costumam chamar de realismo direto: a tese segundo a qual o objeto primeiro de cognição não é uma representação ou qualquer outra entidade mental, mas sim um conteúdo que independa do cognoscente, como, por exemplo, um indivíduo corpóreo. Na dissertação, o texto utilizado para desenvolvê-la é o artigo 2 da questão 85 da primeira parte da Suma Teológica (ST I, q.85, a.2)1. No que se segue, vamos apenas assumir que Tomás se compromete com o realismo direto.

Outra tese é a de que o objeto primeiro da cognição intelectual é o conceito, entendido como uma entidade mental que, enquanto figura como predicado em um juízo, classifica objetos individuais mediante características empíricas. Os textos utilizados na sua elucidação são: o artigo 1 da questão 8, bem como o artigo 5 da questão 9 das Questões

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Disputadas sobre a Potência de Deus (De pot. 8, 1 e De pot. 9, 5, respectivamente); o capítulo 53 do livro I e o capítulo 11 do livro IV da Suma Contra os Gentios (CG I, 53 e CG IV, 11, respectivamente); a questão 4 das Questões Disputadas sobre a Verdade (QDV 4). Os dois primeiros serão investigados no presente Seminário.

Enfim, a terceira tese afirma que o conceito só pode exprimir essas características pelo fato de que ele as instancia na mente, não do modo como elas são instanciadas nas coisas corpóreas, mas de um modo chamado intencional, cuja função é especificar um ato cognitivo na medida em que lhe atribui um conteúdo. Por brevidade, vamos chamá-la de tese da identidade formal2. <Informação sobre os textos>.

Nossa proposta é que Tomás de Aquino defende uma conjunção do realismo direto com a tese de que o conceito é o objeto primeiro de intelecção e que essa conjunção é possibilitada e justificada pela tese da identidade formal. Assim, em nossa opinião, não é suficiente mostrar que Tomás rejeita a identidade formal para provar que ele nega o realismo direto. Seria preciso apresentar também uma prova independente de que o conceito ou outras entidades mentais são o objeto primeiro do intelecto.

Muitos comentadores tratam da questão do realismo direto em Tomás de Aquino como se ela coincidisse com a questão da identidade formal, i. é, como se a demonstração de que Tomás se compromete com uma dessas posições fosse suficiente para demonstrar que ele se compromete com a outra. Como mostraremos a seguir, é verdade que, sem a tese da identidade formal, o realismo direto de Tomás encontra uma grave dificuldade quando confrontado com a afirmação de que o objeto primeiro do intelecto é o conceito. É possível também que o realismo direto seja uma consequência imediata de admitirmos a identidade formal3. No entanto, não há em princípio nenhum impedimento a que o realismo direto seja estabelecido sem que se recorra à identidade formal, que é exatamente o que pensamos ser o caso em ST I, 85, 2, onde a posição contrária é reduzida ao absurdo. Assim, convém

2 Comentário ao tratado da alma II, 12: Porém, a natureza mesma (a natureza do homem, por exemplo), à

qual advem a intenção de universalidade, pode ter dois modos diferentes de ser: ser material na medida em que existe na matéria corporal; e ser imaterial na medida em que ela existe no intelecto. "Ser imaterial" não é o mesmo que "ser intencional" em Tomás de Aquino; contudo, este fragmento afirma com bastante clareza a possibilidade de um duplo modo de instanciação de uma mesma natureza.

3 A relevância da identidade formal no estabelecimento do realismo (em oposição ao idealismo e ao

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insistir na distinção entre realismo direto e tese da identidade formal, cuja relação será tematizada no que se segue.

Em De pot. 8, 1, Tomás de Aquino assinala duas características que distinguem o conceito e o que, nesse texto, ele chama de coisa inteligida. Enquanto o conceito só pode existir no intelecto, a coisa inteligida pode, em alguns casos, existir também fora dele. Além disso, o conceito sempre exerce uma função cognitiva, na medida em que visa a coisa inteligida4. Esta, por outro lado, pode ser uma entidade que não desempenha qualquer função cognitiva. Isoladamente, o fragmento onde é feita essa distinção parece bastante simples, mas ele gera algumas dificuldades quando comparado a outras passagens do mesmo artigo e de De pot. 9, 5.

Uma das dificuldades está em determinar o que devemos entender por coisa inteligida. A primeira diferença assinalada entre ela e o conceito é que ela pode existir, em alguns casos, fora do intelecto, ao passo que o conceito só pode existir no intelecto. Ora, a afirmação de que a coisa inteligida pode existir tanto no intelecto quanto fora dele pode ser entendida de três maneiras. De acordo com uma hipótese, (i) a coisa inteligida nada mais é que os entes individuais, mentais ou extra-mentais, em seu modo de existência real. Assim, quando o que é inteligido é uma entidade mental, a coisa inteligida existe na mente, ao passo que quando o que é inteligido é um objeto material, a coisa inteligida existe fora dela. Segundo outra hipótese, (ii) a coisa inteligida é o conteúdo da intelecção5 na medida em que ele existe de modo intencional na mente, quer ele possa ter existência real nela ou fora dela. Nesse sentido, a coisa inteligida, enquanto inteligida, sempre existe no intelecto, embora eventualmente exista também no domínio das coisas materiais. Enfim, é razoável também a hipótese de que (iii) tanto o conteúdo existente de modo intencional quanto os indivíduos no seu modo de existência real são os objetos da intelecção.

As três hipóteses permitem diferenciar o conceito e a coisa inteligida. No entanto, a hipótese (i) deve ser rejeitada. Um juízo empírico elementar envolve, por um lado, uma articulação predicativa de dois conceitos e, por outro, a afirmação de que o conteúdo

4 De pot 8, 1: Certamente, <o conceito> difere da coisa inteligida porque a coisa inteligida existe algumas

vezes fora do intelecto, porém o conceito não existe senão no intelecto e, além disso, o conceito do intelecto é ordenado à coisa inteligida como ao seu fim.

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expresso por tal articulação é o caso. Um dos conceitos é quantificado e exerce a função de mencionar uma quantidade de indivíduos pertencentes à extensão desse conceito (o sujeito) e o outro (o predicado) exerce a função de caracterizar esses objetos, na medida em que o conteúdo expresso por esse conceito é atribuído a eles. Uma vez que o conteúdo conceitual pode ser atribuído a mais de um indivíduo, ele não pode incluir aquilo que individualiza um determinado indivíduo, pois, caso incluísse, ele só poderia ser atribuído verdadeiramente a esse indivíduo. Em outras palavras, esse conteúdo, por poder, em princípio, ser atribuído verdadeiramente a um número indeterminado de indivíduos, só pode ser expresso por esse conceito abstração feita da individualidade daquilo a que ele pode ser verdadeiramente atribuído. O que é inteligido mediante o conceito, deixadas de lado as suas relações com a sensibilidade ou com outros conceitos no juízo, não são os indivíduos materiais, mas um conteúdo que, não incluindo a individualidade, pode ser atribuído verdadeiramente a um número indeterminado de indivíduos.

A hipótese (ii) é insuficiente porque exclui a possibilidade de que os indivíduos sejam também objetos de intelecção. Meros conceitos ou combinações de conceitos não permitem a intelecção sobre indivíduos, uma vez que o conteúdo conceitual não envolve o que os diferencia uns dos outros. Isso indica apenas que algum tipo de informação extra-conceitual é necessário para que os indivíduos sejam inteligidos, caso isso seja possível. Mas não exclui de modo algum a possibilidade de que o intelecto conheça as coisas individuais. Contudo, os juízos empíricos elementares foram caracterizados acima como envolvendo um conceito quantificado cuja função consiste em mencionar indivíduos. Se os valores de verdade de nossos juízos sobre o mundo podem ser determinados, a intelecção sobre indivíduos tem de ser possível, segundo Tomás, ainda que ela careça de alguma informação extra-conceitual relativa ao que foi deixado de lado pelos conceitos. A única alternativa que resta é, então, a hipótese (iii). Uma vez que o estabelecimento de uma relação entre os conceitos e essa informação extra-conceitual depende de um conceito já constituído e, portanto, de uma intelecção prévia de um conteúdo não-individual, esta é anterior à intelecção sobre os indivíduos. A coisa inteligida pode ser o que existe real ou intencionalmente; é preciso distinguir, contudo, o que é diretamente inteligido daquilo que o é indiretamente, i. é, graças a outros recursos além dos meros conceitos: objeto direto da

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intelecção são conteúdos existentes de modo intencional na mente e objeto indireto da intelecção são os indivíduos na sua existência real.

Essa interpretação gera, entretanto, uma dificuldade. Tomás quer preservar, de um lado, a distinção entre o ato direto pelo qual visamos o conteúdo conceitual e o ato reflexivo pelo qual visamos o conceito que exprime esse conteúdo6; e, de outro, a impossibilidade de inteligir diretamente as coisas individuais, que acaba deslocando o objeto direto de intelecção do âmbito extra-mental para o mental. Esta impossibilidade é o que o leva a afirmar, em De pot. 9, 5, que o objeto primeiro e per se do intelecto não pode ser a coisa individual, mas apenas o que o intelecto concebe em si com o fim de conhecer essa coisa: conceitos e juízos7. Ora, caso essa tese não seja qualificada, ela terá por consequência a supressão da distinção entre intelecção direta e reflexão. Como tanto essa distinção quanto aquela impossibilidade devem ser preservadas, é preciso qualificar essa tese. Nosso ponto de partida para qualificá-la é a caracterização do conceito, em De pot. 8, 1 e diversos outros textos, como uma similitude da coisa inteligida8.

Inegavelmente, Tomás concebe a similitude como a relação mantida entre objetos na medida em que eles têm alguma forma ou propriedade em comum. Os comentadores divergem, contudo, no que diz respeito ao tipo de similitude que existe entre o conceito e a coisa inteligida. As alternativas de interpretação são basicamente duas, apesar dos refinamentos que cada comentador propõe para elas. Segundo uma dessas alternativas, (i) o conceito é precisamente o conteúdo da intelecção na medida em que ele existe na mente, de um modo diverso daquele pelo qual ele existe nas coisas. De acordo com outra alternativa, (ii) não se pode dizer, em sentido próprio, que o conteúdo da intelecção exista na mente; quando se diz que esse conteúdo existe na mente, o que se quer dizer em sentido próprio é

6 CG IV, 11: (...) inteligir a coisa é diferente de inteligir a intenção inteligida (...): pois uma é a ciência das

coisas, e outra é a que versa sobre as intenções inteligidas. "Verbo" e "intenção inteligida" também significam, em Tomás, o conceito.

7 De pot. 9, 5: Porém, o que é por si inteligido não é a coisa, cujo conhecimento é tido pelo intelecto, pois,

algumas vezes, a coisa é inteligida apenas em potência e existe fora daquele que intelige; como quando o homem intelige as coisas materiais, como a pedra ou o animal ou coisa semelhante, embora seja necessário que o inteligido esteja no inteligente e seja uno com ele. (...) Portanto, o que é primeiro e por si inteligido é o que o intelecto concebe nele mesmo sobre a coisa inteligida (...).

8 De pot. 8, 1: (...) o verbo que provém do intelecto é similitude da coisa inteligida, seja <a coisa inteligida>

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que a mente tem uma representação, cuja natureza deve ser explicada mediante outras noções que não a de existência dos objetos de intelecção na mente9.

A primeira alternativa permite explicitar em que consiste a similitude entre o conceito e a coisa inteligida, assim como compatibilizar o caráter não-reflexivo da intelecção ordinária com a tese de que o conceito é o objeto primeiro da intelecção. Vamos assumir essa alternativa como hipótese e mostrar como se dá essa compatibilização.

Mostrar que há similitude entre o conceito e a coisa inteligida requer que se mostre que ambos tem algumas propriedades em comum, o que pode ser feito da seguinte maneira. O conteúdo conceitual, enquanto abstraído daquilo que o individualiza nos objetos ao quais é atribuído, existe na mente. Tal existência é, portanto, uma condição para que possamos atribuir a mais de um objeto um mesmo conteúdo conceitual. No entanto, o caráter mental não pode figurar entre as propriedades que, estando presentes nesse conteúdo, são atribuídas a objetos e podem existir fora da mente. O conteúdo conceitual, enquanto se reveste desse caráter mental e abstrato, difere das coisas individuais, mas assemelha-se a elas na medida em que contém as propriedades que lhes são atribuídas num juízo verdadeiro.

Se tudo o que pertence ao conteúdo conceitual pode existir também nas coisas, o ato pelo qual é visado o conceito, na intelecção direta, pode visar simultaneamente o conceito e as coisas. Para manter a distinção entre esse ato e a reflexão pela qual o intelecto visa as suas representações e atos, é preciso admitir, porém, que o caráter mental e abstrato do conteúdo na mente não é visado nessa intelecção. A tese de que o conceito é o objeto primeiro do intelecto pode ser qualificada, a partir da primeira alternativa de interpretação da similitude conceitual, descrita acima, indicando-se que o intelecto, ao visar o conceito, visa apenas um de seus elementos, a saber, as propriedades contidas nele e que podem ser atribuídas a objetos indiduais em juízos verdadeiros.

9 A defesa da posição (i) encontra-se, por exemplo, em Geach 1969, Perler 2000 e 2002. A da posição (ii), em

Panaccio 1999 e 2001, e Pasnau 1997. Brower e Brower-Toland 2008 nega a posição (i), mas não adere estritamente à posição (ii). Os autores entendem que o conceito é uma representação, mas negam que o fato de ela ser uma representação possa ser explicado em termos de outras coisas (i. é, eles defendem que a intencionalidade do conceito é primitiva).

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No importante artigo "Aquinas on intellectual representation"10, Panaccio formula diversas objeções contra a tese de que o conceito e a quididade são, em algum sentido relevante, idênticos. Descartada essa tese, ele propõe uma interpretação alternativa para algumas das principais evidências textuais em favor dela. Como respaldo para essa interpretação, ele cita e comenta diversos textos de Tomás nos quais são usados os conceitos de similitude, imagem e representação. No que se segue, consideraremos se e como essas objeções podem ser respondidas satisfatoriamente, examinaremos rapidamente algumas dessas citações e sugeriremos que elas, embora apóiem em certa medida a sua interpretação, podem ser assimiladas também pela posição adversária.

A base da primeira objeção é o princípio segundo o qual coisas cujas origens causais são diferentes não podem ser idênticas entre si. Assim, como o conceito é sempre um produto da intelecção e, aparentemente, não há nenhum sentido em que uma quididade pudesse ser produzida pela intelecção, conclui-se que conceito e quididade não são idênticos entre si11.

A segunda objeção parte do fato de que identidade é uma relação transitiva e da ideia de que os conceitos são individualizados pelas mentes em que se encontram. A segunda premissa significa que, embora o conceito na mente de uma pessoa possa ter o mesmo conteúdo e aplicar-se aos mesmos objetos que o conceito na mente de outra, esses conceitos não são idênticos. Assim, na hipótese de que, conforme a tese da identidade formal, o conceito de uma pessoa seja idêntico a uma quididade e que essa mesma quididade seja idêntica ao conceito de outra, teremos de concluir, tendo em vista a transitividade da identidade, que um conceito é idêntico ao outro. Visto que essa conclusão contradiz a segunda premissa, é preciso negar a hipótese, i. é, concluir que os dois conceitos não podem ser idênticos à mesma quididade. A única maneira de preservar a

10 Panaccio 2001.

11 Panaccio 2001: (...) <concepts> are produced by the intellectual act, engendered by it. In what sense could

an essence, a quiddity be produced by the mind? (...) whenever A and B have different causal pedigrees, A and B cannot be identical to each other.

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possibilidade de que conceitos em mentes diferentes visem à mesma quididade seria, então, negar que conceitos e quididades são idênticos12.

Em muitos textos, o conceito é mencionado por Tomás mediante expressões como "conceito de uma quididade", que sugere fortemente que o conceito seja sobre uma quididade. A terceira objeção parte da aparente incompatibilidade entre identidade e representação (ou significação), quando a representação (ou significante) não tem por função representar (ou significar) a si mesma (mesmo). Se há essa incompatibilidade, um conceito sobre uma quididade não poderá ser idêntico a ela13.

A última objeção assinala a diferença entre inteligir um conceito e inteligir aquilo de que ele é um conceito. O objeto direto de intelecção é a quididade das coisas materiais, abstraída a partir dos fantasmas e expressa pelo conceito. Uma entidade mental, porém, só é visada por uma reflexão operada sobre a intelecção do objeto direto. A quididade não é, portanto, objeto de intelecção no mesmo sentido em que o conceito. Assim, conceito e quididade não podem ser idênticos14.

Para responder à última objeção, é importante recordar que a compatibilização do realismo direto com a tese de que o objeto direto do intelecto é o conceito requer que o ato pelo qual o conceito é visado, na intelecção não-reflexiva, seja o mesmo ato pelo qual é visado o conteúdo expresso por esse conceito. Admitido que conceito e coisa são formalmente idênticos, é necessário admitir também que existem propriedades comuns ao conceito e a coisa, instanciadas de modo diverso em um e em outro. As únicas diferenças entre ambos consistiriam nesse modo de instanciação e em tudo o que decoresse dele. Assim, para que a compatibilização mencionada seja possível, é preciso que aquilo que é visado diretamente pelo intelecto sejam as propriedades do conceito que ele tem em comum

12 Panaccio 2001: (...) <concepts> are multiplied according to the plurality of minds wich produce them (...).

My concepts, in other words, are transient tokens and they are not identical with yours. And if my concept of cat is not identical with your concept of cat, it follows by the transitivity of identity that they cannot both be in any strong sense identical with the same feline nature.

13 Panaccio 2001: He <Aquinas> sometimes speaks of the concepts, for example, as being "conceptions of the

quiddities of things", wich strongly suggests that concepts are about quiddities, rather than identical with them.

14 Panaccio 2001: A last argument, finally - a very strong one, I believe - against the identification of the

mental word with the nature of the thing is that thinking about a concept is not the same, for Aquinas, as thinking about what the concept is a concept of (...).

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com a coisa. Apenas as diferenças entre ambos são visadas na intelecção reflexiva. Como foi dito acima a propósito da noção de coisa inteligida, isso é suficiente para que o conceito e a quididade sejam distintos: ora, a quididade pode ser instanciada fora da mente, ao passo que o conceito, na medida em que é essa mesma quididade enquanto existente na mente, não pode ser instanciado fora dela. Mas não é preciso que eles sejam totalmente heterogêneos.

Quanto à terceira objeção, pode-se responder que a tese da identidade formal não afirma que o conceito seja idêntico à quididade em todos os seus aspectos. Em primeiro lugar, o conceito não se reduz às propriedades constitutivas da quididade. Ele é uma instância dessa quididade na mente, tendo todas as propriedades que se seguem de sua existência mental. Assim, como conceito e quididade são distintos, ele pode significá-la ou representá-la.

A segunda objeção pode ser respondida indicando-se também que o conceito não é propriamente uma quididade, mas apenas uma instância de uma quididade na mente, o que é suficiente para distingui-los. É claro que a individualização de cada conceito em cada mente não pode ser explicada em termos daquilo que esses conceitos têm em comum, a saber, o conteúdo que eles exprimem na medida em que são instâncias dele na mente. Ela deve ser explicada em termos de algo que é exterior a esse conteúdo, mas como que se acrescenta a ele enquanto instanciado em uma mente: o fato de estar instanciado nesta mente e não em outra. Conceitos, enquanto instâncias de uma mesma quididade, são idênticos uns aos outros somente ao modo em que instâncias de uma mesma propriedade são idênticas entre si: qualitativamente idênticas, mas não numericamente idênticas. A possibilidade de que uma quididade seja instanciada em mais de um intelecto é precisamente o que explicaria a capacidade que mais de um intelecto tem de pensar a mesma quididade.

A primeira objeção pode ser respondida em termos semelhantes aos das respostas anteriores. Ora, o que o intelecto produziria, segundo a tese da identidade formal, não são quididades, mas instâncias dessas quididades na mente, cujo modo de existência é diverso daquele das instâncias extra-mentais. Ainda que não seja demolidora, cremos, porém, que esta objeção é a mais forte de todas e um verdadeiro desafio para os intérpretes tomistas.

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Pois, admitida a identidade formal na explicação da intencionalidade conceitual, ainda é preciso explicar em que sentido instâncias de quididades podem ser produzidas pela mente, o que, sem dúvida, é bastante obscuro15. Além disso, afirmar que um conteúdo é apto a existir tanto na mente quanto fora dela parece violar a tradicional divisão do ser em ente mental e ente extra-mental.

Passemos agora a alguns dos textos citados por Panaccio em apoio à sua interpretação. Não podemos examinar aqui detalhadamente o contexto dessas citações; por isso, vamos apenas sugerir uma leitura alternativa para elas à luz da identidade formal. Nossa intenção se restringe a mostrar que, tal como são citados por Panaccio, sem maiores explicações e como evidentes por si mesmos, esses textos podem ser assimilados pela posição interpretativa adversária.

O seguinte texto parece contrapor similitude à existência da quididade na mente. ST I, 76, 2, ad 4: O que é inteligido não está no intelecto por si (secundum se), mas através de sua similitude16.

Quando discutíamos a noção de coisa inteligida, propusemos três possíveis explicações para ela: (i) as coisas inteligidas são apenas os indivíduos, mentais ou extra-mentais, na sua existência real; (ii) elas são apenas os conteúdos abstraídos da individualidade que podem ser atribuídos verdadeiramente a indivíduos; (iii) elas são tanto as coisas individuais quanto os conteúdos predicativos. As hipóteses (i) e (ii) são, como se disse, insuficientes, pois uma exclui a possibilidade de concebermos conteúdos predicativos e a outra exclui a possibilidade de conhecermos, mediante um conteúdo predicativo, as coisas existentes no mundo ou na mente, que são individuais. Restou a hipótese (iii). À primeira vista, nada parece impedir que expliquemos o texto citado a partir dessa hipótese. Assim, o fato de o que é inteligido estar no intelecto através de sua similitude poderia ser

15 Perler, em Perler 2000 e 2002, procura explicar a noção de existência intencional a partir de exemplos em

que, atualmente, costumamos utilizar o conceito de informação (por exemplo, quando dizemos que músicas estão armazenadas no computador, isso não significa que os sons estejam literalmente confinados no computador; significa apenas que as músicas estão armazenadas "como informação" no computador). Parece-nos, porém, que, em vez de explicar, o autor apenas aponta outra vez para o mesmo fenômeno a ser explicado utilizando conceitos que nos são mais familiares.

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explicado como o fato de o conteúdo conceitual estar instanciado na mente, de um modo diverso daquele pelo qual ele é instanciado fora dela. Dizer que ele está no intelecto através de sua similitude teria somente a função de indicar a diferença no modo de instanciação.

Vejamos agora duas passagens onde é utilizado o conceito de representação para explicar a similitude conceitual.

ST I, 34, 3: Pois o verbo concebido na mente é representativo de tudo o que é inteligido em ato.

QDV 2, 3: (...) a similitude entre duas coisas pode ser entendida de dois modos. De um modo, <como similitude> segundo a concordância de natureza (convenientiam in ipsa natura); e tal similitude não é necessária entre o cognoscente e a coisa conhecida (...). De outro modo, <como similitude> segundo a representação (quantum ad repraesentationem); e esta similitude é requerida entre cognoscente e coisa conhecida17. Segundo Panaccio, ao dizer que o conceito representa a quididade, Tomás pretende diferenciá-los. Pois, se uma coisa é idêntica à outra, ela não pode representá-la. Como foi dito acima, o conceito não é idêntico à quididade no sentido que, de fato, excluiria a possibilidade de ele ser uma representação dela; ele não é idêntico a ela em todos os aspectos. Além das propriedades contidas na quididade, o conceito envolve também a dependência em relação a uma mente individual, o que é suficiente para distingui-los, e permite que ele seja uma representação. Assim, ao mencionar o caráter representativo do conceito, Tomás pretende mesmo indicar que ele é diferente da quididade; mas não pode ser concluído somente a partir disso qual é a característica que os diferencia (os modos de existência, no caso da interpretação que defende a tese da identidade formal; o fato de o conceito ser algo mental que não compartilha, nem pode compartilhar, qualquer propriedade com a quididade, no caso da interpretação adversária).

Esses exemplos, citados sem maiores explicações e como evidentes por si mesmos, não são conclusivos.

17 Panaccio 2001.

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Temos razões para questionar a contundência das bases textuais citadas por Panaccio. Quase todas as objeções desse autor à tese da identidade formal podem ser respondidas satisfatoriamente. Contudo, a primeira objeção assinala um aspecto obscuro da tese da identidade formal que deve ser elucidado pelos intérpretes tomistas, pois dele depende a plausibilidade da posição de Tomás: não vemos nenhum modo razoável de explicar como a mente pode causar instâncias de uma quididade na mente.

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Bibliografia

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Geach, P., "Form and Existence", in: Aquinas: A Collection of Critical Essays, Garden City, Anchor Books, 1969, 29-53.

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Perler, D., "Essentialism and Direct Realism. Some late medieval perspectives", Topoi, 19, 2000, 111-122.

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