UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL CAMPUS ERECHIM
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO – PPGPE
JULIANA MACHADO
O PAPEL DA MÚSICA NA FORMAÇÃO INTEGRAL DE ADOLESCENTES:
O VIOLINO COMO INSTRUMENTO MOBILIZADOR DE APRENDIZAGENS ÀS CAMADAS POPULARES DO MUNICÍPIO DE ERECHIM/RS
ERECHIM 2018
O PAPEL DA MÚSICA NA FORMAÇÃO INTEGRAL DE ADOLESCENTES:
O VIOLINO COMO INSTRUMENTO MOBILIZADOR DE APRENDIZAGENS ÀS CAMADAS POPULARES DO MUNICÍPIO DE ERECHIM/RS
Dissertação de Mestrado, apresentada para o Programa de Pós-graduação Profissional em Educação da Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação.
Orientador: Prof. Dr. Leandro Carlos Ody
ERECHIM 2018
O PAPEL DA MÚSICA NA FORMAÇÃO INTEGRAL DE ADOLESCENTES:
O VIOLINO COMO INSTRUMENTO MOBILIZADOR DE APRENDIZAGENS ÀS CAMADAS POPULARES DO MUNICÍPIO DE ERECHIM/RS
Dissertação de Mestrado, apresentada para o Programa de Pós-graduação Profissional em Educação da Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação.
Orientador: Leandro Carlos Ody
Esta dissertação foi defendida e aprovada pela banca em: _____/_____/_____
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________ Profa. Dra. Beatriz Senoi Ilari – University of Southern California
______________________________________________ Profa. Dra. Adriana Regina Sanceverino – UFFS
______________________________________ Prof. Dr. Leandro Carlos Ody – UFFS
Dedico este trabalho
a todas as pessoas que acreditam no papel transformador da educação musical e que lutam por sua causa.
A Deus, divino Pai e Mestre, por ter me dado o dom da vida, guiando e abençoando os meus passos.
À minha família, por toda força e incentivo para continuar meus aperfeiçoamentos acadêmicos. Em especial, à minha mãe, que não mediu esforços para que eu pudesse destinar o maior tempo possível aos estudos; por todo amor, por todo o carinho e por toda a dedicação. Ao meu pai (in memorian), que me ensinou, além de tantos valores, o amor pela música. Se hoje sou profissional desta área, devo isso a ele e sei que, esteja onde estiver, torce pelo meu sucesso e pela minha felicidade.
Ao meu querido orientador, Leandro Carlos Ody, pelo convívio, atenção, comprometimento com a pesquisa e cuidado para que eu pudesse, realmente, ser autora dos meus escritos. Agradeço também pela amizade que construímos, a qual levarei pelo resto da vida.
À professora Adriana Sanceverino, por ter acreditado no meu projeto de pesquisa e ter me escolhido como sua orientanda para cursar o Mestrado; por se interessar em fazer aulas de violino comigo com a finalidade de obter uma melhor compreensão sobre a minha pesquisa e pela amizade que construímos. Porém, quis o destino que trilhasse outros caminhos referentes ao seu aperfeiçoamento acadêmico e tivemos que interromper esta ligação, conduzindo-me até às mãos cuidadosas do professor Leandro Carlos Ody. Sou muito grata por tudo isso, por ter me levado até outra pessoa extraordinária; sinto-me honrada por fazer parte da minha banca.
À professora Beatriz Ilari, que desejei sua participação na banca examinadora desde o princípio; um sonho distante, por morar longe das terras brasileiras, nos Estados Unidos. A alegria de seu aceite alegrou-nos muito, pois sua bagagem acadêmica converge com esta pesquisa. Muito, muito obrigada!
Ao professor e coordenador do curso do Mestrado Profissional em Educação da UFFS, Jerônimo Sartori, pelo convívio, apoio e amizade. E a todos os demais professores, igualmente, importantes à minha caminhada acadêmica e à construção desta pesquisa.
Aos meus colegas de Mestrado, em especial, Márcia Fabris e Tatiéli Simoni, por todo o companheirismo, amizade, força nos momentos difíceis e muito amor fraterno.
Aos meus colegas, professores da Escola Municipal de Belas Artes Osvaldo Engel, de Erechim, em especial, ao professor Rodrigo Garcez, por ter me proporcionado todo o apoio e incentivo para que eu participasse do processo seletivo do Mestrado.
pesquisa nos espaços do projeto “Orquestrando Talentos”, nas comunidades escolares - Escolas Municipais de Ensino Fundamental (EMEF) Luiz Badalotti e Paiol Grande. O Brasil precisa de mais pessoas que abracem projetos sociais como o seu.
Aos estudantes, pais, professoras, bem como ao referido maestro, que aceitaram o convite para participar das entrevistas. Muito obrigada pelos testemunhos que enriqueceram a pesquisa.
À Secretaria de Educação do município de Erechim, por ter consentido realizar a pesquisa nos espaços das escolas municipais, bem como entrevistar os membros destas comunidades.
A todas as demais pessoas que, de alguma forma, contribuíram para construção desta pesquisa, deixo aqui o meu mais sincero agradecimento. Muito obrigada!
Pintura do violinista Joshua Bell – autor desconhecido
Não é possível fazer música sem deixar-se mergulhar em um mistério que foge aos conceitos puramente racionais e abraça o mais profundo do sentir humano. Fazer música é sempre um exercício de transcendência, é como tocar o céu mesmo preso ao chão, é beijar a flor da arte para dela provar do néctar que se apresenta em forma de som. A música é como a encarnação de um sonho divino que se manifesta em som. Espiritualidade e música andam muito juntas, duas asas de um mesmo voo, duas nascentes de uma mesma fonte. A partitura é letra morta, é matemática pura. É preciso alguém que lhe de vida, que a transforme em som. Ler uma partitura é o exercício da razão, mas transformá-la em música é o exercício da alma e do coração. Todo músico é um artista do coração, artífice da alma, enamorado do belo e precisa ter uma profunda relação de espiritualidade com as explosões sonoras que brotam do seu íntimo. (Pe. José Carlos Sala)
O trabalho intitulado “O papel da música na formação integral de adolescentes: o violino como instrumento mobilizador de aprendizagens às camadas populares do município de Erechim/RS” põe em foco o tema educação musical, cujo objetivo é o de analisar as contribuições do ensino do violino para formação integral de adolescentes que participam do Projeto “Orquestrando Talentos”, da Orquestra de Concertos de Erechim, RS. Fruto de uma pesquisa qualitativa bibliográfica e exploratória, associada à pesquisa de campo, o estudo visa à identificação de interações sociais, valores e significados do estudo do violino. O percurso metodológico conta com a pesquisa bibliográfica relacionada à educação integral, à educação musical e à educação popular. Similarmente, entrevistas semiestruturadas, tendo em vista a busca por subsídios necessários à resposta da problemática do projeto correspondente à importância do estudo do violino à formação integral dos sujeitos, são realizadas com estudantes de violino, adolescentes, pertencentes à faixa etária entre 12 a 14 anos de idade, cursando os anos finais do Ensino Fundamental, juntamente com pais, professoras e maestro e professor do referido projeto, os quais configuram os sujeitos da pesquisa exploratória. Os dados coletados nesta são analisados sistematicamente em categorias pré-definidas. Partindo do pressuposto de que a sociedade ainda não valoriza, com efeito, a educação musical escolar em decorrência de questões culturais ou por falta de esclarecimento, o aprofundamento de questões relativas à mesma torna-se imprescindível a fim de contribuir com reflexões que possam elucidar concepções e mobilizar ações a favor do ensino musical no contexto escolar. O aprendizado de violino exige muito estudo, mas, apesar disso, a prática favorece o desenvolvimento da coordenação motora, da percepção auditiva, da expressividade, do raciocínio lógico, além de disciplina e prazer. Ou seja, contribui para educação integral de adolescentes, podendo, igualmente, despertar interesse para o aprendizado musical de pessoas da comunidade em geral. O resultado do estudo vai ao encontro do fortalecimento da relevância da educação musical no ambiente escolar para uma efetiva formação integral dos estudantes.
The entitled work “The music’s role in the full-time formation of teenagers: the violin as a mobilizing instrument of learning for the popular layer of the municipality of Erechim/RS” exposes the musical education theme, which objective is to analyze the contributions of violin teaching to the full-time formation of adolescents who are part of the Project “Orchestrating talents”, from Orquestra de Concertos de Erechim, RS. As a result of a qualitative bibliographical and exploratory research, associated to the field research, the study aims at the identification of social interactions, values and meanings of the violin study. The methodological course relies on bibliographical research related to full-time education, musical education and popular education. Similarly, semi-structured interviews, aiming to seek the necessary subsidies to answer the project’s problematic corresponding to the importance of violin study to the integral formation of the subjects, are conducted with violin students, teenagers, that belong to the age group that ranges from 12 to 14 years of age, attending the final years of Middle School, alongside parents, teachers and the project’s teacher, who configure the subjects of the exploratory research. The data collected in this research is analyzed systematically in pre-defined categories. Based on the assumption that society still does not value, with effect, music school education, due to cultural issues or lack of clarification, the deepening of questions related to it becomes essential in order to contribute with reflections that can clarify conceptions and mobilize actions in favor of musical education in the school context. Violin learning requires a lot of practicing, but despite that, the practice favors the development of motor coordination, auditory perception, expressivity, logical reasoning, and beyond that, discipline and pleasure. In other words, it contributes to the full-time formation of teenagers, and may also arouse interest for the musical learning of the people in the community as a whole. The study’s outcome is the strengthening of the relevance of musical education in the school environment for an effective full-time formation of the students.
Fotografia 1 - Figura 1- Figura 2 - Figura 3 - Figura 4 - Figura 5 -
Apresentação da Orquestra Infantil no Clube Atlântico em
14/08/1959...26
Sistema Manossolfa...42
Modelo de ilustração da constituição do violino...126
Modelo de ilustração da voluta...127
Modelo de ilustração da alma e da barra...127
Modelo de ilustração do arco e sua simbologia na notação musical...128
LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Quadro 2 - Quadro 3 - Quadro 4 - Quadro 5 - Quadro 6 - Quadro 7 - Quadro 8 - Quadro 9 -
Comparativo de respostas dos estudantes e seus pais sobre
os estilos musicais que gostam de ouvir...71 Comparativo de respostas dos estudantes e seus pais sobre
o hábito de ouvir música clássica...71 Trabalhos publicados no GT 06 – Educação Popular/ANPED
de 2007 a 2016...110 Trabalhos publicados no GT 24 – Educação e Arte/ANPED
de 2007 a 2016...110 Trabalhos publicados na ABEM – Associação Brasileira de
Educação Musical de 2007 a 2016...110 Síntese da produção publicada na Coordenação de Aperfeiçoamento
Pessoal de Nível Superior no período de 2008 a 2017
– Categoria: musicalidade...111 Síntese da produção publicada na Coordenação de Aperfeiçoamento
Pessoal de Nível Superior no período de 2008 a 2017
– Categoria: violino...114 Quadro ampliado das produções de teses da CAPES no período de
2008 a 2017 – Categoria: musicalidade e relação com a educação
integral...115 Quadro ampliado das produções de teses da CAPES no período de
2008 a 2017 – Categoria: violino e relação com a educação
ABEM AIB ANPED CAPES CEJA EMEF FNDE GT LDB OCE PCN PNE PROETI RS SC SEMA SMED TCC URI
Associação Brasileira de Educação Musical Ação Integralista Brasileira
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Centro de Educação de Jovens e Adultos
Escola Municipal de Ensino Fundamental
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Grupo de Trabalho
Lei de Diretrizes e Bases
Orquestra de Concertos de Erechim Parâmetros Curriculares Nacionais Plano Nacional de Educação
Programa de Educação em Tempo Integral Rio Grande do Sul
Santa Catarina
Superintendência de Educação Musical e Artística Secretaria Municipal de Educação
Trabalho de Conclusão de Curso
1 2 2.1 2.1.1 2.1.2 2.1.3 2.1.4 2.2 2.2.1 2.2.2 2.3 2.4 2.4.1 2.4.2 2.4.3 2.4.4 2.5 2.6 2.7 3 3.1 3.2 3.3 3.4 3.5 INTRODUÇÃO...17
TRAÇANDO OS CAMINHOS DA INVESTIGAÇÃO...23
NATUREZA DA PESQUISA...23
A Pesquisa de Campo...24
A Orquestra de Concertos de Erechim...25
O Projeto “Orquestrando Talentos”...27
A Orquestra Escola...28
OS LOCAIS DA PESQUISA DE CAMPO...29
A Escola Municipal de Ensino Fundamental Luiz Badalotti...29
A Escola Municipal de Ensino Fundamental Paiol Grande...30
A COLETA DE DADOS...31
OS SUJEITOS DA INVESTIGAÇÃO...33
Os estudantes de violino...33
Os pais dos estudantes de violino...34
As professoras dos estudantes de violino...34
O maestro...35
A ANÁLISE DOS DADOS...35
A PESQUISA BIBLIOGRÁFICA...37
A PROPOSTA DE INTERVENÇÃO...37
PANORAMA HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO MUSICAL NO BRASIL...39
A INFLUÊNCIA EUROPEIA NA EDUCAÇÃO MUSICAL BRASILEIRA...39
A CHEGADA DOS NEGROS E DA FAMÍLIA REAL...40
OS REFLEXOS DA ESCOLA NOVA NA EDUCAÇÃO MUSICAL...42
A ERA VARGAS E O CANTO ORFEÔNICO: A MÚSICA COMO DISCIPLINA OBRIGATÓRIA...43
AS MUDANÇAS NO ENSINO DE MÚSICA ESTABELECIDAS PELA LDB N° 9.394/1996, LDB N° 5.692/1971 E PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS...45
3.7 4 4.1 4.2 4.3 4.4 4.5 5 5.1 5.1.1 5.1.2 5.1.3 5.1.4 5.1.5 5.2 5.2.1 5.2.2 5.2.3 5.2.4
BREVE REFLEXÃO SOBRE O ENSINO COLETIVO DE
VIOLINO NO BRASIL...48
A EDUCAÇÃO INTEGRAL E O ENSINO DE MÚSICA NO BRASIL...52
CONTEXTUALIZAÇÃO DAS DIFERENTES POLÍTICAS FILOSÓFICAS DE EDUCAÇÃO INTEGRAL NO BRASIL...52
O ENSINO DA MÚSICA POR MEIO DE UMA EDUCAÇÃO INTEGRAL QUALITATIVA E MULTISSETORIAL...54
O DESENVOLVIMENTO MUSICAL E A FORMAÇÃO INTEGRAL...58
“ORQUESTRANDO TALENTOS”...60
O REPERTÓRIO DE ESTUDO: ALTERNATIVAS CONTRIBUIDORAS DE UMA FORMAÇÃO INTEGRAL POR MEIO DA MÚSICA...62
A IMPORTÂNCIA DO ENSINO DO VIOLINO PARA FORMAÇÃO INTEGRAL DE ADOLESCENTES ORIUNDOS DAS CAMADAS POPULARES...65
O ESTUDO DO VIOLINO E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO MUSICAL...65
Curiosidade versus oportunidade...66
Os estilos musicais que fazem parte da cultura dos estudantes e de seus familiares...70
Os benefícios do estudo coletivo de violino...73
O método All for Strings...73
O aperfeiçoamento musical...75
O ESTUDO DO VIOLINO E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO...77
As contribuições do estudo musical nas atividades escolares...77
Alguns fatores que dificultaram a eficácia das entrevistas...81
Breve reflexão sobre o estudante Pedro...82
As contribuições do estudo musical para o desenvolvimento da motricidade, da percepção auditiva, da paciência e da perseverança...84
5.3.1 5.3.2 5.3.3 6 6.1 6.2 6.3 6.4 6.5 6.6 6.7 7
A repercussão do projeto “Orquestrando Talentos” no ambiente
escolar...86
As transformações socioemocionais na família e na sociedade...89
O violino como instrumento mobilizador de aprendizagens às camadas populares...91
O PROJETO “ORQUESTRANDO TALENTOS” NAS COMUNIDADES ESCOLARES LUIZ BADALOTTI E PAIOL GRANDE: UMA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO...96
UMA CONVERSA COM AS COMUNIDADES...96
QUEM SOU EU?...97
POR QUE CONSIDERAMOS IMPORTANTE REALIZAR A PROPOSTA DE INTERVENÇÃO?...98
O QUE É O PROJETO “ORQUESTRANDO TALENTOS”?...99
OS BENEFÍCIOS DO ESTUDO MUSICAL PARA FORMAÇÃO INTEGRAL...99
O PROJETO “ORQUESTRANDO TALENTOS” NECESSITA DE AJUDA COMUNITÁRIA...101
O DESPERTAR DE UMA CONSCIENTIZAÇÃO...101
CONSIDERAÇÕES FINAIS...102
REFERÊNCIAS...105
APÊNDICE A – Revisão de literatura...110
APÊNDICE B – Quadro síntese da produção publicada na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior de 2008 a 2017 – Categoria: musicalidade...111
APÊNDICE C – Quadro síntese da produção publicada na Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior de 2008 a 2017 – Categoria: violino...114
APÊNDICE D – Quadro ampliado das produções de teses da CAPES no período de 2008 a 2017 que abordam a categoria musicalidade e se relacionam com a educação integral...115
relacionam com a educação integral...120
APÊNDICE F – Roteiro para as entrevistas semiestruturadas...122 APÊNDICE G – Curiosidades sobre o violino...126 ANEXO A – Parecer Consubstanciado do CEP - Universidade Federal da
1 INTRODUÇÃO
A música sempre esteve presente na vida dos seres humanos, desde os mais remotos tempos, exercendo as mais diferentes funções. Presente em todas as culturas, é uma linguagem universal, e por fazer parte dos mais diversos grupos sociais, torna-se bastante diversificada. Inúmeros autores1, de diferentes países e diferentes épocas, confirmam que a música influencia, de maneira benéfica, o desenvolvimento do ser humano, envolvendo três eixos fundamentais: a cognição, a emoção e a sociabilidade. Além desses, envolve aspectos que abrangem a integração entre os diferentes saberes e os diferentes contextos musicais vivenciados nos ambientes estudantis e sociais. Ou seja, além do aprendizado de música nas escolas formais, o conhecimento pode ser enriquecido pelo apoio, incentivo e estratégias da família, dos amigos, da comunidade, da mídia, das redes sociais (internet), entre outros. Numa definição genérica, a educação integral considera todos esses aspectos.
Gabriel e Cavaliere (2012) associam a educação integral à ideia grega de Paideia, por estar relacionada à formação geral do homem e associada à educação não intencional. Pelo fato de contemplar os aspectos cognitivos e emocionais, a educação acontece por meio da socialização e da formação ampla adquirida pelo indivíduo na vivência e convivência com outras pessoas, outros saberes e outras culturas. Dessa forma, pode ser considerada uma prática política e social. No entanto, a importância dada ao aprendizado musical nas escolas brasileiras ainda é superficial, uma vez que faltam esclarecimentos sobre o quanto o mesmo pode colaborar para formação integral do ser humano.
De acordo com as vivências musicais adquiridas, especialmente pela aprendizagem do violino, percebemos que este instrumento musical pode servir de âncora à obtenção da compreensão de como a música pode contribuir à formação integral de adolescentes.
Por ser filha de músico, minha infância foi cercada por estímulos musicais. Na adolescência, comecei2 a fazer aulas de violino na Escola da Orquestra de Concertos de Erechim gratuitamente. Nesse espaço cultural, permaneci durante catorze anos, fazendo aulas de música e participando da Orquestra. Logo, a música sempre representou fonte e alicerce à minha formação integral, e por perceber a significância dessa arte, tornei-me professora de música.
1 Santos (2012); Bréscia (2011); Ilari (2009); Nogueira (2009); Gardner (1995); Corrêa (1977).
2 O texto, em sua completude, é escrito na primeira pessoa do plural, por considerarmos as orientações e contribuições do professor orientador. No entanto, devido ao caráter de subjetividade do estudo, em alguns momentos, empregamos a primeira pessoa do singular “eu”.
No percurso da formação acadêmica, cursei Pedagogia, com habilitação em Docência nos Anos Iniciais, Formação do Profissional Docente e Gestão Educacional (2007) e direcionei minha atenção à “Educação Musical: a arte de ensinar violino e teoria musical de maneira lúdica para crianças”, título do meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Na sequência, cursei especialização em Psicopedagogia (2010) e, mais uma vez, concentrei minha atenção à inter-relação educação e música e o resultado foi a monografia “O estudo do violino e o desenvolvimento da criança”. Tanto a graduação quanto a especialização foram cursadas na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões - URI - Erechim.
Como professora, ministrei aulas de musicalização nos anos iniciais e finais do Ensino Fundamental da Educação Básica em uma escola da rede pública municipal de Erechim e, atualmente, sou professora de violino e musicalização na Escola Municipal de Belas Artes Osvaldo Engel, no mesmo município.
Erechim é uma cidade localizada ao norte do estado do Rio Grande do Sul, possui aproximadamente 101.122 habitantes e é considerada um dos centros sub-regionais do país. Nessa cidade, a música é vivenciada de maneira diversificada, por intermédio de coros, orquestras, bandas marciais e conjuntos musicais dos mais diversos gêneros.
Desde 1950, a cidade conta com a sede da Orquestra de Concertos de Erechim (OCE), fundada pelo maestro austríaco Frédéric Schubert, que prezava pela gratuidade do ensino instrumental a toda a população. No contexto atual, os professores da Orquestra, além de ministrarem aulas de instrumentos musicais de cordas friccionadas e de sopro em sua sede original, participam de um projeto vinculado à Lei Rouanet, denominado “Orquestrando Talentos”, ensinando violino e viola nas Escolas Municipais de Ensino Fundamental (EMEF) Luiz Badalotti e Paiol Grande, cujo intuito é o de formar músicos para compor o núcleo da referida Orquestra.
Por ser professora de violino e buscar continuamente a compreensão do papel da música na formação integral dos estudantes, vislumbrei, no projeto “Orquestrando Talentos” a oportunidade de realizar a pesquisa. Sendo assim, por fazer parte da minha vida, o tema educação musical direcionou-me à construção desta pesquisa intitulada “O papel da música na formação integral de adolescentes3: o violino como instrumento mobilizador de aprendizagens às camadas populares do município de Erechim/RS”.
A opção pelas EMEFs Luiz Badalotti e Paiol Grande como campo da pesquisa justifica-se pelo fato de serem as únicas escolas municipais contempladas pelo projeto
“Orquestrando Talentos”, bem como por permitir certo distanciamento para apreciação da dimensão científica da pesquisa (TRIVIÑOS, 2011), em virtude de não possuir ligação profissional com a Orquestra de Concertos de Erechim e com o referido projeto.
Sob tais premissas, a pesquisa se justifica pela percepção de que a sociedade ainda não atribui à educação musical escolar a valorização que a mesma merece, por fatores culturais4 ou por falta de esclarecimentos, como já mencionamos. Desse modo, a necessidade de aprofundar questões relativas à musicalização me acompanha desde a formação acadêmica inicial, intensificando-se no Mestrado, sempre com o mesmo propósito: contribuir com reflexões que possam redimensionar concepções acerca do ensino musical no contexto escolar por meio do aprendizado do violino para que ocorra, de fato, a formação integral de adolescentes. Além disso, despertar o interesse de mais pessoas da comunidade em geral para o aprendizado musical.
A definição do violino como instrumento musical a ser estudado segue razões lógicas: por fazer parte da minha vivência profissional, já que sou professora de violino na Escola Municipal de Belas Artes Osvaldo Engel de Erechim e por acreditar que este estudo pode trazer grandes benefícios à vida dos estudantes, à minha vivência acadêmica e à atuação profissional. Além disso, por pressupor que, assim como qualquer outro instrumento musical, o violino é capaz de desenvolver a concentração, a memorização, a agilidade, a disciplina, a desinibição, a autoconfiança, a calma, a amabilidade, o respeito ao outro, o convívio em sociedade, entre tantos outros benefícios. Hipóteses que são fruto de observações e intuições enquanto professora de violino e em trabalhos de conclusões do curso de graduação e pós-graduação (lato sensu). Muitas pesquisas bibliográficas se aproximam dessas hipóteses, mas carecem de uma pesquisa de campo, o que nos motivou ainda mais.
As leituras feitas ao longo de minha formação acadêmica, associadas à experiência profissional, condicionaram a realização da pesquisa de campo, no intuito de colocar em prática minhas pressuposições sobre a relevância da música na vida das pessoas, mesmo tendo consciência de que os resultados podem constituir uma visão parcial da realidade.
Ao desenvolverem a inteligência musical, por meio do estudo do violino, muitos adolescentes não têm a clareza de que outras áreas também são trabalhadas. Sendo assim, a relevância da pesquisa é, ao mesmo tempo, acadêmica e social pela pretensão de um despertar da consciência crítica e reflexiva nos estudantes, em seus familiares e professores.
4 As questões culturais são tratadas neste estudo [...] “como sendo as escolhas feitas pelos humanos a partir dos significados que eles próprios estabelecem ao lidarem com a natureza, com o meio social e consigo mesmo”. (QUEIROZ, 2004, p. 100).
Em se tratando de adolescentes que fazem parte das camadas populares, o estudo musical no ambiente escolar torna-se mais importante ainda, haja vista que muitos não teriam acesso ao aprendizado se não fosse disponibilizado gratuitamente por instituições educacionais.
Com o propósito de atender às inquietações de ordem pessoal e profissional, a pesquisa seguiu o eixo norteador: Qual a importância que o estudo do violino pode trazer à formação integral de adolescentes oriundos das camadas populares? Na tentativa de encontrar respostas a esta problemática, o objetivo geral que permeou o estudo foi o de analisar as contribuições do ensino do violino para formação integral de adolescentes oriundos das camadas populares do município de Erechim/RS.
Para dar conta desse objetivo geral, delineamos objetivos específicos, entre eles: desenvolver um panorama histórico da educação musical no Brasil, desde a época jesuítica até os dias atuais, considerando os valores que foram atribuídos no decorrer desses anos para possibilitar a compreensão sobre como a educação musical é vivenciada no contexto escolar atual; refletir sobre a educação integral, sua historicidade, seus diferentes conceitos e as possíveis mediações com o estudo do violino no processo de formação integral de adolescentes; descrever a importância do estudo do violino para formação integral desses sujeitos por meio de entrevistas semiestruturadas, realizadas com os próprios estudantes5, pais6, professoras7 e maestro; explicitar a proposta de intervenção realizada nas comunidades escolares - EMEF Luiz Badalotti e EMEF Paiol Grande, baseada em encontro com estudantes, pais e professores e demais funcionários das escolas.
Para a construção desta dissertação, consideramos fundamental a revisão de literatura para identificarmos as publicações relacionadas ao tema. Desse modo, o ponto de partida foi uma revisão no site da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), conforme Apêndice A, por meio de categorias: música, musicalidade, violino, homem integral e educação integral. A busca ocorreu em grupos de trabalho definidos pela própria ANPED. No “GT 06 - Educação Popular”, não foram encontrados artigos que fizessem relação às categorias mencionadas, porém, no “GT 24 - Educação e Arte”, foram encontrados 40 artigos relacionados à categoria educação integral e 3 à categoria música, sendo um deles sobre a aceitação do ensino de música na escola, um sobre a disciplinarização
5 O termo “estudantes” é empregado, neste estudo, de forma abrangente, fazendo referência tanto ao gênero masculino quanto ao feminino.
6 O termo “pais”, igualmente, refere-se à figura paterna e à figura materna.
7 O termo “professoras” substitui a generalização “professores” pelo fato de ministrarem aulas aos estudantes, sujeitos da pesquisa, apenas profissionais do gênero feminino.
da música no currículo escolar e outro sobre o ensino da flauta doce na vida dos professores de música.
No site da Associação Brasileira de Educação Musical (ABEM), também realizamos a pesquisa, focando as mesmas categorias; foram encontrados 167 artigos, nenhum com aproximação significativa a esta pesquisa (Anexo A). Os artigos relacionados à educação integral restringem-se à educação em tempo integral, destacando oportunidade às aulas de música nas escolas a partir do Programa Mais Educação, com a ampliação da jornada escolar, mas sem menção ao seu valor formativo.
Ao pesquisarmos no site da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), conforme Apêndices B e C, identificamos o contingente de dissertações e teses direcionadas às categorias “musicalidade” e “violino”, desenvolvidas nos últimos dez anos. Assim, descrevemos as teses com aproximação à temática a fim de reconhecermos a originalidade desta pesquisa. Algumas temáticas aproximam-se, conforme Apêndices D e E, entretanto, distanciam-se do foco central do eixo norteador desta pesquisa relacionada ao papel do estudo do violino na formação integral de adolescentes pertencentes às camadas populares. Diante da revisão de literatura, constatamos a escassez de produções realizadas com especificidade na área, o que garante o ineditismo desta.
Em sua configuração, a presente dissertação subdivide-se em cinco capítulos intercomplementares, além da parte introdutória e das considerações finais. O primeiro capítulo “Traçando os caminhos da investigação” expõe a natureza da pesquisa, os locais da coleta de dados das entrevistas semiestruturadas, os sujeitos da investigação, considerações sobre a pesquisa bibliográfica, delimitação das categorias para análise dos conteúdos e uma breve contextualização da proposta de intervenção.
No segundo capítulo, “Panorama histórico da educação musical no Brasil”, há uma descrição de aspectos relacionados à educação musical brasileira, desde a época jesuítica até os dias atuais, proporcionando-nos uma compreensão sobre a real importância da música no contexto escolar atual.
O terceiro capítulo, “A educação integral e o ensino de música no Brasil”, aborda uma contextualização histórica das políticas filosóficas sobre os conceitos de educação integral no Brasil, as possibilidades de uma educação musical em parceria entre as escolas e suas comunidades e as possíveis mediações entre uma educação integral multissetorial e qualitativa por meio do estudo do violino nas escolas municipais.
No quarto capítulo, intitulado “A importância do ensino do violino para a educação integral de adolescentes oriundos das camadas populares”, é dada uma relevância ao estudo
do violino para formação integral de adolescentes oriundos das camadas populares por meio de análise de dados coletados em entrevistas semiestruturadas, realizadas com estudantes de violino, seus pais, professoras e com o maestro e principal professor do projeto “Orquestrando Talentos”.
Por fim, o quinto capítulo, “O projeto ‘Orquestrando Talentos’ nas comunidades escolares Luiz Badalotti e Paiol Grande: uma proposta de intervenção”, apresenta a proposta de intervenção a ser realizada com as comunidades escolares EMEFs Luiz Badalotti e Paiol Grande, com base em encontro com estudantes, pais ou responsáveis, professores e funcionários das escolas, a fim de lhes apresentar a relevância da música por meio do estudo de violino, haja vista a formação integral dos adolescentes, socializando, assim, os resultados da pesquisa.
2 TRAÇANDO OS CAMINHOS DA INVESTIGAÇÃO
Uma das metas do Mestrado Profissional em Educação da UFFS é proporcionar ao mestrando a oportunidade de refletir sobre a sua área de atuação para intervir de maneira crítica, criativa e benfeitora.
O que se propõe é que o profissional seja um pesquisador de sua prática e, para isso, a formação deve estar toda ela orientada para a pesquisa, de modo que o trabalho final de conclusão seja o resultado dessa pesquisa. Nossa posição é que a pesquisa tem um importante papel na formação dos mestres profissionais em educação, pois lhes dá oportunidade de analisar a realidade em que se inserem, localizar áreas críticas que possam ser esclarecidas por um processo sistemático de coleta de dados e referenciais teórico-metodológicos, que lhes permitam atuar mais efetivamente nessa realidade. (ANDRÉ; PRINCEPE, 2017, p. 106).
“Um pesquisador de sua prática”, eis o que motivou a escolha da temática, pois além de sempre ter despertado interesse, curiosidade e muito amor, direciona-se à minha área profissional - educação musical e ensino do violino. Uma proposta, portanto, que só me beneficia como profissional da área da educação musical e como pesquisadora, conforme esclarece Minayo (2004, p. 17): “[...] embora seja uma prática teórica, a pesquisa vincula pensamento e ação. Ou seja, nada pode ser intelectualmente um problema, se não tiver sido, em primeiro lugar, um problema da vida prática”.
Estabelecer uma inter-relação entre a pesquisa e um problema da vida prática, desde o primeiro momento, indicou realização pessoal, acadêmica e profissional, pois como já mencionado, sou professora de violino na Escola Municipal de Belas Artes Osvaldo Engel de Erechim e sempre tive curiosidade em desvendar as contribuições da educação musical para formação integral dos estudantes de violino.
Por uma questão de ética e comprometimento, optamos pelo projeto “Orquestrando Talentos”, da Orquestra de Concertos de Erechim, para que os dados coletados não tivessem qualquer interferência do meu olhar de profissional, podendo assumir uma postura de pesquisadora sem levar em consideração pré-conceitos ou pré-julgamentos.
2.1 NATUREZA DA PESQUISA
Diferentemente da arte e da poesia que se concebem na inspiração, a pesquisa é um labor artesanal, que se não prescinde da criatividade, se realiza fundamentalmente por uma linguagem fundada em conceitos, proposições, métodos e técnicas, linguagem esta que se constrói com um ritmo próprio e particular. (MINAYO, 2004, p. 25).
A busca pela realização de um “labor artesanal”, associada às inquietações que acompanham a práxis, revela a necessidade por novos saberes e novas vivências relativas à educação musical. Diante das inquietações e com base nos objetivos propostos, definimos a pesquisa como exploratória, pelo fato de entrevistarmos pessoas que possuem vivências com o problema pesquisado e necessitar de marco teórico de referência para análise dos dados e compreensão da realidade. De acordo com Gil (2002, p. 41), “[...] Podem-se dizer que estas pesquisas têm como objetivo principal o aprimoramento de ideias ou a descoberta de intuições”.
Por compreendermos as interações sociais, os valores e os significados do estudo do violino para formação integral dos adolescentes e diante da impossibilidade de quantificá-los, enquadramos a investigação nos parâmetros da pesquisa qualitativa que, segundo Minayo (2004, p. 21-22),
[...] responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.
De modo complementar, Santos Filho e Gamboa (2001) explicam que a pesquisa qualitativa é um produto da interação social, na qual a realidade é socialmente construída, sendo o homem sujeito e ator, e o pesquisador quem deve imergir no fenômeno de interesse. Caracterizada a pesquisa, delimitamos o campo para sua exploração.
2.1.1 A Pesquisa de Campo
Em conformidade com Minayo (2004, p. 53), “[...] concebemos campo de pesquisa como o recorte que o pesquisador faz em termos de espaço, representando uma realidade empírica a ser estudada a partir das concepções teóricas que fundamentam o objeto da investigação”. (grifo do autor).
Como o objetivo principal corresponde à análise das contribuições do ensino do violino para formação integral de adolescentes oriundos das camadas populares do município de Erechim/RS, o projeto “Orquestrando Talentos”, da Orquestra de Concertos de Erechim apresentou terreno fértil à realização da pesquisa.
O recorte, em termos de espaços, aos quais Minayo (2004) se refere, corresponde às escolas municipais Luiz Badalotti e Paiol Grande da cidade de Erechim, por serem as únicas
escolas a ofertarem o ensino do violino aos adolescentes oriundos das camadas populares, em parceria com a Escola da Orquestra de Concertos de Erechim (OCE). Para que a pesquisa de campo fosse oficializada, foi necessária a obtenção da declaração de ciência e concordância das instituições envolvidas, assinada pela Secretária Municipal de Educação de Erechim, RS.
Com a declaração em mãos, dirigi-me às escolas municipais Luiz Badalotti e Paiol Grande para entregar uma cópia do documento a cada diretora, bem como ao maestro do projeto “Orquestrando Talentos”. Com o consentimento de ambas as partes, o projeto de pesquisa foi encaminhado ao Comitê de Ética da Universidade Federal da Fronteira Sul, com a respectiva aprovação no dia 13 de novembro de 2017 (Anexo A), sendo possível, então, o início da pesquisa de campo.
2.1.2 A Orquestra de Concertos de Erechim
A Orquestra de Concertos de Erechim foi fundada no dia 10 de junho de 1950, pelo maestro austríaco Frédéric Schubert, com os objetivos de divulgar a música orquestral, elevar o nível cultural da população e abrir oportunidade a todos os músicos amadores, sem distinção de raça, cor, religião ou questões políticas, como comprova o recorte da primeira Ata da Orquestra:
Aos dez dias do mês de junho de mil novecentos e cinquenta, nesta cidade de Erechim, às vinte horas, os abaixo assinados concordaram na organização de uma sociedade musical com a finalidade de cultivar a boa música e de promover concertos. Por unanimidade ficou resolvido que a sociedade ora fundada tomaria o nome de ‘Orquestra de Concertos de Erechim’, da qual poderiam fazer parte todos os músicos amadores desta cidade, sem distinção de sexo, raça ou nacionalidade e crença. Assim sendo, dentro da Orquestra de Concertos de Erechim não admitir-se-á questões religiosas, de raça ou políticas. (WOJCIEKOWSKI, 2017, p. 64).
Frédéric Schubert foi indicado para ser o regente da orquestra por unanimidade. Antes de embarcar para a América do Sul, em função das dificuldades enfrentadas no pós-guerra, residia em Viena, Áustria, onde cursou a Academia de Música e tocou violino na Orquestra Sinfônica de Viena. Sem conseguir manter-se economicamente na Europa, sua opção foi a de tentar a sorte no Brasil, residindo, primeiramente, em Ibicaré e Treze Tílias/SC. No ano de 1949, muda-se para Erechim/RS, onde funda e rege a Orquestra de Concertos de Erechim e a Sociedade Banda de Música de Erechim (WOJCIEKOWSKI, 2017).
Segundo Wojciekowski (2017, p. 65), Schubert fazia arranjos de acordo com as capacidades instrumentais de cada criança: “A partir de 1955 foram encontradas referências à
Orquestra Infantil, um braço da OCE que reunia crianças e jovens para estudar música, na qual o maestro Frederico8 Schubert era o professor”.
O relato de Rudolf Krüger, violinista, professor e atual spalla9 da Orquestra de Concertos de Erechim, comprova a referida capacidade do maestro.
Era um excepcional violinista e arranjador de partituras, naquela época eu era criança, o Schubert que coordenava. O Schubert tinha uma grande vantagem, você chegava lá com 8 ou 10 anos: o que você sabe tocar? Eu sei tocar uma semibreve, então ele botava o violino dele no colo e ia falando contigo, e ia escrevendo a partitura, fazia uns acordes no violino, tipo uma citara assim, pronto. Eu já sei tocar uma semínima também, então para ti assim. Ali tinha quatro, cinco violinos diferentes porque era escrito na hora e fechava tudo legal, essa era a vantagem dele. A decisão do repertório era do maestro. (KRÜGER, informação oral apud WOJCIEKOWSKI, 2012, p. 60)10.
Fotografia 1 - Apresentação da Orquestra Infantil no Clube Atlântico em 14/08/1959 (Rudolf Krüger estava sentado na segunda estante do primeiro violino)
Fonte: WOJCIEKOWSKI, 2017.
Ao considerarmos a história da Orquestra de Concertos de Erechim (OCE), em um percurso histórico, de Schubert até o atual maestro, inferimos que se mantém a mesma oferta, gratuita e não obrigatória, do aprendizado de instrumentos de cordas friccionadas para
8 Nas citações de Wojciekowski (2012) e Wojciekowski (2017), a referência ao maestro é “Frederico Schubert”, porém, em conversa informal com Rudolfo Krüger, que é um dos fundadores da OCE e ex-aluno do maestro austríaco já falecido, constatamos que o nome correto do maestro é “Frédéric”.
9 “O spalla, em italiano, "ombro" é o nome dado ao primeiro violino de uma orquestra. Na orquestra, fica na primeira estante, à esquerda do maestro. É o último instrumentista a entrar no palco, sendo o responsável por afinar a orquestra, antes da entrada do maestro; atua como regente substituto, repassando aos outros músicos as determinações do maestro”. Disponível em:
<http://www.dicionarioinformal.com.br/significado/spalla/5471/>. Acesso em: 25 jun. 2017.
10 Embora o livro de Wojciekowski (2012) seja intitulado “Harmonia tonal e positivismo” (grifo nosso), esclarecemos que a citação do livro foi apenas para contextualizar a Orquestra Infantil no ano de 1959 através do relato de Rudolf Krüger e não para convergir com as ideias positivistas presentes nele.
qualquer pessoa com idade superior a 8 anos. Além de aulas de violino, viola, violoncelo, contrabaixo, a escola também oferece aulas de flauta transversal, clarinete, trombone e trompete em sua sede.
A OCE realiza parcerias significativas, a exemplo das estabelecidas com a Secretaria Municipal de Educação (SMED), através de programas sociais, a exemplo do Programa de Educação em Tempo Integral (PROETI), implantado nas escolas municipais de Erechim por intermédio da Lei municipal n° 4.391, de 3 de dezembro de 2008. A finalidade do referido programa era a de oportunizar uma educação em tempo integral aos estudantes e complementar o desenvolvimento das potencialidades, favorecendo a participação e integração dos estudantes no contexto social. Nesse processo integrado, os estudantes das escolas municipais só precisavam se deslocar até a sede da Orquestra para terem a oportunidade de desenvolver habilidades musicais.
2.1.3 O Projeto “Orquestrando Talentos”
Atualmente, a OCE conta com um novo projeto denominado “Orquestrando Talentos”. Para sua funcionalidade, os professores da Orquestra dirigem-se às escolas para ministrar aulas de violino e viola. O referido projeto teve início no segundo semestre de 2015, é financiado pela Lei Rouanet e conta com a parceria de empresas. Seu objetivo é o de beneficiar as atividades da Orquestra de Concertos de Erechim como um todo, mas também, tem com o propósito de levar o ensino do violino e da viola a bairros distantes do Centro Cultural 25 de Julho (sede da Orquestra), tais como Bairro Atlântico, onde as atividades acontecem nos espaços da EMEF Luiz Badalotti, e Bairro Paiol Grande, com aulas na EMEF Paiol Grande.
Uma vez por semana, durante uma hora e meia, cerca de 15 a 18 estudantes por escola realizam as aulas com violino e viola. Esses adolescentes fazem parte do Ensino Fundamental, cursam o 7° e 8° anos e possuem a idade entre 12 a 14 anos aproximadamente. Os veteranos realizam as aulas separadamente dos iniciantes, porém, nas aulas dos iniciantes, os veteranos são convidados a assumir a função de auxiliares ou monitores do professor de música, tendo em vista uma melhor integração.
As aulas de violoncelo, contrabaixo, flauta transversal, trompete e trombone não são contempladas nas escolas devido à falta de instrumental. Se não fosse essa carência, os estudantes poderiam, igualmente, ser beneficiados com o aprendizado desses instrumentos.
Todavia, na sede da Orquestra, as aulas desses diversificados instrumentos são realizadas gratuitamente. Os estudantes interessados apenas precisam se dirigir à sede.
2.1.4 A Orquestra Escola
Os estudantes de violino e viola das escolas municipais que participam do projeto “Orquestrando Talentos” passam a fazer parte da Orquestra Escola, vinculada à OCE. Dessa forma, eles têm a oportunidade de realizar apresentações em parceria com a OCE, bem como separadamente.
A Orquestra Escola, como o próprio nome diz, é uma orquestra preparatória, cuja meta é a de auxiliar na formação musical dos estudantes até adquirirem capacidades necessárias para ingresso à Orquestra de Concertos de Erechim.
As apresentações da Orquestra Escola, com maior destaque e repercussão, aconteceram nas próprias escolas municipais. Ou seja, os estudantes da EMEF Paiol Grande tiveram a chance de conhecer e se apresentar na escola dos colegas da EMEF Luiz Badalotti e vice-versa. A Orquestra de Concertos de Erechim também participou, enriquecendo, ainda mais, os momentos culturais. Essa proposta foi tão proveitosa às comunidades envolvidas que, anualmente, o projeto “Orquestrando Talentos” tem promovido concertos.
Similarmente, ocorre um concerto da Orquestra Escola juntamente com a Orquestra de Concertos de Erechim, no Centro Cultural 25 de Julho, para que os estudantes de música possam criar senso de pertencimento ao local, pois, quando passam a fazer parte da Orquestra de Concertos de Erechim, este espaço constitui-se a sede de seus estudos.
Para efetivação desse sentimento de pertencimento, um sábado por mês, no turno da manhã, os estudantes de violino e viola das escolas integrantes do projeto realizam as aulas em conjunto no Centro Cultural 25 de Julho. Essa proposta é promissora, pois desenvolve a sociabilização entre todos os estudantes; uma parceria que gera afeto e aprendizagem significativa.
Embora as atividades evidenciem o ensino de violino e de viola, convém esclarecer que o foco da pesquisa é restritamente o ensino de violino. Apenas fizemos referência ao ensino de viola em virtude de ser um dos instrumentos que compõem o projeto “Orquestrando Talentos”.
2.2 OS LOCAIS DA PESQUISA DE CAMPO
As EMEFs Luiz Badalotti e Paiol Grande foram selecionadas para realização do projeto “Orquestrando Talentos” na intenção de atrair um maior número possível de estudantes para, em um futuro próximo, passarem a compor a Orquestra de Concertos de Erechim, conforme manifestação do maestro e principal professor do projeto, em sua entrevista:
Porque a gente percebeu o seguinte: existe uma certa dificuldade dos estudantes saírem do bairro e virem para o Centro Cultural que é a casa da orquestra e a gente resolveu ir até eles e eu acabei escolhendo dois bairros bastante distantes do Centro Cultural 25 de Julho, justamente para atender a esse propósito. (Maestro, OCE, 2017).
A parceria tem gerado bons resultados e solidificado, cada vez mais, o vínculo entre as escolas e a Orquestra. Importante destacar que, no início, não foi fácil manter os estudantes no projeto, mas, atualmente, o número de participantes vem aumentando, assim como o interesse e apreço pela música.
2.2.1 A Escola Municipal de Ensino Fundamental Luiz Badalotti
A EMEF Luiz Badalotti localiza-se no bairro Atlântico, da cidade de Erechim/RS, à rua Fungêncio Miguel Coffy, nº 680. É a maior escola municipal do município, considerando o número de estudantes. Conta com, aproximadamente, 1.194 estudantes, sendo 302 da Educação Infantil e 892 do Ensino Fundamental. A esse conjunto, somam-se 94 professores, 29 funcionários e 34 estagiários e monitores. Na escola, também há um espaço cedido para o Centro de Educação de Jovens e Adultos (CEJA), com uma média de 12 estudantes matriculados. (PREFEITURA DE ERECHIM, 2018a).
O bairro Atlântico reúne uma camada popular do município de Erechim, com a maioria vinda do interior. O ambiente é considerado tranquilo e nele residem pessoas trabalhadoras e famílias participativas das atividades comunitárias e escolares.
Essa escola foi a primeira a se integrar no projeto “Orquestrando Talentos”. Em entrevista, o maestro e principal professor do projeto esclarece:
O primeiro núcleo que a gente criou foi no Luiz Badalotti e a gente iniciou com uma certa dificuldade lá, porque foi complicado a gente fidelizar os alunos. Nos dois primeiros anos a gente iniciou com turmas bastante numerosas (uma média de 25 a
30 alunos) e quando a gente chegava ao término do ano, a gente encerrava com 2 ou 3 apenas. Então a gente começou a ficar um pouco preocupado, né? Tanto que eu cheguei a procurar a direção e a coordenação da escola na época e perguntei o porquê disso, se talvez eles tinham recebido algum feed back dos alunos de que as aulas não estivessem tão interessantes e enfim, o que a gente poderia mudar para poder fidelizar esses alunos e o feed back que nós tivemos da escola foi sempre esse, de que é um perfil daqueles alunos do Luiz Badalotti. Não é nada em relação ao tipo da aula ou ao jeito do professor. Eles têm esse perfil de ficar muito empolgados no começo do projeto e depois eles vão saindo. Mas nesse ano de 2017 a coisa mudou bastante e então, nós já iniciamos o ano com alguns alunos remanescentes (uma média de 8 alunos que já faziam aula a mais ou menos um ano) e agora a gente já está conseguindo nesses nove meses de aula manter uma média de 15 a 18 alunos, então a coisa está começando a se sedimentar, digamos assim. (Maestro, OCE, 2017).
Alguns estudantes da EMEF Luiz Badalotti, além de fazerem aulas de violino na respectiva escola, estudam violino no Centro Cultural 25 de Julho, sede da OCE, juntamente com estudantes da EMEF Paiol Grande e outros que fazem aulas apenas na sede. Essa parceria é eficaz em termos de entrosamento e socialização. No final do ano de 2017, alguns estudantes dessa escola atingiram a meta do projeto “Orquestrando Talentos” e se tornaram violinistas oficiais da OCE.
2.2.2 A Escola Municipal de Ensino Fundamental Paiol Grande
A EMEF Paiol Grande localiza-se no bairro Paiol Grande, da cidade de Erechim/RS, à rua Sueli Maria Girardello. A escola tem, em sua totalidade, 434 estudantes, sendo 45 da Educação Infantil e 389 do Ensino Fundamental e atuam, em média, 60 professores, 7 estagiários e 16 funcionários.
O bairro, da mesma forma, reúne camada popular do munícipio de Erechim (PREFEITURA MUNICIPAL DE ERECHIM, 2018b).
O projeto “Orquestrando Talentos” foi implantado nessa escola no ano de 2016, e atualmente, conta com 15 a 18 estudantes assíduos nas atividades educativo-musicais. Segundo o maestro,
No Paiol Grande, o perfil do alunado aí é muito diferente, eles são muito engajados e mesmo que por ventura eles têm algum compromisso pessoal (dentista, consulta ou vir no centro fazer alguma compra) eles não deixam de vir na aula, mesmo que eles vão e ficam 15 minutos. Eles vão e pedem para sair mais cedo. (Maestro, OCE, 2017).
Pelo exposto, depreendemos que os estudantes dessa escola demonstram comprometimento e interesse nas atividades do projeto. De modo equivalente, os estudantes
fazem aulas de violino na sede da OCE; no final do ano de 2017, alguns deles também passaram a integrar a Orquestra de Concertos de Erechim.
2.3 A COLETA DE DADOS
A coleta de dados, segundo Minayo (2004), equivale a técnicas utilizadas tanto na pesquisa de campo quanto na pesquisa suplementar de dados. Sendo assim, as entrevistas semiestruturadas foram gravadas em áudio, possibilitando posterior audição das falas dos entrevistados, bem como identificação de elementos não percebidos no momento das entrevistas.
Embora o conteúdo mais amplo seja estruturado pelas questões da pesquisa, na medida em que estas constituem o tópico guia, a ideia não é fazer um conjunto de perguntas padronizadas ou esperar que o entrevistado traduza seus pensamentos em categorias específicas de resposta. As perguntas são quase que um convite ao entrevistado para falar longamente, com suas próprias palavras e com tempo para refletir. Além do mais, diferentemente do levantamento, o pesquisador pode obter esclarecimentos e acréscimos em pontos importantes com sondagem apropriadas e questionamentos específicos. (GASKELL, 2002, p. 73).
Com base no exposto por Gaskell, realizamos uma entrevista semiestruturada com o maestro e principal professor das atividades que envolvem o ensino do violino nas escolas municipais. Por meio dessa entrevista, compreendemos como o estudo do violino é realizado e ministrado nas escolas municipais de Educação Básica do município de Erechim e os benefícios à formação integral, visualizados e interpretados pelo profissional, diante das situações de aprendizagem e vivências com os estudantes.
Do mesmo modo, entrevistamos os estudantes de violino, com a idade entre 12 a 14 anos e que cursam os 7º e 8º anos do Ensino Fundamental, bem como os pais desses estudantes, ou melhor, 3 estudantes e 3 pais de cada escola, num total de seis estudantes e seis pais. Como já enfatizamos, aproximarmo-nos da percepção dos estudantes em relação à contribuição da música na formação integral destes e como os pais visualizam esta contribuição na vida de seus filhos direciona-nos à busca de respostas às nossas inquietações e à problemática da pesquisa.
Interessou-nos, da mesma forma, envolver professores que ministram aulas aos estudantes entrevistados com o propósito de reconhecimento de mudanças no aprendizado escolar após a participação dos mesmos no projeto. De acordo com manifestação voluntária, 3
professoras de cada escola inseriram-se na pesquisa, totalizando seis. Somando, a pesquisa contabilizou 19 participantes.
Outrossim, procuramos respeitar os princípios de cuidado, zelo e ética a fim de construir uma relação de confiança com os entrevistados, seguindo, assim, os conselhos de Zago, Carvalho, Vilela (2011, p. 303):
Desde o momento inicial é fundamental esclarecer os objetivos da pesquisa, o destino das informações, o anonimato de pessoas e lugares, além do horário do encontro e tempo provável de duração. Esses esclarecimentos e compromissos fazem parte do acordo inicial entre pesquisador e pesquisado, que é preciso respeitar. Também não são sem importância a apresentação pessoal do pesquisador e a maneira como desenvolve a entrevista, isto é, a dinâmica de sua condução.
Num primeiro contato com os sujeitos da pesquisa, levamos em consideração os seguintes aspectos:
a) apresentação como pesquisadora e discente do Mestrado Profissional em Educação da UFFS;
b) explicação da pesquisa, relacionada à importância do ensino do violino para formação integral dos estudantes;
c) exposição da importância da participação por meio de entrevista semiestruturada;
d) esclarecimento de sigilo e anonimato;
e) informação sobre a liberdade de participação.
A maioria dos participantes declarou não se importar com a identificação. Independentemente, garantimos o respeito ao anonimato. Para tanto, criamos nomes fictícios para cada sujeito entrevistado com a finalidade de preservar suas identidades.
Cada participante, previamente, fez a leitura e assinou os termos de consentimento e assentimento, revisados e aprovados pelo Comitê de Ética da UFFS, após cadastro na Plataforma Brasil. No caso dos estudantes, por serem menores de idade, assinaram os termos de assentimento. E os pais, professoras e maestro assinaram os respectivos termos de consentimento.
Convém enfatizar que estabelecemos como critério para participação voluntária dos 6 primeiros estudantes o vínculo à participação dos pais e professoras, também voluntária, todos em comum acordo. A justificativa desse critério ampara-se no anseio de uma visão ampla no momento da análise dos dados, possibilitando-nos observar a aproximação e o distanciamento entre as falas dos estudantes, de seus pais, professoras e do maestro a respeito das
contribuições do estudo do violino à formação integral dos mesmos. No Apêndice F, explicitamos o roteiro das diferentes entrevistas.
2.4 OS SUJEITOS DA INVESTIGAÇÃO
O processo educativo é fruto de encontros, conflitos, afetividades, lutas, conquistas, heranças culturais do homem no mundo e com o mundo, o que prova que o homem é um ser social, como assevera Freire (2016, p. 53):
[...] percebo afinal que a construção de minha presença no mundo, que não se faz no isolamento, isenta da influência das forças sociais, que não se compreende fora da tensão entre o que herdo geneticamente e o que herdo social, cultural e historicamente, tem muito a ver comigo mesmo [...] O fato de me perceber no mundo, com o mundo e com os outros me põe numa posição em face do mundo que não é de quem nada tem a ver com ele. Afinal, minha presença no mundo não é a de quem a ele se adapta, mas a de quem nele se insere.
Seguindo a inspiração do pensamento freireano, percebemos que se tornaria superficial entrevistar os estudantes para simplesmente tomarmos conhecimento da importância do ensino do violino para formação integral. Como seres sociais, os estudantes crescem e amadurecem sob as mais diversas influências. À vista disso, consideramos relevante à construção da pesquisa, entrevistarmos os familiares, na figura dos pais; a escola, na figura das professoras e o maestro e principal professor de violino, justamente por serem os sujeitos mais próximos ao convívio social, escolar e do aprendizado musical dos estudantes. Entrevistados entre os meses de novembro a dezembro de 2017, todos foram essenciais para obtenção de respostas à problemática e alcance do objetivo geral.
2.4.1 Os estudantes de violino
Os estudantes de violino selecionados fazem parte do projeto “Orquestrando Talentos”, das escolas municipais Luiz Badalotti e Paiol Grande, são adolescentes da faixa etária entre 12 a 14 anos de idade e oriundos das camadas populares do município de Erechim/RS.
Esses estudantes cursam os 7º e 8º anos do Ensino Fundamental e realizam as aulas de violino nas suas respectivas escolas, no contra turno escolar; alguns já participam das atividades realizadas na sede da Orquestra de Concertos de Erechim para auxiliar no processo
de aprendizagem do violino e também para que possam desenvolver atividades de interação social.
A maioria dos estudantes entrevistados faz parte da Orquestra Escola e, aproximadamente, a metade deles já faz parte da Orquestra de Concertos de Erechim. Todos possuem o violino emprestado da OCE; nenhum possui instrumento próprio. São filhos de famílias da classe popular que apostam no projeto “Orquestrando Talentos” como uma possibilidade de crescimento artístico, cultural e com possíveis ganhos à formação integral.
2.4.2 Os pais dos estudantes de violino
Os pais entrevistados residem no município de Erechim e moram nas proximidades das escolas EMEF Luiz Badalotti e EMEF Paiol Grande. Pertencem à classe popular e exercem as mais diversas profissões, tais como: auxiliar de produção, empresário(a) de pequena empresa, operador(a) de máquinas, motorista, secretário(a), entre outras.
O grau de instrução varia entre o Ensino Médio incompleto ao Ensino Médio completo. Destacamos que nenhum usufruiu de aprendizado musical em sua vida, porém apoiam e incentivam o aprendizado musical de seus filhos no projeto “Orquestrando Talentos”.
2.4.3 As professoras dos estudantes de violino
As professoras entrevistadas exercem suas docências nas escolas EMEF Luiz Badalotti e EMEF Paiol Grande e ministram as mais diversas disciplinas, tais como: Português, Matemática, Ciências e História. Todas passaram a atuar nas salas de aula dos estudantes entrevistados no início do ano de 2017, com exceção de uma única professora que já ministrava aulas desde 2016.
Como umas das principais perguntas da entrevista colocou em evidência as mudanças percebidas no processo de ensino e aprendizagem de seus estudantes após o estudo regular de violino, em virtude de alguns desses estudantes já desenvolverem aprendizado de violino desde os anos de 2015 e 2016, a maioria das professoras não conseguiu identificar mudanças com precisão, justamente por terem iniciado a prática docente com os mesmos a partir de 2017. Ainda é importante considerarmos que as professoras passam pouco tempo em sala de aula, pois a média de períodos de suas disciplinas varia de 2 a 5 por semana. Além disso, há
um número elevado de discentes em sala de aula, o que dificulta a observação detalhada de aspectos relativos à aprendizagem de cada um.
A maioria das professoras desconhecia até mesmo o funcionamento do projeto “Orquestrando Talentos” em suas escolas; sabiam da existência das aulas de violino, mas não tinham conhecimento de que os estudantes entrevistados faziam parte do aprendizado deste instrumento.
O fato de algumas professoras não terem percebido mudanças na vida escolar dos estudantes, depois que passaram a estudar violino regularmente, dificulta uma análise comparativa.
2.4.4 O maestro
O maestro e principal professor do projeto “Orquestrando Talentos” nos possibilitou conhecer a estrutura e organização do projeto e o grau de importância atribuído por ele no ensino do violino para formação integral dos estudantes, bem como nos orientou quanto ao estabelecimento do convívio com as famílias dos estudantes e com as comunidades escolares EMEFs Luiz Badalotti e Paiol Grande.
2.5 A ANÁLISE DOS DADOS
A análise dos dados coletados nas entrevistas semiestruturadas foi realizada por meio de três conjuntos de categorias, respeitando os três princípios de classificação de Selltiz (1965 apud MINAYO, 2004, p. 72).
O primeiro se refere ao fato de que o conjunto de categorias deve ser estabelecido a partir do único princípio de classificação. Já o segundo princípio diz respeito a ideia de que um conjunto de categorias deve ser exaustivo, ou seja, deve permitir a inclusão de qualquer resposta numa das categorias do conjunto. Por último, o terceiro se relaciona ao fato de que as categorias do conjunto devem ser mutualmente exclusivas, ou seja, uma resposta não pode ser incluída em mais de duas categorias.
Tendo em vista a formação integral dos adolescentes oriundos das camadas populares, o único princípio de classificação foi direcionado à importância do estudo do violino. Ao se referir a categorias de análise de dados, Bardin (1977) apresenta quatro dimensões que organizam o sistema categorial:
a) a primeira se refere a “origem do objeto” que, segundo esta autora, “[...] é uma informação fundamental para esclarecer a variável teórica da estranheza”. (BARDIN, 1977, p. 67);
b) a segunda trata da “implicação face ao objeto”, pela qual é possível observarmos o sentimento e o grau de participação dos sujeitos da pesquisa diante do objeto investigado;
c) a terceira é sobre a “descrição do objeto”, “[...] reveladora do modelo cultural ao qual a pessoa obedece”. (BARDIN, 1977, p. 68);
d) a última dimensão se refere ao “sentimento face ao objeto”, destacando o domínio, a criatividade e a personalização como os principais tipos relacionais. Diante dessas dimensões, a autora acrescenta:
As quatro dimensões que organizaram o sistema categorial: origem, implicação, descrição e sentimentos, são variáveis empíricas, que emergem dos dados do texto. O grau de estranheza (ideologia) e o conflito (vivido), são variáveis construídas. O objetivo é estabelecer uma correspondência entre o nível empírico e o teórico, de modo assegurar-nos – e é esta a finalidade de qualquer investigação – que o corpo de hipóteses é verificado pelos dados do texto. (BARDIN, 1977, p. 69).
Levando em consideração as argumentações de Bardin (1977) e de Selltiz (1965 apud MINAYO, 1994), estabelecemos três categorias para serem analisadas:
a) estudo do violino e sua contribuição para o desenvolvimento musical; b) estudo do violino e sua contribuição para o desenvolvimento cognitivo; c) estudo do violino e sua contribuição para o desenvolvimento socioemocional. Depois de estabelecermos essas categorias, “[...] fundamentadas no referencial teórico da pesquisa” (GIL, 2002, p. 134) no capítulo intitulado “A importância do estudo do violino para formação integral de adolescentes oriundos das camadas populares”, realizamos uma análise temática, ou seja, uma análise transversal que, segundo a referida autora,
[...] recorta o conjunto das entrevistas através de uma grelha de categorias projectadas sobre os conteúdos. Não se tem em conta a dinâmica e a organização, a frequência dos temas extraídos do conjunto dos discursos, considerados como dados segmentáveis e comparáveis. (BARDIN, 1977, p. 175).
Sob tal pressuposto e respeitando a particularidade e a exclusividade, características da categorização, tomamos a decisão de não levar em conta a dinâmica e a organização das entrevistas semiestruturadas, o que facilitou a organização textual e a análise dos dados coletados.
