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PAULO DEMETRE GEKAS CORRELAÇÕES ENTRE DESAFINADO E MOON DREAMS: UMA

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Academic year: 2019

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PAULO DEMETRE GEKAS

CORRELAÇÕES ENTRE

DESAFINADO

E

MOON DREAMS

: UMA

ANÁLISE DOS PROCESSOS LINEARES E HARMÔNICOS

FLORIANÓPOLIS, SANTA CATARINA

(2)

PAULO DEMETRE GEKAS

CORRELAÇÕES ENTRE

DESAFINADO

E

MOON DREAMS

: UMA

ANÁLISE DOS PROCESSOS LINEARES E HARMÔNICOS

Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre. Programa de Pós graduação em educação e Cultura da Universidade do Estado de santa Catarina.

Orientadora: Prof.a Dr.a Maria Bernardete Castelan Póvoas.

FLORIANÓPOLIS, SANTA CATARINA

2005

(3)

PAULO DEMETRE GEKAS

CORRELAÇÕES ENTRE

DESAFINADO

E

MOON DREAMS

: UMA

ANÁLISE DOS PROCESSOS LINEARES E HARMÔNICOS

Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre no Programa de Pós Graduação em Educação e Cultura da Universidade do Estado de Santa Catarina, para a

Comissão formada pelos professores(as):

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Bernardete Castelan Póvoas

Programa de Pós Graduação em Música, UDESC/DAPE

Prof.o Dr.o Acácio Tadeu Piedade

Prof.o Dr.o Sérgio Luiz Ferreira de Figueiredo

Florianópolis, 16 de agosto de 2005.

(4)

“ ”

(Jobim/Mendonça)

(5)

Em memória de meu pai Demetre Georges Gekas.

(6)

AGRADECIMENTOS

À minha mãe e irmãos, incentivadores incansáveis, pelo respeito e carinho. À minha namorada, Liza Amaral por sua orientação, colaboração e incentivo. À minha orientadora professora Bernardete, por sua orientação, ensinamentos e dedicação.

Ao amigo Carlos Lamarque pela contribuição na escrita e revisão das partituras. Meus agradecimentos à banca pelo carinho, atenção e leitura do trabalho. À UDESC – universidade pública e gratuita.

A todos que de alguma forma contribuíram para a realização deste trabalho

(7)

RESUMO

Na literatura sobre música popular brasileira verifica-se a reiterada afirmação a respeito de uma possível assimilação de elementos do Cool Jazz por compositores da Bossa Nova. Esta pesquisa tem sua origem na necessidade de localizar, por meio da análise musical, correlações entre obras representativas dos estilos Cool Jazz e Bossa Nova. Foram selecionados dois arranjos de obras indicadas pela literatura como representativas, sendo um de cada estilo: Desafinado do compositor Antônio Carlos Jobim em parceria com Newton Mendonça, arranjada por Jobim e

Moon Dreams, de Chummy MacGregor em parceria com Johnny Mercer, arranjada por Gil

Evans. Para a escolha desses arranjos foram levados em consideração três aspectos: a representatividade das obras, a originalidade e notoriedade do arranjo. Dentro da perspectiva de Arnold Schoenberg e de Almir Chediak foram levantados e relacionados, através da análise de processos lineares e harmônicos, aspectos concernentes ao estrato melódico tais como: motivo básico, procedimentos de variação melódica e traços motívicos e aos processos harmônicos, entre eles: recursos polifônicos e homofônicos, cadências, acordes de empréstimo modal, acordes de superestrutura, relação intervalar entre linha do baixo e melodia, modulações e notas auxiliares. Como resultado das análises aqui realizadas observou-se a existência de correlações entre as obras no que diz respeito aos traços motívicos, procedimentos de variação motívica, cadências, acordes de superestrutura, relação intervalar entre linha do baixo e melodia, acordes de empréstimo modal e notas auxiliares.

Palavras-chaves: Música Popular. Análise. Correlações. Bossa Nova. Cool Jazz.

(8)

ABSTRACT

It is noticed, in literature, and about Brazilian popular music the affirmative comments about the similarity existent between Bossa Nova and Cool Jazz that may be a result from the possible adoption of Cool Jazz elements by Bossa Nova composers. This research has its origin in the need to locate, via musical analysis, co-relationships between representative works from the Cool Jazz and Bossa Nova. Two arrangements’ works, one of each kind, were selected, nominated by that literature, as representative: Desafinado from the composer Antônio Carlos Jobim in partnership with Newton Mendonça with arrangements by Jobim and Moom Dreams by Chummy MacGregor in partnership with Johnny Mercer with arrangements by Gil Evans. For the selection of those arrangements three aspects were taken into consideration: representation of the works, the originality and the notoriety of the arrangement. From Arnold Schoenberg and Almir Chediak’s perspective, aspects concerning the melodic stratum were collected and related, via the analysis of the linear and harmonic processes, aspects concerning the melodic stratum such as basic motive, melodic variation procedures and motivic traces. And the harmonic processes including the polyphonic and homophonic resources, cadences, modal loan chords, superstructure chords, interval relationship between bass line and melody, modulations, auxiliary notes. As a result of the hereto made analysis it was noticed the existence of co-relationships between those works regarding the motivic traces, motivic variation procedures, cadences, superstructure chords, interval relationship between bass line and melody, modal loan chords and auxiliary notes. The survey of those aspects allowed, in a restrict way to those arrangements, to profoundly study and confirm some of the affirmative comments existent in literature concerning the common characteristics to those musical styles.

Keywords: Popular Music. Analysis. Co-relationship. Bossa Nova. Coll Jazz

(9)

LISTA DE ABREVIATURAS

1 Uníssono

b3 terça menor

3 terça maior

4 quarta justa

b5 quinta diminuta

5 quinta justa

#5 quinta aumentada

6 sexta maior

bb7 sétima diminuta

7 sétima menor

7M sétima maior

b9 nona menor

9 nona maior

#9 nona aumentada

11 décima primeira justa #11 décima primeira aumentada b13 décima terceira menor

13 décima terceira maior

(10)

AEM acorde de empréstimo modal A apojatura

an antecipação

B bordadura

BN Bossa Nova

CM contorno melódico Cr cromatismo Ds dominante secundária Dsub dominante substituta

D dominante primária

E enarmonia

FOM forma-motivo N.l. nota livre N.p. nota de passagem R retardo

S subdominante T tônica

(11)

SUMÁRIO

LISTA DE FIGURAS... xiii

LISTA DE QUADROS... xvi

RESUMO... vii

ABSTRACT... viii

INTRODUÇÃO... 17

1 OPÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS... 20

1.1 Amostras e Procedimentos de análise... 26

2 BOSSA NOVA: ORIGEM E PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS... 28

2.1 Motivos para uma Bossa Nova... 28

2.2 Bossa Nova, o Novo Estilo – Precursores... 34

2.3 Bossa Nova: Apropriações e Transformações... 41

3 O JAZZ MODERNO... 49

3.1 O Cool Jazz: Características e Principais Expoentes... 53

4 DESAFINADO E MOON DREAMS. PROCESSOS LINEARES E HARMÔNICOS: ANÁLISES E CORRELAÇÕES... 62

4.1 Desafinado: Processos lineares... 62

4.1.1 O motivo básico e suas transformações... 62

4.2 Moon Dreams: Processos lineares... 76

4.2.1 O motivo básico e suas transformações... 76

(12)

4.3.1 Análise Harmônica, Notas Auxiliares e Aspectos da Relação Intervalar

Entre Linha do Baixo e Melodia... 96

4.4 Moon Dreams: Processos verticais... 106

4.4.1 Análise Harmônica, Notas Auxiliares e Aspectos da Relação Intervalar Entre Linha do Baixo e Melodia... 106

4.5 Desafinado e Moon Dreams: Correlações e Particularidades... 124

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 128

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 131

ANEXO ... 134

(13)

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Motivo básico a ... 63

Figura 2 Forma-motivo a1 e o acorde de suporte... 63

Figura 3 Forma-motivo a2 e o acorde de suporte... 64

Figura 4 Primeiro contorno melódico... 65

Figura 5 Comparação entre o CM1 e o CM2)... 66

Figura 6 Terceiro contorno melódico (CM3)... 67

Figura 7 Relação motivo básico-forma motivo a4... 67

Figura 8 Forma-motivo a5 e relação intervalar harmônico–melódica... 68

Figura 9 Correspondência entre notas do acorde e melodia... 68

Figura 10 Quarto contorno melódico... 69

Figura 11 Sexto contorno melódico (CM6)... 69

Figura 12 Seqüência melódica e nova forma motivo do CM7... 70

Figura 13 Oitavo contorno melódico (CM8)... 71

Figura 14 Variações motívicas do CM9... 71

Figura 15 Relação motivo básico - CM10... 72

Figura 16 Comparação entre CM9 (lá maior) e CM11 (transposição para dó maior)... 73

Figura 17 CM12... 73

(14)

Figura 18 Comparação entre CM6 e CM14... 74

Figura 19 Seqüência com a forma-motivo a4... 74

Figura 20 CM16 constituído de três novas formas-motivo... 75

Figura 21 Assimetria... 75

Figura 22 Motivo básico (a)... 76

Figura 23 Comparação motivo básico - forma motivo a1... 77

Figura 24 Forma-motivo b... 77

Figura 25 CM1 e relação melodia - notas de tensão de acorde... 78

Figura 26 Comparação entre os motivos do CM1 e CM2... 79

Figura 27 CM3 e acompanhamento em contracanto harmonizado em bloco... 80

Figura 28 Relação entre o CM4 e as formas-motivo derivadas: a1, d e b... 81

Figura 29 CM5... 81

Figura 30 Sexto contorno melódico (CM6)... 82

Figura 31 Relação motívica entre o conectivo e os motivos do CM1... 83

Figura 32 Relação formas-motivo a1 e e - CM7... 84

Figura 33 Relação entre motivo básico, FOM g e derivadas do CM8... 85

Figura 34 Segmento contrapontístico... 86

Figura 35 Segmento em contraponto a cinco vozes... 87

Figura 36 Contraponto imitativo... 88

Figura 37 Primeiro período da seção C... 90

Figura 38 Segundo período da seção C... 92

Figura 39 Análise harmônica, relação baixo-melodia e notas auxiliares, compasso [1] ao [8]... 97

(15)

Figura 40 Análise harmônica, relação baixo-melodia e notas auxiliares,

compasso [9] ao [16]... 98

Figura 41 Variação da relação intervalar baixo-melodia e nota livre... 99

Figura 42 Análise harmônica, relação baixo-melodia e notas auxiliares, compasso [25] ao [32]... 100

Figura 43 Análise harmônica, relação baixo-melodia e notas auxiliares, compasso [33] ao [40]... 101

Figura 44 Análise harmônica, relação baixo-melodia e notas auxiliares, compasso [41] ao [48]... 102 Figura 45 Variação da relação intervalar baixo-melodia e nota livre... 103

Figura 46 Análise harmônica, relação baixo-melodia e notas auxiliares, compasso [57] ao [64]... 104

Figura 47 Análise harmônica, relação baixo-melodia e notas auxiliares, compasso [65] ao [68]... 105

Figura 48 Análise harmônica e relação baixo-melodia, compasso [1] ao [10]... 107

Figura 49 Análise harmônica e relação baixo-melodia, compasso [11] ao [16]... 109

Figura 50 Análise harmônica e relação baixo-melodia, compasso [17] ao [19]... 110

Figura 51 Análise harmônica e relação baixo-melodia, compasso [20] ao [21]... 111

Figura 52 Figura 52: Análise harmônica e relação baixo-melodia, compasso [22] ao [24]... 112

Figura 53 Análise harmônica, relação baixo-melodia e notas auxiliares, compasso [25] ao [28]... 114

Figura 54 Análise harmônica e relação baixo-melodia, compasso [29] ao [30]... 115

Figura 55 Análise harmônica, relação baixo-melodia e notas auxiliares, compasso [57] ao [64]... 116

Figura 56 Análise harmônica, relação baixo-melodia e notas auxiliares, compasso [33] ao [36]... 117

(16)

Figura 57 Análise harmônica, relação baixo-melodia e notas auxiliares,

compasso [37] ao [41]... 118 Figura 58 Análise harmônica, relação baixo-melodia e notas auxiliares,

compasso [42] ao [48]... 120 Figura 59 Análise harmônica, relação baixo-melodia e notas auxiliares,

compasso [48] ao [49]... 121 Figura 59 Análise harmônica, relação baixo-melodia e notas auxiliares,

compasso [55] ao [59]... 122

LISTA DE QUADROS

Quadro 01 Quadro 02 Quadro 03 Quadro 04 Quadro 05

Funções tonais dos graus diatônicos... Função melódica... Processos lineares... Processos verticais... Processos estruturais gerais ...

23 25 124 125 127

(17)

INTRODUÇÃO

Em minha experiência como músico e professor tenho priorizado a busca por um maior entendimento acerca das obras que compõem o repertório da música popular brasileira. Pude observar algumas lacunas no que diz respeito às colocações sobre as semelhanças existentes entre a Bossa Nova (BN) e o Cool Jazz (CJ), resultado de uma possível apropriação de elementos do

Cool Jazz por parte de compositores da Bossa Nova, tema este constantemente abordado na literatura sobre a música popular brasileira. Apesar de haver uma relativa quantidade de textos sobre este assunto, verifica-se certa homogeneidade no que diz respeito aos procedimentos de análise e, igualmente, uma escassez de análises estritamente musicais que mostrem elementos comuns aos dois estilos e que estariam fundamentando tal “influência”.

A partir da década de 40 observa-se uma intensificação da entrada do jazz norte-americano no Brasil. No meio musical este fato desencadeia uma série de acontecimentos que vão desde a formação de big bands nacionais até a criação de um tipo de samba diferenciado, o samba-canção. As inovações apresentadas pelo samba-canção aliadas ao conhecimento que os músicos brasileiros da época tinham sobre o Jazz, em especial o Cool Jazz, teriam preparado o terreno para o surgimento da BN no Rio de Janeiro por volta de 1958.

(18)

fazendo uso de recursos advindos do Cool Jazz, realizaram transformações no samba tradicional consideradas ainda maiores do que aquelas ocorridas no samba-canção na década de 1950.

Esta pesquisa de cunho teórico tem origem na necessidade de localizar, por meio da análise musical, correlações entre obras representativas dos estilos Cool Jazz e Bossa Nova. Para tal, foram selecionados dois arranjos de obras indicadas pela literatura como representativas, sendo um de cada estilo: Desafinado1 do compositor Antônio Carlos Jobim em parceria com Newton Mendonça, arranjada por Antônio Carlos Jobim e Moon Dreams, de Chummy MacGregor em parceria com Johnny Mercer, arranjada por Gil Evans. Para a escolha desses arranjos foram levados em consideração três aspectos: a representatividade das obras, a originalidade e notoriedade do arranjo. Com relação ao primeiro, foi levada em conta a reiterada citação das obras selecionadas como marcos referenciais dos estilos BN e CJ. Quanto ao segundo aspecto, a originalidade, sabe-se que certos arranjos são freqüentemente mais comentados na literatura do que as obras originais. A notoriedade dos arranjos, último aspecto considerado e diretamente relacionado ao segundo, está no fato de serem recriações personalizadas dentro dos estilos BN e CJ adquiriram o mesmo grau de importância da composição.

Em uma análise preliminar de Desafinado e Moon Dreams observou-se uma marcante unidade temática, esta representada por uma estrutura motívica: motivo básico e suas variações. Assim sendo, este estudo foi direcionado para a análise dos procedimentos de variação motívica dentro da perspectiva analítica de Arnold Schoenberg e harmônica com base nos procedimentos de Almir Chediak. A escolha destas abordagens analíticas se deve ao fato de possibilitarem uma verificação detalhada dos aspectos particulares de cada obra e de permitirem o estabelecimento de correlações existentes entre composições e/ou arranjos. Na análise motívica são destacados os

1

(19)

principais traços motívicos e relações entre motivo básico e suas variantes. Na análise harmônica são levantadas funções tonais, modulações, tipos de acordes e notas auxiliares. As relações intervalares entre melodia e linha do baixo têm por suporte o teórico Ian Guest. Finalmente, com base na análise, são identificados aspectos de equivalência entre linguagens, destacando-se elementos semelhantes e díspares entre as obras Desafinado e Moon Dreams.

Este trabalho está organizado em quatro capítulos. No primeiro capítulo são apresentadas as opções teóricas e os aspectos metodológicos da análise. No segundo capítulo é realizada uma síntese de textos que abordam aspectos do contexto em que surgiu o movimento Bossa Nova, suas principais características e conceitos relacionados às possíveis apropriações realizadas por compositores da BN de elementos de outros estilos. Todo o conteúdo deste capítulo está organizado em três seções. No terceiro capítulo, são levantadas as principais características do estilo Cool Jazz através de um panorama histórico.

(20)

1. OPÇÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS

A análise motívica neste trabalho tem por suporte a teoria da “variação progressiva” de Arnold Schoenberg (1874-1951). A análise harmônica neste texto segue os procedimentos utilizados por Almir Chediak combinada à análise de relações intervalares entre linha melódica e baixo segundo procedimentos de Ian Guest.

A escolha pelo método analítico de Schoenberg se deve ao fato de que este possibilita a verificação detalhada de recursos melódicos empregados em obras. Para Schoenberg toda obra musical surge a partir do tratamento e desenvolvimento (variação) de uma célula melódico-rítmica denominada motivo. O motivo é aquela célula musical que aparece de forma marcante, geralmente no início de uma obra musical e, via de regra, todos os elementos subsequentes têm alguma afinidade com ele. Dentro desta perspectiva a análise do motivo básico torna-se fundamental uma vez que os elementos característicos deste e de suas variantes (formas-motivo) constituem a obra como um todo. Segundo Póvoas:

“O motivo é, em uma obra musical, o fator de projeção do discurso musical preponderante. Dentro desta perspectiva é de todo indispensável que se leve em consideração as características dos componentes melódico, rítmico e harmônico contidos na célula condutora ou modelo básico. Estas características básicas proliferam no decorrer do discurso musical, manifestando-se nos planos horizontal, vertical e direcional da composição.” (Póvoas, 1990: 13).

(21)

Para Shoenberg a composição é um processo de variação progressiva em que o motivo inicial é transformado inúmeras vezes, dando origem a novas formas motivos que guardam entre si uma ligação com o motivo matriz (básico). Dessa maneira a conexão de formas motivos dá unidade a obra ao mesmo tempo que gera contrastes necessários ao discurso. Assim, para que haja coerência em uma obra é necessária a repetição do motivo.

A repetição de um motivo pode ser literal ou modificada. As repetições literais mantêm as características do motivo prevendo transposições a diferentes graus, inversões, movimentos retrógrados, diminuições e aumentações são repetições exatas se preservarem os traços e as relações intervalares. As repetições modificadas são obtidas através da variação onde alguns elementos são modificados e outros mantidos. Este tipo de repetição modificada produz novos materiais (formas-motivo) que serão utilizados na seqüência da obra musical. “Todos os elementos rítmicos, intervalares, harmônicos e de perfil estão sujeitos a diversas alterações. Com freqüência, aplicam-se muitos métodos de variação a vários elementos simultaneamente, (...)” (SCHOENBERG, 1993:37).

(22)

O motivo é apenas o primeiro dos elementos que pode ser observado em uma análise. Da combinação de motivos formam-se as frases, que são combinadas para formando as sentenças ou períodos, que por sua vez são agrupadas em estruturas maiores, as seções. Estas em princípio definem o aspecto formal das obras. (Schoenberg, 1993:37-49). Para Schoenberg, o termo forma, além de ser utilizado em referência as seções das obras, também significa que a obra é constituída de elementos inter-relacionados em um discurso lógico e coerente, ou seja, “organizada”.

“Em um sentido estético, o termo forma significa que a peça é ‘organizada’, isto é, que ela está constituída de elementos que funcionam tal como um organismo vivo.(...) Os requisitos essenciais para a criação de uma forma compreensível são a lógica e a coerência: a apresentação, o desenvolvimento e a interconexão das idéias devem estar baseados nas relações internas, e as idéias devem ser diferenciadas de acordo com sua importância e função”. (Schoenberg, 1993:27).

(23)

Quadro 1 – funções tonais dos graus diatônicos. FUNÇÃO HARMÔNICA

ESCALAS Tônica Subdom. Tônica Subdom. Domin. Tônica Domin.

Maior I7M IIm7 IIIm7 IV7M V7 VIm7 VIIm7(b5)

Menor har. Im(7m) IIm7(b5) bIII7M(#5) IVm7 V7 bVI7M VIIo Menor nat. Im7 IIm7(b5) bIII7M IVm7 *Vm7 bVI7M bVII7

Graus da es

cala

Menor mel. Im(7m) IIm7 bIII7M(#5) **IV7 V7 Vim7(b5 VIIm7(b5)

* Não tem função tonal. ** Subdominante com sétima.

Fonte: Chediak (1986: 96).

A classificação da relação intervalar existente entre melodia e linha do baixo é outro recurso analítico a ser empregado, paralelamente à análise harmônica. Dentro desta abordagem, destacam-se notas de tensão melódica que formam com a linha do baixo intervalos de quarta justa ou aumentada, quinta diminuta ou aumentadas, nona maior, menor ou aumentada, décima primeira justa ou aumentada ou décima terceira maior ou menor, considerados intervalos “enriquecedores” dentro do contexto harmônico, típicos de acordes de superestrutura. (Guest, 1996: 103).

A análise intervalar da relação entre a linha do baixo e melodia possibilita um maior entendimento dos recursos contrapontísticos existentes nas obras e apoia-se na idéia de contraponto existente entre as duas linhas.

(24)

Segundo Guest, a relação baixo-melodia pode ainda, em alguns casos, vir em primeiro lugar quando se procede a harmonização de uma melodia. Isto se deve à posição de destaque que estas duas linhas assumem em qualquer configuração harmônica.

Tomando por referência a ordem em que os sons da série harmônica ocorrem, Guest propõe uma análise da relação intervalar entre melodia e baixo através da classificação dos intervalos resultantes. Destaca o fato de que “a ordem de aceitação das dissonâncias pelo ouvido humano no decorrer da história é a mesma dos intervalos tal como ocorrem na série harmônica.” (GUEST, 1996:102). A seqüência das notas da série harmônica envolve, historicamente, a descoberta das dissonâncias e sua subsequente aceitação como consonância dentro da prática musical ocidental.

“A evolução do ouvido humano em sua história, bem como do ouvido do indivíduo no processo do amadurecimento, é marcada pela busca de novos estímulos em forma de dissonâncias. Essas dissonâncias, uma vez acostumadas e rotineiras, tornam-se consonâncias e plataformas para a busca de novas dissonâncias.” (Guest, 1996:102).

Assim sendo, no processo de harmonização ou de criação de um contracanto, pressupõe-se que a nota fundamental de cada acorde produza uma série harmônica.

(25)

melodias ou contracantos, porém pode servir na verificação de determinados procedimentos dentro do processo criativo. (Guest, 1996:99).

A analise da relação intervalar entre as linhas da melodia e do baixo é feita com base na característica do intervalo enquanto consonante ou dissonante e na importância da nota na estrutura global do acorde. No Quadro 2 estão indicadas as funções melódicas de cada uma das notas que podem ser classificadas como: nota de acorde ou nota de tensão. Em uma terceira categoria seriam colocadas as notas de aproximação (notas auxiliares), que são notas de curta duração resolvidas diatônica ou cromaticamente em notas de acorde ou de tensão.

.

Quadro 2 - função melódica

ACORDE NOTA MELÓDICA

Estrutura de acorde de tensão 7M/6 m7 m 7M/6 m7(b5) dim 7 7sus4 1 1 1 1 1 1 1 3 b3 b3 b3 b3 3 4 5(#5) 5 5 b5 b5 (#)(b)5 5 7M/6 7 7/6 7 bb7 7 7 9 9 9 9 9 (#)(b)9 (b)9 #11 11 11 11 11 #11 (b)13 b13 b13 b13 (b)13 7M

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1.1 Amostras e Procedimentos de Análise

Nesta pesquisa, as amostras analisadas são transcrições das obras em partitura.

Desafinado foi extraída do SongBook Tom Jobim (Chediak, s/d:60-61), em arranjo para violão revisado pelo compositor e, Moon Dreams extraído da obra The Birth Of The Cool arranjo de Gil Evans para: sax alto, sax barítono, trompete, trompa, trombone, tuba, contrabaixo e bateria (Leonard, s/d: 108-115). Estas partituras encontram-se em anexo.

A partir de análise prévia das obras Desafinado e Moon Dreams foram levantadas características melódicas as quais nos referimos como traços motívicos. Estes traços motívicos são considerados como elementos responsáveis pela unidade das obras. Desta maneira, serviram de suporte tanto para a análise motívica quanto para o estabelecimentode correlações. Tendo por base este procedimento, a análise foi realizada destacando-se a relação entre o motivo básico e suas variantes.

(27)

Acima da grade de cada exemplo, encontram-se representados os acordes em cifras, os sinais indicando cadências e resoluções e a análise de relação intervalar entre baixo e melodia. A análise funcional está representada abaixo da grade através das abreviaturas: T (tônica), D (dominante), S (subdominante), Ds (dominante secundária) e Dsub (dominante substituta)2. Abaixo dessa indicação e com base nos números romanos estão indicados os graus tonais, modulações e tipos de cadência.

A estas análises segue-se um quadro correlacionando aspectos comuns e destacando particularidades das obras.

2

(28)

2. BOSSA NOVA: ORIGEM E PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS

Neste capítulo são abordados aspectos relacionados à origem e características da Bossa Nova (BN). A maioria dos argumentos aqui considerados relacionam características da BN com aspectos históricos e têm por base comparações deste estilo com outros.

2.1 Motivos Para Uma Bossa Nova.

No final da década de 50 e no início da década 60 o Brasil atravessava uma onda de modernização e otimismo, esta fomentadora de reformulações. Essa "onda de modernização" é apontada como determinante para o surgimento do então considerado novo estilo musical, a Bossa Nova. A indústria do livro, do disco, do rádio e da TV em plena expansão, ampliavam seus horizontes para além do eixo Rio-São Paulo. A marca "Bossa Nova" era indiscriminadamente utilizada para designar uma série de outros produtos para além do estritamente musical. Mesmo o batismo do novo estilo musical como "Bossa Nova", creditado ao jornalista Moysés Fucks, surge em um desses variados usos que se fazia para a expressão. Fucks ao redigir o programa de uma apresentação de músicos amadores anunciou "uma noite bossa nova". Mais adiante a canção

Desafinado de Jobim e Mendonça consagraria a marca. (GAVA, 2002:59).

(29)

associado a fatores como resistência à determinadas tradições musicais e apropriando-se de elementos de outras linguagens musicais, criaram um novo estilo.

Távola (1998) e Gava (2002) entendem que, além de um novo estilo musical, a Bossa Nova também tornou-se um movimento. Esta classificação se fundamenta, inicialmente, no fato de a BN ter inserido na música popular uma série de novos elementos musicais verificados na sofisticação rítmica, melódica e principalmente harmônica, resultando assim na criação de um novo estilo. Um outro argumento aponta para o legado deixado pela BN, como a influência sobre outros “movimentos” que viriam a seguir, entre eles a Tropicália e, em parte, do que seria classificado genericamente por MPB - música popular brasileira. No entanto, apesar de a expressão “movimento Bossa Nova” ser bastante usual, em seus momentos iniciais não havia exatamente uma organização nem a intenção de se criar um novo estilo musical, "de fato, os fundadores da BN não estavam organizados para tal, tampouco possuíam certeza ou convicção de estar marcando importante etapa da música brasileira." (Távola, 1998:35). Assim sendo, para este autor, o que mais caracterizou a Bossa Nova enquanto novo estilo musical foram as descobertas e as ousadias realizadas inicialmente por um grupo formado, em sua maior parte por jovens da Zona Sul carioca inspirados no espírito de modernidade que se vivia na época.

(30)

Independente das opiniões divergentes no que diz respeito ao fato de ser a BN um movimento musical, as colocações anteriores destacam o ímpeto “vanguardista” da Bossa Nova que representou, em certos aspectos, uma ruptura com a tradição musical de então. Denotam ainda uma certa resistência a um "tipo de sensibilidade há muito arraigada na canção popular brasileira e que se consolidou nos anos 50: a que se associava ao excesso, nas suas mais diferentes manifestações." (NAVES, 2001:10). Este excesso estaria implícito no teor exageradamente romântico das letras, nos arranjos que eram feitos para orquestras de grande porte e na interpretação carregada de intensidade e floreios de muitos cantores. Inicialmente foi o descontentamento com essas características que motivou a transformação do samba tradicional.

A década de 50 também foi um período de entrada no país, além do jazz norte-americano, de uma variedade de estilos musicais estrangeiros. Esses estilos faziam a moda da época e as versões para o português também sofriam um processo de apropriação em suas junções com o samba. Sobre a música brasileira da época imediatamente anterior à Bossa Nova, Roberto Menescal diz que o momento em que a BN surge, coincide com o encerramento de um período em que os discursos já não encontravam mais lugar entre o público da nova geração, em especial a geração classe média da Zona Sul carioca.

(31)

(...) a gente estava saindo de uma fase da música brasileira que era bonita, que sempre foi bonita, mas os assuntos, o discurso da época, não eram nossos, nem podiam ser... Era tudo feito com palavras sofridas e não batia com uma geração feito a nossa, que vinha com a cabeça voltada para a natureza, para o dia, o sol. A música que havia era voltada para a noite: "Garçon, apaga essa luz que eu quero ficar sozinha... (Menescal apud Lisboa, 2002:19).

As letras das canções do período anterior à Bossa Nova tinham nos excessos emotivos e nos arrebatamentos a sua marca principal, a exemplo da letra da canção Ninguém me ama (1952) de Fernando Lobo e Antônio Maria que é representante de um estilo de samba que marcou a década de 1950, o "samba de fossa".

"Ninguém me ama/Ninguém me quer/Ninguém me chama/De meu amor/A vida passa/E eu sem ninguém/E quem me abraça/Não me quer bem/Vim pela noite tão longa/De fracasso em fracasso/E hoje descrente de tudo/Me resta o cansaço/Cansaço da vida,/Cansaço de mim/Velhice chegando/E eu chegando ao fim/Ninguém me ama,/Ninguém me quer" ( Lobo e Maria, Apud Severiano e Mello, 1998:293).

A temática dessas canções exaltava a solidão, o abandono e a infelicidade, tendo por cenário o ambiente dos bares e das boates. (SEVERIANO e MELLO, 1998). A Bossa Nova rompe com essa estética. As situações e temas abordados nas letras das novas canções resumiam-se aos dados essenciais, com expressões contidas, privilegiando os acontecimentos cotidianos de forma intimista, como é possível verificar na letra da canção Samba de uma nota só (Jobim/Mendonça):

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O arrefecimento do conteúdo dramático das letras, associado ao caráter interpretativo imposto pela Bossa Nova, contribuiu para um maior equilíbrio entre os elementos poéticos e musicais. Também ampliou a relação entre o valor sonoro da palavra e os elementos musicais, assim como entre a voz e a instrumentação, já que um passou a não mais se destacar em detrimento do outro.

As letras deixaram de ser valorizadas apenas como meios transmissores de emoções ou vivências de uma personagem ou de seu autor; deu-se um fim temporário às rimas forçadas e aos lamentos banais; o valor sonoro da palavra passou a ser explorado em estreita associação com os demais componentes estruturais da música. Os elementos citados tornaram evidentes alguns paralelos com a poesia concretista, dotando a música de um nível de apreciação mais exigente. Nesse sentido, as letras das canções despojaram-se de tudo o que denotasse drama, arrebatamento e exageros emotivos (típicos da canção latina). (Gava, 2002:32).

A concepção dos arranjos foi outra das características da música dos anos 50 que a Bossa Nova rejeitaria. Naqueles arranjos, para orquestras de grande porte, se fazia largo uso de violinos e metais. Na BN a orquestra é substituída por um conjunto menor, mais camerístico: violão, piano, percussão e baixo. Isto está ligado ao fato de que para uma interpretação contida, de cunho intimista, se fez necessária também uma instrumentação menor que permitia um maior equilíbrio entre a voz do intérprete e os instrumentos musicais. "É uma voz pequena, que dialoga com o instrumento musical em vez de exibir sua própria potência." (Naves, 2001:13).

Para Gava (2002) os arranjos da BN teriam sofrido uma forte “influência” do Cool Jazz.

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ou easy listening. "Instrumentação luminosa, clara, perceptível em suas qualidades de refinamento e síntese. Poucos instrumentos, contraponto, ousada política de acordes." (Távola, 1998:64).

Outra característica que diferencia a BN de alguns estilos da década de 40 e 50 diz respeito à interpretação vocal. Muitos cantores desta época utilizavam recursos operísticos, exibindo potência sonora e utilizando-se de recursos de impostação típicos do canto erudito. A BN, em direção oposta, imprimiu uma interpretação suave e amena às canções, característica verificada desde o seu surgimento e, sobretudo, nas interpretações de João Gilberto. Nelson Motta, que viveu ativamente o movimento Bossa Nova, relata sua opinião sobre as músicas que tocavam no rádio na época do surgimento da BN, destacando essa questão interpretativa:

Rio de Janeiro, 1957(...) A música, pelo menos a que se ouvia no rádio e nos discos, era insuportável para um adolescente de Copacabana no final dos anos 50. Boleros e samba canções falavam de encontros e desencontros amorosos infinitamente distantes de nossas vidas de praia e cinema, de livros e quadrinhos, de início da televisão e da ânsia de modernização. Para nós, garotos de classe média de Copacabana, aqueles cantores da Rádio Nacional e suas grandes vozes, dizendo coisas que não nos interessavam em uma linguagem que não entendíamos, eram abomináveis. (Motta, 2000:09)

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2.2 Bossa Nova, o Novo Estilo - Precursores

A canção inaugural da Bossa Nova é Chega de Saudade de Antônio Carlos Jobim em parceria com Vinícius de Moraes. Foi lançada duplamente em 1958, primeiramente no LP

Canção do amor de mais de Eliseth Cardoso e em seguida num compacto de 78 rpm da Odeon, interpretada por João Gilberto, mesmo tendo sido lançada depois do LP de Eliseth Cardoso. Gava (2002:109) considera apenas a interpretação de João Gilberto como marco inicial do movimento BN. Essa afirmação se deve à interpretação de João Gilberto que inaugurava também, com o lançamento de Desafinado de Jobim em parceria com Newton Mendonça, uma nova maneira de interpretar. Neste mesmo ano, João Gilberto iniciava a produção do LP Chega de Saudade

(Odeon # 3.073) gravado entre julho de 1958 e fevereiro de 1959. Para esta gravação João Gilberto (voz e violão) contou com a participação de Tom Jobim que, além de ser o compositor de algumas faixas, foi também arranjador e regente. Entre as doze faixas deste LP encontram-se as canções Chega de Saudade e Desafinado.

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Na Bossa Nova as letras passaram a ter, sobretudo, um caráter mais leve, bem humorado e até certo ponto irônico, indo na contramão dos temas até então vigentes. Pode-se dizer que Chega de Saudade anunciou o fim da melancolia e do clima dramático das letras “aboleradas” do repertório anterior. Já Desafinado, utilizando-se da temática do amor não correspondido para justificar as melodias difíceis de entoar e suportadas por uma harmonia dissonante de difícil assimilação à época, rendeu aos bossanovistas a fama de "desafinados". Mais adiante, as composições de Tom Jobim e a maneira singular de interpretar de João Gilberto lhes renderia a posição de maiores expoentes do movimento BN, estilo que viria a destacar ainda um grande número de compositores e intérpretes.

Se Chega de Saudade “inaugura” a Bossa Nova, anteriormente foram verificadas

manifestações já antecipando o mesmo estilo musical. Um dos precursores do novo estilo, apontado pelo próprio Tom Jobim foi Johnny Alf. Ele utilizava, já no início da década de 50, recursos do Cool Jazz3 em suas interpretações, antecipando assim alguns dos elementos harmônicos e melódicos que a bossa viria utilizar anos depois. Foi a gravação em 1955 da canção

Rapaz de Bem de autoria e interpretação de Johnny Alf que viria provocar mudanças no rumo do samba tradicional. Esta gravação com Alf ao piano e voz é considerada emblemática das novidades que viriam, mais adiante, transformar o samba tradicional. Com relação às novidades apresentadas, Mello (2001:17) nos diz que a marcação do piano em Rapaz de Bem "não se vinculava à do contrabaixo do trio dando um apoio independente que mais parecia um cerco [harmônico] à melodia do cantordo que uma sustentação tradicional."

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Já a melodia, “com saltos inesperados, nascia de uma original seqüência harmônica - nada parecido[a] com o que mais se ouvia nas rádios, teatros e boates”. A produção de Johnny Alf era o que havia de mais moderno na música popular brasileira. Para Severiano e Mello (1998:324), a canção Rapaz de bem antecipou, em seis anos, o surgimento de uma outra canção de melodia também “inusitada e chocante” para a sua época: Desafinado. Segundo esses autores, as melodias dessas duas canções podem até ser confundidas devido à grande semelhança existente entre elas.

Um outro precursor da Bossa Nova foi Dick Farney, também por razões semelhantes à Johnny Alf (MEDAGLIA, 1986:79). Gava (2002) e Mello (2001) afirmam que a preparação para o terreno em que futuramente germinaria a BN teve como marco inicial uma data ainda mais atrás no tempo. Trata-se da gravação, em 1946, da canção Copacabana de João de Barro e Alberto Ribeiro na voz de Farnésio Dutra também conhecido como Dick Farney. A música trazia Dick Farney acompanhado por uma orquestra de cordas com arranjos de Radamés Gnattali.

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Como resultado das mudanças provocadas por essas novas tendências "em vez da tosca simplicidade dos regionais, a canção popular passou a receber orquestrações ricas de sopros e cordas, em que os instrumentos não eram mais utilizados para "dar o tom" e sim, de maneira contrapontística, para possibilitar uma relação mais complexa entre o intérprete e os instrumentos." (NAVES, 2001:10-11).

A gravação de Copacabana em uma interpretação suave e romântica de Dick Farney, cantando em português e nos moldes dos grandes arranjos característicos das Big Bands4 norte-americanas, atendeu na medida as expectativas do público, bastante receptivo às novidades e ansioso por modernidade da época, principalmente aquelas trazidas pelo jazz norte-americano e interpretações de Frank Sinatra. Segundo Gava,

O disco que continha Copacabana foi lançado numa época em que as bandas de swing

norte-americanas e as interpretações de Frank Sinatra faziam muito sucesso no Brasil. Dick Farney estava sendo revelado como cantor e seu grande mérito talvez estivesse em demonstrar que uma certa modernidade já pairava no ar e que o romantismo e a sensualidade podiam também ser cantados em português. O mais importante, contudo, é que já não era necessário utilizar recursos vocais operísticos, ou repetir exageros interpretativos de um Vicente Celestino (para citar um exemplo radical). (Gava, 2002:40).

Gava destaca que o grande mérito de Farney foi apresentar uma interpretação menos dramática, mais contida, revelando uma atitude inovadora e corajosa para a época. No entanto, Farney não foi o primeiro nem o único a utilizar esse recurso. Antes dele, Noel Rosa e Mário Reis já cantavam sem preocupação em exibir potência sonora. Esta maneira de interpretar menos enfática, contida e suave seria chamada mais adiante de "voz de travesseiro". Identificava ainda cantores da mesma época de Farney que se destacavam pela contenção expressiva, a citar

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Lupicínio Rodrigues, Dóris Monteiro, Nora Ney, Lúcio Alves, Tito Madi e Ivon Cury. (GAVA, 2002:41).

Um outro motivo também propiciou o surgimento da Bossa Nova. Trata-se da revolução tecnológica verificada a partir da década de 50. As novas tecnologias, como por exemplo o Hi-Fi

(high fidelity), possibilitaram a transformação da percepção do material sonoro gravado. Isto foi possível através da ampliação dos recurso de captação e reprodução do som que destacavam as nuanças e traziam à tona elementos musicais até então relegados a um segundo plano, como a harmonia.

A reprodução de sons em alta fidelidade começou a aguçar o ouvido dos músicos da época. Queriam obter tecidos sonoros diferenciados. A busca levou-os a usos peculiares dos instrumentos e a junções que se prestassem às novas formas de gravação: era o ritmo em primeiro plano, harmonias ousadas e sonoridades inusitadas, podendo ser transportadas para o disco. (...) Melhorando a qualidade da reprodução de sons, o acompanhamento, antes relegado a mero apoio, poderia vir a primeiro plano para proclamar a ascensão da harmonia. (Távola, 1998:30-31).

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Os compositores aliados a arranjadores como Radamés Gnatalli e Lírio Panicalli, instrumentistas como Johnny Alf e Altamiro Carrilho e cantores como Orlando Silva, Francisco Alves, Sílvio Caldas vindos de décadas anteriores e ainda Elizeth Cardoso, Marisa Gata Mansa, Dolores Duran e Dick Farney, realizaram o movimento samba-canção. Destacam-se ainda os arranjadores Renato de Oliveira e Gaya os instrumentistas Garoto, Fafá Lemos, Chiquinho do Acordeon, José Menezes, Jacob do Bandolim, Abel Ferreira e Luís Bonfá e cantores como Nelson Gonçalves, Lenita Bruno, Dalva de Oliveira, Ângela Maria, Dóris Monteiro, Agnaldo Rayol, Lúcio Alves e Cauby Peixoto, entre outros. (TÁVOLA, 1998:33).

O movimento samba-canção foi tão importante quanto a BN, abrindo as portas para o seu surgimento. (TÁVOLA, 1998:34). Os adeptos dessa nova tendência na música popular brasileira concentravam-se na zona sul carioca. Para Mello (2001), dois outros consagrados compositores compartilhavam também, de maneira ainda mais acentuada, dessa tendência que resultaria no surgimento da Bossa Nova: Ary Barroso e Dorival Caymmi.

Segundo Gava, as experiências desenvolvidas pela Bossa Nova apontam para uma ligação com os ideários modernistas apregoados no início do século XX, incorporados e desenvolvidos no Brasil através da Semana de Arte Moderna.

Vê-se que, tanto a Bossa Nova musical quanto as muitas experiências lançadas sob essa marca denotavam atitudes pragmáticas, objetivas e realistas, na busca de uma maior clareza e simplicidade. Isso permite, talvez, a visualização de uma linha evolutiva ligando os ideais artísticos europeus germinados no início do século (incorporados e desenvolvidos no Brasil com a Semana de 22), retomados no movimento concretista da década de 1950 e, finalmente, cristalizados pela "vanguarda" bossanovista, traduzidos em maior controle racional sobre a obra, clareza formal, sutileza, domínio técnico, economia de elementos e de enfeites. (Gava, 2002:34).

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choroso na qual predominava "a facilidade melódica e o sentimentalismo estereotipado". Dessa maneira, retomando alguns postulados da Semana da Arte Moderna e abandonando muitas das características de uma música já tida como tradicional, os criadores da BN reformularam o cenário musical. Foi a resistência por parte dos integrantes do movimento Bossa Nova às características do repertório estabelecido que possibilitou uma reação em forma de movimento artístico.

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2.3 Bossa Nova: Apropriações e Transformações

"(...) Pobre samba meu/Foi se misturando se modernizando/E se perdeu/E o rebolado cadê?/Não tem mais/Cadê o tal gingado que mexe com a gente/Coitado do meu samba mudou de repente/Influência do Jazz (...)" (Lyra Apud Chediak, s/d: 45).

Dentre os fatores indicados como determinantes para o surgimento da Bossa Nova, assim como de suas principais características estão as transformações do samba ocorridas por assimilação de elementos de outras linguagens, advindos da música brasileira, do jazz norte-americano e a da música erudita européia.

Embora refutada por muitos autores, uma das polêmicas criada a respeito da BN foi a de que este novo estilo não seria o verdadeiro samba por razões diversas. Segundo Tinhorão (1998:310), a “incapacidade” dos fomentadores do movimento de sentirem a batida intuitiva do samba levou-os a modificarem esse aspecto, substituindo-o por um “esquema cerebral”, sugerido pela “multiplicação das síncopes5, acompanhadas da descontinuidade do acento rítmico da melodia e do acompanhamento6”. Surgiria assim uma espécie de birritmia7 causada pelo desencontro dos acentos e que viria se caracterizar, a seguir, como o acompanhamento rítmico "padrão" dos sambas Bossa Nova. Para o autor, a BN terminou por modificar o que restava de original ao samba tradicional.

Sobre esta polêmica, de a Bossa Nova ser ou não samba, Medaglia, tomando por referenciais geográficos a Zona Norte e Zona Sul cariocas, afirma ser a BN uma outra parte de

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Síncope é uma nota que executada em tempo fraco ou parte fraca de tempo tem seu som prolongado até o tempo forte seguinte ou parte forte do tempo seguinte, criando um efeito de deslocamento das acentuações naturais. 6

Acompanhamento é o nome usual que se dá para a seqüência de acordes de uma música na qual se sobrepõe a melodia, não só na bossa nova mas em vários outros estilos musicais.

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um mesmo samba interpretado de maneira diferente. Tomando como base diferenças entre essas duas regiões cariocas diz o autor:

(...) se o morro e a Zona Norte comandam praticamente o carnaval carioca com seus blocos e escolas de samba (...), a Zona Sul, (...) oferece também um outro tipo de contribuição musical (...). Por ser Copacabana, por exemplo, a maior concentração demográfica do País, e os seus apartamentos os seus pequenos bares e boites, os locais onde circula diariamente toda uma faixa da população, é natural que a manifestação oriunda dessa região tenha características próprias. (Medaglia, 1986:72).

Medaglia (1986: 72) atribui o surgimento do novo estilo às diferenças regionais. Dentre os aspectos distintivos verificam-se a substituição, pelos moradores da Zona Sul, de algumas expressões utilizadas na Zona Norte. Por exemplo, a expressão “cabrocha” substituída por “garota”, “requebrado por “balanço” e às vezes “mulata” abrandado para “morena”. Sugerida pela intimidade dos pequenos ambientes, também uma forma de expressão musical mais sutil e mais elaborada e diversa de uma manifestação musical oriunda de um terreiro de Vila Isabel, se criaria ali. Outro aspecto distintivo entre a Zona Norte e a Zona Sul foi a vida em apartamentos que influenciou o cantar "baixinho", de maneira intimista, uma vez que a platéia encontrava-se próxima.

Surgiria uma música mais voltada para o detalhe, [para o] canto, violão e pequenos conjuntos; desenvolver-se-ia a prática do “canto-falado” ou do “cantar baixinho” – uma vez que a audiência está próxima -, do texto bem pronunciado, do tom coloquial da narrativa musical, do acompanhamento e canto integrando-se mutuamente, em lugar da valorização da “grande voz” ou do “solista”. (Medaglia, 1986:72).

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reformulações dizem respeito aos aspectos poéticos, à complexidade harmônica e às sutilezas interpretativas do novo estilo musical.

Essas condições de concentração permitem também o uso de textos mais elaborados, mais refinados (...). A estrutura musical é mais rebuscada; as melodias são, em geral, mais longas e mais dificilmente cantáveis, as harmonias mais complicadas, plenas de acordes alterados e pequenas dissonâncias, os efeitos de interpretação são mais sutis e mais pessoais, permitindo pequenos artifícios, como silêncios ou pausas expressivas, assim como detalhes de execução instrumental mais sofisticada etc. Por ser também essa faixa da população mais rica, possui condições adequadas para se informar através da gravações e da imprensa, recebendo assim dados sobre o que acontece em outras regiões do mundo e com outras músicas, sofrendo influências e aperfeiçoando as suas próprias criações artísticas. (Medaglia, 1986:72).

Se do lado Norte tem-se o samba de rua com melodias facilmente assimiláveis e cantáveis, próprios de uma música com função “condutora e unificadora” direcionada para as massas, do lado Sul verifica-se um ambiente propício ao surgimento da Bossa Nova com muitos elementos “sofisticados” e contrastantes com relação ao samba tradicional. Esses elementos são, conforme dito anteriormente, melodias e harmonias “dissonantes” de difícil assimilação para a época e ainda letras com expressões diferentes retratando uma outra realidade social.

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LISBOA, 2002:22). Esta interpretação é retomada ainda por outros autores como Motta (2000) e Gava (2002) para justificar o aspecto tranqüilo, suave e controlado da BN.

Para Tom Jobim, dentro da mesma linha de pensamento de Medaglia, a BN deve ser entendida como uma conseqüência do samba, ou seja, a inovação dentro de uma mesma linguagem.

O samba autêntico no Brasil é muito primitivo. Nele são usados dez instrumentos de percussão, e quatro ou cinco cantores. É cantado em voz alta e a música é quente e maravilhosa. Por sua vez a bossa nova é mais fria e cantada mais suavemente. A bossa nova conta sua história em linha melódica simples e com letra séria ou lírica. João Gilberto e eu sentimos que a música brasileira foi como uma tempestade no mar, e nós queremos acalmá-la para levá-la aos estúdios de gravação. Poderíamos chamar a bossa nova de um samba lavado, esfregado, freqüentando a alta roda. Não queremos perder coisas importantes. Temos o problema de como escrever, sem perder o balanço. (Jobim apud Fernandes, s/d:02).

Justificando o aspecto transformador da Bossa Nova como sendo a continuação de uma tradição musical popular, Jobim coloca a BN como sendo um movimento renovador pautado em transformações poéticas e musicais do samba tradicional, afirmando ainda o seu caráter suavizador em relação ao samba tradicional. Sobre esta questão da “tradição” e as “influências” que teriam norteado as composições da Bossa Nova, Tom Jobim, em entrevista para Almir Chediak, falando sobre quais as músicas que mais gostava de ouvir, disse:

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Esta resposta de Jobim demostra claramente que além do gosto pessoal e de seu conhecimento acerca dos principais compositores e artistas de música popular da época, também se declarou profundamente influenciado por Villa-lobos e Debussy. A este último, inclusive, credita a utilização de “acordes com nona”8 por ele, muito antes da vinda ou divulgação do jazz americano e da Bossa Nova. Essa outra afirmação de Jobim rebate as afirmações de que a BN utilizou-se de recursos harmônicos do jazz norte americano,

(...)Depois eu vi que os puristas daqui diziam que a bossa nova era em cima do jazz. Isso virou um ‘jazz’ danado. Quando esse pessoal dizia que a harmonia da bossa nova era americana, eu achava engraçado, porque essa mesma harmonia já estava em Debussy. Não era americana coisa nenhuma. Chamar o acorde de nona de invenção americana é um absurdo. Esses acordes de décima primeira, décima terceira, alteradas com tensões, com adendos, com notas acrescentadas, isso aí você não pode chamar de americano. (Jobim, s/d:14).

Jobim justifica o grande sucesso da BN junto ao público norte americano quando diz que: “o norte-americano pegou a bossa nova porque achou interessante. Se fosse uma cópia do jazz, não interessaria. Cópia do jazz eles estão cansados de conhecer. Tem jazz sueco, jazz francês, jazz alemão(...).” (JOBIM, s/d:14).Ainda sobre a questão do samba tradicional e se existiria de fato uma música genuinamente brasileira, Jobim, entrevistado por Vinícius de Moraes responde:

Sim, se chamarmos de música brasileira o amálgama de todas as influências recebidas e assimiladas, tornadas nossas pelo contato com a furiosa realidade brasileira. Chamamos autêntico um Ernesto Nazareth, conquanto ele traga uma enorme influência chopiniana. O que não posso concordar é com a identificação de alguns com a música brasileira de um determinado período e a negação conseqüente de outra música brasileira de outro determinado período. (...) As pessoas, as culturas, a música comunicam-se umas com as outras. Há sempre influências novas, pois, de outro modo, a única música brasileira mesmo seria a dos tupis e guaranis, que, por sua vez, dizem os antropólogos, já têm sua origem na Oceania. (...) (Jobim apud Távola, 1998:50).

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Para Jobim a música brasileira consiste em um "amálgama" de uma variedade de influências advindas das mais diversas regiões do planeta, principalmente européia e africana, possui uma base rítmica negra que, misturada à tradição musical européia, resultou no samba, na rumba, no mambo e no jazz. Diz o compositor que "(...) a contribuição Européia é, como se pode imaginar, vastíssima, quer em melodia, quer em harmonia, como forma, e também como contribuição instrumental. A verdade é que a velha cultura européia encontrou aqui um solo fértil e novo". (JOBIM apud TÁVOLA, 1998:51).

Com referência às composições de Jobim, Lorenzo Mammi (2000:16) afirma que:

“se é evolução natural da cultura musical brasileira ou adaptação de um modelo importado (...) o que faz a grandeza da música brasileira não é a existência de uma linguagem musical pura, nem de gêneros estritamente populares, mas sim a capacidade de fundir e adaptar técnicas das proveniências as mais variadas”.

Segundo o autor, a Bossa Nova foi a expressão de uma sociedade mais articulada que representava a elite, não do poder, mas da cultura. Era a mesma sociedade que se identificava com a arquitetura de Niemeyer, os jardins de Burle Marx, os relevos espaciais de Hélio Oiticica, a prosa de Guimarães Rosa e Clarice Lispector. “Pela primeira vez o Brasil oferecia ao mundo uma imagem que não era apenas sedutora pelo exotismo, mas relevante pelo projeto modernizador que propunha”. (Mammi, 2000:16-17). A BN foi uma nova linguagem que se estabeleceu em um ambiente movimentado pela modernidade, numa demonstração da alta capacidade de transformação e adaptação da música brasileira.

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de Velha Guarda, mostra a BN como uma continuação, enquanto tratamento harmônico, de procedimentos tonais já verificados naquele estilo. "Em sua grande parte, a harmonia da BN evidenciou ter sido elaborada com base nas funções básicas apresentadas pela Velha Guarda." Isto se deu através do uso mais freqüente na BN de notas acrescentadas (quartas, sétimas, aumentadas, diminutas, maiores e menores), de subdominantes substitutas e ainda o acréscimo de notas como nona, décima primeira e décima terceira maiores e menores às dominantes. Segundo o autor o objetivo do procedimento seria camuflar as funções harmônicas básicas através da adição de notas dissonantes e acordes de superestrutura9 denominados por ele como acordes desdobrados. Dessa maneira A BN teria enriquecido o processo harmônico pela inclusão de acordes de superestrutura e também de clichês, geralmente a quatro vozes, realizados cromaticamente. Gava afirma que o uso acentuado desses procedimentos na BN, ao invés de simples recursos ornamentais, passou a ter função estrutural dentro da obra. Isto acabou por estabelecer uma nova maneira de harmonizar. (Gava, 2002:239).

A partir de considerações sobre elementos constitutivos da música Moraes relata as novidades trazidas pela BN.

Harmonia - Acordes feitos de intervalos raros. Um elenco de novidades ora buscadas no jazz, ora na música erudita, notadamente na música impressionista francesa. Ritmo - O resultado da superposição de pelo menos dois ritmos provenientes do samba tradicional, só que utilizados simultaneamente e em defasagem. Assimétrico, com acentuações nos tempos não esperados. Melodia - Tendência intismista de fazer com que ela soasse mais ligada à declamação do que ao canto derramado. E suas marcas mais características passaram a ser as linhas sinuosas e cromáticas e um gosto acentuado por certas dissonâncias. (Moraes apud Távola, 1998:53).

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3. O JAZZ MODERNO

No período compreendido entre a década de 1940 e 1950, aproximadamente, surgem em Nova Iorque duas correntes estilísticas com muitos aspectos em comum o Be Bop e o Cool Jazz. Estas duas correntes fazem parte do que se convencionou chamar jazz moderno. O Be Bop, ou simplesmente Bop, caracterizou-se pela improvisação com melodias rápidas caracterizadas por assimetrias e padrões de acentuação. Já o Cool Jazz, surgido alguns anos após o Be Bop, utilizava harmonias mais avançadas com influência da música européia, principalmente a de Stravinsky e Debussy. Considerado um estilo de jazz mais tranqüilo e controlado se comparado ao jazz tradicional e ao Be Bop, o Cool Jazz se valia de uma execução menos enfática, mais leve, característica interpretativa que causou furor em alguns críticos da época que não acreditavam ser possível tocar jazz dessa maneira. Daí o nome "cool" associado ao frio, fresco, calmo ou ainda moderado. O Be Bop tem como os dois maiores expoentes Dizzy Gillespie e Charlie Parker, o

Cool Jazz tem Miles Davis, o Modern Jazz Quartet e ainda os grupos de Dave Brubeck e Gerry Mulligan conhecidos também por West Coast jazz10.

Para Vidossich (1957), um dos motivos para o aparecimento dos dois novos estilos foi a “grave crise” que o jazz atravessava durante a Segunda Guerra Mundial provocada, em grande parte, pela morte de músicos pioneiros do jazz de Nova Orleãs como Fat's Waller, Albert Ammons, Tommy Ladnier, Jimmy Noone, King Oliver, Bunk Johnson e Jelly Roll Morton. Nova

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Orleãs (New Orleans) foi berço da forma mais antiga do jazz surgido a partir da fusão de formas folclóricas negras, ragtime e o blues, com gêneros populares.

Tanto o Be Bop quanto o Cool Jazz transformaram o jazz tradicional. Seus criadores utilizaram-se de recursos que acabaram descaracterizando o jazz tradicional por meio de grandes mudanças nos seus aspectos rítmicos, harmônicos e melódicos. Um dos principais fatores que provocaram essas transformações foi a inclusão, na linguagem do jazz, de elementos e recursos advindos da música erudita. Este fato está ligado ao processo de formação dos músicos e da entrada do jazz no universo acadêmico.

Estruturados dentro de uma nova concepção musical menos espontânea, se comparada ao jazz tradicional, O Be Bop e o Cool Jazz foram amplamente criticados desde seu surgimento. A nova maneira de fazer jazz foi considerada por muitos aficionados intolerável e classificada como música de laboratório. "Pouco a pouco, (...) o jazz foi decaindo perigosamente, cada vez mais sujeito às experiências e às novas fórmulas, exatamente como acontece num vulgar laboratório de pesquisas e análises." (VIDOSSICH, 1957:208). Especificamente sobre o Cool Jazz, Vidossich (1957) afirma ser esse um estilo musical ainda mais "degenerado" se comparado ao Be Bop. Isto justifica o fato do estilo ter sido batizado de "cool", ou seja, o jazz "frio". Por outro lado, há quem considere a expressão "cool" mais relacionada aos aspectos melódicos e harmônicos do que propriamente às concepções expressivas já que "a execução do cool jazz é leve e contida." (FRANCIS, 1987:149).

Uma das críticas mais ferrenhas ao Be Bop e ao Cool Jazz é direcionada para a perda considerável do Swing11, marca principal do jazz tradicional. Isto se deve a uma maior liberdade

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métrica verificada nestes novos estilos. Essa característica foi apontada como digressiva para o jazz tradicional. Em depoimento Dizzy Gillespie concorda com essa afirmação. Diz que "com o progresso que teve e as proporções que assumiu, o bop afastou-se um pouco de nós. Estamos demasiado afastados do ritmo. O jazz deve ter swing, acima de tudo, o jazz deve ter swing". (GILLESPIE apud TERKEL, 1965:159). Vidossish, que considera o jazz moderno como a própria antítese do jazz tradicional, afirma que os modernos bateristas não mantêm uma regularidade rítmica, prejudicando assim uma das grandes características do jazz tradicional.

Uma das principais inovações técnicas no modernismo é concernente à bateria. (...), ela tem um papel preponderante e uma função vital num conjunto, pois a interpretação de cada músico baseia-se sobre a sua regularidade; apenas uma aceleração ou uma diminuição do tempo podem ser fatais, e prejudicar o conjunto inteiro na conservação do tempo e dos compassos. Os bateristas modernos não mantêm um tempo regular. Disso deriva ausência de "swing", essêncial para criar o "hot"". (Vidossich, 1957:210).

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como um garoto na escola, como os músicos da banda não sabiam ler partitura, ensaiávamos os números repetidamente até que cada um aprendesse sua parte." (Young apud Erlich, 1975:181). Sobre a tecnicidade das novas produções jazzísticas, em particular dos pianistas, Vidossich testemunha:

As execuções pianísticas de hoje, ao contrário das tradicionais, refletem a técnica, e são o resultado de arranjos e das partituras escritas. Além disso, falta o "swing". O estilo "stride", tão apreciado há vários anos, que permitia a marcação magistral do tempo, baseando-a em acordes percussivos da mão esquerda, deixou lugar a uma série de "clichés" monótonos e estandardizados, que foram copiados dos cadernos de estudo dos conservatórios clássicos. (Vidossich, 1957:210).

Para Stroff (1991), a "classicização" do jazz nos anos 50 ameaçou a espontaneidade de expressão deste estilo provocado pela formalidade estrutural da escola erudita. O citado autor diz que "o jazz chegou à sala de aula e dela saíram duas gerações de músicos carregados de diplomas mas sem nenhuma experiência real onde de fato contava: no campo de batalha."

O caráter harmônico, principalmente o verificado no Cool Jazz, tornou-se também um fator de estranheza. O jazz moderno passou a utilizar harmonias consideradas complicadas e de difícil assimilação para os ouvintes da época. Muito dessa "estranheza" se deve ao uso de procedimentos composicionais advindos da música erudita. Destas apropriações são destacadas: a complexificação harmônica, norteada por procedimentos utilizados por compositores como Stravinsky e Debussy; as concepções expressivas e instrumentos próprios da música de câmara, o lirismo nas interpretações e os novos recursos orquestrais e composicionais, verificados no uso de técnicas como o contraponto12, a politonalidade13, o modalismo14 e harmonias em quarta15 feito

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Contraponto é a arte de executar duas ou mais linhas melódicas distintas e relacionadas, simultaneamente. 13

Politonalidade é o uso simultâneo de duas ou mais tonalidades diferentes. 14

O modalismo é um termo empregado para denominar a música baseada em um ou mais modos. 15

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pelos compositores do estilo Cool Jazz. Malson afirma ainda que alguns compositores, mantendo uma rítmica jazzística, apropriaram-se de certas formas da música européia em contextos harmônicos diversos, que podem ir da música barroca à desintegração, ainda que passageira, da música atonal e mesmo serial. (MALSON, 1989:98).

Outra característica tradicional que o jazz moderno abandonou diz respeito à sua associação com a dança. Como a dança sempre acompanhou o jazz desde o cake walk, o

charleston e o jitterburg, houve quem considerasse inadmissível um jazz sem dança. "As músicas "cool" e "progressive" não podem ser dançadas porque lhes faltam "swing" e "beat", afirmar que qualquer uma destas músicas é dançável, equivale a enganar a gente." (Vidossich, 1957:212).

O jazz moderno explorou com maior intensidade novas sonoridades, seja nas frases assimétricas com padrões de acentuação diferenciados do Bop ou nas harmonizações dissonantes e na maneira suave e contida da execução do CJ. Desta maneira, assimilando elementos de outras linguagens, uma nova geração de músicos pode transformar o jazz tradicional criando novos estilos.

3.1 O Cool Jazz: Características e Principais Expoentes

O Cool Jazz surge formado por jazzistas moderados que se voltaram para o aspecto lírico16 e brando do Bop, distanciando-se da característica "hot" e "gritante" deste. Um destaque dessa guinada foi Lester Young, considerado o pioneiro no jeito "cool" de tocar e considerado o

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pioneiro e o músico de maior influência sobre os jazzistas que viriam a seguir na consolidação da escola/estilo CJ. Segundo Erlich (1975), Young tinha um estilo "frouxo e fluente de tocar" e, desta maneira, acabou se afastando do jazz tradicional em uma busca de novas harmonias e nova pureza de som17. Essa maneira frouxa e suave de tocar provavelmente foi resultado de uma sonoridade leve, com um vibrato muito sutil, centrada na clareza e na ausência de ênfase. Em declaração a respeito do ambiente dos night-clubs, comenta sobre sua sonoridade e "estilo" como saxofonista: "(...) Toco canções com meu saxofone, mas gostaria de tocar aquelas baladas lentas (...) mas o público faz tanto barulho (...) mal a gente toca um chorus e a metade do povo já deseja vê-lo terminado". (Erlich, 1975:180-181). Nesta "queixa" pode-se verificar a sua preferência por uma música mais tranqüila, relaxada. Para Malson (1989), a performance “atlética” de certas músicas definitivamente não era o estilo dele.

O pianista Lennie Tristano também é considerado um dos pioneiros do Cool Jazz. Possuía grande domínio na arte do improviso e do contraponto. Tristano utilizou-se de procedimentos eruditos de composição para a criação de peças de jazz e por isso teria antecipado muito do que depois viria a caracterizar o estilo Cool Jazz. Sobre ele Francis declara:

“pesquisador e teórico sempre em contato com as grandes obras da música clássica moderna (particularmente da escola vienense, que abriu as portas à atonalidade), Lennie Tristano instaurou uma nova linguagem musical, sem dúvida intelectualizada, mas que guarda intensa vivacidade por baixo de uma frieza aparente”. (Francis, 1987:147).

Tanto o Be Bop quanto o Cool Jazz foram considerados frios, leves e suaves quando comparados ao Swing, um dos estilos do jazz tradicional considerado quente, pesado e

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Figura 13: Oitavo contorno melódico (CM8)
Figura 25: CM1 e relação melodia - notas de tensão de acorde.
Figura 26: Comparação entre os motivos do CM1 e CM2.
Figura 28: relação entre o CM4 e as formas-motivo derivadas: a1, d e b.
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Referências

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