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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL PREVISTO NA RESOLUÇÃO 181/2017 DO CNMP

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O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL PREVISTO NA RESOLUÇÃO 181/2017 DO CNMP

Jéssica Candelária de Moura1; Leonardo José Rafull2

Resumo

Com a possibilidade da realização de acordo de não persecução criminal diante da edição da Resolução 181 do CNMP, pretende-se, com este artigo, discutir a constitucionalidade de tal procedimento diante do ordenamento jurídico pátrio, ponderando a titularidade da ação penal, a competência para a edição de normas de caráter penal e processo penal, bem como a possibilidade de aplicação de consequências penais diferentes da do cárcere por órgão não integrante do Poder Judiciário. Para tanto, verificou-se a doutrina pátria sobre a ação penal e sobre as prerrogativas do Ministério Público. Com isso, pode-se concluir que, em que pese a discussão sobre a constitucionalidade da Resolução n. 181 do CNMP, ponderando princípios e com a aplicação do utilitarismo, é possível o referido acordo de não persecução criminal.

Palavras-chave: Processo Penal; Ação penal; Ministério Público; Acordo de não-persecução penal; Constitucionalidade.

Abstract

With the possibility of concluding a non-criminal prosecution agreement with the issue of CNMP Resolution 181, this paper intends to discuss the constitutionality of such a procedure before the national legal system, considering the ownership of the criminal action, the competence to the issuance of criminal norms and criminal proceedings, as well as the possibility of applying criminal consequences other than those of jail by a body that is not part of the judiciary. To this end, the homeland doctrine on prosecution and the prerogatives of the Public Prosecution Service was verified. Thus, it can be concluded that, despite the discussion about the constitutionality of Resolution no. 181 of the CNMP, considering principles and with the application of utilitarianism, this non-criminal persecution agreement is possible. Keywords: criminal proceedings; Criminal action; Public ministry, Non-Prosecution Agreement; Constitutionality.

Sumário

1. INTRODUÇÃO. 2. JUS PUNIENDI DO ESTADO. 3. DA AÇÃO PENAL: 3.1 Conceito de ação penal; 3.2 Classificação da ação penal; 3.3 Condições da ação penal; 3.4 Princípios da ação penal; 3.4.1 Princípio da obrigatoriedade da ação penal pública; 3.4.2 Princípio da indisponibilidade da ação penal pública; 3.4.3 Princípio da oportunidade ou conveniência da ação penal de iniciativa privada; 3.4.4 Princípio da oficialidade. 4. DO ACORDO DE NÃO-PERSECUÇÃO PENAL. 4.1 Conceito e previsão normativa 4.2 Inconstitucionalidade do art. 18, da Resolução 181/2017 do CNMP 4.3 Constitucionalidade do art. 18, da Resolução 181/2017 do CNMP 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 6. REFERÊNCIAS

1 Bacharelanda em Direito pelo Centro Universitário Brazcubas. 2

Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Bacharel em Direito pela Universidade Braz Cubas. Advogado.

Revista do Curso de Direito do Centro Universitário Brazcubas V3 N2: Dezembro de 2019

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1 INTRODUÇÃO

Hodiernamente a demora demasiada no tramite de processos criminais é um fato inquestionável, gerando, por consequência, punições tardias ou possibilitando a prescrição da pretensão punitiva do estado. Este fato ocorre pela falta de aparato Estatal, seja no momento da investigação, seja no momento da persecução processual. Falta de servidores públicos, ausência de um policiamento ostensivo, grande extensão territorial e superlotamento carcerário podem ser elencados como motivos para a falta de eficácia na aplicação da pena.

Com o propósito de melhorar a prestação jurisdicional do Estado, o legislador adotou diversas medidas, inclusive a mitigação do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, como ocorre, por exemplo, nos casos de transação penal no Juizado Especial Criminal, bem como outras medidas despenalizadoras.

Ocorre que, apesar de tais medidas, estas se mostram insuficientes ante a alta demanda de processos criminais acumulados, e, em muitos casos, em hipóteses em que a pena de cárcere não se revela necessária. Portanto, é inquestionável a possibilidade do Estado poder aplicar a legislação penal em todas as hipóteses, bem como, em muitos casos, a própria pena de prisão não se revela necessária.

Estabelecidas estas circunstâncias, permite-se a discussão da adoção de uma justiça criminal consensual, assim como já tem sido adotado nos Estados Unidos da América, chamado de “plea bargain” ou barganha da pena, a qual se trata de um acordo entre o acusador e o investigado, a fim de elucidar o caso sem a propositura de uma denúncia e consequente procedimento penal, impondo ao final, uma consequência ao investigado que confessa um crime, mas sem que haja a persecução criminal.

Deste modo, o Conselho Nacional do Ministério Público editou a Resolução n. 181, dispondo em seu art. 18 a possibilidade do órgão ministerial negociar com o investigado, obedecendo determinados requisitos, a imposição de uma consequência àquele que transgrediu a lei, mas sem a propositura de uma ação judicial.

Porém, pelo sistema constitucional e processual adotado no Brasil, vislumbra-se a infração de princípios constitucionais e processuais, sendo objeto de ações no Supremo Tribunal Federal, questionando a sua constitucionalidade. De um lado, pressupõe-se pela inconstitucionalidade do referido acordo, isto porque, compete privativamente à União legislar sobre matéria processual penal, conforme previsão constitucional. Em contrapartida, segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, as resoluções do CNJ e, por analogia, as do CNMP, possuem natureza de atos normativos primários, podendo assim, legislar sobre tal matéria.

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Logo, estar-se-ia diante de uma discussão sobre efetividade do Estado quanto à segurança pública e a aplicação da legislação penal, bem como sobre a incidência dos princípios constitucionais e processuais de garantia do acusado e a competência legislativa.

Não há consenso na escassa doutrina pátria sobre o assunto, pois trata-se de um método de solução pacífica da lide penal, na qual o Estado poderia dispor da ação penal, tornando-a não obrigatória, mas, por outro lado, o acusado receberia a consequência de seus atos por autoridade não integrante do Poder Judiciário, concordando com tais consequências, ao confessar o delito.

Posto isto, revela-se imprescindível a ponderação de princípios constitucionais, bem como a possibilidade de legislar sobre a referida matéria e, ainda, o entendimento sobre a titularidade da ação penal e a sua possibilidade de disponibilidade, obedecendo critérios eleitos pelo próprio órgão ministerial.

2 JUS PUNIENDI DO ESTADO

O jus puniendi do estado é uma expressão latina que significa direito de punir do Estado. No momento em que ocorre a prática de uma infração penal, surge o poder-dever punitivo do Estado, o qual é responsável pela restauração da ordem jurídica lesada pela conduta criminosa, utilizando-se, para isto, a aplicação de sanções penais.

Tal premissa se deu com a evolução do Estado Antigo para o Estado Moderno, uma vez que com a instauração do Órgão Estatal, para a proteção dos direitos e garantias individuais, o particular não poderia obter as consequências legais por meio de atos próprios. Uma vez surgido o monopólio do Estado sobre a prestação da proteção aos direitos das pessoas, vedou-se ao particular obter o seu direito, salvo nas exceções expressamente previstas na lei.

Por tal motivo, a legislação atual pátria pune a pessoa que, por suas próprias razões e meios, busca obter o direito sem se socorrer do Poder Judiciário. Contudo, excepcionalmente poderá fazer, quando o próprio direito assim permitir. Isto ocorre nos casos de legítima defesa, no campo do direito penal, legítima defesa da posse e desforço imediato, no campo do direito civil, dentre outras hipóteses.

Quanto ao direito privado, as partes podem buscar formas alternativas de solução de conflitos, como ocorre nas hipóteses de arbitragem, conciliação e mediação. Porém na esfera penal, tais institutos, em um primeiro momento, mostram-se inviáveis, uma vez que, quando há um crime, o sujeito passivo sempre será o Estado, além da eventual vítima.

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O Estado, enquanto sujeito passivo, representa a coletividade, portanto, trata-se de um direito indisponível. O órgão ministerial, ao oferecer denúncia em face de um acusado, não poderá decidir discricionariamente, se deverá ou não oferecer a peça acusatória, mas há uma obrigação legal, posto se tratar de direito indisponível. Deverá, portanto, buscar a punição àquele que infringiu a lei penal.

Nisto consiste o ius puniendi do Estado. Em um primeiro momento, dá-se por meio das leis penais incriminadoras, as quais impõe pena à todos que a transgredirem e, em um segundo momento, quando efetivamente uma pessoa determinada transgredir a lei, deverá buscar a sua condenação e aplicação das sanções cominadas.

3 DA AÇÃO PENAL

O direito de ação é previsto na Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inciso XXXV, o qual dispõe que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, garantindo-se, assim, a possibilidade de pleitear do Estado- Juiz a prestação da função jurisdicional sempre que houver direito lesionado ou ameaçado.

Neste sentido, ação é um direito, público e subjetivo, o qual o titular possui para pleitear uma proteção do direito violado ou ameaçado perante o Poder Judiciário, para que este adote as medidas legais diante da violação ou ameaça à direito.

Deve ser ressaltado que, este direito de ação deverá ser exercido por seu legitimado, uma vez que o Estado não poderá agir de ofício, ou seja, somente poderá prestar a tutela jurisdicional quando assim for provocado. Uma tutela ex officio acarretaria na imparcialidade do Estado ou do órgão julgador.

Por este motivo, há previsto na Constituição Fedral, no art. 129, a instituição do Ministério Público como titular da ação penal pública, para que órgãos distintos possam realizar os papéis de acusar, defender, julgar e executar a pena aplicada. Nos casos de ação penal privada, o titular será a própria vítima, devidamente representada por advogado.

3.1 Conceito de ação penal

Ação penal consiste no direito do Estado-acusação ou do ofendido em ingressar em juízo, pleiteando a prestação jurisdicional, aplicando-se ao caso concreto o direito penal objetivo, ou seja, suas normas. Assim, é por intermédio da ação penal que o Estado alcança sua pretensão punitiva estatal, para assim, impor a devida sanção ao infrator, considerando que haja uma infração penal anterior.

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Ação penal, segundo Levy Emanuel Magno, é “o direito público, subjetivo, autônomo e abstrato de exigir do Estado- juiz a aplicação do direito penal objetivo ao caso concreto”.3 Assim sendo, trata-se de direito público, pois a prestação jurisdicional é de natureza pública, posto que, somente o Estado- Juiz pode dar a referida prestação jurisdicional, não havendo possibilidade de o particular fazer isto.

Ademais, cuida-se de direito subjetivo, porque apenas o titular do direito pode exigir do Estado- Juiz a concretização da pretensão punitiva e a aplicação do direito penal objetivo em face de um caso em concreto. Assim, compete ao Estado fazer justiça diante da exigência do legitimado, tendo legitimidade o ministério público em ação penal pública, e o ofendido ou seus sucessores em caso de ação penal privada.

A ação penal também é categorizada como um direito abstrato, isso porque, ela não depende de um resultado final do processo. E, por fim, trata-se de um direito autônomo, vez que, independe do direito material para o início da ação penal, sendo necessário apenas que cumpra as condições exigidas.

3.2 Classificação da ação penal

No ordenamento jurídico brasileiro, a doutrina classifica a ação penal com base na titularidade do seu exercício. Assim, tem-se a ação penal pública, cujo titular é o Ministério Público sendo a sua peça inaugural a denúncia, enquanto que na ação penal de iniciativa privada, será iniciada por meio de uma queixa-crime, promovida pelo ofendido.

A ação penal pública subdivide-se em incondicionada e condicionada. A ação penal pública incondicionada é a regra geral, sendo aquela que independe de qualquer condição ou manifestação de vontade da vítima ou de terceiros para sua propositura e, em condicionada, a qual depende de representação do ofendido ou requisição do Ministro da Justiça para a atuação do Ministério Público.

Já, na ação penal de iniciativa privada a legitimidade ativa é da vitima ou seu representante legal, subdividindo-se em três, quais sejam, a exclusivamente privada, como regra, a personalíssima, em que somente o ofendido pode exercer o direito de ação e, a subsidiária da pública, a qual será admitida quando o Ministério Público se mantiver inerte.

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3.3 Condições e pressupostos da ação penal

Para que haja o recebimento da denúncia ou da queixa-crime é imprescindível o preenchimento de certas condições, quais sejam: a possibilidade jurídica do pedido, o interesse de agir e a legitimidade de parte. Sendo que, sem a presença de tais condições da ação a peça acusatória poderá ser rejeitada.

Por possibilidade jurídica do pedido, entende-se que o pedido elaborado pela parte necessita referir-se a um fato criminoso, previsto no ordenamento jurídico, conforme leciona Renato Brasileiro de Lima:

O pedido formulado pela parte deve se referir a uma providência admitida pelo direito objetivo, ou seja, o pedido deve encontrar respaldo no ordenamento jurídico, referindo-se uma providência permitida em abstrato pelo direito objetivo. 4

Assim, é fundamental que a imputação corresponda a um fato típico, ilícito e culpável. Não devendo confundir essa análise com a de mérito, pois nesta condição da ação é analisado se o fato narrado na inicial versa sobre uma providência admitida pelo direito objetivo, e não, sua veracidade para a imposição de uma sanção.

Cabe ressaltar que, com o novo Código de Processo Civil, não há mais esta condição da ação. Isto porque a possibilidade jurídica do pedido está inserida no próprio interesse de agir ou na própria análise de mérito.

Quanto ao interesse de agir, estará configurado quando houver necessidade, adequação e utilidade para a ação penal. A necessidade estará manifesta quando fundamental a intervenção do Poder Judiciário para a condenação e consequente imposição de uma sanção penal ao réu. A adequação, por sua vez, consiste no ajustamento entre o pedido do autor e o processo penal condenatório. Ademais, por utilidade compreende-se o êxito da atividade jurisdicional em atender o interesse do autor.

Por fim, é necessário verificar-se a legitimidade de parte, devendo-se configurar no polo ativo o titular da ação penal, isto é, o Ministério Público nas ações penais públicas ou o ofendido, devidamente representado por um advogado, nas ações penais de iniciativa privada, e no polo passivo o autor do fato delituoso.

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3.4 Princípios da ação penal

3.4.1 Princípio da obrigatoriedade da ação penal pública

O princípio da obrigatoriedade da ação penal pública também é denominado de legalidade processual. Tal princípio determina a obrigação da atuação da autoridade policial na investigação e do Ministério Público na ação penal, ante a “notitia criminis” de um delito de ação penal pública. Nesse sentido, são as lições de Renato Brasileiro de Lima:

[...] Assim é que, diante da noticia de uma infração penal, da mesma forma que as autoridades policiais têm a obrigação de proceder à apuração do fato delituoso, ao órgão do Ministério Público se impõe o dever de oferecer denúncia caso visualize elementos de informação quanto á existência de fato típico, ilícito e culpável, além da presença das condições da ação penal e de justa causa para a deflagração do processo criminal.

Assim, as autoridades policiais e o Ministério Público não possuem qualquer disponibilidade para a investigação ou a propositura de uma ação penal, tendo a obrigação de atuarem em face de um crime de ação penal pública, desde que, presentes os requisitos e condições.

No entanto, não se trata de um princípio absoluto, visto que, há algumas exceções, como por exemplo, no caso de transação penal, em que o Ministério Público não oferecerá denúncia nas infrações de menor potencial ofensivo se o autor dos fatos preencher certos requisitos do art. 76, da Lei nº 9.099/95, ficando sujeito apenas à pena restritiva de direitos ou multa. Neste sentido, Guilherme Madeira Dezem:

Há mitigação deste princípio naquilo que ficou conhecido como princípio da obrigatoriedade mitigada ou discricionariedade restrita. Por este princípio, o promotor de justiça não irá oferecer denúncia nas hipóteses em que houver a presença dos requisitos da transação penal (art. 76 da Lei 9.099/1995), no Juizado Especial Criminal. O Jecrim trabalha com o modelo do consenso que estabelece que, observados determinados requisitos, não será proposta a denúncia, e, sim, será feita a oferta de transação penal. Também este princípio encontra-se mitigado pela Resolução 181, de 2017, do Conselho Nacional do Ministério Público5.

Deste modo, pela regra do princípio da obrigatoriedade não cabe ao MP qualquer juízo de conveniência ou oportunidade à respeito da promoção da ação penal de iniciativa pública. Podendo, porém, ser mitigado nos casos previsto em lei.

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3.4.2 Princípio da indisponibilidade da ação penal pública

O princípio da indisponibilidade da ação penal pública decorre do princípio da obrigatoriedade e significa que é proibido ao Ministério Público a desistência da ação penal pública ajuizada ou do recurso interposto. Em síntese, nas palavras de Renato Brasileiro de Lima:

Também conhecido como princípio da indesistibilidade, funciona como desdobramento lógico do princípio da obrigatoriedade. Em outras palavras, se o Ministério Público é obrigado a oferecer denúncia, caso visualize a presença das condições da ação penal e a existência de justa causa (princípio da obrigatoriedade), também não pode dispor ou desistir do processo em curso (indisponibilidade). Enquanto o princípio da obrigatoriedade é aplicável à fase pré-processual, reserva-se o princípio da indisponibilidade para a fase processual 6.

Deste modo, o Ministério Público não tem disponibilidade da ação penal, não podendo, assim, desistir da ação ou de eventual recurso interposto, lembrando que, o MP não é obrigado recorrer, no entanto, se o fizer, não poderá desistir. Por outro lado, na ação penal privada o ofendido tem total disponibilidade, podendo desistir da ação, ou até mesmo perdoar o réu.

3.4.3 Princípio da oportunidade ou conveniência da ação penal de iniciativa privada O princípio da oportunidade está atrelado à faculdade concedida ao ofendido ou seu representante legal para o exercício do direito de oferecimento de queixa-crime contra o autor do fato delituoso, assim, o titular da ação penal tem a liberdade de escolha de propositura, ou não, da queixa-crime, exercendo o seu direito de acordo com seus próprios critérios de oportunidade ou conveniência. Além disso, embora já tenha sido proposta a ação penal é possível a sua desistência e de eventual recurso interposto, em razão deste princípio.

Tal princípio, do mesmo modo, aplica-se à representação e a requisição do Ministro da Justiça na ação penal pública condicionada, onde o legitimado, igualmente, tem a independência para escolher se deseja representar o autor da infração, ou não.

3.4.4 Princípio da oficialidade

O princípio da oficialidade consiste na incumbência da legitimidade dada aos órgãos do Estado para exercer a persecução penal. Deste modo, a fase de investigação e

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apuração das infrações penais é, em regra, atribuída à polícia, enquanto que, a ação penal pública deve ser promovida pelo Ministério Público, nos termos do art. 129, inciso I, da Carta Magna, in verbis: “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei”.

No que se refere à ação penal de iniciativa privada, segundo Renato Brasileiro de Lima, aplica-se o princípio da oficialidade somente na fase investigativa, a qual é atribuída à polícia judiciária, posto que, o particular não pode atuar nesta fase pré-processual, nos seguintes termos:

[...] Aplica-se à ação penal pública, tanto na fase pré-processual, quanto na fase processual. Em relação à ação penal de iniciativa privada, vigora apenas para a fase pré-processual, já que prevalece o entendimento de que ao particular, pelo menos em regra, não foram conferido poderes investigatórios.

De outro lado, Guilherme de Souza Nucci, defende que, tanto na ação penal pública quanto na ação penal de iniciativa privada, subsiste o princípio da oficialidade, isso porque, embora na ação penal privada seja o ofendido quem ajuíza a ação, não será este que promoverá a execução do réu quando houver sentença condenatória, sendo legítimo neste caso, o Ministério Público:

Não há possibilidade de se entregar ao particular a tarefa de exercer qualquer tipo de atividade no campo penal punitivo. Tanto é realidade que o ofendido pode ajuizar ação penal privada, substituindo o Estado, mas, havendo condenação definitiva, não lhe cabe promover a execução do julgado (quando se faz valer a punição). É tarefa do Ministério Público7.

Assim, apesar de, na ação penal de iniciativa privada ser a vítima quem propõe a ação, à esta não lhe pertence, isso porque, cabe ao Estado punir o autor da infração penal. Neste sentido, são as lições de Fernando da Costa Tourinho Filho:

Ninguém ignora que a repressão às infrações penais constitui não só necessidade indeclinável, como também um fim essencial do Estado. Essa repressão é, pois, função eminentemente estatal. Ao Estado, e só ao Estado, cumpre punir aquele que inobservou a norma penal. O Estado é o titular do direito concreto de punir. Quando se comete uma infração penal, já vimos, surge a pretensão punitiva, isto é, aquele direito abstrato que o Estado tem de punir se transmuda em um direito concreto de punir. Já agora pode o Estado providenciar a repressão8.

Destarte, o princípio da oficialidade rege que sempre será o Estado o titular do direito de punir. Sendo assim, o Ministério Público e o ofendido possuem apenas o direito de exercício da ação penal, mas não, o direito de punir ou repreender o autor da infração penal.

7 Nucci, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal, p. 112. 8 Filho, Fernando da Costa Tourinho. Manual de Processo Penal, p.123.

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4 DO ACORDO DE NÃO-PERSECUÇÃO PENAL 4.1 Conceito e previsão normativa

A resolução nº 181, de 7 de agosto de 2017, do Conselho Nacional do Ministério Público, em seu artigo 18, introduziu a figura do “acordo de não-persecução penal” no sistema penal brasileiro. Trata-se de uma relação jurídica extrajudicial efetuada entre o Ministério Público e o autor da infração penal, assistido por seu advogado, que, após o cumprimento de certas condições não privativas de liberdade, ensejará o arquivamento da investigação.

Para tanto, consoante disposto no art. 18 da Resolução nº 181/2017, o Ministério Público poderá propor o acordo quando o investigado confessar formal e circunstanciadamente a prática da infração penal. Além disso, é necessário que o crime seja cominado com pena mínima inferior à 4 (quatro) anos, devendo, no caso concreto, serem consideradas as causas de aumento e de diminuição de pena e, a infração penal não tenha sido cometida com violência ou grave ameaça à pessoa, bem como, não seja caso de arquivamento do processo investigatório.

Ademais, para que o acordo realizado o investigado terá que cumprir, de forma cumulativa ou não, de acordo com o caso concreto, certas condições não privativas de liberdade, quais sejam:

I – reparar o dano ou restituir a coisa à vítima; II – renunciar voluntariamente a bens e direitos, de modo a gerar resultados práticos equivalentes aos efeitos genéricos da condenação, nos termos e condições estabelecidos pelos artigos 91 e 92 do Código Penal; III – comunicar ao Ministério Público eventual mudança de endereço, número de telefone ou e-mail; IV – prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito, diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo Ministério Público; V – pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Código Penal, a entidade pública ou de interesse social a ser indicada pelo Ministério Público, devendo a prestação ser destinada preferencialmente àquelas entidades que tenham como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; VI – cumprir outra condição estipulada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal aparentemente praticada.

Se as condições forem cumpridas ensejará na promoção do arquivamento do inquérito policial. Não havendo, assim, que se falar em imposição de pena, já que, não haverá denúncia, tampouco, processo penal. No entanto, vez que, o autor da infração

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penal descumpra as condições estabelecidas no acordo, o membro do Parquet deverá oferecer denúncia imediatamente.

4.1 Inconstitucionalidade do art. 18, da Resolução 181/2017 do CNMP

A vasta controvérsia do tema versa sobre a constitucionalidade ou não do Conselho Nacional do Ministério Público em criar uma resolução que aborda sobre matéria processual, qual seja, o acordo de não-persecução penal.

Sobre o tema, há em andamento duas ações diretas de inconstitucionalidade, a ADI 5790, proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros- AMB e a ADI 5793, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil- CFOAB.

A constitucionalidade do artigo 18 da Resolução 181/2017 do CNMP é questionada, pois, em conformidade com o artigo 22, I, da Constituição Federal é de competência privativa da União legislar sobre Direito Processual. Ademais, de acordo com o parágrafo segundo do art. 130-A, da Carta Magna, compete ao Conselho Nacional do Ministério Público o controle da atuação administrativa e financeira do Ministério Público e do cumprimento de deveres funcionais de seus membros, sendo possível a expedição de atos regulamentares na esfera de sua competência.

Deste modo, como o art. 18 da Resolução 181 de 2017 do CNMP versa sobre matéria de ação penal, inserindo no ordenamento jurídico uma exceção ao princípio da obrigatoriedade, ou seja, aborda sobre direito processual penal seria inconstitucional referido artigo. Assim entende Renato Brasileiro de Lima, nos seguintes termos:

Não há problema em se criar exceções ao princípio da obrigatoriedade. Afinal, como o referido postulado não tem status constitucional- para muitos, o fundamento legal do princípio da obrigatoriedade é o art. 24 do CPP-, outra lei ordinária pode criar exceções a sua aplicação, como, aliás, já ocorre em diversas hipóteses: a) transação penal (art. 76 da Lei 9.099/95); b) acordo leniência (Lei nº 12.529/11, arts. 86 e 87); c) termo de ajustamento de conduta (Lei nº 7.347/85, art. 5º, §6º); d) parcelamento do débito tributário (Lei nº 9.430/96, art. 83, §2º, com redação dada pela Lei nº 12.382/11); e colaboração premiada na nova Lei das Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/13, arts. 4º a 7º). Para tanto, porém, há necessidade de lei formalmente constituída, obedecido o processo legislativo constitucional, e não uma mera Resolução do CNMP.

Desta maneira, embora não haja problema em abordar sobre uma mitigação do princípio da obrigatoriedade, tal artigo, para alguns doutrinadores, é inconstitucional. Isso porque, aborda sobre direito processual penal, o qual seria de competência privativa da União para legislar e não do Conselho Nacional do Ministério Público.

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4.2 Constitucionalidade do art. 18, da Resolução 181/2017 do CNMP

De outro lado, há diversos doutrinadores que se posicionam pela constitucionalidade do acordo de não- persecução penal, à exemplo, Renato Brasileiro de Lima, o qual defende a ideia de que o Conselho Nacional do Ministério Público possui a competência de expedir atos regulamentares, conforme previsto no art. 130- A, §2º, da Constituição Federal, in verbis:

Art. 130-A. O conselho Nacional do Ministério Público compõe-se de quatorze membros nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal, para um mandato de dois anos, admitida uma recondução, sendo:

§ 2º Compete ao Conselho Nacional do Ministério Público o controle da atuação administrativa e financeira do Ministério Público e do cumprimento dos deveres funcionais de seus membros, cabendo lhe: I zelar pela autonomia funcional e administrativa do Ministério Público, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;

Assim, em consonância com o disposto no julgamento da ADC 12 MC/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou que os atos normativos do CNJ são atos primários, isto é, autônomos, abstratos e subordinados diretamente às normas constitucionais e seus princípios. Desta forma, para Renato Brasileiro de Lima, os atos normativos do CNMP também seriam, pois ambos possuem o poder de expedir atos regulamentares. Em síntese, nas palavras de Lima:

Na dicção do Supremo, tais resoluções ostentam caráter primário, ou seja, são dotadas de abstração e generalidade, extraindo seus fundamentos de validade diretamente de dispositivos constitucionais. Enfim, “são atos de comando abstrato que dirigem aos seus destinatários comando e obrigações, desde que inseridos na esfera de competência do órgão”. Considerando-se, pois, que o art. 18 da Resolução 181 do CNMP busca tão somente concretizar os princípios constitucionais da eficiência (CF, art. 37), da proporcionalidade (CF, art. 5º, LIV), da razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII) e o próprio sistema acusatório (CF, art. 129, I), não há falar em inconstitucionalidade do art. 18 da Resolução n. 18 do CNMP, porquanto se trata de regulamento autônomo destinado a regulamentar diretamente a aplicação de princípios constitucionais9.

Deste modo, entende-se que, o CNMP é competente para expedir atos normativos de caráter primário, desde que, determinado a regulamentar a aplicação de princípios constitucionais. Destarte, o art. 18 da Resolução n. 181 do CNMP é constitucional pois cumpre tal requisito.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Visto que a prestação da tutela jurisdicional penal, para que possa haver o ius

puniendi em concreto do Estado satisfeito, será exercido por meio da ação penal, que,

em regra é de iniciativa do Ministério Público. Este direito público subjetivo era visto como indisponível, ou seja, o órgão ministerial não poderia escolher entre oferecer ou não a denúncia nos casos de ação penal pública incondicionada.

Neste contexto, em 1995, com a vigência da Lei 9.099, foi inserido no ordenamento jurídico hipóteses em que o Ministério Público, diante de crimes de menor potencial ofensivo, poderia realizar a transação penal a qual consiste na submissão do acusado em determinadas condições restritivas de direitos, sendo que, se cumpridas, ao final haverá a extinção da punibilidade.

Com a resolução 181 do CNMP, o referido órgão possibilitou que o órgão ministerial pudesse realizar o acordo de não persecução penal que consiste em uma espécie de negócio jurídico extrajudicial, pelo qual o ofensor confessa o delito e o titular da ação penal deixa de oferecer denúncia, impondo, em contrapartida, condições não privativas de liberdade, nas hipóteses de crimes cominados com pena mínima não inferior a 4 anos. Trata-se de hipótese de negócio jurídico que abarcam até os crimes em que não caibam os institutos despenalizantes da Lei 9.099/95, ou seja, é cabível para crimes de grave potencial ofensivo.

Contudo, cabe, neste momento, uma ponderação com a teoria do Utilitarismo, de Jeremy Bentham, em sua obra, An introduction to the principles of morals and

legislation. O referido autor afirma que uma das hipóteses em que não se deve punir

ocorre quanto a pena não for rentável, ou seja, quando, entre a ofensa e a punição, o maior malefício para a comunidade for o da punição. Desta forma, quando a coerção for maior do que o benefício para a sociedade, não deverá ser punido. Neste sentido:

Where, although in the ordinary state of things, the evil resulting form the punishment is not greater then the benefit which is likely to result from the force with which it operates, during the same space of time, towards the excluding the evil of the offences, yet it may have been rendered so by the influence of some occasional circumstances. In the number of these circumstances may be,

(…)

2. The extraordinary value os the services of some one delinquent.10

Desta forma, há outros meios mais benéficos para a sociedade em que é possível buscar o resultado da ressocialização, não somente impondo penas de cárcere. A aplicação da lei penal, além de rígida é custosa para o Estado e para a Sociedade. Com a

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finalidade de solucionar o litígio, possibilitando a ressocialização do acusado, seria viável a não imposição de uma pena, mas sim de medidas restritivas de direitos, com a finalidade de integra-lo à sociedade.

Posto isto, e considerando que o titular da ação penal é o Ministério Público, seria adequado que o próprio órgão, dentro de limites, pudesse decidir se oferece ou não denúncia ou propõe um acordo de não persecução criminal, caminhando para o mesmo sentido do princípio da subsidiariedade do direito penal.

Assim, é possível concluir que, em que pese ser arrojada a resolução n. 181 do CNMP, mostra-se viável com a democracia, economizando os serviços estatais para àqueles que merecem o cárcere e, com relação à crimes de menor gravidade, possibilitando a ressocialização dos indivíduos.

REFERÊNCIAS

BENTHAM, Jeremy. An introduction to the principles of morals and legislation. New York: Dover philosophical classics, 2016.

DEZEM, Guilherme Madeira. Curso de Processo Penal. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2018.

FILHO, Fernando da Costa Tourinho. Manual de Processo Penal. São Paulo: Editora Saraiva, 2009.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Salvador: Editora JusPodivm, 2019.

MAGNO, Levy Emanuel. Curso de Processo Penal Didático. São Paulo: Editora Atlas, 2013.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. São Paulo: Editora Revista do Tribunais, 2013.

Referências

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