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75 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 75-91, maio/ago. 2017

AS FRONtEIRAS DO EStADO: VIOLÊNCIA, MILÍCIAS, CRIME ORGANIZADO E POLÍtICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA EM ÁREAS SOCIALMENtE VULNERÁVEIS

Gilberto de Souza Vianna*

Pedro H. Villas Bôas Castelo Branco** Nada é neutro, ou antes ninguém é neutro e tudo é ambíguo; tudo é campo de batalha.

São Gregório de Nissa

RESUMO

O artigo procura fazer correlações sobre os temas de violência contra o indivíduo e a sociedade, trabalhando as fronteiras da ação do Estado na área de segurança, relacionando, para tanto, vários fatores, tais como: milícia, crime organizado, áreas socialmente vulneráveis, além da condição humana daqueles que vivem sob a órbita da violência sem a proteção do Estado. Criou-se o conceito de “sociedade de interesse no crime”, no qual estão inseridos quem pratica o crime e quem dele se beneficia. Parte da ausência do Estado em determinadas áreas é decorrente de ações políticas e sociais, no entanto, uma questão de ética e moral individuais colabora para e manutenção desta “sociedade de interesse no crime”, em que o lucro e o benefício individual sobrepõem a preceitos morais e éticos indicadores de práticas morais. Nesse contexto, os indivíduos moradores de áreas socialmente vulneráveis acabam sofrendo violências tanto do crime organizado, quanto do Estado ausente, tornando evidente sua vulnerabilidade. A metodologia utilizada neste artigo figura nos moldes da corrente sociológica conhecida como “sociologia histórica”, corrente que elabora uma conjunção de questões que são ricas em detalhes, estudando como as sociedades se desenvolveram no decorrer da história, e partindo disso analisando como as estruturas sociais, consideradas por muitos naturais, são de fato moldadas por processos sociais complexos. Para esta corrente, a estrutura, é configurada por instituições e organizações, que afetam a sociedade – resultando em fenômenos que vão desde questões de desigualdade, vulnerabilidade, violência e guerra. A sociologia histórica preocupa-se principalmente com a evolução do Estado, analisando as relações entre estados, classes, sistemas econômicos e políticos. Ainda como referência Metodológica, o autor deste artigo utiliza os trabalhos de Charles Tilly, Judith Butler,e Giorgio Agamber, procurando e, ao

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* Membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra, Graduado em História e Economia, mestre em História pela Universidade Federal do Paraná (UFP), e doutorando pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Contato: <vianna@esg.br>.

** Professor Titular de Ciência Política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Contato: <pvbcastelobranco@iesp.uerj.br>.

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mesmo tempo, preocupado em articular as relações entre uma série de elementos conceituais inerentes à situação.

Palavras-chave: Violência. Segurança Pública. Áreas socialmente vulneráveis. Tráfico de Drogas.

THE LIMITS OF THE STATE: VIOLENCE, MILITIAS, ORGANIZED CRIME AND PUBLIC SECURITY POLICIES ON SOCIALLY VULNERABLE AREAS

ABSTRACT

The work debate themes related to violence against the individual and society, dealing with the frontiers of the State action in the security area, relating several factors, such as: militia, organized crime, socially vulnerable areas, besides the human condition of those who live under the orbit of violence without the protection of the government. The concept of “society of interest in crime” was created, in which are inserted those who practices the crime and those who benefits from it. Part of the absence of the State involvement in certain areas is due to political and social actions; however, an individually ethical and moral question contributes to the maintenance of this “society of interest in crime”, where profit and individual benefit prevail on moral and ethical precepts and indicators of moral practices. In this context, individuals living in socially vulnerable areas suffer violence both from organized crime and from the absent State, making their vulnerability evident. The methodology used in this article is based on the sociological current known as “historical sociology”, a current that elaborates a combination of issues that are rich in details, studying how societies have developed in the course of their history, and analyzing how social structures, considered by many to be natural, are actually shaped by complex social processes. According to this current, the structure is shaped by institutions and organizations that affect society - resulting insocial phenomena ranging from social inequality, vulnerability, violence and war issues. Historical sociology is concerned mainly with the evolution of the State, analyzing the relations between states, classes, economic and political systems. As a methodological reference, the author also uses the works of Charles Tilly, Judith Butler, and Giorgio Agamber, targeting and, at the same time, concerned to bond the relations between a series of conceptual elements inherent to the situation.

Keywords: Violence. Public security. Socially vulnerable areas. Drug trafficking. LAS FRONTERAS DEL ESTADO: VIOLENCIA, MILÍCIAS, CRIMEN ORGANIZADO Y

POLÍTICAS DE SEGURIDAD PÚBLICA EN ÁREAS SOCIALMENTE VULNERABLES RESUMEN

El artículo busca hacer correlaciones sobre los temas de violencia contra el individuo y la sociedad, trabajando las fronteras de la acción del Estado en el área de seguridad,

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relacionando para ello varios factores, tales como: milicia, crimen organizado, áreas socialmente vulnerables, además de la condición humana de aquellos que viven bajo la órbita de la violencia sin la protección del Estado. Se creó el concepto de “sociedad de interés en el crimen”, en el cual están insertados quienes practican el crimen y quién de él se beneficia. Parte de la ausencia del Estado en determinadas áreas es consecuencia de acciones políticas y sociales, sin embargo, una cuestión de ética y moral individuales colabora para y mantiene esta “sociedad de interés en el crimen”, en que el lucro y el beneficio individual superponen a preceptos morales y éticos indicadores de prácticas morales. En este contexto, los individuos que viven en zonas vulnerables socialmente sufren violencias tanto del crimen organizado, como del Estado ausente, haciendo evidente su vulnerabilidad. La metodología utilizada en este artículo figura en los moldes de la corriente sociológica conocida como “sociología histórica”, que elabora una conjunción de cuestiones ricas en detalles, estudiando cómo las sociedades se desarrollaron a lo largo de la historia, y partiendo de ello analiza cómo las estructuras sociales, consideradas por muchos naturales, son de hecho moldeadas por procesos sociales complejos. Para esta corriente, la estructura se configura por instituciones y organizaciones, que afectan a la sociedad -resultan en fenómenos de cuestiones de desigualdad, vulnerabilidad, violencia y guerra. La sociología histórica se preocupa principalmente de la evolución del Estado, analizando las relaciones entre estados, clases, sistemas económicos y políticos. Como referencia metodológica, este artículo utiliza los trabajos de Charles Tilly, Judith Butler, y Giorgio Agamber, buscando y preocupándose en articular las relaciones entre una serie de elementos conceptuales inherentes a la situación. Palabras clave: Violencia. Seguridad Pública. Áreas socialmente vulnerables. Tráfico de drogas.

1 INtRODUÇÃO

Em busca de inspiração para escrever este artigo sobre violência, justamente no mês de janeiro de 201726, deparei-me com o noticiário veiculado pela mídia

sobre as crises no sistema carcerário nacional, algo aparentemente tão distante das preocupações cotidianas dos cidadãos brasileiros.

Portanto, partindo da reflexão sobre textos lidos e debatidos na disciplina “violência” ministrada no Instituto de Ciência Sociais e Políticas (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), no segundo semestre de 2016, pretendo, neste artigo, fazer uma análise a respeito do Estado, do comércio ilegal de drogas ilícitas e do crime organizado.

26 Site do G1, de 8 de janeiro de 2017. G1 Globo. Disponível em: <G1: http://g1.globo.com/am/ amazonas/noticia/2017/01/massacre-completa-uma-semana-e-crise-carceraria-segue-no-amazonas. html>. Acesso em: 20 de junho de 2017.

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A título de exemplo, incluo, neste artigo, uma experiência pessoal que demonstra, em um universo restrito, a atual situação de sequestro do Estado pelo poder marginal paralelo. Ao estacionar meu carro em um posto de gasolina no bairro carioca da Tijuca, no Rio de Janeiro, observei um motoqueiro abastecendo seu veículo. Ele colocou pessoalmente a mangueira de combustível no tanque de seu veículo, encheu o reservatório, e saiu do estabelecimento. O estranhamento do meu olhar à cena provocou uma explicação do frentista sobre “um acordo de sobrevivência” estabelecido entre o proprietário e os membros das facções27 que

dominavam a região. Se o pacto fosse descumprido, o posto não poderia mais funcionar. Este fato leva o cidadão a pensar nas várias dimensões da violência cometida em função da inércia e da ausência do Estado, ou mesmo em decorrência da ação do poder público. Como o Estado é fragmentado dentro de seu próprio território, cria fronteiras internas, marcadas pela sua ausência.

O pensador americano Charles Tilly, no seu artigo War Making and State

Making as Organized Crime (Tilly, 1985), identifica essa prática, com a palavra Racketeers, que poderia ser traduzida como chantagem, ou seja, a cobrança de

uma taxa de proteção de atos praticados aos mesmos agentes que adotam esses procedimentos.

Defensores de determinados governos e do governo, em geral, geralmente argumentam, precisamente, que eles oferecem proteção contra violência local e a violência externa. Eles alegam que os preços que cobram mal cobrem os custos de proteção. Eles qualificam as pessoas que reclamar sobre o preço de proteção de “anarquistas”, “subversivos”, ou ambos ao mesmo tempo. Mas considere a definição de um mafioso como alguém que cria uma ameaça e, em seguida, cobra para a sua redução. Prestação de proteção dos governos, por esta norma, muitas vezes se qualifica como extorsão. Na medida em que as ameaças contra o qual um dado Governo protege os seus cidadãos são imaginárias ou são consequências da suas próprias atividades, o governo organizou um negócio de proteção. Desde o momento em que os próprios governos com frequência simulam, estimulam, ou até mesmo fabricam ameaças de guerra externa e uma vez que as atividades repressivas e extrativistas dos governos muitas vezes constituem as maiores ameaças atuais para os meios de subsistência de seus próprios cidadãos, muitos governos operam essencialmente da mesma maneira como 27 O termo facção tem sido utilizado de forma intercambiável para se referir a toda uma série de

fenômenos, de organizações, narcotraficantes, contrabandistas ou outras formas criminosas. De fato, o conceito refere- se a uma manifestação mais concentrada do crime organizado. É fenômeno intimamente relacionado aos diferentes tráficos de drogas.

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chantagistas. Há, evidentemente, uma diferença: os mafiosos, pela definição convencional, operam sem o beneplácito dos governantes. (TILLY, 1985, p. 54)

Mas a existência de crime e de violência com diversas facções criminosas e milícias dominando extensas áreas, e colocando grande quantidade de pessoas à margem do poder do Estado, e em situação de vulnerabilidade, denotam a ausência efetiva do poder público. Diante desse cenário, podem ser elaboradas algumas hipóteses básicas, que procuro seguir neste artigo, como: a dinâmica dentro e entre as forças sociais de ambos os lados da lei não tende a se manter umas às outras, mas reforça-se mutuamente, seja agindo de forma concertada ou por interações mais sistêmicas. Com isso, desenvolve-se uma “comunidade de interesse no crime” – uma coalizão de grupos com interesses psicológicos, morais e materiais – entre “empresários” de drogas e agências estatais coercitivas, gerada pela corrupção das elites do poder que a controlam. Neste contexto, podemos ver um aumento, aparentemente contraditório, desta comunidade de interesse no crime, tanto na importância de atividades criminosas ou criminalizadas específicas, como nos poderes coercitivos dos estados (polícia, militares, agências alfandegárias, aparelhos fiscais e de inteligência).

O apoio mútuo tem muitas formas e muitos níveis, muda ao longo do tempo e da localização. No entanto, a consequência dessa troca é que os interesses de ambos os grupos são avançados, em detrimento do interesse da população local, de terceiros e de segmentos significativos das sociedades em que se desenvolve, tornando precária a vida das pessoas fora desta “comunidade de interesse no crime”. A violência passada e a violência presente não estão ligadas pelo ponto de vista da ameaça à ordem ou ao questionamento do Estado, mas, sim, por uma experiência sofrida e seus efeitos sobre aqueles que a ela estão submetidos. Ao organizar seus recursos, alguns “empreendedores” do comércio de drogas estabelecem uma estrutura de poder para se protegerem, desafiam a autoridade em áreas específicas ou, até mesmo, suplantam o poder das elites que controlam um Estado e nele se infiltram. Tais ações também podem pôr em perigo outros setores da sociedade e o corpo social em geral, onde progressivamente o estado de direito e as relações formalmente reguladas entre as regiões, mercados e sociedades dão lugar a arranjos informais, corrupção, violência e intimidação.

O motoqueiro, citado acima, está ligado a uma facção que, de certa forma, o permite abastecer sua moto gratuitamente em troca da mesma facção não assaltar o posto, e, por assim dizer, permitir a sobrevivência econômica do comerciante, remete a um trauma sofrido, invisivelmente, fatos que se multiplicam de diversas formas, com efeitos ao longo do tempo. Nesse exemplo, a violência equivale à negação ou ao ataque à integridade física e moral de um indivíduo, com implicações que podem afetar gerações sucessivas.

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Como combater esta Comunidade de interesse no crime? Pergunta difícil, não obstante rapidamente a resposta pode residir no fortalecimento de valores, com apoio ao surgimento de uma comunidade com valores e preceitos éticos e morais, que trabalhe o dever como uma prática. Por mais utópica que esta proposta possa parecer, esta comunidade só pode aparecer com a estabilidade sócio-econômica oferecida pelo Estado, e o Estado deve ser o garantidor da vida e da segurança, para que uma comunidade de valores se afirme.

Mas a luta por territórios, controlado pelas milícias, pelo crime organizado e pelo tráfico de drogas leva-nos a uma realidade bem cruel: a negação do direito a vida nas comunidades vulneráveis e, portanto, longe do poder do Estado. O direto à vida, não só da comunidade socialmente vulnerável, mas também dos agentes públicos que são alocados pelo Estado para sua segurança e defesa, como pondera Butler:

No entanto, o que talvez seja mais importante é que teríamos de repensar “o direito à vida” onde não há nenhuma proteção definitiva contra a destruição e onde os laços sociais afirmativos e necessários nos impelem a assegurar as condições para vidas vivíveis, e a fazê-los em bases igualitárias. Isso implicaria compromissos positivos no sentido de oferecer os suportes básicos que buscam minimizar a precariedade de maneira igualitária: alimentação, abrigo, trabalho, cuidados médicos, educação, direito de ir e vir e direito de expressão, proteção contra maus-tratos e a opressão. (BUTLER. 2016, p.41).

2 COMÉRCIO DE DROGAS E VIOLÊNCIA

A indústria e o combate ao comércio de drogas não são necessariamente opostos entre si, desenvolvem uma dinâmica mais ou menos interligada e interdependente, uma espécie de “coligação” de contrapartida, como também de reforço mútuo, que serve aos interesses de ambos, independente do controle democrático dos cidadãos e, às vezes, do governo:

Por isso a precariedade como condição generalizada se baseia em uma concepção do corpo como algo fundamentalmente dependente de, e condicionado por, um mundo sustentado e sustentável; a reação – e, em última instância, a responsabilidade – se situa nas relações afetivas a um mundo que sustenta e impõe. (BUTLER, Quadros de guerra: quando a vida é passível de Luto? 2016, p.59).

No século XXI, quando transformações do conceito de violência são debatidas academicamente, muitas vezes, a violência é denunciada sob uma grande variedade

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de formas e práticas cotidianas, que podem ter modalidades antigas e novas, mas que juntas nos induzem a pensar que o conceito sobre a matéria sofre metamorfoses. Não obstante, quando discorremos sobre a violência do Estado (BUTLER, 2016, p.60) ou em relação à individualidade, à liberdade e ao direito de ir e vir, falamos de inserções na vida de pessoas comuns, cometidas de diversas maneiras, as quais vêm ocorrendo com a sociedade com o passar dos séculos.

Em primeiro lugar, ter como meta o redirecionamento do foco e a ampliação da crítica política da violência do Estado, incluindo tanto a guerra quanto as formas de violência legalizada mediante as quais as populações são diferencialmente privadas dos recursos básicos necessários para minimizar a precariedade. (BUTLER, 2016, P. 52).

Como já dito, em janeiro de 2017, o noticiário concentrou-se na revolta e disputa de território nos diversos presídios brasileiros pelas diferentes facções do crime organizado ligadas ao tráfico de drogas, tendo como resultado uma centena de mortes de forma violenta, demonstração de força com o propósito de mostrar uma evidente incompetência ou conivência do Estado em suas várias esferas. As facções do tráfico de drogas disputaram hegemonia nos presídios, controle de rotas de tráfico de drogas e armas, do território urbano, e, principalmente, em comunidades socialmente vulneráveis, como favelas, onde o domínio do território garante às facções pontos de varejo no comércio de drogas ilícitas.

Para continuidade, neste ensaio, temos que indicar um pensamento claro sobre o termo violência, porém não é simples, principalmente porque as suas manifestações são demasiadas dispersas e paradoxais, já que a palavra tem origem no latim, significando “abuso de força”, mas também remete a “violare”, agir contra, contra uma lei, contra uma pessoa. Segundo Freud, o homem é fundamentalmente agressivo e a civilização só pode reprimir a situação de guerra e de impunidade, e que a violência em si é fatal (Freud, 1974). No entanto, pode ser considerada como conflitual, posto que a não violência passa pelo reconhecimento do outro como interlocutor e semelhante. Porém, ela pode ser explicada pelo conflito e em casos de legítima defesa ou resistência à opressão e à miséria, mas nunca seria propriamente legítima e, nesta circunstância, voltamos à questão do crime organizado.

Para analisarmos o crime organizado e o narcotráfico, como atividades econômicas ilícitas, devemos compreender sua atuação no corpo social. Em nossa sociedade, essas atividades ilícitas passam a ser, em cada etapa de sua estrutura, agentes da violência, manipulados tanto pelo crime organizado quanto pelas forças repressoras. A violência endêmica é, de certa maneira, provocada pelo Estado, quando decorrente de políticas sociais desastrosas, geradoras de áreas urbanas socialmente vulneráveis, o que delimita fronteiras de atuação do Estado. Como discorre Agamben:

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A nossa política não conhece hoje outro valor (e, consequentemente, outro desvalor) que a vida, e até que as condições que isto implica não forem solucionadas, nazismo e fascismo, que haviam feito da decisão sobre a vida nua o critério político supremo, permanecerão desgraçadamente atuais. (AGAMBEN, 2002, p. 17).

Deste ponto de vista, a violência afeta os direitos individuais, pessoais e existências coletivas. Algumas pessoas a consideram como um comportamento de crise, uma resposta a mudanças de situação. Para encerrar o ciclo, não é suficiente apenas a contabilidade de vítimas e sua subjetividade, por mais importante que seja sua capacidade de mobilizar a opinião coletiva, os meios de comunicação social, o Estado e líderes políticos. Além disso, é preciso também olhar para as diferentes formas da violência: “A questão não é saber se determinado ser vivo ou não, nem se ele tem o estatuto de “pessoa”; trata-se de saber, na verdade, se as condições sociais de sobrevivência e prosperidade são ou não possíveis”. (BUTLER, 2016, p. 67).

Provavelmente mais de noventa por cento das pessoas que moram em comunidade socialmente vulneráveis são na verdade trabalhadores honestos e esforçados. Eles estão lutando por sobrevivência, dignidade e cidadania para si próprios e suas famílias. Muitas das revoltas, por melhores condições de vida, têm uma justificativa. No entanto, como a equação não é tão simples, os moradores dessas regiões são aterrorizados pelos outros 10% de bandidos e sujeitos aliados ao crime organizado, que mantêm uma liderança nefasta nas comunidades. Eles têm medo de se aproximarem da força de segurança pública pelas ameaças de morte que recebem desses grupos marginais. Para conquistá-los, dentro deste conflito, e tentar protegê-los, as forças de segurança pública esforçam-se em provar que os bandidos não podem atingi-los se eles ficarem do lado do Estado. Esta dimensão de perigo está associada à mudança de poder, seja ela do tráfico ou do Estado, que põe em risco a vida dos cidadãos, tornando-os vulneráveis, condição que se aproxima muito do sentenciado por Agamben (2002) e Judith Butler (2016):

Toda a sociedade fixa este limite, toda a sociedade – mesmo as mais modernas – decide quais sejam seus “homosacer”. É possível, aliás, que este limite, do qual depende a politização e a exceptição da vida natural da ordem jurídico estatal não tenha feito mais do que alargar-se na história do Ocidente e passe hoje – no novo horizonte biopolítico dos estados de soberania nacional – necessariamente ao interior de toda a vida humana e de todo o cidadão. A vida nua não está mais confinada a um lugar particular ou em uma categoria definida, mas habita o corpo biológico de cada ser vivente. (AGAMBEN, 2002, p.47).

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Os direitos humanos podem proteger estas pessoas? Ou elas estão permanentemente excluídas da política e condenadas à “vida nua”? Por toda a parte, há violência, privação e opressão, que as normas dos direitos humanos parecem impotentes para evitar. As suas teorias e práticas devem enfrentar os principais problemas identificados por Agamben (2002) – a violência do estado soberano de exceção e a redução da humanidade à “vida nua”. Agamben (2002) retoma a distinção feita por Aristóteles entre “bios” e “zoé”. Bios é o reino da ética e da moral no qual se manifesta o juízo, representa o modo de viver dentro de um grupo que depende da linguagem. Já zoé é a vida nua, natural e biológica comum a todos os homens, ou seja, a mera existência. Para Agamben (2002), a vida nua é o campo em que se mantém o paradoxo, é o lugar em que foi excluída por sua inclusão, onde só o direito pode alcançar o vivente. Assim, a vida torna-se matável pela ordem do poder soberano juridicamente construído, o poder jurídico torna o vivente: excluído, aniquilado e matável.

O Estado tem que exercer a função que lhe é destinada, não a de um estado de exceção, ocupando o espaço com o propósito de acabar com a situação de vulnerabilidade social da comunidade. Pois o abandono dessa população pelo poder legítimo também é uma violência, realçando a precariedade da vida nessas comunidades, e favorecendo uma comunidade de interesse no crime, e cada vez mais dificultando a existência de uma comunidade ética.

Desse modo, a produção normativa da ontologia cria o problema epistemológico de apreender uma vida, o que, por sua vez, dá origem ao problema ético de definir o que é reconhecer ou, na realidade, proteger contra a violação e a violência. (BUTLER, 2016, p.63)

Essa medida torna-se urgente quando as ações de ocupação e desocupação recorrentes da força pública de segurança nas comunidades transformam-se em uma espiral perversa, levando ao descrédito as iniciativas do Estado, o que pode até ser mensurado pela rejeição das intervenções públicas, pois a coletividade tem consciência que sua presença não será uma constante28.

Portanto, a violência sofrida pelos indivíduos dessas áreas urbanas chega a eles por duas formas: uma realizada pela polícia e as forças públicas, outra, pelo crime organizado, quando assume controle das respectivas regiões e impõe uma conduta aos moradores, além do surgimento de grupos de viciados, que, sem recurso para manutenção de seu vício, praticam furtos na comunidade ou no seu entorno, e criam um problema para a saúde pública, pois questão consiste na

28 Na cidade do Rio de Janeiro essa realidade é visível na comunidade da “Cidade de Deus” de forma intensa, só estudado em relatórios internos, porém é um fenômeno passível de análise.

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recuperação29.

Assim como os indivíduos podem ficar viciados no uso de drogas, grupos dessas comunidades estão se tornando viciados no dinheiro, que é gerado no negócio de drogas, isso parece ser igualmente verdadeiro para as agências com a atribuição de controlá-los.

A precariedade perpassa as categorias identitárias e os mapas multiculturais, criando, assim a base para uma aliança centrada na oposição à violência de Estado e sua capacidade de produzir, explorar e distribuir condições precárias e para fins de lucro e defesa territorial. (BUTLER, 2016, p.34).

O comércio de drogas possibilita aos empresários do tráfico (os gerentes da estrutura) contatos com políticos, lembrando que, além de financiarem as campanhas com vultosas quantias de dinheiro obtidas pela atividade, podem ser bons “cabos eleitorais” e contam com a imunidade e a licença de exercer a violência. Dessa maneira, as facções, que controlam o tráfico e as milícias no Brasil, têm conseguido alterar a ordem histórica do Estado e da economia. Promovem uma violência maior do que a tradicional, mas oferecem mais oportunidades de mobilidade e promoção para os estratos mais baixos, pois impõem uma ordem econômica nas respectivas regiões, gerando benefícios para a comunidade de maneira fácil e ágil, mas não menos perversa. A logística e sua estrutura organizacional são simples e rapidamente reconectadas. Pelo contrário, no sistema financeiro do país, a ordem jurídica da redistribuição dos lucros é mais complicada, e os resultados dos programas sociais demoram a beneficiar as sociedades carentes.

A complexidade política e burocrática do Estado, que retarda o atendimento às necessidades desses moradores (saúde, emprego, saneamento básico), favorece a “comunidade de interesse no crime”, onde coabitam as forças de repressão e o narcotráfico. Por outro lado, não se pode negar que o narcotráfico assume o papel “social”, quando promove o “Populismo do Crime”, realizando pequenas ações assistências (auxílio no pagamento de contas básicas dos moradores, custeando consultas médicas, ou intermediando pequenos conflitos e disputas entre moradores). Com estas iniciativas, o crime organizado conquista a simpatia dos moradores e provoca a intolerância entre moradores e policiais, principalmente quando estes intensificam sua ação legal no “território do tráfico”, ficando

29 O uso de drogas está ligado a algumas das questões, como realização de exames de varredura de consumo de drogas ilícitas e substâncias psicoativas na escola e no local de trabalho, tentativas de controle da AIDS entre os grupos que utilizam agulhas como meio de injetar estas substâncias, o problema de saúde pública como consumo de “crack”, uma forma “fumável” de cocaína, na verdade um subproduto da pasta de coca, com cracolândias se espalhando nos centros urbanos, com tentativas de parar o fluxo de drogas e esforços para reduzir a demanda por drogas.

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evidenciada a preferência do domínio do poder marginal ao Estado.

Ao legalizar o dinheiro proveniente do comércio de drogas, a criminalidade passa a participar da normalidade da vida econômica, criando entidades e empresas. Esse processo gera uma competição desigual entre os investidores lícitos e aqueles detentores de capitais de origem ignorada, o que compromete a estabilidade econômica, a normalidade política derivada da economia e as bases legais do Estado. Pois ao contrário do que muitos acreditam, estes grupos à margem da Lei não só controlam a atividade do tráfico, mas também regulam o acesso a instituições estatais, estabelecendo estruturas de controle clientelista locais e o exercício da violência, elementos que compõem seu poder logístico.

A organização é vital para caracterizar como crime organizado uma associação delinquente; alto poder de intimidação e violência; preferência pela prática de crimes rentáveis, entre eles, extorsão, pornografia, prostituição, jogos de azar, tráfico de armas e entorpecentes etc.; tendência a expandir suas atividades para outros países em forma de multinacionais criminosas, e, finalmente, diversidades de atividades para garantir uma maior lucratividade.

O exercício da violência, praticado pelo crime organizado, leva-nos a outra vertente, ou seja, a exposição e o uso ostensivo de armamentos, notadamente fuzis30, dois movimentos complementares: o tráfico de armas e o tráfico de drogas.

Importante salientar que a ostentação de armas tem uma concentração maior onde existe disputa por comunidades para comercialização do varejo de drogas entre as várias facções, notadamente isso não ocorre com tanta freqüência em São Paulo, “a revolução violenta da arma barata”, como fala Michael Mann (2013).

Grande culpa desse cenário pode ser atribuída ao Estado, que, devido à sua desorganização, perde a credibilidade, quando em nome de interesse político, divulga e promete medidas para combater a criminalidades, promessas, que ficam além de sua eficiência, e não são aplicadas.

3 O CRIME ORGANIZADO COMO EMPRESA

Os motivos pelos quais as pessoas produzem, vendem e consomem drogas são muito complexos. O dinheiro e o poder associados à pobreza e à marginalização, que fazem parte da contradição social do Brasil, também representam as razões do tráfico, produção e comercialização. Mas outras respostas explicam o florescimento

30 Como as armas chegam às mãos do crime organizado? São diversos fatores: roubo em unidades militares, roubo em empresas de segurança, corrupção entre os agentes de fronteira encarregados de impedir que isso ocorra. Em geral, elas entram pelas fronteiras secas do Paraguai e da Bolívia, e por via portuária. Grande parte de armas apreendidas é de origem chinesa (plataforma Norico, cópia chinesa da AK-47), entrando pelo Porto, Bolívia e Paraguai, além de armas AR-14 da US Armalite, que chegam ao Brasil, pelo Paraguai, importadas da Flórida.O trio básico: portos, aeroportos e fronteiras são as veias do tráfico em geral.

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da economia da droga e encontram-se na forma de organização do Estado. Estas estão relacionadas ao modo como uma sociedade está estruturada, podendo ser até interpretada como uma reação à violência social sofrida.

Consumo de drogas tem consequências trágicas, tanto para os usuários quanto para toda a sociedade e a nação, portanto, é importante conhecermos a história do uso e da repressão dessas substâncias no Brasil se quisermos escolher decisões sobre o problema agora e no futuro.

O mercado global de cocaína vale cerca de 71 bilhões. Os maiores produtores são a Colômbia, equivalendo a cerca de 50%, Peru, 32%, e Bolívia, 15%. Destes três países, a Colômbia é o maior produtor de folha de coca e de cocaína desde 1997. No mundo existem 13 milhões de consumidores de cocaína, dois milhões estão no Brasil (ONU, 2017).

Sendo assim, para melhor compreensão da realidade existente no país, teremos que nos reportar as décadas de 1960-70 do século XX, quando presos políticos passaram a conviver com criminosos perigosos em presídios da Ilha Grande e o presídio da Frei Caneca, no estado do Rio de janeiro, os marginais comuns tiveram acesso às estratégias e ao desenvolvimento dos métodos e estruturas de ação organizacional, os delitos, até aquele momento, eram realizados de forma amadora. Este contato com os intelectuais presos proporcionou a orientação de como atuar de maneira conjunta. A detenção e a aproximação forçada foram quesitos imprescindíveis para o compartilhamento de conhecimentos. Desse encontro despontou um fruto perigoso: o Comando Vermelho. Há muito que estudar sobre os presídios brasileiros, como divulgadores de ações criminosas.

As facções de drogas multiplicaram-se após o surgimento do Comando Vermelho, surgiram diversas outras, sendo as mais famosas o Primeiro Comando da Capital (PCC), em São Paulo, e a Família do Norte, na Região Norte e Nordeste, que ganhou expressão nacional com a crise dos presídios em janeiro de 2017. No entanto, o poder logístico das facções concentra-se no domínio das rotas, sua atividade econômica está direcionada à regulação das atividades criminosas, mantendo relações transnacionais com parceiros preferenciais ou parceiros para o mercado de distribuição atacadista, sendo normais relações estreitas com o crime organizado internacional, incluindo a máfia (italiana, russa, nigeriana).

A internacionalização da criminalidade e da aplicação da lei, e a sua dinâmica mútua, estão intimamente relacionadas com as mudanças no cenário mundial, provocadas pelo fim da Guerra Fria, a globalização, a integração regional e as reformas neoliberais. As transformações decorrentes desses desenvolvimentos e processos são múltiplas. Elas produziram novos padrões de hierarquia e dominância no sistema internacional e modificaram o papel do Estado neste contexto. Com isso, vemos novas formas de soberania (por exemplo, econômicas, multilaterais, multinacionais) e de relações entre sistemas econômicos e políticos (por exemplo, desregulamentação, informalização, corrupção). Essas mudanças no sistema

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político e econômico mundial também levam a uma diminuição da separação entre os quadros interno e internacional para a formulação de políticas e a gestão dos assuntos econômicos.

O aumento concomitante do poder das forças de mercado e o impacto das reformas neoliberais debilitaram as capacidades dos Estados ou a disposição de regular e controlar esses fluxos. A globalização também tem promovido a expansão de redes e transações ilegais em todo o mundo. As diásporas migratórias ligam os países produtores de drogas relativamente pobres aos mercados de consumo com um poder de gasto muito maior. A tecnologia financeira torna mais fácil esconder o produto do crime e aumentar o comércio em geral, susceptível em relação às oportunidades de contrabando e fraude.

Tais consequências podem, no entanto, ser provocadas mais pelo fato de suas atividades serem ilegais, do que as suas organizações criminosas. Maior o poder de alavanca que o crime organizado pode atingir é sua intocabilidade – que vem com a internacionalização de suas atividades – que o torna uma ameaça à autoridade de um Estado. Situação que se agrava na medida em que os governos recorrem, cada vez mais, à criminalização e a meios repressivos para o controle de suas atividades.

O tráfico de drogas é, em grande parte, um negócio transnacional. A sua indústria consiste em várias etapas: cultivo, refinação, transporte, distribuição, lavagem de dinheiro e investimento de receitas. Em cada estágio da trajetória da droga, desde a produção até a distribuição, obtêm-se lucros, que são consumidos ou investidos, mas, muitas vezes, exigem alguma forma de lavagem para esconder suas origens ilegais.

Dos campos de maconha, coca e papoula aos laboratórios de refino e, posteriormente, aos consumidores, as drogas passam por diversas rotas de transporte e distribuição. Atravessam muitas fronteiras territoriais, jurisdições formais e informais. Técnicas de lavagem mais sofisticadas igualmente usam uma elaborada rede internacional de instituições financeiras, empresas de comércio e investimento para esconder os lucros da droga. As várias etapas da trajetória da droga e a vinculação delas envolvem a participação e, ocasionalmente, a organização de um grande número de pessoas diferentes para a adequada execução das atividades, incluindo a proteção contra invasões por órgãos policiais e concorrentes.

A dimensão transnacional da indústria das drogas ilícitas não é apenas em função da distância territorial entre as principais regiões de produção e de consumo. Ela também consiste nas conexões que são feitas por meio de redes e organizações com diversas bases que, às vezes, desenvolvem operações transnacionais. Assim, as diferenças nos códigos legais dos países e as capacidades de aplicação da lei moldam as oportunidades para os empresários de droga evitar os riscos de interdição e acusação e proporcionar o florescimento de seus negócios.

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A variedade de leis e sistemas de controle e criminalização em todo o mundo e as disparidades em capacidade e determinação para controlar o problema da droga exibido por vários países permitem que os grandes traficantes aproveitem os pontos fracos.

De acordo com uma estimativa recente do Programa das Nações Unidas para Controle Internacional de Drogas (PNUCID), as receitas totais provenientes da indústria de drogas ilícitas são equivalentes a cerca de 8% do comércio internacional (Organização das Nações Unidas, 2017).

4 O RIO DE JANEIRO E A VIOLÊNCIA CIRCUNDANtE

No Rio de Janeiro, a disputa e a tomada de territórios inteiros sob domínio do Estado realizados pelo crime organizado têm sido uma constante, não obstante configura-se de forma diferente de outras regiões, por uma fragmentação do crime organizado em diversas facções31 e as Milícias32. Em estratégia de segurança, contra

insurgência clássica militar, saberíamos que esta diversidade de facções e a luta entre elas por territórios levariam as forças do governo a uma rápida supremacia sobre o crime organizado. No entanto isso não ocorre no Rio de Janeiro, apesar da política inicialmente bem-sucedida de polícia de proximidade (que ainda vem dando certo em diversas comunidades). Portanto, resta a pergunta: porque as forças de Segurança do Estado fluminense não se impõem ao crime organizado? Aexistência de uma comunidade de interesse no crime faz parte da resposta que, talvez, advenha da realização de um estudo acadêmico em relação às milícias. A questão propulsora é o motivo pelo qual as milícias, conseguiram se estabelecer em áreas dominadas pelo tráfico, quando são formadas. As milícias, formadas em grande maioria por membros muitas vezes oriundos das forças públicas de segurança, graças a sua organização militarizada, instituem uma área de exceção nas comunidades que dominam, praticam uma violência cruel valendo-se de ações militares sem a estrutura regulamentar, disciplinar e jurídica que rege as organizações de Segurança Pública estatais. Um estado de exceção, todavia, não resolveria a questão do crime organizado no Rio e só provocaria mais violência:

A exceção é uma espécie de exclusão. Ela é um caso singular, que é excluído da norma geral. Mas o que caracteriza

31 No Rio de Janeiro, em 2016-2107, são atuantes o Comando Vermelho, o Terceiro Comando, o Terceiro Comando Puro e o Amigo dos Amigos.

32 No Rio de Janeiro, grupos paramilitares armados, que dominam grandes áreas, disputam essas com o tráfico e, muitas vezes, obtêm o sucesso que as forças policiais organizadas não conseguem ter, mas exploram a comunidade cobrando serviços e segurança e, em alguns casos, praticando também o tráfico de drogas.

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propriamente a exceção é que aquilo que é excluído não está, por causa disto, absolutamente fora de relação com aquela na forma de suspensão. A norma se aplica à exceção desaplicando-se, retirando-se desta. O estado de exceção não é, portanto, o caos que precede a ordem, mas a situação que resulta da sua suspensão. Neste sentido, a exceção é verdadeiramente, segundo o étimo, capturada fora (ex-capere) e não simplesmente excluída. (AGAMBEN,2003, p.35).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão é como realizar uma política de Estado em um mundo globalizado, onde o crime organizado age como empresa transnacional e amplia suas operações entre si, competem por mercados ou estabelecem formas de cooperar em suas atividades e, de certa maneira, produzem formas de violências constantes.

O crime organização, ligado ao narcotráfico, cresceu nesta ausência do Estado, que favoreceu a “comunidade de interesse no Crime”. No caso especial do Rio de Janeiro, devemos incluir também as milícias - portadoras de uma estrutura hierarquizada, com divisão funcional de atividades, sofisticada e compartimentalizada em células; com cadeias de comando e divisão de trabalho bem delineados, revestido por uma rígida subordinação hierárquica entre seus componentes; estrutura quase híbrida entre uma empresa capitalista familiar e uma associação paramilitar; uso de meios tecnológicos sofisticados; e simbiose frequente com o poder público.

Além de afetar as relações interpessoais e o patrimônio individual, o crime organizado e a lavagem de dinheiro têm objetivos e finalidades especiais, com espírito empresarial, uma série de macro atuações, algumas de caráter multinacional, e que influenciam de maneira importante o próprio sistema econômico. Percebemos essa influência quando nos deparamos com as estimativas aproximadas sobre o volume de dinheiro “sujo” em circulação, e o fluxo de valores encaminhados aos paraísos fiscais.

Esse dinheiro, proporcionado pelo narcotráfico, corrupção pública, contrabando e outras formas de crimes organizados, necessita passar por um processo de “legalização” ou “Lavagem de dinheiro”, que encontra no circuito econômico seu veículo necessário e natural, criando-se uma “comunidade de interesse no Crime”, a qual deve manter comunidades inteiras em situação vulnerável e em situação de vida nua e “mutável”. Portanto, a principal Política Pública de Segurança deveria ser o oposto: repensar, no meio desta guerra, o direito à vida.

Não existem respostas fáceis, o crime organizado é uma empresa e, portanto, depende de uma cadeia logística, um estudo multidisciplinar. A violência persiste de forma avassaladora sobre as comunidades vulneráveis, perpetua a sua condição, apresenta-se de diversas formas: econômica, social o que atinge a integridade física e de vida.

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Qualquer política de Segurança Pública deve inicialmente garantir a vida, esta é a base da conquista de corações e mentes, porém para combater a comunidade de interesse no crime, a Política Pública deve garantir as funções essenciais do Estado: segurança, saúde, educação, a prática de cidadania. A criação de uma comunidade de valores seria um contraponto de comunidade de interesse no crime. Um Estado onde a população carece de ética e moral, está fadado à falência institucional.

REFERÊNCIAS

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Max Weber. Londres: Routledge, 2014.

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Pós-Graduação em Sociologia da UFSCar, v. 1, n. 1, p. 13, 2012.

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Recebido em: 18 jan. 2017 Aceito em: 15 set. 2017

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