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O CANTO DA SEREIA

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Academic year: 2022

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O CANTO DA SEREIA

Giulianna Loffredo (05/11/2020)

O CANTO DA SEREIA

Século XVIII Mar Mediterrâneo 23h42min

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— “O primeiro registro do mito das sereias foi na mitologia grega.

Alguns escritos afirmam que elas seriam mulheres que ofenderam a Deusa Afrodite e como castigo foram viver em um ilha isolada. Em outros conta- se que elas eram ex-companheiras de Perséfone, filha de Zeus e Deméter, que foi raptada por Hades, Deus dos Infernos. A sua habilidade de maior destaque era de enfeitiçar os homens. Seu canto seria capaz de atrair qualquer um que o escutasse. O mito conta que os marinheiros eram atraídos pelo seu canto, aproximando-se o bastante para ouvir seu belíssimo som. Consequentemente eles se descuidavam e naufragavam.”

— Nos fez parar a música pra ouvirmos isso, Noah? — retrucou o Capitão, frustrado.

— Oras! E o que seria de nós sem lendas sobre sereias?! — exclamou Noah.

— Ao menos não pensariam que estamos bêbados o tempo todo. — E todos caíram na risada.

— É exatamente por isso que as lendas perpassam tempos, Capitão, pois nenhum marinheiro sóbrio sobreviveu para contar história. — Eles riram novamente. — Salve a marujada!

— Salve! — e brindaram alegremente.

A música voltou a ser tocada no saguão principal, embora muitos já pareciam estar distantes demais para ouvi-la. À noite sempre era fria e a bebida acabava sendo mais reconfortante do que as cobertas de suas cabines.

Os marinheiros comemoravam a travessia do Atlântico completando o vigésimo primeiro dia a bordo do Seraphine e seguiam em direção ao mar do Egeu. Deveriam chegar à Grécia em alguns dias para desembarcar produtos vindos da América em troca de outros produzidos em solo grego.

Naquela época, chegar ao destino sem grandes avarias no navio era de fato algo a ser comemorado.

Embora Noah já tivesse adquirido experiência suficiente navegando em nome de diversas companhias, havia algo que o diferenciava dos demais marujos: Sua imaginação. O trecho que leu anteriormente a respeito das sereias advinha de seu livro de bolso sobre seres mitológicos que ganhara de seu pai quando era criança. Noah também apreciava boas festas e a bebida, mas nunca se permitia esquecer o motivo de ter se tornado um homem do mar: As sereias. Além do livro, a gaita também era um instrumento o qual nunca deixava para trás.

Ao notar que seus companheiros de viagem mal deram ouvidos às lendas que um dia o fizeram se apaixonar pelo mar, ele subiu até o cesto da gávea onde começou a tocar uma bela melodia. Pode parecer que ele se sentia só, mas gostava de pensar que em algum lugar, elas o estariam escutando.

Jacob, um marujo de primeira viagem que desde o primeiro dia havia se aproximado de Noah por conta das lendas que contava, decidiu lhe fazer companhia.

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— Está congelando aqui em cima! Tome, beba um pouco. — disse Jacob oferecendo-lhe um cantil de rum.

— Obrigado. — respondeu Noah após alguns goles.

— Para quem estava tocando? — perguntou o amigo intrigado.

Mas Noah apenas continuou com a melodia da gaita.

— Você realmente acredita nelas, não é?

— O que eu ganho por não acreditar?

— Eu não sei, me diga você: O que ganha por acreditar?

— Esperança, eu acho. Somos navegantes num mar que não

conhecemos, Jacob, e provavelmente jamais o conheceremos por inteiro, então que ele conserve sempre nossa coragem em aceitar esse mistério.

— Ainda espera encontrar alguma?

— Não, eu não seria merecedor de tamanha dádiva. Se fosse para se mostrarem, com certeza não seria para um mero marujo como eu.

— Oras, e onde está a sua esperança, homem?! —exclamou Jacob. — Venha, vamos aproveitar a festa, está muito frio aqui e precisamos de você vivo para o encontro com a sereia. — eles riram.

Noah e Jacob passaram a madrugada falando sobre sereias nas diversas culturas; quanto mais bebiam, mais imergiam nas lendas. Jacob já estava enjoado das mesmas conversas dos outros marinheiros das quais quase sempre envolviam o receio de por alguma razão não conseguirem retornar para seus lares e pessoas amadas. Então ouvir Noah falar de maneira tão apaixonada por aqueles seres especiais, fazia com que se esquecesse de um pouco das preocupações do mundo real.

Os amigos acabaram se entregando ao sono se acomodando em um dos botes salva-vidas expostos no convés central, exaustos após se aventurarem em seus próprios sonhos ao longo da madrugada e claro, depois de dividirem uma garrafa inteira de rum.

Uma camada de neblina envolveu o Seraphine tornando uma alvorada difícil para quem fazia a vigia. As estrelas ainda estavam cintilantes e a lua iluminava as aguas esverdeadas, era como se estivessem atravessando um portal para uma terra desconhecida.

Noah desperta ao ouvir um som ecoando pela extensão negra e infinita que esvaia pelo horizonte. Era uma voz doce e serena que parecia repetir a melodia de sua gaita.

—Ei Jacob! Ouviu isso? — sussurrou ao parceiro que dormia ao lado.

— Isso o que?

— Isso... Parece alguém cantando.

— Você bebeu demais, é melhor voltar a dormir. — aconselhou Jacob.

— Droga! —resmungou Noah levantando-se do bote.

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Envolto na coberta para se proteger do frio, caminhou até a proa na esperança de ouvir a música mais uma vez, mas sem sorte. Aproveitou então para tentar localizar a rota que traçava o Seraphine em meio à neblina, porém mais uma vez em vão, já que nada poderia ser visto à frente. O marinheiro estranhou o fato de isso nunca ter acontecido naquela região antes, mas o dia logo clarearia para aliviar sua angústia, isto é, pelo menos com relação às coordenadas, mas não quanto à voz misteriosa que ouvira.

Noah decidiu dormir novamente, desta vez encolhido em sua cabine na esperança de esquecer seja lá o que tivesse ouvido. Estava certo de que poderia ter se enganado muitas vezes, mas o que sentia em seu coração o fazia crer que nada daquilo passava de uma ilusão... Talvez fé.

Há algumas horas antes pra quem acordara com um canto sutil, se assustaria com a movimentação intensa nos interior do Seraphine.

— Vamos Noah! Acorda! Nós precisamos sair daqui! — exclamava Jacob, afobado.

— O que? Você ficou louco? — retrucou Noah desnorteado.

— O navio está sendo invadido! Vamos!

—O que está acontecendo?

— Piratas! Adentramos o território deles sem permissão e agora estão irados!

— A neblina... — suspirou Noah.

— Os botes já estão sendo arriados, mas talvez não haja espaço suficiente para todos. Precisamos correr!

Ambos se aprontaram rapidamente, pegaram alguns pertences e correram em direção ao convés superior na esperança de encontrarem lugar nos botes. Quase todos já tinham sido lançados ao mar. O Capitão Ryder estava morto assim como o primeiro e segundo oficial. O navio seria tomado pelos marginais; era cada um por si.

Noah se deu conta que o dia estava bonito demais para acabar daquela forma, mal conseguia processar o que acontecia em seu redor.

Águas verdes quase que cristalinas rodeavam o Seraphine e se olhasse com mais atenção, graças aos raios solares poderia ver a areia branca ao fundo, além das belas ilhas que tornavam toda a paisagem ainda mais esplendida.

Mesmo após anos navegando, Noah nunca tivera a má experiência de cruzar com piratas, logo pensou que esses sim eram lendas das quais não gostaria de ter conhecido.

Noah e Jacob ocuparam o último bote, porém o marinheiro se deu conta que havia se esquecido de seu bem mais precioso:

— Meu livro! Eu preciso voltar! — exclamou Noah.

— O que?! A essa altura já saquearam nossas cabines! É uma missão suicida!

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— Eu preciso tentar... Boa sorte, Jacob! —disse segurando a mão do novato em um ato de despedida. — Foi um prazer navegar com você! — e partiu em busca de seu livreto.

— Noah, volte aqui! Não faça isso! —insistiu Jacob, sem sucesso.

O caminho de volta à cabine parecia livre, mas ao chegar, teve o azar de se deparar com um dos inimigos que estava justamente folheando seu livro.

— Este lugar não pertence mais a você, marujo. — ameaçou o pirata apontando um revólver a Noah.

— Eu não quero problemas, só vim buscar meu livro. Você pode ficar com todo o resto. — revidou Noah, trêmulo.

— Isto deve ser mesmo bem importante para você a ponto de se arriscar vindo até aqui. Então o que é especial para você, é especial para mim. Eu fico com isto. — retrucou ele com sarcasmo guardando o objeto em seu casaco.

— Mas ele não possui nenhum valor. — insistiu Noah.

— Ah, é aí que você se engana! Ele possui muito valor sim: Um valor sentimental, um dos mais requisitados neste meio. Sabe — continuou o homem andando de um lado para o outro na cabine — Eu já ouvi falar de uma lenda sobre as sereias... Dizem que quando um marujo afunda em suas águas, dependendo do seu caráter, elas irão decidir se deverão afogá-los ou resgatá-los. Já se perguntou o que aconteceria com você? — perguntou ele ao mesmo tempo em que atirou contra Noah no peito.

Ele desabou contra o chão no mesmo instante. A dor era flamejante e aos poucos começara a perder os sentidos. As primeiras lágrimas vieram à tona, ele mal lembrava o que eram já que tantas vezes as reprimiu.

Costumava dizer que vivia envolto por água demais para se permitir chorar sem necessidade. Besteira... Noah agora se dava conta do sopro que se trata a vida. “Então é isso?” Ele se perguntava.

Foi quando se lembrou da frase da contra capa de seu livro que agora se perderia para sempre: “Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.” Isso soou como sinos de uma Igreja trazendo-lhe uma profunda paz. Ele simplesmente sorriu e aceitou seu destino.

Dois subordinados cantarolavam enquanto carregavam Noah para o convés superior: “Ouro pra nos alegrar... Em terra dançamos, bebemos olhando belas mulheres a bailar... Música pra nos alegrar...

Saquear, roubar, partir, é o que vai nos divertir!” Noah, ainda consciente, não se esqueceria tão facilmente daquela letra.

Lançaram então, seu corpo ao mar, descartado como se fosse um objeto qualquer. Noah não teve medo, apenas desejava que sua dor esvaecesse logo. Nem mesmo se esforçou para nadar contra seu peso que

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afundava rapidamente, pois sabia que só iria retardar ainda mais o sofrimento. Em seus pensamentos pedia perdão aos seus pais, a Jacob e a todos aqueles que aguardariam ansiosos pelo seu retorno. E seu último desejo era que o livro chegasse às mãos de alguém que pudesse se sentir tão maravilhado quanto ele quando o leu pela primeira vez, assim ele seria passado adiante e as lendas jamais morreriam.

E no que parecia ser também seu último fôlego, Noah observou uma mistura de cores à distância, como se fosse um pequeno arco íris dentro da água. O brilho vinha acompanhado da voz que ouvira na madrugada anterior. “Estou alucinando”, pensou ele.

Bastaram alguns segundos para que uma linda mulher se aproximasse; na verdade ela era metade mulher e metade peixe. E era sua formidável calda negra com escamas que refletiam as cores do arco íris que chamaram atenção do marinheiro. “Você é real”, disse o jovem em pensamento.

Seus cabelos longos e arroxeados percorriam seu rosto. Ele estava encantado com tamanha beleza e ela sorriu como se pudesse ler sua mente.

Foi quando, num toque sutil, ela o beijou.

Num primeiro momento, Noah se sentiu extremamente vibrante chegando a pensar: “se soubesse que teríamos um encontro marcado, ao menos teria feito a barba”. O marujo riu dele mesmo em seguida ao se recordar das palavras de Jacob sobre a importância de estar vivo para se encontrar com a sereia.

Porém, logo se lembrou da lenda que o malvado pirata havia lhe contado momentos antes de apertar o gatilho. O que a sereia decidiria?

“Meu destino agora pertence a você”, pensou o marinheiro por fim, envolvendo-a em seus braços.

FIM

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