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ECLI:PT:TRE:2013: TBSTR.E1

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ECLI:PT:TRE:2013:2375.12.0TBSTR.E1

http://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:TRE:2013:2375.12.0TBSTR.E1

Relator Nº do Documento

Sérgio Corvacho

Apenso Data do Acordão

07/05/2013

Data de decisão sumária Votação

unanimidade

Tribunal de recurso Processo de recurso

Data Recurso

Referência de processo de recurso Nivel de acesso Público

Meio Processual Decisão

Recurso Penal provido parcialmente

Indicações eventuais Área Temática

Referencias Internacionais

Jurisprudência Nacional

Legislação Comunitária

Legislação Estrangeira

Descritores

conexão de processos; processo sumário; competência conexão; medida da pena; pena acessória;

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Sumário:

I – A conexão prevista no art. 24.º do CPP opera independentemente da forma de processo, desde que, tratando-se de forma especial (processo sumário), não sejam transpostos os respectivos limites de aplicação, designadamente em matéria de moldura punitiva (pena de prisão não superior a cinco anos, na redacção aprovada pela Lei nº 48/07,de 25.08, vigente ao tempo do processado).

II – Não obstante a competência definida pelo art. 169.º do Código da Estrada (CE) para a

aplicação de coimas e outras sanções de âmbito rodoviário, prevalece o disposto no art. 38.º, n.º 1, do RGCO, quando em concreto se verifique concurso de crime e de contra-ordenação.

III – Tal conclusão não prejudica, porém, a faculdade do agente cumprir a coima que corresponda à contra-ordenação pelo seu valor mínimo, nos termos do art. 172.º do CE.

IV – Por isso, nos casos abrangidos na previsão daquele nº 1 do art. 38º do RGCO, também terá de ser conferido ao agente da contra-ordenação o ensejo de cumprir a respectiva coima pelo mínimo legal, sob pena de se criar uma desigualdade de tratamento, susceptível de colidir com princípio constitucional da igualdade consagrado pelo art. 13º da Lei Fundamental.

V - Se o processo atingiu o momento da decisão final, sem que tivesse dada ao arguido aquela possibilidade, terá o procedimento contra-ordenacional de retroceder para a fase administrativa, com a consequente separação de processos, não se justificando que o andamento do

procedimento criminal, pela sua superior relevância, tenha de ficar dependente do preenchimento de requisitos específicos do ilícito de mera ordenação social.

VI - Se, para a determinação concreta da medida da pena acessória de proibição de conduzir, o tribunal lançou mão explicitamente de uma fórmula de cálculo, consubstanciada na adição da medida da pena se não tivesse antecedentes criminais com a soma quantitativa das penas da mesma natureza em que o arguido foi anteriormente condenado, em processos anteriores, tem subjacente uma estranha noção de «acumulação» da responsabilidade criminal, que colide frontalmente com os princípios fundamentais do direito penal.

Decisão Integral:

Processo nº 2375/12.0TBSTR.E1

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I.Relatório

No Processo Sumário nº 2375/12.0TBSTR, que correu termos no 2º Juízo Criminal de Santarém, foi proferida em 16/10/12 sentença, como seguinte segmento decisório (excepto matéria de custas):

Face ao exposto, por considerar a acusação procedente, por provada, o Tribunal decide:

a) Condenar o arguido A pela prática do crime de desobediência. p,p. pelo art. 348º. n° 1, al. b), do Cod. Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz o montante global de €360,00 (trezentos e sessenta euros);

b ) Condenar o arguido A pela prática do crime de condução em estado de embriaguez. p.p. pelo artigo 292º. nº 1, do Cód. Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão:

por considerar que as finalidades de punição ficam devidamente salvaguardadas, determina-se o

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cumprimento da pena de prisão aplicada em regime de "prisão por dias livres'', com início no 5° fim de semana posterior à data do trânsito em julgado desta sentença, sendo executada em 42

(quarenta e dois) períodos, cada um deles com a duração de 36 (trinta e seis horas), com início ao Sábado pelas 9:00 horas e término ao Domingo pelas 21.00 horas:

c) Em cúmulo, condenar o arguido A na pena única de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de

€6,00 (seis euros), o que perfaz o montante global de €360,00 (trezentos e sessenta euros) e na pena de 7 (sete) meses de prisão, com cumprimento em regime de "prisão por dias livres", com início no 5º fim de semana posterior à data do trânsito em julgado desta sentença, sendo executada em 42 (quarenta e dois) períodos, cada um deles com a duração de 36 (trinta e seis horas), com início ao Sábado pelas 9:00 horas e término ao Domingo pelas 21.00 horas.

d) Condenar o arguido A na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 24 (vinte e quatro) meses e 15 (quinze) dias;

e) Condenar o arguido A pela prática da contraordenação prevista no art. 145º, nº 2, do Cód.

Estrada, ao pagamento da coima de € 1000,OO (mil euros):

f) Condenar o arguido A sanção acessória de inibição de condução, prevista no art. 147º, nº 2, do Cód. Estrada, pelo período de 5 (cinco) meses, sanção a ser cumprida após o cumprimento da pena acessória referida em –d)-:

Com base nos seguintes factos, que então se deram como provados:

1. No dia 05/10/2012, às 03:32 horas. na Estrada Municipal Vale de Santarém, Fonte Boa.

Santarém, o arguido foi detetado pela Guarda Nacional Republicana a conduzir o veículo automóvel matrícula 12-31-EP, ligeiro de Passageiros.

2. O veículo referido no número 1. encontrava-se apreendido desde 28/03/2012, por não ter efetuado seguro de responsabilidade civil, tendo o arguido sido nomeado fiel depositário e com a obrigação, entre outras, de não o utilizar, tendo-lhe sido feita a cominação, pela GNR, de que, se o fizesse, cometeria um crime de desobediência.

3. No momento indicado no número 1. dos factos provados, o arguido conduzia com uma taxa de alcoolemia no sangue de 1.56 g/l.

4. O arguido, no momento indicado no número 1. dos factos provados, conduzia tal veículo sem que tivesse celebrado previamente contrato de seguro de responsabilidade civil obrigatória com companhia de seguros do ramo.

5. O arguido agiu livre e conscientemente, com o propósito de conduzir o veículo referido em

estado de embriaguez e com o propósito de o utilizar, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

6. O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos.

Mais se apurou que:

7. O arguido tem os seguintes antecedentes criminais:

- Por sentença referente ao processo n° 158/05.2PTSTR. proferida pelo Tribunal Judicial de

Santarém, datada de 06/01/2006, foi o arguido condenado pela prática, em 09/12/2005, do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 4.00. o que perfaz o montante global de € 60.00 e ainda na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período ele 4 meses:

- Por sentença referente ao processo nº 165/07.0GCSTR. proferida pelo Tribunal Judicial de

Santarém, datada de 17/05/2007, foi o arguido condenado pela prática, em 09/05/2007, do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 4.00. o que perfaz o montante global de € 400.00 e ainda na pena acessória de proibição de

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condução de veículos motorizados pelo período de 6 meses:

- Por sentença referente ao processo nº 80/08.0GTSTR. proferida pelo Tribunal Judicial de

Santarém, datada de 13/03/2008, foi o arguido condenado pela prática, em 21/02/2008, do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 07 meses de prisão, prisão suspensa na execução pelo período de 1 ano, e ainda na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 10 meses.

8. O arguido aufere € 642.00 mensais.

7. É reformado.

9. Vive em casa própria e a mulher também é reformada. (a inversão da ordem dos pontos 7 e 8 da matéria de facto provada figura no texto da sentença)

Da referida sentença o arguido veio interpor recurso devidamente motivado, formulando as seguintes conclusões:

1 - No dia 05/10/2012 foi o arguido detectado a conduzir sob a influência do álcool, tendo acusado uma TAS de 1,56g/l, pelo que foi detido e constituído arguido, e notificado para comparecer no Tribunal Judicial de Santarém no dia 08/10/2012 pelas 14:00 afim de ser submetido a julgamento em processo sumário.

2 - Na data designada o arguido foi julgado em processo sumário, tendo a final o arguido e aqui recorrente sido condenado:

(segue reprodução das alíneas a) a f) do segmento decisório da sentença)

3 - Entende o arguido e aqui recorrente que o presente processo enferma da nulidade insanável prevista no art. 119.° aI. f) porquanto foi empregue forma de processo especial fora dos casos previstos na lei;

4 - O arguido foi detido em flagrante delito por conduzir sob o efeito do álcool, conf. auto de noticia elaborado pela PSP, tendo sido o arguido notificado pela entidade policial ás 04:00 desse mesmo dia 05/10/2012 para comparecer no Tribunal Judicial de Santarém no dia 08/10/2012 pelas 14:00 afim de ser submetido a julgamento em processo sumário, não constando quer do auto de noticia qualquer referência á existência de qualquer crime de desobediência, sendo que só em sede de audiência de julgamento é que o arguido foi confrontado com o facto de que também se encontrava acusado da prática de um crime de desobediência p. e p. pelo art. 348.° n." 1 al. b) do CPP.

5 - Foi a prática deste crime de condução sob o efeito do álcool que fundamentou a sua detenção em flagrante delito, isto é, ao abrigo do disposto no art. 256.° n.º 1 do CPP, pelo que apenas e só por este crime poderia ter sido julgado em processo sumário, nos termos e ao abrigo do disposto no art.381.° do CPP.

6 - Determina o art. 262.° n.º 1 do CPP que ressalvadas as excepções previstas neste Código, a noticia de um crime dá sempre lugar á abertura de inquérito, pelo que não tendo o arguido sido detido em flagrante delito por força de qualquer crime de desobediência, não poderia o mesmo ter sido julgado pela prática do mesmo em processo sumário, impondo-se a abertura de inquérito, tendo assim este Tribunal violado o disposto nos artigos 381.° nº do CPC e art.º 262.° n.º 1 e 2 do CPP.

7 ~ Deverá pois ser o presente processo ferido de nulidade insanável por emprego de forma especial quando o mesmo deveria correr sobre a forma comum, devendo consequentemente declarar-se nulo todo o processado após o levantamento do auto de noticia, mais devendo proceder-se ao reenvio do mesmo para inquérito.

8 - Enferma do vicio de nulidade a douta sentença porquanto o Meretissimo Juiz a quo conheceu de contra-ordenação rodoviária, questão sobre a qual não poderia conhecer, uma vez que carece

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de competência em razão da matéria para tal.

9 - Determina o art. 169.° do Código da Estrada que a competência para aplicação das coimas e sanções acessórias no âmbito das contraordenações rodoviárias cabe única e exclusivamente á ANSR, sendo o Código da Estrada é, relativamente ao disposto no RGCO, uma Lei especial que se sobrepõe aquela, só sendo aplicáveis as normas do RGCO a título subsidiário, não tem aplicação no caso aqui em apreço o disposto no art. 38 n.º 1 do RGCO, tendo assim sido violadas tais normas.

10 - Deverá pois ser revogada a decisão no que á contra-ordenação imputada ao arguido respeita e ser a mesma remetida á ANSR para apreciação e decisão.

11 - Foi violado pela douta sentença ora recorrida, ao condenar o arguido na prática de contra- ordenação rodoviária em sede de processo sumário, todos os direitos de defesa que ao arguido e recorrente assistem porquanto não foi dado cumprimento ás regras processuais que disciplinam o regime das contra-ordenações no âmbito da circulação rodoviária;

12 - Havendo noticia da prática de uma qualquer contra-ordenação, impõe-se em primeiro lugar que seja levantado o respectivo auto de noticia o que de forma alguma aconteceu no caso aqui em apreço, sendo que mais uma vez só em sede de audiência de julgamento é que o arguido teve conhecimento de que também lhe era imputada a prática da contra-ordenação rodoviária p. e p.

pelo art." 145.° n.º 2 e 147.° do Código da Estrada.

13 - A entender-se que o douto Tribunal recorrido teria competência para apreciar a contra-

ordenação, então, sempre ao arguido teriam que ser assegurados todos os direitos de defesa que ao mesmo assistiriam caso a contra-ordenação tivesse sido apreciada em sede de processo administrativo, incluindo-se entre os mesmos a possibilidade de o arguido proceder ao pagamento voluntário da coima pelo seu mínimo, possibilidade essa que de forma alguma lhe foi assegurada, tendo assim a douta sentença violado o disposto nos artigos 169.°, 170.°, 172.° e 175.° do Código da Estrada, o art." 50.° do R.G.C.O. e ainda o art. 39.° da Constituição da República Portuguesa.

14 - Consequentemente deverá ser revogada a condenação do arguido na coima de € 1.000,00 em que foi condenado e ainda revogada sanção acessória de cinco meses de inibição de conduzir, devendo ser ao arguido concedida a faculdade de proceder ao pagamento voluntário da coima pelo seu montante mínimo e ainda ser aplicada a sanção mínima de inibição de conduzir.

15 - A escolha da pena e a medida desta não se mostra de todo em todo adequada e proporcional aos crimes pelos quais o arguido e recorrente foi condenado, nomeadamente no que á condução sob o efeito do álcool respeita.

16 - Determina o art. 292.° n.º 1 do Código Penal que, quem pelo menos por negligência conduzir veículo em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igualou superior a 1,2 g/l, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias, a pena aplicada ao arguido pela prática deste crime situa-se muito próximo do seu máximo, sendo que a TAS

apresentada pelo arguido foi de 1,56 g/l, a qual não se situa de todo em todo extraordinariamente acima do valor a partir do qual tal conduta passa a constituir crime;

17 - Apesar de o arguido ter como circunstância agravante o facto de já ter sido foi condenado três vezes pela prática deste crime, tem também várias circunstâncias atenuantes, a saber, o facto de o arguido ter confessado os factos, a inserção social do arguido, o facto de a sua última condenação datar de 13/03/2008, isto é, há mais de cinco anos, e ainda as circunstâncias em que a prática do crime aconteceu.

18 - Na verdade referiu o arguido tinha ido a uns anos, e que lhe telefonaram-lhe dizendo que a sua Mãe de 98 anos, " a velhota" estava pior e que não sabia se ela ia falecer nessa noite, pelo que ao

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contrário daquilo que estava a pensar, foi para casa, tendo sido esta situação excepcional e inesperada que fez com que o arguido conduzisse.

19 - Acresce que, tendo em conta o vertido no art. 71.º n.º 2 do Código Penal, isto é, quais as circunstâncias que deverão pesar na determinação concreta da pena, deveria ter sido levado cm conta ainda o facto de a conduta do arguido não ter causado perigo e não ter tido consequências a não ser para o arguido; o dolo, com o devido respeito, atento o circunstancialismo, mostra-se reduzido; e como já supra referido o comportamento tido pelo arguido nos últimos cinco anos, que teve uma conduta conforme ás regras.

20 - Entende o recorrente que uma pena de multa seria de todo em todo muito mais eficaz e preventiva do que uma pena de prisão, pois a mesma implicará um efectivo sacrifício monetário e financeiro para o arguido, pelo que deverá ser revogada a pena de prisão aplicada ao arguido, devendo a mesma ser substituída por pena de multa adequada.

21 - Caso assim se não entenda, então deverá a pena de prisão de sete meses aplicada ao arguido desde já ser reduzida, pois entende-se que a mesma é excessiva e desproporcionada face á TAS de que o mesmo era portador, e ainda a todas as circunstâncias que depõe a favor do arguido, mais devendo a mesma em qualquer caso ser suspensa na sua execução.

22 - Foi ainda o arguido condenado na pena acessória de inibição de conduzir por um período de 24 meses e quinze dias, entendendo-se pelas razões já supra expostas que tal pena acessória se mostra igualmente desadequada ao crime praticado, e, mormente á TAS apresentada, e a todas as circunstâncias que rodearam a prática do crime bem como ás circunstâncias atenuantes da

confissão dos factos e do comportamento do arguido desde há cinco anos a esta parte, facto último este que não foi tido em conta pelo tribunal, devendo a mesma ser reduzida para 12 meses.

23 - Por último, refira-se que, no que concerne ás restantes punições em que o arguido foi

condenado, deverão as mesmas ser revogadas, pelas razões acima já expostas nos pontos 1, 2 e 3, deste recurso, porquanto no que respeita ao crime de desobediência entende-se que o arguido não poderia ter sido pelo mesmo julgado em processo sumário; no que respeita á contra-ordenação não foram garantidos ao arguido os seus direitos de defesa nem tão pouco lhe foi concedida a possibilidade de efectuar o pagamento voluntário da coíma.

Termos em que deverá o presente recurso ser recebido por legal e tempestivo, e afinal ser o mesmo considerado procedente por devidamente fundamentado e provado, com todas as legais e devidas consequências.

O MP respondeu à motivação do recorrente, tendo concluído nos seguintes termos:

Face ao exposto, deverá o Venerando tribunal da RE: revogar a totalidade da alínea c) do dispositivo; revogar a sentença recorrida na parte em que condenou o arguido na coima de

€1000 pela prática da contra-ordenação p. e p. pelos arts. 145º, nº2 e 150º do CE, ordenando a extracção de certidão do processado e remessa à ANSR para o correspondente procedimento contra-ordenacional; declarar nula sentença na parte em que aplicou ao arguido a pena de prisão por dias livres pela prática do crime p. e p. pelo art. 292º do CP, devendo o tribunal reabrir a audiência de modo a produzir prova de factos que melhor o habilitem a aplicar uma pena privativa de liberdade ao arguido.

O recurso interposto foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, e efeito suspensivo.

O Digno Magistrado do MP em exercício de funções junto desta Relação emitiu parecer sobre o mérito do recurso, no sentido da respectiva procedência, nos termos sufragados pelo MP junto da primeira instância.

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O parecer emitido foi notificado à defesa do recorrente, para se pronunciar, nada tendo respondido.

Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.

II.Fundamentação

Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, as quais deixámos enunciadas supra.

A sindicância da sentença recorrida, expressa pelo arguido nas conclusões que formulou, versa apenas sobre matéria jurídica e centra-se, sinteticamente, nas seguintes questões:

- Arguição da nulidade insanável prevista na al. f) do art. 119º do CPP, por uso indevido da forma de processo sumário, em relação ao crime de desobediência;

- Arguição da incompetência do Tribunal em razão da matéria, para conhecer da contra-ordenação, atento o disposto no art. 169º do CE; subsidiariamente, pedido de redução para o mínimo legal aplicável da medida da coima e da sanção acessória cominadas por essa infracção;

- Relativamente ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez, pedido de aplicação, como pena principal, de uma pena de multa ou de uma pena de prisão suspensa na sua execução e de redução para 12 meses da medida da pena acessória de proibição de conduzir.

Passaremos à apreciação das questões suscitadas pelo recorrente, pela ordem agora indicada.

O art. 119º do CPP tipifica algumas nulidades insanáveis, que podem ser declaradas pelo Tribunal oficiosamente e a todo momento, entre as quais se conta a prevista na al. f) deste normativo:

O emprego de forma de processo especial fora dos casos previstos na lei.

Uma das formas de processo especial previstas no CPP é o processo sumário, cujos pressupostos de aplicação vêm definidos no art. 381º, atendendo-se à redacção anterior à Lei nº 20/13 de 21/2, vigente ao tempo dos factos e do início do processo:

1 - São julgados em processo sumário os detidos em flagrante delito, nos termos dos artigos 255.º e 256.º, por crime punível com pena de prisão cujo limite máximo não seja superior a 5 anos, mesmo em caso de concurso de infracções:

a) Quando à detenção tiver procedido qualquer autoridade judiciária ou entidade policial; ou

b) Quando a detenção tiver sido efectuada por outra pessoa e, num prazo que não exceda duas horas, o detido tenha sido entregue a uma das entidades referidas na alínea anterior, tendo esta redigido auto sumário da entrega.

2 - São ainda julgados em processo sumário, nos termos do número anterior, os detidos em flagrante delito por crime punível com pena de prisão de limite máximo superior a 5 anos, mesmo em caso de concurso de infracções, quando o Ministério Público, na acusação, entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior a 5 anos.

Sobre o conceito legal de flagrante delito dispõe o art. 257º do CPP:

1 - É flagrante delito todo o crime que se está cometendo ou se acabou de cometer.

2 - Reputa-se também flagrante delito o caso em que o agente for, logo após o crime, perseguido por qualquer pessoa ou encontrado com objectos ou sinais que mostrem claramente que acabou de o cometer ou nele participar.

3 - Em caso de crime permanente, o estado de flagrante delito só persiste enquanto se mantiverem sinais que mostrem claramente que o crime está a ser cometido e o agente está

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nele a participar.

O recorrente alega que apenas foi detido em flagrante delito pela prática do crime de condução de veiculo em estado de embriaguez e não do crime de desobediência, pelo que não se verificam, relativamente a este último ilícito, os requisitos de aplicação do processo sumário.

O arguido foi condenado em primeira instância pelo cometimento de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p. e p. pelo art. 292º nº 1 do CP e de um crime de desobediência p. e p. pelo art. 348º nº 1 al. b) do CP, concretizado, em síntese, em ter ele, no dia 5/10/12, pelas 3h32m, na Estrada Municipal Vale de Santarém, Fonte Boa, Santarém, conduzido um veículo automóvel, sendo portador de uma TAS de 1,56g/l, o qual se encontrava apreendido desde 28/3/12 e do qual o arguido havia sido nomeado fiel depositário, com a obrigação de não o utilizar, sob a cominação, feita pela GNR, de incorrer na prática de um crime de desobediência.

Do processado resulta o seguinte:

a)O presente processo iniciou-se com o auto de notícia de fls. 2, lavrado por um militar da GNR, o qual dá conta que o arguido conduzia o veículo identificado na matéria de facto provada, no circunstancialismo do tempo e lugar ali mencionado, quando foi sujeito ao exame de pesquisa de álcool no sangue, através do ar expirado, que revelou uma TAS de 1,56 g/l;

b)Posteriormente, na mesma data, a GNR veio a elaborar o aditamento de fls. 3, ao auto de notícia, em que faz referência á apreensão que havia recaído sobre o veículo conduzido pelo arguido e a este se encontrar constituído fiel depositário do mesmo.

Verifica-se que, de acordo com a matéria de facto assente em julgamento, o arguido terá preenchido simultaneamente dois tipos de crime, através de uma única conduta naturalística, a saber a condução da viatura identificada, nas condições de tempo e lugar apuradas.

O nº 1 do art. 24º do CPP prevê diversas hipóteses de conexão de processos, sendo a al. a) do seguinte teor:

O mesmo agente tiver cometido vários crimes através da mesma acção ou omissão.

A conexão determinada pelo preceito legal acabado de transcrever opera

independentemente da forma do processo, desde que, tratando-se de forma especial, não sejam transpostos os respectivos limites de aplicação, designadamente, em matéria de moldura punitiva.

Não obsta à conexão a que nos referimos, em nosso entender, o facto de, no momento em que o agente seja detido, as implicações penais da conduta que tenha motivado a detenção, em termos de tipos de crime preenchidos, ainda não serem perceptíveis, na sua totalidade, pela entidade detentora,

Para além da pena acessória de proibição conduzir, prescrita pelo art. 69º do CP, ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez é cominada, pelo nº 1 do art. 292º do CP, pena de prisão até 1 ano ou pena e multa até 120 dias, moldura que o nº 1 do art. 348º do CP igualmente comina à desobediência simples.

Consequentemente, o somatório das penalidades privativas de liberdade, que a lei faz corresponder às infracções criminais por cuja prática o arguido foi condenado pela sentença recorrida não excede o limite imposto pelo proémio do nº 1 do art. 381º do CPP, na redacção vigente ao tempo dos factos, ao emprego da forma sumária de processo.

Nesta ordem de ideias, mostra-se legitimada, à luz das normas da lei processual, a utilização da referida forma de processo especial também em relação ao crime de desobediência pelo qual o arguido responde no presente processo, pelo que se não verifica a nulidade insanável prevista na al. f) do art. 119º do CPP, cuja arguição julgamos improcedente.

O arguido insurge-se ainda contra ter sido condenado, no âmbito do presente

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processo criminal, em coima e em sanção acessória de inibição de conduzir, pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelos arts. 145º nº 2 e 147º do CE, invocando a incompetência do Tribunal

«a quo».

Nesta parte, o recorrente faz apelo em apoio da sua pretensão à disposição do art.

169º do CE, que atribui, em exclusivo, à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) a competência para aplicar coimas e outras sanções pela prática das contra-ordenações previstas nesse Código e que, por se tratar de lei especial, exclui a aplicabilidade à situação em apreço da norma do nº 1 do art. 38º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), que constitui lei geral.

O referido nº 1 do art. 38º do RGCO estatui:

Quando se verifique concurso de crime e contra-ordenação, ou quando, pelo mesmo facto, uma pessoa deva responder a título de crime e outra a título de contra-ordenação, o

processamento da contra ordenação cabe às autoridades competentes para o processo criminal.

A tese jurídica em que o recorrente faz basear a sua pretensão afigura-se-nos, salvo o devido respeito, desprovida de fundamento, porquanto a norma do art. 169º do CE, ao

reconhecer à ANSR competência para o sancionamento das contra-ordenações estradais, não se encontra numa relação de especialidade para com a disposição do nº 1 do art. 38º do RGCO.

Pelo contrário, é a disposição do RGCO a que nos vimos referindo que constitui direito especial em relação à regra geral do art. 33º do mesmo diploma legal, que atribui a competência para o processamento e sancionamento das contra-ordenações às autoridades

administrativas, entre as quais se conta, no domínio específico das contra-ordenações previstas no CE, a ANSR.

Neste contexto normativo, a aplicabilidade do disposto no nº 1 do art. 38º do RGCO só poderia ser afastada por força de estatuição do CE ou de outro corpo de normas de direito estradal, que estabelecesse um regime «especialíssimo» para vigorar nos casos abrangidos na previsão daquele dispositivo (concurso de crime e contra-ordenação ou quando, pelo mesmo facto, uma pessoa deva responder a título de crime e outra a título de contra-ordenação), a qual, tanto quanto podemos vislumbrar, inexiste.

Em consequência, necessário será concluir que a questionada norma do RGCO também é aplicável, em tese geral, às contra-ordenações previstas no CE, cujo processamento e sancionamento, na fase administrativa, incumbe à ANSR.

Contudo, a conclusão agora formulada terá de ser conjugada com as restantes normas aplicáveis, designadamente, aquelas que integram o regime específico das infracções previstas no CE.

Entre essas normas, avulta a do nº 1 do art. 172º do CE, que reconhece aos agentes das infracções contra-ordenacionais definidas nesse diploma o direito a cumprir a coima que lhes corresponda, pelo respectivo valor mínimo.

Ora, nos casos abrangidos na previsão do nº 1 do art. 38º do RGCO, também terá de ser conferido ao agente da contra-ordenação o ensejo de cumprir respectiva coima pelo mínimo legal, sob pena de se criar uma desigualdade de tratamento, que nada parece justificar, susceptível de colidir com princípio constitucional da igualdade consagrado pelo art. 13º da Lei Fundamental.

Dado que o presente processo atingiu o momento da decisão final, sem que tivesse dada ao arguido a possibilidade de cumprir a coima cominada à contra-ordenação por que vinha acusado, pelo seu valor mínimo, terá o procedimento contra-ordenacional de retroceder para a fase administrativa, não se justificando que o andamento do procedimento criminal, pela sua superior relevância, tenha de ficar dependente do preenchimento de requisitos específicos do ilícito de mera

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ordenação social.

Nesta conformidade, e por motivos diferentes dos invocados pelo recorrente, impõe- se revogar a decisão condenatória, na parte relativa à contra-ordenação (coima e sanção

acessória), e determinar a extracção de certidão do processado e a sua consequente remessa à ANSR com vista à instauração de procedimento autónomo de contra-ordenação.

Finalmente, apreciemos as questões suscitadas pelo recorrente no domínio da escolha e da determinação da medida das penas, principal e acessória, que lhe foram aplicadas pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

Para fundamentar a escolha e a determinação da medida das penas questionadas, a sentença recorrida expendeu (transcrição com diferente tipo de letra):

O crime de condução em estado de embriaguez, p. p. pelo artigo 292º, nº 1, do Cód. Penal é punido com pena até um ano ou com pena de multa até 120 dias.

Neste caso, e relativamente a este crime, entende o Tribunal que a pena de multa não é suficiente para acautelar as exigências de prevenção geraI e especiaI.

Com efeito, o arguido já foi anteriormente condenado por três vezes pela prática deste crime, sendo que em duas das condenações foi em pena de multa e uma delas já em pena de prisão (cuja

execução se suspendeu) e nem por isso deixou de voltar a praticar o mesmo crime.

Entende, por isso, o Tribunal, que a pena de multa não é suficiente para inibir o arguido de voltar a praticar o mesmo crime ~ tal como no passado não o foi - optando o Tribunal pela pena de prisão.

No que concerne à medida concreta da pena. o grau de ilicitude é elevado, atendendo à taxa de alcoolemia detetada.

A intensidade do dolo é elevada, tendo o arguido agido com dolo direto.

A favor do arguido pode-se indicar a sua inserção social e o facto de ter confessado livre, integral e sem reservas os factos.

As exigências de prevenção especial são muito elevadas, atendendo a que o arguido já foi anteriormente condenado, e por três vezes, pela prática deste crime.

As exigências de prevenção geral são muito elevadas, atendendo ao número de crimes desta natureza que são praticados nesta comarca.

Tudo visto, julga-se justo, por adequado, fixar a pena em 7 (sete) meses de prisão.

*

Estipula o art. 43º, n° 1. do Cód. Penal que "a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da pena de prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes ".

Este artigo impõe um regime regra: sempre que possível, em penas de prisão de duração inferior a um ano, o Tribunal deverá substituir a pena de prisão por uma pena de substituição.

E, sendo possíveis, no caso, mais de uma pena de substituição da prisão, deve preferir-se aquela que melhor realize as finalidades da punição – assim, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01/10/2008, processo 0844029, integralmente disponível no sítio www.dgsi.pt.

No caso concreto, a substituição da pena de prisão aplicada por pena de multa não se mostra eficaz em termos de prevenção especial. Recorde-se que o arguido já praticou anteriormente este crime e por duas vezes foi condenado em penas de multa, sem que tal obstasse a que o arguido voltasse a praticar o mesmo crime.

Pelo que não se substitui a pena de prisão por multa.

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Igualmente, não deverá a execução da pena de prisão aplicada ser suspensa - cfr. art. 50°, n° 1, do Cód. Penal. A simples censura do facto e a ameaça de prisão não realizam, de forma adequada e suficiente as finalidades de punição. Com efeito. o arguido já foi anteriormente condenado a pena de prisão, suspensa na execução, e nem assim deixou de voltar a praticar o mesmo crime.

Por conseguinte, não se suspende a pena de prisão aplicada.

*

A substituição da pena de prisão pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não se mostra, igualmente, suficiente, para acautelar as exigências de prevenção - cfr. art. 58°, n° 1, do Cód. Penal.

Na verdade. o Trabalho a favor da comunidade tem um efeito de prevenção similar à multa. Ora, este efeito é muito ténue perante este arguido, que já teve várias condenações pela prática do mesmo crime.

Por conseguinte, não se procede à substituição da pena de prisão aplicada pela pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.

*

O regime de permanência na habitação (cfr. art. 44º, nº 1, do Cód Penal) não se mostra igualmente adequado a salvaguardar as finalidades da punição.

Na verdade, este regime é altamente gravoso para as necessidades de inserção social, mantendo o arguido fechado num local, e desviando-o de uma inserção social regular.

Por estes motivos, o Tribunal não substitui a pena de prisão aplicada pelo regime de permanência na habitação.

*

Estipula o art. 45". n° 1, do Cód. Penal que "a pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano, que não deva ser substituída por pena de outra espécie. é cumprida em dias livres sempre que o Tribunal concluir que, no caso, esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades de punição".

Entende o Tribunal que a pena de prisão aplicada deverá ser cumprida em regime de prisão por dias livres.

Por um lado, e face à referência feita às várias penas de substituição, existe a necessidade de executar a pena de prisão como forma de evitar a prática de futuros crimes - cfr. art. 43°. n° 1, do Cód. Penal. Aliás, este é um dos pressupostos da aplicação do regime da prisão por dias livres - Neste sentido. FIGUEIREDO DIAS. Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crnne, Notícias Editorial. 1993. p. 391.

O cumprimento da pena ele prisão em prisão por dias livres salvaguarda, à partida as exigências de prevenção geral e especial. Na verdade, a prisão por dias livres, sem afastar de todo o conteúdo de sofrimento inerente a toda a prisão (e. deste modo. o seu carácter intimidativo), é uma forma de reagir contra os perigos que se contêm nas normais penas ele curta duração (entrada. em força. no meio prisional) e de, ao mesmo tempo, manter, em grande parte, as Iigações do condenado à sua família e à sua vida social.

E o que se pretende é que o arguido, ora condenado, se estabeleça integralmente na sociedade e nela decida integrar-se, com uma vida honesta e exemplar.

Ao determinar que a pena de prisão aplicada seja cumprida no regime de prisão por dias livres afasta-se, desde logo, a aplicação do regime de semi-detenção - cfr. art. 46º nº 1, do Cód. Penal.

Nos termos do disposto no art. 45°. nº 2, do Cód. Penal, a prisão por dias livres consiste numa privação da liberdade por períodos correspondentes aos fins-de-semana, não podendo exceder 72

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períodos. Cada período tem uma duração mínima de trinta e seis horas e máxima de quarenta e oito, equivalendo a cinco dias de prisão contínua.

Por conseguinte, entende o Tribunal determinar que a pena de 7 meses de prisão que foi aplicada ao arguido seja cumprida em 42 (quarenta e dois) períodos correspondentes a fins de semana, cada um deles com a duração de 36 horas, equivalendo cada um a 5 dias de prisão contínua, devendo, em princípio, iniciar-se no 5º fim de semana posterior à data do trânsito em julgado desta sentença.

*

Por ter praticado o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, é igualmente aplicável ao arguido a pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 3 meses a 3 anos - cfr. art. 69°, nº 1, al. a), do Cód Penal.

Considerando os antecedentes criminais do arguido, por um lado, e o valor da taxa apurado pelo outro, o Tribunal julga justo, por adequado, fixar a pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 24 (vinte e quatro) meses e 15 (quinze) dias.

O critério para a fixação, que usamos em todos os processos, é o seguinte: sem antecedentes criminais, o arguido seria condenado na pena acessória de 4 meses de 15 dias. A este período somam-se todos os períodos aos quais o arguido foi anteriormente condenado (que. como se verifica no número 7. dos factos provados somam 20 meses).

E, portanto, fixa-se a pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 24 (vinte e quatro) meses e 15 (quinze) dias.

O nº 1 do art. 40º do CP estabelece como finalidade da aplicação de penas a

protecção de bens jurídicos, a qual se desdobra, essencialmente, na prevenção geral e especial da prática de crimes e a reintegração do agente na sociedade e o nº 2 estatui que a pena não pode ultrapassar a medida da culpa.

Por sua vez, o art. 70 º do CP dispõe:

Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Os critérios de determinação da medida concreta da pena são definidos pelo art. 71º do CP, cujo teor é o seguinte:

1 – A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos pela lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

2 – Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do arguido ou contra ele,

considerando, nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência;

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

(13)

3 – Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.

Os pressupostos da suspensão da execução da pena de prisão, pretendida pelo recorrente, encontram-se previstos no nº 1 do art. 50º do CP, que reza:

O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada um medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Num primeiro momento, o recorrente questiona a bondade da opção inicial feita pelo Tribunal «a quo» a favor da pena de prisão em detrimento da pena de multa, ambas cominadas em alternativa pelo nº 1 do art. 292º do CP.

Neste aspecto, a decisão recorrida não merece reparo, já que os antecedentes criminais do arguido claramente deixam transparecer exigências de prevenção especial, que não podem ser suficientemente satisfeitas com a cominação de uma pena pecuniária.

Conforme consta da matéria de facto assente, o arguido, desde Janeiro de 2006 e até ter praticado os factos por que agora responde, em 5/10/12, sofreu três condenações, sempre pela prática de crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, sendo as duas primeiras em pena de multa e a última em pena de prisão cuja execução foi suspensa.

Ponderados os antecedentes criminais do arguido, verifica-se que os mesmos não são particularmente graves, no sentido de que as infracções por ele anteriormente praticadas nunca acarretaram a aplicação de pena de prisão efectiva, nem envolvem tentado directo contra bens jurídicos cujo respeito é essencial à convivência social, nomeadamente, de natureza pessoal.

No entanto, as condenações são reveladoras de uma notória incapacidade por parte do arguido de pautar a sua conduta pelo respeito das regras de direito, no específico domínio da condução automóvel sob a influência de álcool, pelo menos desde o final do ano de 2005 a esta parte.

Trata-se de um fenómeno que não é incomum, cujas raízes seria complexo e ocioso investigar, no espaço do presente acórdão, e que se traduz na prática repetida por determinado indivíduo de infracções criminais relacionadas com a condução de veículos, a qual pode ser uniforme, quando se traduzir no preenchimento reiterado de um único tipo de crime, como sucede no caso presente, ou multiforme na hipótese contrária, mantendo o agente uma conduta conforme ao direito, nos demais contextos da vida social.

Tais padrões comportamentais conduzem, não poucas vezes, à imposição de penas de prisão efectiva pelo cometimento de infracções relativamente ligeiras, porquanto a reiteração das condutas delictivas torna legalmente inviável que se lance mão de sanções alternativas à privação efectiva de liberdade.

De todo o modo, e independentemente da questão de dar ou não imediata

executoriedade a pena principal, que a seguir se discutirá, a prevalência atribuída pelo Tribunal «a quo» à pena de prisão mostra-se acertada, pelo que terá de ser confirmada.

Trataremos, agora, da questão da quantificação das penas, principal e acessória, aplicadas ao arguido pela prática do crime de condução em estado de embriaguez.

Antes de mais, importa salientar que o ilícito criminal em causa suscita, em princípio, relevantes exigências de prevenção geral, decorrentes, sobretudo, da deficiente interiorização pela generalidade dos membros da sociedade portuguesa da regra, comummente aceite noutros países, segundo a qual a condução automóvel e o consumo de bebidas alcoólicas são actividades

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incompatíveis entre si.

Os imperativos de prevenção especial, no particular aspecto da condução de

veículos, são também importantes, em razão dos já analisados antecedentes criminais do arguido.

Ponderando os restantes critérios que devem presidir à quantificação das penas, diremos que deverá ser relativizado o juízo formulado pelo Tribunal «a quo» no sentido de ser

«elevado» o grau de ilicitude da conduta, atendendo à taxa de alcoolemia de que o arguido era portador.

Dado que nº 1 do art. 292º do CP prevê e pune como crime a condução de veículo por quem for portador de uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 g/l, o grau de alcoolemia de 1,56 g/l revelado pelo arguido, sem ser insignificante, não se mostra particularmente exacerbado.

No caso em apreço, não foram apuradas, pelo menos tanto quanto se, pelo menos tanto quanto se infere da matéria provada, consequências concretas da conduta por que o arguido responde, o que, não constituindo circunstância atenuante, contribui, pelo menos, para não agravar a sua responsabilidade.

Por fim, afigura-se-nos que o Tribunal «a quo» não atribuiu a devida relevância ao facto de o arguido não ter antecedentes criminais fora do específico domínio da condução sob efeito do álcool.

Tal circunstância faz com que os imperativos de prevenção especial militem de forma decisiva, como já vimos, no sentido da imposição ao arguido de uma pena de prisão, mas, ainda assim, não exijam, para sua satisfação, o prolongamento da duração temporal dessa sanção.

Nesta conformidade, diremos que o desejado ponto de equilíbrio entre as

expectativas comunitárias de vigência da norma penal e as necessidades de reintegração social do arguido, que a medida da pena sempre deverá reflectir, terá de ser encontrado, relativamente à pena principal, a um nível ligeiramente inferior àquele em que o Tribunal «a quo» a fixou.

Consequentemente, entendemos por justo e adequado quantificar em 5 meses de prisão a pena principal em que o arguido vai ser condenado.

No que se refere à pena acessória, temos que, na fundamentação acima transcrita, o Tribunal «a quo» deixou enunciada a fórmula de cálculo que serviu de base à respectiva

quantificação, a saber a adição da medida da pena em que o arguido teria sido condenado, se não tivesse antecedentes criminais, com o quantitativo das penas da mesma natureza em que o arguido foi condenado, em processos anteriores.

Nunca será demais recordar que a determinação da medida da pena, qualquer que ela seja, não é uma operação aritmética, mas sim um juízo de valor, ainda que os Tribunais possam legitimamente servir-se para o efeito, a título meramente orientador, de esquemas de cálculo, como meio de assegurar um maior grau de justiça relativa às suas decisões, na matéria que nos ocupa.

Sucede, porém, que a «fórmula», de que o Tribunal «a quo» lançou mão, parece ter subjacente uma estranha noção de «acumulação» da responsabilidade criminal, ao qual colide frontalmente com os princípios fundamentais do direito penal em vigor.

É evidente que a existência de antecedentes criminais do arguido constitui uma agravante geral da sua responsabilidade criminal, com reflexos na determinação da medida da pena.

Todavia, por cada crime ou conjunto de crimes, que lhe sejam imputados, o arguido responde sempre em função da medida da sua culpa no caso concreto e não também da culpa,

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que tenha revelado em condutas pelas quais tenha sido anteriormente punido.

Ora, a inobservância desse postulado pode dar origem que seja imposta ao arguido um «quantum» da punição superior à medida da sua culpa, ao arrepio do disposto no nº 2 do art.

40º do CP.

Utilizando uma linguagem mais metafórica, diremos ainda que, quando cumpre uma pena, o condenado salda definitivamente a sua «dívida» para com sociedade, pelos factos que motivaram a condenação, nada mais podendo ser-lhe exigido a este respeito.

A moldura abstracta da pena acessória cominada pelo nº 1 do art. 69º ao crimes previsto no art. 292º, ambos do CP, vai de 3 meses a 3 anos.

A medida de 24 meses (2 anos) e 15 dias encontrada pelo Tribunal «a quo» para a pena em referência situa-se claramente acima do ponto médio da respectiva moldura e revela-se, por isso, excessiva quando confrontada com o grau de culpa do arguido, que, no caso, não se apresenta particularmente exacerbado.

Nesta ordem de ideias, concluímos que o quantitativo de 15 meses (1 ano e 3 meses) para a pena acessória de proibição de conduzir se nos afigura o mais ajustado ao grau de culpa do arguido, satisfazendo ao mesmo tempo as exigências de prevenção geral e especial.

Cumpre, agora, ajuizar da viabilidade da suspensão da execução de pena de prisão em que o arguido vai ser condenado.

Nos termos do nº 1 do art. 50º do CP, a aplicação da pena substitutiva peticionada pelo recorrente depende da formulação pelo julgador de um juízo de prognose favorável no sentido de a ameaça da prisão e a censura do facto se mostrarem suficientes para alcançar as finalidades da punição.

O Tribunal «a quo» concluiu pela não formulação de semelhante juízo de prognose, por ter entendido que os antecedentes criminais do arguido e, em especial, a circunstância de já ter beneficiado da suspensão da execução da pena de prisão, num dos processos em que foi

condenado pela prática de crime de condução em estado de embriaguez, que assim se revelou ineficaz para o afastar do cometimento de novos crimes da mesma natureza, obstavam à satisfação das exigência de prevenção especial, que o caso suscitava.

É claro que não podemos deixar de concordar, em certa medida, com o ajuizamento feito pelo Tribunal «a quo».

De todo modo, no quadro factual em análise, existem elementos que podem, de alguma forma, contribuir para matizar o juízo do Tribunal «a quo», sobre a questão que estamos tratando.

Em primeiro lugar, importa constatar que entre a data da sentença, que condenou o arguido em pena de prisão suspensa na sua execução (13/3/08) e aquela em que praticou os factos por que agora responde (5/10/12) mediou um período temporal de mais de quatro anos, o que permite concluir, em termos razoáveis, que o impacto intimidatório da condenação não terá sido, apesar de tudo, totalmente nulo.

O arguido contava, ao tempo da prática dos factos incriminados, 68 anos de idade (69, actualmente), o que é revelador de um percurso de vida bastante consolidado dentro do respeito geral pelas normas de direito, com excepção daquela que proíbe a condução de veículos sob a influência de álcool.

A sua postura em julgamento foi colaborante, tendo confessado integralmente e sem reservas os factos por que vinha acusado, o que constitui sempre um elemento favorável à

formulação do juízo prognose subjacente à suspensão da execução da pena de prisão,

(16)

independentemente da questão de saber se a prova dos factos poderia ter sido feita por outro meio.

O arguido apresenta-se socialmente integrado.

È certo que a propensão para a prática de crimes da natureza daqueles por que o arguido agora responde e foi anteriormente condenado não é, frequentemente, função de um maior grau de desintegração social, a que o agente possa estar sujeito.

Contudo, sempre poderá dizer-se que um arguido socialmente integrado e que não tenha passado pela experiência da reclusão (como será, tanto quanto se vislumbra, o caso do recorrente) tem mais a perder, objectiva e subjectivamente, com a execução da pena de prisão do que outro que não se encontre nessas condições.

Tal circunstancialismo permite esperar que à ameaça da privação de liberdade exerça algum poder intimidatório sobre o arguido.

Ponderados os elementos que temos vindo considerar, somos de entender que ainda existe algum fundamento, embora cada vez mais escasso, para acreditar que a censura do facto e a ameaça da prisão poderão satisfazer as exigências de prevenção especial que caso suscita, em termos de se conceder ao arguido uma oportunidade, que será seguramente a última, de emendar o seu comportamento em sociedade, no que diz respeito á condução de veículos sob a influência do álcool, sem sacrifício efectivo da sua liberdade.

Consequentemente, mostra-se reunido o requisito material da suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido vai condenado, conforme por ele peticionado em sede de recurso.

Estando em causa uma pena de duração inferior a um ano, será este o período de vigência da suspensão, conforme disposto no nº 5 do art. 50º do CP.

III.Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

a)Conceder provimento parcial ao recurso e, em consequência:

- Revogar a sentença recorrida, na parte em que condenou o arguido pela prática da contra- ordenação prevista no art. 145º, nº 2, do Cód. Estrada, no pagamento de coima e na sanção acessória de inibição de conduzir e determinar, após trânsito em julgado, a extracção de certidão das peças processuais relevantes e a respectiva remessa à ANSR para instauração de

procedimento contra-ordenacional em separado;

- Condenar o arguido pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º nº 1 e 69º nº 1 al. a) do CP, mas alterando a medida da pena principal para cinco meses de prisão, cuja execução se suspende pelo período de um ano, e a da pena acessória para quinze meses de proibição de condução de veículos;

b)Negar provimento ao recurso, quanto ao mais, mantendo a decisão recorrida.

Sem custas.

Notifique.

Évora 7/5/13 (processado e revisto pelo relator) Sérgio Bruno Póvoas Corvacho

João Manuel Monteiro Amaro .

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