O PROCESSO DE APROPRIAÇÃO DA NATUREZA NO ESPAÇO URBANO EM CIDADES TROPICAIS:
PROBLEMATIZANDO A DISTRIBUIÇÃO DE ÁREAS VERDES EM ARACAJU (SE)
RESUMO
O presente artigo objetiva contribuir com uma revisão crítica sobre a distribuição e apropriação das áreas verdes em cidades tropicais, tomando como modelo os índices espaciais de arborização urbana da cidade de Aracaju. Realizou-se revisão bibliográfica, coleta de dados secundários junto a órgãos governamentais, além de uma correlação entre os índices de arborização e a renda média para os bairros e zonas aracajuanas. No que concerne aos resultados encontrados sobre tal correlação, podemos salientar que a mesma mostrou-se diretamente proporcional, sendo a Zona Sul a área que apresenta os maiores índices, tanto de Densidade Arbórea (IDA) com 0,68 indivíduos para cada 100 m2, como de Sombreamento Arbóreo (ISA) 68%, e de renda média 7 a 11 SM, em segundo lugar vem a Zona Centro com 0,61 (IDA), 62% para (ISA) e 4 a 6 SM de renda média. A Zona Norte foi a que apresentou os menores índices com 0,60 de (IDA), 39% de (ISA), e 3 a 5 SM para renda média. Destarte, esses indicadores fitogeográficos são reveladores das desigualdades socioespacias pertinentes ao acesso às áreas verdes, onde a articulação entre incorporadoras imobiliárias e o Estado configura o novo padrão de apropriação da natureza no espaço urbano da capital sergipana.
PALAVRAS-CHAVE: Produção do Espaço Urbano; Qualidade de Vida; Áreas Verdes; Apropriação da Natureza na Cidade.
THE PROCESS OF APPROPRIATION OF NATURE IN URBAN SPACE IN TROPICAL CITIES: QUESTIONING THE DISTRIBUTION OF GREEN AREAS IN ARACAJU(SE)
ABSTRACT
The article below is intended to contribute to a critical review about the distribution and ownership of green areas in tropical cities, taking as a model the spatial indexes of urban afforestation in the city of Aracaju. Based of a literature review, a selection of secondary data from government agencies and also a link between indexes of afforestation and the average income to the neighborhoods and different zones in Aracaju. Regarding the results concluded from this link, we can point that it has a direct proportion, being the South Zone the area that has the highest numbers, both in Tree Density (IDA) with 0,68 individuals every 100 m² and in Tree Shading (ISA) with 68% and with an average income of 7 to 11 basic wages, in second place comes the Central Zone with 0,61 (IDA), 62% of (ISA) and an average income of 4 to 6 basic wages. The North Zone showed the lowest numbers with 0,60 of (IDA), 39% of (ISA) and 3 to 5 basic wages of average income. Thus, these phytogeographic’s indicators reveal relevant sociospatial inequalities related to the access of green areas in which the joint between real state developers and the State sets the new standard of ownership of nature in urban space of the capital of Aracaju.
KEYWORDS: Urban Space Production; Quality of Life; Green Areas; Ownership of Nature in the City.
n.1, Set, Out, Nov, Dez 2011, Jan, Fev 2012.
ISSN 2237‐9290
SEÇÃO: Artigos TEMA: Biogeografia
DOI: 10.6008/ESS2237‐9290.2012.001.0004
Douglas Vieira Gois
Universidade Federal de Sergipe, Brasil http://lattes.cnpq.br/3364013420770381 douglasgeograf@hotmail.com
Miguel Luiz Ferreira Guimarães de Figueiredo
Universidade Federal de Sergipe, Brasil http://lattes.cnpq.br/9661430452279125 miglas_grunge@hotmail.com
Edson Barbosa
Universidade Federal de Sergipe, Brasil http://lattes.cnpq.br/6043485134163222 fsddea@hotmail.com
Rosemeri Melo e Souza
Universidade Federal de Sergipe, Brasil http://lattes.cnpq.br/3339056948815053 rome@ufs.br
Recebido: 20/01/2012 Aprovado: 27/02/2012
Avaliado anonimamente em processo de pares cegas.
Referenciar assim:
GOIS, D. V.; FIGUEIREDO, M. L. F. G.;
BARBOSA, E.; MELO e SOUZA, R.. O processo de apropriação da natureza no
espaço urbano em cidades tropicais:
problematizando a distribuição de áreas verdes em Aracaju (SE). Natural Resources,
Aquidabã, v.2, n.1, p.44‐67, 2012.
INTRODUÇÃO
O espaço urbano é palco de várias mutações, sendo a sua consolidação espelho de grandes impactos advindos das dinâmicas sociais, econômicas, tecnológicas e naturais, tornando- se assim vilão das mais intensas alterações no meio ambiente no mundo hodierno, sendo, pois, objeto de estudo primordial para o entendimento da dinâmica sociedade-natureza, que se consubstancia na produção/ (re) produção do espaço, objeto de estudo geográfico por excelência.
A cidade moderna é reflexo das ações sociais de atores que numa relação dialética a produzem e (re) produzem, imprimindo-lhes dinâmicas que lhes são singulares. Nesse sentido, segundo Corrêa, (2003): “O espaço urbano capitalista-fragmentado, articulado, reflexo, condicionante social, cheio de símbolos e campos de lutas é um produto social, resultado de ações acumuladas através do tempo, e agentes que produzem e consomem o espaço”.
Dentro dessa perspectiva, o espaço urbano na cidade contemporânea é produto da realização social dos agentes promotores da dinâmica urbana capitalista, a saber: proprietários dos meios de produção (sobretudo os grandes industriais), proprietários fundiários, promotores imobiliários, o Estado e os grupos sociais excluídos, agentes esses que numa relação dialética, articulada/fragmentada constroem o espaço numa prática desigual e combinada.
Nesse viés, “a coexistência, simultânea e dinâmica, de espaços mais desenvolvidos e menos desenvolvidos é o resultado do desenvolvimento geográfico desigual. Mas, também, é condição para o processo de continuada valorização do capital” (SMITH, 1988 citado por THEIS, 2010).
Assim, torna-se salutar destacar o crescimento desigual da cidade capitalista e a articulação entre os proprietários dos meios de produção e o Estado na produção/planejamento do espaço urbano, onde este último modela a cidade de acordo com os interesses privados.
O crescimento nas cidades capitalistas é consubstanciado mediante a escassez de recursos a serem implantados nas cidades. Assim a concentração de renda em determinados bairros gera uma segregação socioespacial que se consolida através da instalação de infra- estrutura pelo Estado e pelo mercado imobiliário, que numa relação dialética criam os chamados espaços luminosos em determinados bairros privilegiados localizados geralmente nas partes mais centrais da cidade. Como resultado dessa lógica, temos nesses espaços uma grande elevação dos preços dos terrenos, e, por conseguinte, uma fortíssima especulação imobiliária.
Nesse sentido, ao mesmo tempo em que a cidade moderna capitalista cresce vertiginosamente, expressa sua estrutura social, que torna-se visível através das relações sociais extremamente desiguais que se espacializam na cidade, onde o acesso a natureza torna-se expressão de uma nova lógica desigual no meio urbano tropical.
A dinâmica urbana atual é marcada por novas matrizes ideológicas, que se configuram,
sobretudo na apropriação da natureza nas cidades e/ou na vulgarização da idéia do verde nesse
espaço, tendo em vista a acumulação capitalista por meio da valorização de áreas que possuem
um maior potencial natural, incorporando assim elementos da natureza localizados nas áreas urbanas como reserva de valor para a reprodução ampliada dos seus capitais a partir da valoração de suas propriedades.
Destarte, far-se-á imperativo o estudo sobre a apropriação das áreas verdes em cidades tropicais, sobretudo de sua distribuição espacial nas áreas verdes da cidade de Aracaju (SE), tendo em vista sua incorporação como reserva de valor numa configuração espacial excludente, criando dessa maneira uma cidade segregada, onde a natureza é para poucos, a saber, para as classes mais abastadas financeiramente, processo este consubstanciado na aliança Estado- Promotores imobiliários, em detrimento das classes sociais menos favorecidas economicamente que são desprovidas dos benefícios que a arborização pode lhes proporcionar.
REVISÃO TEÓRICA
Produção do espaço e apropriação da natureza em cidades tropicais: o exemplo da arborização urbana
O domínio tropical caracteriza-se por uma grande complexidade em sua dinâmica natural, tanto no que diz respeito aos seus componentes climáticos com suas altas temperaturas e elevados índices de precipitação, quanto a sua diversidade biológica, sendo possuidor das grandes florestas tropicais mantedoras da maior biodiversidade do globo.
Nessa região localizam-se mega cidades a exemplo do Sudeste asiático e da América Latina que caracterizam-se pelo rápido processo de urbanização aliada à falta de planejamento que as fizeram protagonistas do comprometimento do meio ambiente, haja vista ser o meio urbano o exemplo mais refinado das alterações produzidas pelo homem frente ao seu suporte ambiental, fator esse que compromete sua vida nesse espaço.
Em cidades tropicais a presença da arborização no meio urbano é uma condição prístina para uma melhor qualidade ambiental, tendo em vista os vários benefícios que um conjunto arbóreo pode propiciar para a população, sobretudo o melhoramento do conforto térmico, já que estamos tratando de ambientes onde as temperaturas máximas são demasiadas para o conforto humano.
Em termos conceituais a arborização urbana pode ser compreendida de diversas formas, desde concepções que as designam como áreas predominantemente públicas, até as que conciliam o público e o privado, desde que sejam ressalvadas as funções ecológicas da mesma.
Para Nogueira e Wantuelfer (2002 citado por BENINI, 2009) “áreas verdes podem ser de
propriedade pública ou privada e devem apresentar algum tipo de vegetação (não somente
árvores) com dimensão vertical significativa e que sejam utilizadas com objetivos sociais,
ecológicos, científicos ou culturais”.
No plano funcional, pode-se salientar que as funções e/ou benefícios que as áreas verdes urbanas podem executar em meio tropical, para Troppmair e Galina (2003) são, dentre outras: a criação de microclima mais ameno; despoluição do ar de partículas sólidas e gasosas; redução da poluição sonora; purificação do ar pela redução de micro-organismos; redução da intensidade do vento canalizado em avenidas cercadas por prédios; vegetação como moldura e composição da paisagem junto a monumentos e edificações históricas.
Frente a todos os serviços ambientais que as áreas verdes podem fornecer aos cosmopolitas, evidencia-se sua intensa escassez nas cidades intertropicais, o que pode ser acompanhado pela criação de ambientes quase que inóspitos ao convívio humano.
Em um estudo realizado sobre a arborização urbana na cidade do Quito no Equador, COBO(1998), ressalta que superfícies permeáveis e cobertas por vegetação representam geralmente uma área muito pequena em relação à área total da cidade, e as árvores são escassas nesse meio.
Nascimento et al (1998), em publicação do Seminário Internacional intitulado de Áreas Verdes Urbanas en Latinoamérica y el Caribe, pondera que entre as muitas variáveis que afetam o bem-estar das comunidades urbanas, a que mais se destaca é a presença de áreas verdes suficientes e bem geridas. Para o mesmo, as áreas verdes urbanas devem exercer um papel importante no rápido crescimento das cidades pela contribuição positiva que elas fazem ao meio ambiente no bem-estar social e econômico da população nesses ambientes.
Um dos exemplos mais enfáticos consequentes da ausência e/ou excassez de áreas verdes em cidades tropicais é a formação das Ilhas de Calor Urbano. Aliada ao aumento de superfícies de absorção, dentre outras derivações no uso do solo urbano, a alteração na cobertura vegetal é o principal condicionante na configuração desse fenômeno climático nas cidades.
Segundo Padmanabhamurty (1999), a Ilha de Calor Urbana gera efeitos diferentes em cidades tropicais e temperadas. O custo de uma cidade tropical superaquecida pode ser avaliada em termos da diminuição do conforto humano e aumento dos custos de ar condicionado e refrigeração.
Em um artigo que versa sobre a relação entre a vegetação e clima urbano na cidade subtropical de Gaborone, Botsuana e Jonsson (2004), ressaltam que o crescimento das cidades em países Africanos tem acelerado nas últimas décadas, levando ao meio ambiente problemas de natureza diferente, onde um dos mais expressivos no espaço urbano são as Ilhas de Calor, decorrentes da devastação da cobertura vegetal nas cidades.
Paralelamente ao fenômeno de escassez de áreas verdes em cidades tropicais, consolida-
se um novo processo de apropriação da arborização no espaço citadino. Nessa nova lógica de
apropriação da natureza, as incorporadoras imobiliárias numa relação dialética se apropriam dos
espaços mais arborizados das cidades, em detrimento das classes populares de menor poder
aquisitivo, que despossuídas do valor monetário atribuído a esses espaços, ficam a margem dos
benefícios propiciados pela presença de árvores no meio urbano, sobretudo no tropical.
Quanto a esse processo de apropriação da natureza no espaço urbano, Henrique (2004), em sua tese de doutorado em Geografia pela UNESP, enfatiza a apropriação de ideias de natureza no período histórico atual, através de empreendimentos imobiliários, localizados principalmente nas cidades tropicais brasileiras de São Paulo (SP), Campinas (SP) e Florianópolis (SC). Nesse estudo o autor ainda salienta a atuação do Estado na legitimação destas práticas. 1
Deste modo, pode-se salientar que a presença de árvores no meio urbano tropical faz-se como condição imperiosa, todavia concomitante a implantação e/ou preservação das mesmas evidencia-se um processo de apropriação da natureza no ambiente urbano em cidades tropicais, onde se observa uma distribuição irregular da mesma dentro do espaço urbano, e sua apropriação pelas empresas do ramo imobiliário, sendo esta, uma nova reserva de valor para as corporações do setor supracitado, deixando-se de lado as funções ambientais que a arborização pode proporcionar nas cidades, ou até mesmo apropriando-se destas funções para acrescer valor aos seus empreendimentos.
Produção/(Re)Produção Do Espaço Urabano, Novas Matrizes Ideológicas
A cidade contemporânea é arena de várias transformações que se materializam a partir das relações sociais de produção/(re)produção do espaço, principiados pelas relações capitalistas de produção, onde a produção da natureza torna-se vilã de tais mutações no espaço citadino.
De acordo com Rodrigues (1998), a produção do espaço é compreendida como o resultado lógico da produção da natureza que a sociedade realiza cotidianamente ao longo de sua história, onde a produção do espaço geográfico, enquanto atividade humana e social realiza-se sobre um espaço natural.
Segundo Limonad (1999), para Lefebvre “a reprodução ampliada e as novas condições materiais do capitalismo estariam intimamente relacionadas aos processos pelos quais o sistema capitalista como um todo consegue ampliar sua existência através da manutenção e disseminação sócio-espacial de suas estruturas. Tanto a nível da reprodução do cotidiano, da reprodução da força de trabalho e dos meios de produção quanto a nível da reprodução das condições gerais e das relações gerais sociais de produção, onde a organização do espaço passa a desempenhar um papel fundamental” (grifo nosso).
Na compreensão de Moreira (2007 citado por CISOTTO, 2008), a configuração do espaço geográfico na cidade capitalista dar-se-á enquanto síntese do processo de produção social mediante a materialização do trabalho:
o espaço geográfico é, pois, resultado de uma produção social que se realiza mediante o trabalho e com a transformação da natureza. A natureza não é apenas um mero integrante deste processo, ao contrário, é condição material, cultural e estética. A cidade, que pode ser entendida aqui como a síntese deste processo, que sob o capitalismo é universal, é produto de uma complexa dialética de forças
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