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POVO DE DEUS

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE TEOLOGIA NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO

MÁRIO LÚCIO CHERUTI FERNANDES

POVO DE DEUS

ASPECTOS TEOLÓGICOS E HISTÓRICOS NO VATICANO II E SEUS DESDOBRAMENTOS NAS CONFERÊNCIAS DE MEDELLÍN, PUEBLA

E APARECIDA

SÃO PAULO

2019

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE TEOLOGIA NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO

MÁRIO LÚCIO CHERUTI FERNANDES

POVO DE DEUS

ASPECTOS TEOLÓGICOS E HISTÓRICOS NO VATICANO II E SEUS DESDOBRAMENTOS NAS CONFERÊNCIAS DE MEDELLÍN, PUEBLA

E APARECIDA

SÃO PAULO 2019

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para avaliação de graduação em Teologia, período noturno, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, para obtenção do título de Bacharel em Teologia, orientado pelo Professor Doutor Ney de Souza.

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MÁRIO LÚCIO CHERUTI FERNANDES

POVO DE DEUS

ASPECTOS TEOLÓGICOS E HISTÓRICOS NO VATICANO II E SEUS DESDOBRAMENTOS NAS CONFERÊNCIAS DE MEDELLÍN, PUEBLA

E APARECIDA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado para avaliação de graduação em Teologia, período noturno, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, para obtenção do título de Bacharel em Teologia, orientado pelo Professor Doutor Ney de Souza.

Banca examinadora

___________________________

Professor Doutor Ney de Souza

___________________________

Professor(a) Convidado(a)

São Paulo, 15 de março de 2019.

(4)

À minha mãe, Norma, que com seu exemplo de educadora e bons conselhos sempre me incentivou a seguir em frente.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus em primeiro lugar, ELE que me inspirou para que eu fizesse o curso de Teologia, e me fez chegar ao fim. Deus nos inspira as boas obras e nos faz concretizá-las.

Agradeço à minha família, primeiro à minha esposa Susannah, pela paciência, compreensão e ajuda, agradeço também aos meus familiares, minha mãe, meus irmãos e os parentes que souberam compreender minha ausência em muitas ocasiões.

Agradeço à Comunidade Recado, minha família espiritual, pelo incentivo, orações, apoio e compreensão, realmente tenho na comunidade irmãos que me completam e santificam.

Agradeço à PUC a oportunidade de ter passado meus últimos cinco anos aprendendo a Teologia e podendo ter uma nova visão da Igreja. Agradeço aos funcionários e professores desta Instituição.

Agradeço de forma particular e especial ao Professor Ney de Souza, meu orientador, por ter acreditado em mim, ter me ensinado a fazer o TCC, e por meio deste trabalho poder me aproximar de um tema tão importante para a Igreja.

Agradeço de forma especial também ao meu chefe, Júnior, por ter compreendido por vezes minha ausência no trabalho, o que propicia também a conclusão deste curso.

Agradeço também as pessoas que conheci na PUC, colegas de turma, de outras turmas, que me incentivaram a não desanimar, com certeza a minha vida é mais rica depois de conhecê-los.

Enfim agradeço aos amigos e todas as pessoas que contribuíram para que eu chegasse até aqui, muito obrigado, Deus os abençoe!

(6)

LA MAGNÍFICA

(Cántico de la Santísima Virgen María)

Proclama mi alma la grandeza del Señor, se alegra mi espíritu em Dios mi Salvador;

porque há mirado la humillación de su esclava.

Desde ahora me felicitarán todas las generaciones, porque el Poderoso ha hecho obras grandes por mi;

su nombre es santo

y su misericordia llega a sus fieles de generación en generacíon.

Él hace proezas com su brazo:

dispersa a los soberbios de corazón, derriba del trono a los poderosos

y enaltece a los humildes, a los hambrientos los colma de bienes

y a los ricos los despide vacíos.

Auxilia a Israel, su siervo, acordándose de su misericordia

- como lo había prometido a nuestros padres – en favor de Abraham y su descendencia por siempre.

Lc 1, 46-55

(7)

RESUMO

Este trabalho discorre sobre a categoria Povo de Deus em alguns momentos distintos da História da Igreja. A partir do Concílio Vaticano II, temos o resgate desta categoria por meio da Constituição Dogmática Lumen Gentium, onde a categoria se torna símbolo de toda a mudança que o Concílio deseja imprimir na Igreja. A categoria Povo de Deus será a eclesiologia do Vaticano II. Após alguns anos temos a Conferência de Medellín que busca interpretar de uma forma criativa o Concílio Vaticano II e ajustá-lo à realidade latino- americana, trazendo uma real preocupação com a eclesiologia Povo de Deus, principalmente na questão da opção preferencial pelos pobres e marginalizados. Dez anos após Medellín temos a Conferência de Puebla que reafirma a conferência anterior em seus valores e propostas, fala de uma Igreja de comunhão e do valor do Povo de Deus nesta Igreja. Por fim este trabalho discorre sobre o Povo de Deus em momentos mais atuais da História da Igreja.

Tratando da Conferência de Aparecida e sua proposta de encontro com Jesus e discipulado proposto por Ele ao Povo de Deus, fazendo com que este viva sua missão profética em favor dos excluídos da sociedade. Mesmo com as propostas do Vaticano II, sua recepção por meio de Medellín, Puebla e Aparecida, constatamos o quanto estas propostas ainda precisam atingir e renovar as estruturas da Igreja e o Povo de Deus tornar-se o grande protagonista da ação da Igreja.

Palavras-chave: Igreja, Povo de Deus, Eclesiologia, Concílio Vaticano II, Conferências Episcopais.

(8)

ABSTRACT

The purpose of this work is to deal with the context and the role of “People of God”

category at singular moments of the Church`s history. As from the Second Vatican Council, and through its Dogmatic Constitution Lumen Gentium, there‟s a reclamation of this category where it becomes a symbol of all the changes that the Council wishes to give to the Church.

The category People of God will be the ecclesiology and background at Second Vatican. A few years later, at Medellín‟s Conference, the church seeks out to interpret the Second Vatican Council adjusting it to a Latin American reality, bringing up a real concern on the People of God‟s ecclesiology, especially on the context of the preferential option for the poor and vulnerable. Ten years later, we come to a Puebla Conference that reaffirms the previous meeting of Medellín in its values and proposals, speaks of a Church of communion and the value of the People of God in this Church. Finally, this work adresses the People of God at the most current times. Addressing the Conference of Aparecida and its proposal of an encounter with Jesus and his discipleship that transforms the Christianity into a prophetic mission in favor of the most vulnerable. After Second Vatican, its reception through Medellín, Puebla and Aparecida, we still see how much these advices are yet to be put into practice to renew the structures of the Church and make the People of God to become protagonist of the Church‟s action.

Keywords: Church, People of God, Ecclesiology, Second Vatican Council, Episcopal Conferences

(9)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

CAPÍTULO I: O POVO DE DEUS NO CONCÍLIO VATICANO II ... 11

INTRODUÇÃO ... 11

1.1-UM BREVE HISTÓRICO ... 11

1.2–A REALIDADE NOVA TRAZIDA PELO VATICANO II ... 15

1.3–A MUDANÇA ECLESIOLÓGICA NA LUMEN GENTIUM ... 17

1.4-AIGREJA COMO MISTÉRIO” ... 18

1.5–OPOVO DE DEUS ... 20

1.6–ACATEGORIA POVO DE DEUS ... 22

1.7–A PARTICIPAÇÃO DO POVO DE DEUS NO TRÍPLICE MÚNUS ... 23

1.8–UNIVERSALIDADE DO ÚNICO POVO DE DEUS ... 26

CONCLUSÃO ... 28

CAPÍTULO II: O POVO DE DEUS EM MEDELLÍN E PUEBLA ... 29

INTRODUÇÃO ... 29

2.1–DO VATICANO II A MEDELLÍN ... 29

2.2–DE MEDELLÍN À PUEBLA ... 33

2.3–POVO DE DEUS EM PUEBLA ... 36

2.4–CONCLUSÕES DE MEDELLÍN E PUEBLA... 41

2.5–AIGREJA COMO POVO DE DEUS NA AMÉRICA LATINA ... 49

CONCLUSÃO ... 52

CAPÍTULO III: POVO DE DEUS, UMA IGREJA QUE SONHAMOS ... 54

INTRODUÇÃO ... 54

3.1–AIGREJA EM APARECIDA ... 54

3.1.1 – Ser uma Igreja viva, fiel e crível, que se alimenta na Palavra de Deus e na Eucaristia ... 56

3.1.2 – Viver o nosso ser cristão com alegria e convicção como discípulos missionários de Jesus Cristo. ... 57

3.1.3 – Formar comunidades que alimentem a fé e impulsionem a ação missionária ... 58

3.1.4 – Valorizar as diversas organizações em espírito de comunhão ... 59

3.1.5 – Manter com renovado esforço a nossa opção preferencial e evangélica pelos pobres ... 59

3.1.6 – Acompanhar os jovens na sua formação e busca de identidade, vocação e missão, renovando a nossa opção por eles ... 61

3.1.7 – Fortalecer com audácia a pastoral da família e da vida ... 62

3.2–DESAFIOS À IGREJA, A PARTIR DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA ... 63

3.2.1 – Desafios referentes as questões morais: matrimoniais, sexuais ... 69

3.2.2 – Desafios referentes as questões da sexualidade e diversidade ... 70

3.2.3 – Desafios referentes à liberdade de pesquisa ... 71

3.3–“TAREFAS INCOMPLETAS DA IGREJA NA AMÉRICA LATINA” ... 78

(10)

3.3.1 – Participação do leigo ... 80

3.3.2 – Questão da mulher ... 81

3.3.3 – Diálogo inter-religioso ... 82

CONCLUSÃO ... 83

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 85

REFERÊNCIAS ... 87

(11)

INTRODUÇÃO

A categoria Povo de Deus no decorrer da História recebe vários significados, sendo que no mesmo decorrer essa categoria será deixada de lado pela Teologia, principalmente a partir do século IV e outras designações serão usadas para referir-se à Igreja. Tudo isso ocorre até o Concílio Vaticano II, e é por meio deste que temos o maior movimento de renovação na Igreja ao longo de vinte séculos.

É a partir dessa realidade que se desenvolve a temática deste trabalho. No primeiro capítulo veremos o Povo de Deus no Concílio Vaticano II, como o Concílio Vaticano II resgatou a categoria Povo de Deus expressa no segundo capítulo da Constituição Lumen Gentium e também o desdobramento desta Constituição, trazendo a temática do novo Povo de Deus e sua eclesiologia, sendo que a categoria Povo de Deus tornou-se a eclesiologia do Concílio Vaticano II. A categoria Povo de Deus traz consigo os valores histórico e antropológico, demonstrando a igualdade de todos os fiéis por meio do Batismo, o lugar do leigo na Igreja, e a responsabilidade de todos os fiéis diante do mandato missionário de Jesus Cristo.

No segundo capítulo vamos falar sobre o Povo de Deus em Medellín e Puebla. Como a Conferência de Medellín busca interpretar de forma criativa o Concílio Vaticano II e ajustá- lo à realidade latino-americana, trazendo uma real preocupação com a eclesiologia Povo de Deus, na opção preferencial pelos pobres e marginalizados. Na sequência, como base a Conferência de Puebla, apresentaremos como esta reafirma as propostas de Medellín de uma Igreja com opção preferencial pelos pobres, Igreja-povo, Igreja-comunhão, preocupada com as realidades do povo sofrido da América Latina.

No terceiro capítulo abordaremos o Povo de Deus, uma Igreja que sonhamos.

Observaremos que mesmo com a nova compreensão que o Vaticano II traz da categoria Povo

(12)

de Deus e com o esforço de uma recepção criativa deste em Medellín e Puebla ainda existem sonhos e tarefas incompletas na Igreja da América Latina. Veremos a Conferência de Aparecida que retoma as ideias de Medellín e Puebla, e ainda os desafios que a sociedade propõe à Igreja na atualidade, como também os desafios internos da própria Igreja e citaremos ainda algumas tarefas incompletas dentro da própria Igreja a partir deste período histórico que estudamos. Neste capítulo estudaremos esta temática especialmente a partir de duas obras teológicas de João Batista Libanio e Mario de França Miranda. Estes nos ajudarão a refletir ainda mais sobre o nosso tema.

O presente trabalho não esgota de forma alguma o assunto tratado, porém tem como escopo buscar entender melhor a eclesiologia do Povo de Deus no Vaticano II, Medellín, Puebla e na atualidade.

(13)

CAPÍTULO I: O Povo de Deus no Concílio Vaticano II

Introdução

A categoria Povo de Deus no decorrer da história recebe vários significados, sendo que nesse decorrer essa categoria será deixada de lado pela teologia, principalmente a partir do século IV e outras designações serão usadas para referir-se à Igreja. Tudo isso ocorre até o Concílio Vaticano II, e é por meio deste que temos o maior movimento de renovação na Igreja ao longo de vinte séculos. Este Concílio trouxe para a Igreja vários aspectos que foram deixados de lado ao longo da história: a origem trinitária da Igreja e sua índole mística, a igualdade fundamental de todos os membros, o sacerdócio universal dos fiéis, o aspecto missionário de todos os membros, a abertura ao mundo, e o diálogo com os cristãos e não cristãos. Neste capítulo veremos como o Concílio Vaticano II, traz o resgate da categoria Povo de Deus expresso na Constituição Lumen Gentium e também o desdobramento desta Constituição, trazendo a temática do novo Povo de Deus e sua eclesiologia.

1.1- Um breve Histórico

O Concílio Vaticano II renova o conceito de Igreja segundo o plano salvífico de Deus para a humanidade, Deus escolhe um povo e este povo será o mediador para a salvação de todos os povos. Daí surge o novo Povo de Deus, povo este que está em continuidade com o único Povo de Deus e que vai se concretizando nos diferentes tempos da história.1

O termo grego ekklesia (eclesia) traz o significado de povo da aliança e trás a continuidade da história da salvação. A eclesia no Novo Testamento está ligada em sentido

1 CALIMAN, Cleto. Povo de Deus/Igreja. In: PASSOS, João Décio; SANCHES, Wagner Lopes (orgs.).

Dicionário do Concílio Vaticano II. São Paulo: Paulus, 2015, p.757.

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espiritual à estirpe de Abraão e também está ligada à missão de Israel, e a humanidade antes de ser Igreja é uma grandeza constituída por Deus, em Jesus Cristo, ou seja o Povo de Deus, isso tudo traz a compreensão de Povo de Deus no Concílio Vaticano II.2

As escrituras e a septuaginta usam termos diversos para significar o Povo de Israel e os demais povos, sendo que para poder qualificar o Povo de Deus se faz necessário usar esse termo no contexto religioso, podendo assim ser aplicado a Israel e à Igreja, povo do Senhor, novo Povo de Deus em Jesus Cristo.

No Antigo Testamento desenvolvendo um pensamento contrário ao que Israel seria exclusivamente o Povo de Deus, os profetas e escritores sapienciais desenvolvem o pensamento de que Deus veio para todos os povos, e Israel tem a missão de ser mediador de salvação com todos os povos, sendo que Israel irá descobrir sua consciência histórica numa relação única e singular com Deus no nomadismo, no êxodo, no cativeiro e na diáspora, e em toda a sua trajetória desde Abraão.3

No Novo Testamento a Igreja tem seu significado a partir de Jesus Cristo e de sua ressurreição, não é um povo que nasce de sua etimologia própria, mas do Espírito Santo, e esse povo não tem uma nova fundação, mas neste novo Povo se tem a retomada do projeto salvífico de Deus a partir da pessoa de Jesus Cristo.

Este novo Povo de Deus se realiza através dos tempos, sendo que a compreensão de

“Israel de Deus” no Novo Testamento ultrapassa a categoria de tempo e espaço e adquire um conceito teológico. O Povo de Deus se realiza e se encontra em meio a todos os povos que habitam a terra.4

2 Ibidem, p. 757.

3 Ibidem, p. 758.

4 CALIMAN, Cleto. Povo de Deus/Igreja. Op. Cit. p. 758. CIPOLINI, Pedro Carlos. A identidade da Igreja na América Latina: as “notas” da verdadeira Igreja na eclesiologia latino-americana. São Paulo: Edições Loyola, 1987, p. 56.

(15)

Para Paulo a ação do Espírito Santo na vida da Igreja faz com que seja evidenciado o quadro teológico da comunidade de Israel, não existem mais judeus ou pagãos, mas sim nascem os cristãos, existindo uma continuidade estrutural em condições históricas mudadas.5

Durante a história cristã a categoria Povo de Deus foi sendo colocada em segundo plano, na Patrística, nos primeiros séculos da Igreja, os Padres da Igreja entendem a categoria Povo de Deus a partir do mistério da fé, sendo que o novo Povo de Deus, reunião de judeus e gentios, que surgem como cumprimento das promessas dadas a Israel, supõe a existência da Igreja. Essa Igreja que é o novo Povo de Deus é o Corpo de Cristo. Vão existir alguns pensadores desta época, sendo que Tertuliano defende a unidade do Povo de Deus do antigo e do Novo Testamento, Cipriano fala em dois conceitos de Povo de Deus, comunidade de culto e povo espiritual que vive pela fé.6

Na era constantiniana a ideia de Igreja muda de mistério para ideia de império, o povo de Deus é compreendido como povo cristão e se tem a passagem do conceito de Igreja bíblico-patrístico para um conceito político.7

A designação da Igreja como Povo de Deus prevaleceu sobre outras designações na Igreja primitiva até meados do quarto século. A partir desse período a Igreja teve o seu reconhecimento pelo Império, reconhecimento esse dado através do Edito de Milão em 313, deixando, assim, de ser uma Igreja perseguida par tornar-se em 381, com Teodósio, a religião oficial do Império.8

Embora existisse a realidade bíblico-patrística dos primeiros séculos onde a compreensão da Igreja era a de Povo de Deus, no século IV, tempo no qual o cristianismo é oficializado como religião do Império esta compreensão muda, sendo que a expressão Povo

5 CALIMAN, Cleto. Op. Cit. p. 758.

6 CALIMAN, Cleto. Op. Cit. p. 758. GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise.

(orgs.). Concílio Vaticano II: análise e prospectivas. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 233.

7 CALIMAN, Cleto. Op. Cit. p.758.

8 VELASCO, Rufino. A Igreja de Jesus: processo histórico da consciência eclesial. Petrópolis: Vozes,1996, p.

122.

(16)

de Deus perde seu vigor devido os riscos do reducionismo que ela poderia trazer se interpretada em aspectos excessivamente políticos e sociológicos.

Assim, categorias menos arriscadas como Corpo de Cristo ou Esposa de Cristo foram substituindo a inspiração original na busca de definição da Igreja, sendo assim a expressão Povo de Deus praticamente desapareceu dos textos eclesiológicos e documentos do Magistério, fazendo-se presente em textos litúrgicos somente.9

Tem-se na Igreja a partir daí uma visão concentrada na hierarquia, tendo esta visão suas raízes nos séculos IV e V tempo em que a Igreja estava ligada ao Império, nesse período a Igreja mantém estreita união com o Estado de modo que no Ocidente ser cidadão era ser cristão, católico, romano.10

No centro desse modelo hierárquico está o poder do Bispo de Roma; tem-se aí uma eclesiologia centrada na monarquia papal, na qual o papa é o soberano, governando, assim, toda a Cristandade.11

O povo cristão na era constantiniana é um fato político e se tem uma ambiguidade do conceito deste povo que passa de uma identidade mistérica vinda da Trindade e da missão de Jesus Cristo para uma identidade político institucional, sendo que na maioria das eclesiologias da cristandade está presente esta ambiguidade e a compreensão de Igreja se limita á cristandade e de Igreja como sociedade perfeita e desigual que permaneceu por séculos.12

A questão desta ambiguidade dentro das eclesiologias da cristandade e sua evolução no iluminismo e no deísmo, trouxe um esforço de renovação da Igreja como comunidade animada pelo Espírito de Cristo, esforço esse que começa a dar frutos no século XX, nos anos

9 CAVACA, Osmar. A Igreja, Povo de Deus em comunhão. In: ALMEIDA, João Carlos; MANZINI, Rosana;

Maçaneiro, Marcial. (orgs.). As janelas do Vaticano II: A Igreja em diálogo com o mundo. Aparecida: Ed.

Santuário, 2013, p. 111/112.

10 MATOS, Henrique C. J. Introdução à história da Igreja. 5. ed. Belo Horizonte: O Lutador, 1997, p. 103.

11 KHEL, Medard. A Igreja: uma eclesiologia católica. Trad. João Rezende Costa. São Paulo: Loyola, 1997, p.

314.

12 CALIMAN, Cleto. Povo de Deus/Igreja. In: PASSOS, João Décio; SANCHES, Wagner Lopes. (orgs.).

Dicionário do Concílio Vaticano II. São Paulo: Paulus,2015, p. 758.

(17)

de 1937 e 1942, quando se retoma a ideia de Povo de Deus nas obras de M. D. Kõster., L.

Cefaux e Congar, entre outros.13

Com o advento da encíclica Corporis mystici Christi, de Pio XII em 1943, aparecem dúvidas sobre qual o termo ideal da compreensão da ideia de Igreja: Povo de Deus ou Corpo de Cristo? Porém os dois conceitos se completam, Povo de Deus expressa a natureza peregrinante e Corpo de Cristo exprime o princípio interior da vida da Igreja.14

1.2 – A realidade nova trazida pelo Vaticano II

O espírito de renovação que a Igreja buscava chega ao Concílio Vaticano II, neste Concílio Ecumênico a Igreja tem seu maior movimento de restauração ao longo de seus mais de vinte séculos. O Concílio Vaticano II foi a imensa graça de Deus para a Igreja de Cristo, com este Concílio a Igreja escuta a voz do Espírito Santo e tem um posicionamento novo frente ao mundo.

O Vaticano II concentrou-se na Igreja, sendo que esta foi o centro em torno da qual girou todo o trabalho do Concílio. Do Concílio Vaticano II, do resultado de seus trabalhos surgem dois documentos muito importantes: Lumen Gentium e Gaudium et Spes, que tiveram grande influência na orientação e conteúdo dos demais documentos conciliares. Não é de fácil compreensão o alcance dessa opção conciliar. Em síntese pode-se dizer: “que a mudança histórica desencadeada pelo Concílio comporta, antes de mais nada, uma “virada copernicana”, na configuração e compreensão da própria Igreja, e uma “virada copernicana” em sua maneira de se relacionar com o mundo”.15

Desde a reforma gregoriana, a configuração da Igreja e a eclesiologia justificadora do sistema trouxeram como resultado uma imagem de Igreja como um edifício solidamente

13 Ibidem, p. 758.

14 Ibidem, p.758.

15 VELASCO, Rufino. A Igreja de jesus: processo histórico de consciência eclesial. Petrópolis: Vozes, 1995, p.

234.

(18)

construído, a partir de um esquema piramidal inspirado em estruturas medievais, mas ao mesmo tempo entendido como a verdade “perene” da Igreja.16

A Igreja mantinha uma atitude de defesa diante da modernidade e dentro desse contexto entende-se toda a mudança acionada pelo Concílio Vaticano II:

A mudança conciliar pressupõe novo paradigma de compreensão: uma concepção dinâmica, histórico-evolutiva, da realidade do mundo e, dentro dele, uma compreensão lúcida do caráter histórico do cristianismo e da Igreja, e da historicidade constitutiva de toda eclesiologia.17

João XXIII, em seu discurso de abertura do Concílio Vaticano II, mostrava a importância dos sinais dos tempos, a importância do aggiornamento da Igreja, a importância de saber distinguir a substância dos dogmas, e sua formulação histórica. Ao realizar tais afirmações, o papa está tocando em algo considerado intocável durante séculos: a

“imutabilidade da fé e a imutabilidade da Igreja”.18 Paulo VI que sucedeu a João XXIII, coube a missão de continuar o Concílio. No seu

discurso inaugural da segunda sessão, firmou a Igreja como opção conciliar. Destacou quatro objetivos a serem aprofundados: Primeiro, diante da modernidade as mudanças que trazia consigo, a Igreja necessitava dar de si mesma uma definição mais precisa para ser reconhecida verdadeiramente tal qual é; segundo, a renovação da Igreja, não no sentido de ruptura com sua tradição, mas despojamento e de tudo o que se mostra caduco e defeituoso, para tudo parecer genuíno e fecundo; terceiro, o diálogo com as Igrejas, ou seja, a busca da unidade dos cristãos; quarto, o diálogo com o mundo. Na visão de Paulo VI, a Igreja “deveria lançar as

16 Ibidem, p. 235.

17 Ibidem, p. 236.

18 Ibidem, p. 236.

(19)

pontes para o mundo contemporâneo”, não no sentido de conquistá-lo, mas em atitude de serviço. O objetivo era o fortalecimento da vocação missionária da Igreja.19

O Concílio Vaticano II trouxe uma renovação da eclesiologia, tanto nos seus conteúdos quanto no seu método, a eclesiologia do Concílio Vaticano II retomou aspectos essenciais da vida da Igreja que haviam ficado em segundo plano, dando passos significativos para isso.

O Concílio toca em aspectos da vida da Igreja que foram esquecidos ao longo da história: a origem trinitária da Igreja e sua índole mística, a igualdade fundamental de todos os membros, o sacerdócio universal dos fiéis, a colegialidade e corresponsabilidade do episcopado, a identidade da Igreja particular, a responsabilidade da Igreja e do cristão diante dos problemas dos homens a nível local e mundial, foram alguns dos aspectos retomados.

Como ponto principal e central da virada eclesiológica do Concílio está a retomada da Categoria Povo de Deus, abordado na constituição dogmática Lumen Gentium, sendo que esta se tornou a síntese e o símbolo de toda a eclesiologia conciliar. Com esse modelo de eclesiologia a Igreja procura explicar sua natureza e sua missão entre os homens, sendo assim ao assumir a categoria Povo de Deus o Concílio faz da missão a razão de ser da Igreja, renovando a questão da missão da mesma e dando-lhe um significado mais amplo, que havia sido abandonado no decorrer de sua história.

1.3 – A mudança eclesiológica na Lumen Gentium

A mudança eclesiológica acionada na constituição sobre a Igreja precisa ser entendida dentro da mudança histórica pretendida pelo concílio. Se houve profunda virada

19 Cf. Discurso do papa Paulo VI na solene inauguração da segunda sessão do Concílio Vaticano II, em 29 de setembro de 1963. Disponível em: http://w2.watican.va/content/paul-vi/pt/speeches/1963/documents/hf_p- vi_spe_19630929_concilio-vaticano-ii.pdf. Acesso em 25 Set. 2018.

(20)

levada a efeito na constituição sobre a divina revelação20 e na constituição sobre a liturgia21, certamente que no tema da Igreja se haveria de produzir uma virada completa. Era aqui que deveria ficar claro que o concílio significaria uma mudança de época na história da Igreja.22

A grande importância que foi dada ao tema “Povo de Deus” no Concílio se revela pela posição que ocupa na constituição Lumen Gentium: é o segundo capítulo. Assim, o termo se torna o símbolo de toda a mudança que o Concílio queria imprimir á Igreja: “o novo capítulo não é só importante pelo conteúdo: é-o pelo lugar que lhe é assinalado.”23

A revista Concilium, que tinha por missão transmitir os acontecimentos do Vaticano II, trás um artigo intitulado “a Igreja como Povo de Deus” de Yves Congar, retratando a importância desta categoria. No artigo Congar diz que no esquema De Ecclesia ao se optar pelo ordenamento Mistério da Igreja, Povo de Deus e Hierarquia, quer se dar valor primeiro a qualidade de discípulo, a dignidade inerente à existência cristã como tal, ou a realidade de uma ontologia da graça, e depois sim uma estrutura hierárquica de organização social.24

Até o Concílio Vaticano II o conceito de Igreja era o de societas perfecta, e com a escolha do tema Povo de Deus os padres conciliares queriam retornar às origens da Igreja, retornando as fontes bíblicas e patrísticas, e buscando a caminhada histórica da Igreja.

1.4 - A Igreja como “mistério”

No capítulo primeiro da Lumen Gentium aborda-se o tema da Igreja como “mistério”, a partir de uma consciência histórica bem definida. É importante discorrer sobre esta primeira parte da Lumen Gentium, uma vez que, fazer leitura da Eclesiologia do Vaticano II sob a ótica

20 Constituição Dogmática Dei Verbum, aprovada em 18.11.1965, na IV sessão do Concílio Vaticano II.

21 Constituição Sacrosanctum Concilium, promulgada na sessão solene do Concílio em 04.12.1963.

22 VELASCO, Rufino. A Igreja de jesus: processo histórico de consciência eclesial. Petrópolis: Vozes, 1995, p.

241.

23 CONGAR, Yves. A Igreja como Povo de Deus. Concilium, 1965, p. 9.

24 Ibidem, p. 9.

(21)

da Igreja como Povo de Deus não significa desprezar a sua primeira parte. A Igreja como Povo de Deus somente será entendida corretamente se vista à luz da dimensão trinitária.

A palavra “mistério” nem sempre teve as mesmas ressonâncias na consciência crente, e ainda menos quando referida à Igreja. Entender como mistério “o reino de Deus que vem”, ou o desígnio de Deus sobre a história realizado historicamente em Jesus Cristo, não é a mesma cosa que ter como referência para mistério a realidade “inacessível” de Deus, à qual o homem procura se achegar por diversos caminhos de iniciação, como nas “religiões de mistérios”; não é o mesmo, também, que reduzir o mistério às verdades sobrenaturais que estão acima da razão, como na reação contra o racionalismo, própria do século passado.25

O “mistério” da Igreja consiste no fato dela ser a Igreja da Trindade. A conclusão do prólogo da Lumen Gentium sintetiza de forma concisa o tema: a Igreja sai da Trindade Santa.

É a relação da Igreja com o mistério da Trindade, com sua fonte viva e perene. A Igreja vem da Trindade: o desejo salvífico universal do Pai (LG 2), a missão e o múnus do Filho (LG 3), e a obra santificadora do Espírito (LG 4), fundam a Igreja como mistério, pois trata-se de obra divina, preparada desde a origem, reunida pela Palavra encarnada e vivificada pelo Espírito Santo. Assim, a Lumen Gentium representa a recuperação da profundidade trinitária da Igreja.

A Igreja não é “sociedade perfeita”, como era o império. Sua dimensão visível só tem sentido enquanto traduz em visibilidade histórica sua dimensão invisível, A Igreja não é

“sacramento” pelo simples fato de ser uma “sociedade invisível”, mas somente na medida em que for uma sociedade com tal índole, possivelmente em contraste provocativo com outras sociedades humanas.26

A sacramentalidade da Igreja exerce na Lumen Gentium a função de instância crítica direta da Igreja visível, societária, hierárquica, fortemente jurídica, própria da reforma gregoriana e, mais concretamente, da contra-reforma.

25 VELASCO, Rufino. A Igreja de jesus: processo histórico de consciência eclesial. Petrópolis: Vozes, 1995, p.

244.

26 Ibidem, p. 246.

(22)

O concílio abre caminho de uma Igreja entendida como “instituição”, como “meio”

de acesso dos homens a Deus, para uma Igreja entendida como “mistério”, isto é, como

“sacramento” que veicula o acesso de Deus aos homens. Neste sentido, Cristo é

“sacramento”, e a Igreja o é “em Cristo”.27

O Vaticano II ao apresentar a realidade do mistério da Igreja como ponto de partida da reflexão eclesiológica está enfocando a Igreja “mistério”. O mistério de Cristo dirige-nos ao mistério da Igreja, que expressa sua dimensão divina e humana, apresentando sua condição visível e invisível, inserindo-nos no seu mistério trinitário e na sua manifestação histórico-salvífica. Sendo assim poder-se-á compreender facilmente com que profundidade já está presente no capítulo primeiro da Constituição Lumen Gentium a virada eclesiológica pretendida pelo concílio.28

Se a Igreja é Povo de Deus, isso quer dizer que o seu mistério de comunhão com o Pai, o Filho e o Espírito Santo se vive e se realiza numa condição de povo. Povo inclui toda a realidade humana na sua diversidade concreta. Se a Igreja é povo, isso quer dizer que ela não se limita à dimensão religiosa da vida, mas penetra toda a diversidade do ser humano.29

1.5 – O Povo de Deus

O Povo de Deus com quem Deus fez uma nova e eterna aliança, está contido no capítulo II da Lumen Gentium, este povo foi constituído como um povo sacerdotal. Dele sai, para servir, o sacerdócio ministerial. O sacerdócio comum desse povo é exercitado nos sacramentos. Ele vive ainda da fé dos carismas que o Espírito distribui. É único, universal e católico, subsistindo na única Igreja católica, que é necessária para a salvação.30

27 Ibidem, p. 246.

28 Ibidem, p. 249.

29 COMBLIM, José. O povo de Deus. São Paulo: Paulus, 2002, p. 134.

30 LOPES, Geraldo. Lumen Gentium: texto e comentário. São Paulo: Paulinas, 2011, p. 51.

(23)

O capítulo II da Lumen Gentium, que trata do Povo de Deus, está dividido da seguinte forma: 2.1 Nova Aliança e Novo Povo; 2.2 Sacerdócio comum; 2.3 O exercício do sacerdócio comum nos sacramentos; 2.4 O sentido da fé e os carismas no povo de Deus; 2.5 Universalidade e catolicidade do Povo de Deus; 2.6 Os fiéis católicos; 2.7 A Igreja e os cristãos não católicos; 2.8 A Igreja e os não-cristãos; 2.9 O caráter missionário da Igreja.

A expressão “Povo de Deus” não é portanto uma expressão a mais da realidade eclesial entre outras expressões complementares, é na realidade o ponto de partida para melhor compreender a Igreja, da qual dependem outras inovações concretas. Sendo assim

“Povo de Deus” é conceito central da Lumen Gentium e uma das maiores originalidades tanto da Constituição como do Concílio Vaticano II.

Tendo como centralidade a categoria Povo de Deus na Lumen Gentium, esta traz presente à ideia que mesmo a Igreja sendo instituída por Cristo, é também terrena situando-se no tempo e na história. Com isso é preciso pensar a Igreja com base sociológica. A Igreja é povo que se constitui de pessoas que formam e fazem parte dela, sem povo a Igreja não acontece, sendo esse povo o elemento antropológico e sociológico que constitui a Igreja.

O que discrimina esse povo que é a Igreja de tudo o que lhe possa ser parecido, é sua pertinência a Deus. A Igreja não é apenas povo, mas povo de Deus. E isto não somente numa relação de propriedade meramente exterior, mas como marca interna de sua natureza e como princípio informador de sua vida história. O elemento unificador desse povo é a sua comunhão com Deus, e a história desse povo é a história da obra de redenção divina entre os homens.31

31 SEMMELROTH, O. A Igreja, o novo Povo de Deus. In: BARAÚNA, Guilherme. (org.). A Igreja do Vaticano II. Petrópolis: Vozes, 1965, p. 482.

(24)

1.6 – A Categoria Povo de Deus

Ao falar da categoria Povo de Deus, Congar destaca três valores da mesma: “valor histórico”, “valor antropológico”, e “valor da historicidade”. No valor histórico a questão do Povo de Deus tem relação à continuidade da Igreja com Israel. Essa conexão traz consigo os valores que pertencem à noção bíblica de Povo de Deus. Isto é, a ideia de eleição e de chamamento, a noção tão rica da aliança e de consagração a Deus, por fim a ideia de promessas. Isso trás um valor dinâmico na Igreja, pois esse novo povo tem uma vida e está a caminho, eleito por Deus para ser servidor e testemunha.32

No valor antropológico, quando se escreve ou se profere a Palavra Igreja, é na instituição como tal que muitas vezes se pensa. Nessas condições foi e é ainda por vezes concebida, independentemente dos homens, como se não fosse essencialmente composta de cristãos. Isto chega ao ponto de certos textos distinguirem entre a Igreja e os homens, opondo- os quase, como instituição medianeira e aqueles a favor de quem funciona a instituição.33

No aspecto da historicidade, a categoria Povo de Deus não permite à Igreja uma centração exclusiva de caráter ritual ou cúltico. Aliás, o conceito a leva a concentrar sua prática, no esforço de todos os combatentes pela libertação e pela dignidade dos homens, lá onde se faz presente o sinal do amor de Deus aos homens em Jesus Cristo.34

Dizer “Povo de Deus” é dizer uma Igreja marcada pela historicidade. O Povo de Deus vive na história, condicionado por ela. Ele possui, sim, um princípio transcendente de existência, de permanência, de indefectibilidade, mas isso não impede de viver aqui em baixo, sobre a terra, devendo tomar decisões conjunturais e historicamente falíveis. O Povo de Deus,

32 CONGAR, Yves. A Igreja como Povo de Deus. Concilium, 1965, p. 13-14.

33 Ibidem, p. 15.

34 CAVACA, Osmar. A Igreja, Povo de Deus em comunhão. In: ALMEIDA, João Carlos; MANZINI, Rosana;

Maçaneiro, Marcial. (orgs.). As janelas do Vaticano II: A Igreja em diálogo com o mundo. Aparecida: Ed.

Santuário, 2013, p.117.

(25)

que carrega um tesouro em vaso de barro (cf. 2Cor 4,7), é submetido às imperfeições, às crises, às buscas.35

Mas para ser Povo de Deus, é preciso ser chamado, pois a eleição é seu maior traço, fundado na escolha de Deus. Assim se deu com Israel (cf. Dt 7,7-8), povo escolhido por Deus.

Assim proclamou Paulo, ao considerar a Igreja como assembleia dos chamados (cf. Rm 1,6;

8,28). Essa escolha é gratuita da parte de Deus e este o faz por amor e esse amor ultrapassa a ordem natural, pois é um desígnio de salvação. Todavia, afirma o Vaticano II, “todos os homens são chamados ao povo de Deus. É por isso que este povo, permanecendo uno é único, deve dilatar-se até os confins do mundo inteiro e em todos os tempos, para se dar cumprimento ao desígnio de Deus”. (LG 13).36

1.7 – A participação do Povo de Deus no tríplice múnus

A verdadeira significação da unidade e comunidade na Igreja como povo pertence a Deus e vivificado por seu Espírito é estabelecida pela Constituição sobre a Igreja com especial insistência, pelo fato de não restringir o múnus profético, régio e sacerdotal somente às ordens sacras da Igreja. Todo o povo de Deus concretizado na Igreja participa do múnus profético, régio e sacerdotal de Cristo, ainda que, por causa da representação visível do próprio Cristo como profeta, rei e sacerdote. Não só os que receberam ordens sacras têm de exercer atividades proféticas e sacerdotais na Igreja, mas, todos aqueles que receberam pelo sacramento do batismo o tríplice múnus.37

Cristo Senhor, Pontífice tomado de entre os homens (cf. Hb 5,1-5), fez do novo povo “um reino de sacerdotes para Deus, seu Pai” (cf. Ap 1,6; cf. 5,9-10). Com efeito, pela

35 ALMEIDA, Antonio José de. “Sois um em Cristo Jesus: teologia sistemática, eclesiologia. São Paulo:

Paulinas, 2004, p. 80.

36 LOPES, Geraldo. Lumen Gentium: texto e comentário. São Paulo: Paulinas, 2011, p. 60.

37 SEMMELROTH, O. A Igreja, o novo Povo de Deus. In: BARAÚNA, Guilherme. (org.). A Igreja do Vaticano II. Petrópolis: Vozes, 1965, p. 483.

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regeneração e unção do Espírito Santo, os batizados são consagrados para serem edifício espiritual e sacerdócio santo, a fim de, por todas as obras do cristão, oferecerem sacrifícios espirituais e proclamarem as grandezas daquele que das trevas os chamou para a sua luz maravilhosa (cf. 1Pd 2,4-10). (LG 10) 38

Este sacerdócio se caracteriza na oração, no louvor, na oferta de si e no testemunho de vida. Tal teologia fundamenta a participação, a corresponsabilidade e o protagonismo de todos na Igreja e em sua atividade evangelizadora.39 O sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial hierárquico, apesar de diferirem entre si essencialmente e não apenas em grau, ordenam-se um para o outro; de fato, ambos participam, cada qual a seu modo, do sacerdócio único de Cristo. (LG 10)40 Assim, os fiéis são convocados ao exercício do sacerdócio comum nos sacramentos (cf. LG 11).

Por meio dos sacramentos, que são meios de santificação a Igreja exerce o seu sacerdócio. O Batismo significa e opera a incorporação dos fiéis à Igreja. Imprime um caráter que os delega ao culto religioso cristão. Opera também uma regeneração, pela qual os fiéis se tornam filhos de Deus e recebem por isso mesmo a missão de professar diante dos homens a fé que receberam de Deus pela Igreja.41

O sacramento da Confirmação vincula-os mais perfeitamente à Igreja, enriquece-os de especial força do Espírito Santo, e obriga-os assim, mais estritamente, a difundir e defender a fé, pela palavra e pelo exemplo, como verdadeiras testemunhas de Cristo. A participação no sacrifício eucarístico comporta, para os fiéis, a oblação da vítima divina e deles próprios ao Altíssimo, exercendo a parte que lhes cabe na ação litúrgica do ofertório e da comunhão.

38 LOPES, Geraldo. Lumen Gentium: texto e comentário. São Paulo: Paulinas, 2011, p. 55.

39 MIRANDA, F. M. A Igreja como povo de Deus. In: RCT, 2013, p. 37.

40 LOPES, Geraldo. Lumen Gentium: texto e comentário. São Paulo: Paulinas, 2011, p. 55.

41 DE SMEDT, Emile Joseph. O Sacerdócio dos Fiéis. In: BARAÚNA, Guilherme. (org.). A Igreja do Vaticano II. Petrópolis: Vozes, 1965, p. 491.

(27)

Constitui ainda um exemplo e testemunho da unidade do povo de Deus, de que a Eucaristia é o sinal e a fonte.42

Aproximando-se do sacramento da Penitência, os fiéis recebem “da misericórdia divina o perdão da ofensa feita a Deus, e ao mesmo tempo são reconciliados com a Igreja que feriram pecando, e a qual colabora para sua conversão com caridade, exemplo e orações. (LG 11). Na sagrada Unção dos doentes, acompanhada da oração dos presbíteros, é a Igreja toda que recomenda os enfermos ao Senhor sofredor e glorificado. Mais ainda, exorta-os “a unirem-se livremente à paixão e morte de Cristo, e a contribuírem assim para o bem do povo de Deus. (LG 11). Quanto à sagrada Ordem, é uma designação, em nome de Cristo, dos fiéis assinalados por este sacramento, para “apascentar a Igreja pela palavra e pela graça de Deus”

(LG 11).43

Finalmente, pelo sacramento do Matrimônio, os cônjuges participam do mistério da fecunda união de amor entre Cristo e a sua Igreja. Essa participação impõe aos esposos cristãos a obrigação de se ajudarem mutuamente a se santificarem pela vida conjugal e pela aceitação e educação dos filhos. Desta união procede a família, onde nascem novos membros da cidade dos homens e do Povo de Deus. É preciso que, nesta espécie de “Igreja doméstica”

que é o lar, a palavra e o exemplo dos pais sejam o primeiro anuncio da fé.44

O Concílio Vaticano II menciona entre os dons espirituais e atos de virtude pedidos ao Povo de Deus, a glorificação do Pai pelo testemunho da fé. Participando da missão de Cristo, arauto da verdade, todo o Povo de Deus tem a responsabilidade de anunciar o Evangelho em todos os setores da vida humana. Em vista disto, a Igreja é povo profético a partir de Cristo, o profeta por excelência. A profecia da Igreja deriva de Cristo, enquanto acolhe sua Palavra e anuncia. Para executar a sua função profética no mundo, o povo de Deus

42 DE SMEDT, Emile Joseph. Op. Cit. p. 491. LOPES, Geraldo. Lumen Gentium: texto e comentário. São Paulo:

Paulinas, 2011, p. 57.

43 DE SMEDT, Emile Joseph. Op. Cit. p. 491. LOPES, Geraldo. Op. Cit. p. 57-58.

44 DE SMEDT, Emile Joseph. Op. Cit. p. 492. LOPES, Geraldo. Op. Cit. p. 58.

(28)

deve continuamente despertar sua vida na fé, mediante reflexão aprofundada, guiada pelo Espírito Santo, sobre o conteúdo da própria fé.45

Esse tríplice múnus apresentado pela Lumen Gentium realça a igualdade entre todos os crentes, isto é, a unidade do Povo de Deus. Essa unidade do Povo de Deus e a diferença de seus estados não dever servir de pomos de discórdia entre si, mas de união, formando assim, um único Povo de Deus, cada um cooperando de seu modo, com seus dons para edificação do Reino.46

1.8 – Universalidade do único Povo de Deus

Uma característica que a Lumen Gentium apresenta e que delimita a questão da eclesiologia do Povo de Deus, é a sua universalidade. Todas as pessoas são chamadas a formar o Povo de Deus, sem exceções nem tampouco exclusões, sendo que esse povo recebe membros de todos os povos do mundo, sem que nenhum deles perca a sua individualidade.

Além desse chamado universal à comunhão, o Povo de Deus é católico por estar entre todas as nações da terra. “Todos os fiéis espalhados pelo mundo mantêm-se em comunhão com os demais no Espírito Santo e assim aqueles que residem em Roma sabem que os índios são membros seus” (LG 13).47

A catolicidade tem grande importância na vida eclesial e principalmente na vida missionária da Igreja. Por isso, a Igreja assume, purifica, fortalece e eleva as riquezas das culturas de todos os povos. Assim, o Povo de Deus se caracteriza por sua imensa variedade e diversidade de funções.48

45 DE SMEDT, Emile Joseph. Op. Cit. p. 493.

46 SEMMELROTH, O. A Igreja, o novo Povo de Deus. In: BARAÚNA, Guilherme. (org.). A Igreja do Vaticano II. Petrópolis: Vozes, 1965, p. 480.

47 RATZINGER, Joseph. O novo Povo de Deus. São Paulo: Paulinas, 1974, p. 354. LOPES, Geraldo. Op. Cit. p.

61-62.

48 RATZINGER, Joseph. Op. Cit. p. 355. LOPES, Geraldo. Op. Cit. p. 62.

(29)

A dimensão da catolicidade da Igreja também perpassa as igrejas particulares, as quais fazem parte da comunhão católica e que vivem conforme suas tradições próprias, sem nenhuma diminuição do primado do sucessor de Pedro, que procura promover a legítima diversidade e unidade. Não é só o papa ou a Igreja de Roma que têm responsabilidade diante dos membros, mas também esses mesmos, isto é, as Igrejas particulares têm uma enorme co- responsabilidade.49

Todo o povo deve promover essa unidade em meio a vasta pluralidade de expressões e culturas, pois tal pluralidade é entendida como uma ação do Espírito Santo, ao contrário de um entendimento fechado ou único sobre a identidade católica.

A seguir, desdobrando o tema da catolicidade do Povo de Deus, a Lumen Gentium disserta sobre os vários graus de pertença a este povo. Pertencem plenamente à Igreja os que vivem conforme o Espírito de Cristo, acolhem todas as disposições da Igreja e seus meios de salvação, sob a direção do Sumo Pontífice e dos bispos, na mesma fé, nos mesmos sacramentos, nas mesmas normas eclesiásticas de comunhão. No entanto, a salvação não pode ser assegurada para os que estão na Igreja e não perseveram no amor (LG 14).50

Depois da Lumen Gentium se refere aos cristãos não católicos que, mesmo não professando a integridade da mesma fé ou não se mantendo em comunhão com o sucessor de Pedro, ainda assim possuem inúmeros meios de santificação. A Igreja ora e atua com a finalidade de obter a união de todos. Os protestantes, por exemplo, são parte do Povo de Deus, ainda que não pertençam plenamente a comunhão católica (LG 15). 51

Finalmente, aqueles que ainda não receberam o Evangelho, estão de uma forma ou de outra orientados para ao Povo de Deus. Os não cristãos elencados são os judeus, os

49 RATZINGER, Joseph. Op. Cit. p. 355.

50 LOPES, Geraldo. Op. Cit. p. 64.

51 Ibidem, p. 65.

(30)

muçulmanos, e mesmo aqueles que buscam a Deus sinceramente, cumprindo a sua vontade pelo critério de sua consciência, e também podem obter a salvação (LG 16)52

Também mantém um relacionamento com a Igreja aqueles que, enganados pelo maligno, vivem e morrem sem Deus. Essa orientação dos não cristãos para o Povo de Deus, significa que tudo o que de bom e verdadeiro que há neles, é considerado como preparação para a comunhão católica e, poderíamos dizer, são sementes do Verbo (LG 16).53

Conclusão

Vimos neste capítulo como o Concílio Vaticano II resgatou a categoria Povo de Deus e seus desdobramentos por meio da Constituição Lumen Gentium. A Constituição Lumen Gentium trata de modo particular da natureza da Igreja enquanto mistério e enquanto Povo de Deus. E em seu segundo capítulo, com o tema “Povo de Deus”, resgata essa categoria deixada de lado por muitos séculos pela Teologia. Deste modo, a categoria “Povo de Deus” tornou-se assim o conceito eclesiológico do Concílio. Vimos como a categoria Povo de Deus traz consigo os valores histórico e antropológico, demonstra a igualdade todos os fiéis por meio do Batismo, o lugar do leigo na Igreja e a responsabilidade de todos os fiéis diante do mandato missionário de Jesus Cristo, concluindo assim a importante retomada desta categoria e sua

eclesiologia para podermos ver no próximo capítulo a sua recepção na América Latina.

52 Ibidem, p. 66-67.

53 Ibidem, p. 68.

(31)

CAPÍTULO II: O Povo de Deus em Medellín e Puebla

Introdução

O passar dos anos após o Concílio Vaticano II representam para a Igreja na América Latina tempo de autocrítica e aggiornamento proposto pelo Concílio e também de uma nova consciência da realidade latino-americana. Com a conferência de Medellín em 1968 todo este processo adquire um novo ritmo. Medellín usa uma linguagem de libertação, de compromisso com os pobres, permitindo pensar a Igreja de maneira do “desenvolvimento” à “teologia da libertação”. Por desenvolvimento se entende aqui o processo de desenvolvimento das nações e Igrejas do Terceiro mundo na busca de copiarem fielmente os modelos das nações mais desenvolvidas. Em Medellín, a Igreja latino-americana irá rumo à formação cada vez mais acentuada de sua identidade.

Já em Puebla, este processo vai dar mais um passo significativo. Vai surgir daí, com maior vigor, uma Igreja-povo. Igreja sacramento, como propunha o Concílio, uma Igreja profética, como propunha Medellín, e uma Igreja dos pobres, uma Igreja-comunidade confirmada mais uma vez na busca de sua identidade como Igreja local.

2.1 – Do Vaticano II a Medellín

No início da eclesiologia latino-americana devemos colocar o Concílio Vaticano II.

O Concílio deu um impulso final para que a Igreja acelerasse o processo de aggiornamento.

Apesar da moderação de seus textos oficiais, mais concernentes ao mundo europeu, deus sinal para que também aqui na América Latina se partisse cada vez mais ousadamente para um processo de mudança na Igreja. E os renovadores nos campos teológico, moral, litúrgico são

(32)

frequentemente também os renovadores no campo político, pelo que esta renovação proposta no Concílio acabaria por ter ressonância muito forte também no campo secular, social.54

Sob a orientação inicial de João XXIII, o Concílio Vaticano II define-se por uma nova auto compreensão da Igreja em relação a si mesma, como mistério enraizado na Trindade e como povo de Deus, sacramento da salvação e sujeito histórico da comunhão eclesial pela graça do batismo. Valorizou teologicamente a Igreja particular e a colegialidade episcopal como forma de superar certo centralismo eclesiológico que tende a transformar a unidade em uniformidade. Assim se reconhece, ao menos em princípio, a originalidade eclesial de cada Igreja particular inserida num espaço humano social e culturalmente demarcado.55

O Concílio fez também com que muitos bispos se colocassem decididamente ao lado do povo. Assim se expressou o arcebispo da Paraíba:

O que fez com que me colocasse do lado do povo foi o Vaticano II, isto é uma reflexão de Igreja mostrando para mim que a Igreja não é antes de tudo uma instituição estruturada dessa ou daquela maneira; Igreja é muito mais do que isto, é povo de Deus. Ela necessita de uma estrutura para poder funcionar, mas ultrapassa a estrutura enquanto tal, a estrutura é um meio, enquanto ela é fundamentalmente povo de Deus que deve caminhar, povo de Deus em marcha.56

54 CIPOLINI, Pedro Carlos. A Identidade da Igreja na América Latina: as notas da verdadeira Igreja na eclesiologia latino-americana. São Paulo: Loyola, 1987, p. 81-82.

55 CALIMAN, Cleto. A TRINTA ANOS DE Medellín: uma nova consciência eclesial na América Latina. In:

Revista Perspectiva Teológica, 1999, p. 163.

56 Depoimento de dom José Maria Pires, arcebispo da Paraíba (João Pessoa). APUD. CIPOLINI, Pedro Carlos. A Identidade da Igreja na América Latina: as notas da verdadeira Igreja na eclesiologia latino-americana. São Paulo: Loyola, 1987, p. 82.

(33)

A recepção das ideias do Vaticano II, após seu encerramento, colocou em evidência o contraste entre duas formas de presença eclesial no mundo de hoje e evidenciou a predominância de duas eclesiologias. Enquanto no assim chamado Primeiro Mundo (ou Velho Mundo) a Igreja volta suas atenções aos problemas da sociedade do bem-estar e do vazio – correndo o risco de fechar-se sobre si mesma – no Terceiro Mundo, a Igreja deixa o recinto de seus templos e começa a tornar-se sinal de esperança para a grande massa de empobrecidos, dos quais ela fez seus protagonistas.57

De certa forma, temos que admitir que o Concílio passou para as mãos das Igrejas do Terceiro Mundo, que interpretam criativamente o Vaticano II através de sua s conferências episcopais. Em relação ao Vaticano II, houve real receptividade na América Latina, onde se procurou fazer uma interpretação criativa de suas resoluções. Se o Concílio Vaticano II tentou adaptar a Igreja ao mundo contemporâneo, fazendo surgir um modelo de Igreja que podemos chamar de moderna (em contraste com o modelo anterior de Igreja institucionalista, tridentina), a Conferência de Medellín procurou ajustá-lo à realidade latino-americana de capitalismo dependente, miséria e exploração, fazendo surgir um terceiro modelo de Igreja.58

A originalidade deste terceiro modelo (eclesiológico) nasce do fato de que não se limita a aplicar o Vaticano II A Igrejas concretas, mas do fato de reler o Concílio a partir do mundo latino-americano, um continente que vive situações de injustiça e de miséria realmente trágicas. O Vaticano II é interpretado do ponto de vista dos deserdados da história: não do ponto de vista do homem culto e secularizado, mas do analfabeto ou mal escolarizado; não do ponto de vista da tecnologia avançada, mas das massas empobrecidas; não a partir do nível de

57 CIPOLINI, Pedro Carlos. A Identidade da Igreja na América Latina: as notas da verdadeira Igreja na eclesiologia latino-americana. São Paulo: Loyola, 1987, p. 82. CODINA, Victor. Eclesiologia Latino- Americana da Libertação. In: REB, 1982, p. 61.

58 CIPOLINI, Pedro Carlos. Op. Cit. p. 83.

(34)

vida norte-atlântica, mas de um povo faminto; não a partir das democracias liberais, mas a partir de situações de terrível repressão política.59

A passagem entre o Concílio Vaticano II e Medellín teve que vencer alguns equívocos da recepção do Concílio. Um deles provinha da própria América Latina. Era preciso superar a ideologia do desenvolvimentismo que havia feito um bom caminho também dentro da Igreja.

O tema do desenvolvimento estava no coração de todas as iniciativas da Igreja no campo social, Medellín vai operar uma sutil passagem de tom de conteúdo ao deslocar o acento desenvolvimento para a libertação, acrescentando à dimensão econômica e social uma nítida tomada de posição teológica e política.60

Desloca-se o acento do desenvolvimento para a libertação. Os países subdesenvolvidos não podem esperar a ajuda dos desenvolvidos, mas sim tomar a iniciativa, ativando o povo para sua tarefa de libertação.61

Outro equívoco situava-se na teologia da secularização que circulava naqueles anos.

Ela sugeria uma recepção do Concílio como reconciliação com a modernidade ilustrada.

Justamente neste ponto se dá outra reflexão fundamental para compreender Medellín. De fato, a teologia que presidiu a recepção latino-americana do Concílio não foi aquela que animou o próprio Concílio e lhe deu foros de modernidade, mas aquela teologia que surgiu da descoberta do pobre. Desta forma, o tema anunciado por João XXIII da “Igreja dos pobres”, e que não havia obtido tratamento adequado no Concílio, é retomado sob outro enfoque, não da ilustração, mas da libertação.62

59 CIPOLINI, Pedro Carlos. Op. Cit. p. 83.

60 BEOZZO, J. O. A Igreja do Brasil: de João XXIII a João Paulo II, de Medellín a Santo Domingo. Petrópolis:

Vozes, 1994, p. 119.

61 CALIMAN, Cleto. A TRINTA ANOS DE Medellín: uma nova consciência eclesial na América Latina. In:

Revista Perspectiva Teológica 31 (1999), p. 168.

62 Ibidem, p. 168.

(35)

2.2 – De Medellín à Puebla

A conferência de Puebla volta a assumir, com renovada esperança na força vivificadora do Espírito, a posição da II Conferência Geral que fez uma clara e profética opção preferencial e solidária pelos pobres, não obstante os desvios e interpretações com que alguns desvirtuaram o espírito de Medellín, e o desconhecimento e até mesmo a hostilidade de outros. Afirmamos a necessidade de conversão de toda a Igreja para uma opção preferencial pelos pobres, no intuito de sua integral libertação.63

A imensa maioria de nossos irmãos continua vivendo em situação de pobreza e até miséria, que veio agravando. Queremos tomar consciência do que a Igreja latino-americana fez ou deixou de fazer pelos pobres depois de Medellín, como ponto de partida para a busca de pistas opcionais eficazes em nossa ação evangelizadora, no presente e no futuro da América Latina.64

A conferência de Puebla é uma rica e original experiência eclesial, uma arrancada da Igreja latino-americana, a qual, de Medellín a Puebla, foi se configurando com uma nova identidade: de solidariedade com a causa dos pobres; de coragem frente aos Estados totalitários e opressivos; de defesa dos direitos dos pequenos e daqueles que não têm vez na sociedade; de inserção nos meios populares.65

A característica básica desta configuração da Igreja que se completa com a conferência de Puebla é o novo lugar social de onde começa a falar, se organizar e agir;

partindo do povo e dos pobres na sua missão evangelizadora e denunciando assim, o chamado pecado estruturado. Puebla faze emergir um modelo de Igreja Povo de Deus de acordo com as aspirações do Vaticano II dentro dos fatores da realidade latino-americana, promovendo a evangelização como libertação integral, reconhecendo os valores da religiosidade popular e

63 D. P. (Documento de Puebla), n. 1134.

64 D. P., n. 1135.

65 MATOS, Henrique C. J. CEBs uma interpelação para o ser cristão de hoje. São Paulo: Paulinas,1985,p.34-35.

(36)

fazendo surgir uma reflexão teológica a partir da práxis pastoral, que significa pensar a fé levando em consideração o momento histórico.66

Surge uma nova consciência eclesial, teórica e prática, uma nova eclesiologia, uma nova maneira de participação eclesial e um novo modo de a comunidade eclesial se organizar e também um novo modo de conceber o ser da Igreja como povo de Deus, peregrino na história, Igreja em função do Reino... Um novo modo de agir da Igreja no mundo atual. O problema central é o da redefinição da tarefa da Igreja e a formação de uma nova consciência eclesial, em um mundo onde a Igreja não pode mais somente estar presente, mas deve influir positivamente.67

Dentro da crua realidade de opressão existente na América Latina, esta Igreja que surge, o faz na busca de superar a inadequação das velhas estruturas de Igreja ante o mundo que vivemos. O Concílio Vaticano II afirma que a Igreja, como Cristo, deve realizar sua obra de redenção „em pobreza e perseguição‟. Não é esta a imagem apresentada pela Igreja latino- americana tomada em conjunto. Ao contrário. É na busca de superação desta incoerência com o espírito do Evangelho e no seguimento do espírito do Concílio que uma enorme correte de cristãos, atendendo ao apelo do Espírito, reúne seus esforços para fazer nascer esta nova imagem da Igreja.68

Pois bem, nesta busca de autenticidade e correspondência aos sinais dos tempos, a Igreja latino-americana faz uma ruptura de fundo, que gera uma eclesiologia da libertação.

Seu interlocutor não é o homem europeu, secular e desenvolvido, com quem o Vaticano II entrou em diálogo, mas o oprimido, o não homem, a massa de empobrecidos do continente latino-americano. A preocupação teológico-eclesial latino-americana não é somente acerca do sentido, mas busca também a libertação da miséria, através da transformação da realidade

66 Ibidem, p. 34-35.

67 CIPOLINI, Pedro Carlos. A Identidade da Igreja na América Latina: as notas da verdadeira Igreja na eclesiologia latino-americana. São Paulo: Loyola, 1987, p. 90.

68 Ibidem, p. 90.

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