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Rev. Bras. Psiquiatr. vol.29 número1

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Academic year: 2018

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Rev Bras Psiquiatr. 2007;29(1):86-95 Cartas aos editores

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Transmissão intergeracional da

violência familiar - o papel do transtorno

de estresse pós-traumático

Intergenerational transmission of family

violence – the role of post-traumatic

stress disorder

Sr. Editor,

A crescente violência nas grandes cidades é uma das prin-cipais preocupações da sociedade brasileira atual. A cada novo paroxismo de violência, “especialistas” são convocados para discorrer sobre as “causas da violência” nas páginas dos jor-nais ou no horário nobre das emissoras de televisão. Estas explicações, contudo, raramente se mostram satisfatórias. Na maior parte das ocasiões, representam opiniões pessoais mais ou menos fundamentadas; ocasionalmente, são uma mera oportunidade para o entrevistado dar vazão à sua insatisfação com o estado das instituições sociais e políticas nacionais. Em suma, raramente o que se ouve sobre violência no Brasil atual é fruto de pesquisas empíricas de boa qualidade.

É, portanto, com inegável satisfação que lemos o artigo de Bordin et al., o primeiro estudo de base populacional realiza-do no Brasil sobre a relação entre punição física grave e pro-blemas de saúde mental em crianças e adolescentes nas co-munidades de baixa renda.1 Entre várias outras observações

importantes, os autores constataram que não apenas a puni-ção física grave é prática comum nesta populapuni-ção (10,1%), mas também que as vítimas de punições físicas graves têm probabilidade aumentada de se tornar futuros agressores.

A identificação de fatores que condicionam a transmissão intergeracional dos comportamentos violentos (estimada em 23-30% por Pears e Capaldi2) é um dos campos de pesquisa

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comportamento, oferece uma oportunidade ímpar para inter-venções capazes de interromper a aparentemente infinita es-piral familiar da violência.

Embora o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) seja o transtorno mental mais fortemente relacionado a situações de violência, seu estudo no Brasil permanece incipiente.3 Uma

das facetas menos conhecidas do TEPT é sua freqüente asso-ciação à transmissão intergeracional do comportamento vio-lento. O TEPT é comum em famílias onde ocorre abuso infan-til grave, não apenas entre as vítimas, mas também, surpre-endentemente, entre suas mães, com prevalências atuais de 35,8% e 15,6%, respectivamente.4

Acredita-se que pais que padecem de TEPT em conseqüên-cia de suas experiênconseqüên-cias pessoais de maus-tratos durante a infância têm maior risco de tratar abusivamente seus próprios filhos. De fato, admite-se que maus-tratos sofridos durante a infância tendem a ser mais prejudiciais que os traumas ocor-ridos mais tardiamente, por conta das interações entre os sin-tomas de estresse pós-traumático e o processo de desenvolvi-mento psicológico. As experiências traumáticas infantis cau-sariam déficits permanentes na regulação dos processos comportamentais, cognitivos e emocionais que contribuiriam para limitar as habilidades dos pais para cuidar de sua prole e, em conseqüência, aumentariam o risco de transmissão intergeracional de dependência de drogas, dificuldades de re-lacionamento e violência familiar. De Bellis et al. sugeriram que comportamentos violentos em relação aos próprios filhos podem ser a conseqüência de sintomas não tratados de TEPT nos pais, resultantes da violência familiar sofrida por estes durante a infância.5

O trabalho de Bordin et al. inaugurou no Brasil uma impor-tante área de pesquisa.1 É nossa sugestão que estudos futuros

por ele inspirados não devem deixar de investigar o papel de-sempenhado pelo TEPT no processo de perpetuação da vio-lência familiar. É importante também que psiquiatras e outros especialistas em saúde mental, ao se depararem com casos de violência intrafamiliar, tenham em mente esta possibilida-de e não percam a oportunidapossibilida-de possibilida-de diagnosticar e tratar um transtorno cujas conseqüências podem ser muito graves.

M a u r o V M e n d l o w i c z

Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental, Universida-de FeUniversida-deral Fluminense (UFF), Niterói (RJ), Brasil

I v a n F i g u e i r a

Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental, Universida-de FeUniversida-deral do Rio Universida-de Janeiro (UFRJ), Rio Universida-de Janeiro (RJ), Brasil

R e f e r ê n c i a s

1. Bordin IA, de Paula CS, Nascimento R, Duarte CS. Severe physical punishment and mental health problems in an economically disadvantaged population of children and adolescents. Rev Bras Psiquiatr. 2006;28(4):290-6.

2. Pears KC, Capaldi DM. Intergenerational transmission of abuse: a two-generational prospective study of an at-risk sample. Child Abuse Negl. 2001;25(11):1439-61.

3. Figueira I, Mendlowicz M. Diagnóstico do transtorno de estresse pós-traumático. Rev Bras Psiquiatr. 2003;25(Suppl 1):12-6.

Financiamento: Inexistente

Conflito de interesses: Inexistente

4. Famularo R, Fenton T, Kinscherff R, Ayoub C, Barnum R. Maternal and child posttraumatic stress disorder in cases of child maltreatment. Child Abuse Negl. 1994;18(1):27-36.

Referências

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