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VOZES NEGRAS: A MÚSICA COMO ESPAÇO DE EXPRESSÃO DE MULHERES NEGRAS

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Academic year: 2022

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VOZES NEGRAS: A MÚSICA COMO ESPAÇO DE EXPRESSÃO DE MULHERES NEGRAS

Priscila Santos Muniz Dias INTRODUÇÃO

“O jogo só vale quando todas as partes puderem jogar Sou mulher, sou preta, essa é minha treta Me deram um palco e eu vou cantar Canto pela tia que é silenciada Dizem que só a pia é seu lugar Pela mina que é de quebrada Que é violentada e não pode estudar Canto pela preta objetificada Gostosa, sarada, que tem que sambar”

(Preta Ferreira – Não precisa ser Amélia, 2019)

Pensar e falar sobre os movimentos de visibilidade feministas e antirracistas de mulheres negras é reflexionar sobre os diversos espaços que foram conquistados por estas mulheres através de suas lutas, e que utilizaram esses lugares conquistados como possibilidades de emancipação. A música, entre outros, é um dos importantes lugares de fala das mulheres negras, que através desse instrumento expressam suas angústias, anseios, incômodos, experiências cotidianas, pensamentos políticos, críticas sobre desigualdade social, racial, de gênero, e seus desejos de transformações.

Uma importante ferramenta estratégica, com o uso de suas vozes através do canto, acaba por alcançar diferentes escutas de diversas posições e lugares sociais, o que contribui

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para a expansão do discurso. Assim, tais críticas alcançam pessoas que não vivenciam determinados problemas sociais, e por esse distanciamento acabam por não desenvolverem a empatia, o que contribui para a manutenção de uma sociedade racista, machista e desigual economicamente. Mas, através das músicas de mulheres negras aumentam as possibilidades de contato com o debate feminista negro.

As histórias dos movimentos feministas negros nos apresentam que as mulheres negras lutaram para conseguir espaços em que o colonialismo branco e machista as tomou.

Algumas vezes por meio do diálogo, outras pelo grito, ou por revoltas e lutas, como nos apresenta Dandara, figura importante no cenário de luta pela libertação do povo negro e abolição da escravatura.

Durante, e principalmente após o período de colonização, surgiram diferentes movimentos feministas organizados de mulheres a favor de seus direitos, como o direito ao voto, à suas participações na política, no ambiente de trabalho, na educação, nas universidades, entre outros:

“Las feministas negras fueron, desde el principio, extraordinariamente lúcidas a la hora de posicionarse, y fuertes a la hora de establecer alianzas. Con los hombres de su propia

«raza» en las antiguas comunidades de esclavos, con las mujeres blancas en la lucha por el sufragio femenino y, sobre todo, con todas las mujeres negras cuando el racismo contaminó el movimiento sufragista estadounidense y cuando la emancipación incorporó las diferencias de género a las comunidades negras” (JABARDO, 2012, p. 28)

Ou:

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“En Estados Unidos, las tempranas y cortas alianzas entre las luchas abolicionistas y las luchas feministas del siglo xix y las superposiciones de estas reivindicaciones en campañas comunes por el sufragio de la población negra y de las mujeres pusieron en evidencia las similitudes de funcionamento del racismo y del sexismo.” (VIVEROS, 2016, p.3)

Ao longo dos anos, as mulheres negras, insatisfeitas com suas condições sociais de inferiorização, mostraram para a sociedade que poderiam alcançar espaços de poder, e ocupar as posições que desejassem.

Porém, após o período histórico de tentativa de estabelecer a república, onde começou a se olhar para o direito de todos os cidadãos, surgiu uma preocupação maior relacionada à igualdade, percebeu-se que mesmo dito pela lei, nem todos eram iguais. Mulheres negras viviam na base da sociedade na pirâmide da desigualdade, quais viviam a margens dos direitos civis.

Com o ocorrido das ditaduras imperialistas na década de sessenta nos países latino-americanos, diversas organizações se fortaleceram com o objetivo de redemocratizar de seus países. Principais movimentos identitários como o movimento negro e o movimento feminista se estruturaram para analisarem suas diferentes situações de desigualdade diante desse contexto histórico e sócio-político.

Porém, mulheres negras se sentiam deslocadas em meio a este cenário, por razões das divisões dos movimentos, onde não se sentiam encaixadas em nenhum grupo. Perceberam a existência do machismo no movimento negro, e no feminista a predominância de brancas falando sobre uma realidade em que mulheres negras não se reconheciam (GONZALEZ, 1988).

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Então percebeu-se a necessidade de conciliar suas lutas, e criar um movimento que abraçasse suas questões de forma integral, surgindo assim os movimentos feministas negros, que é uma forma de olhar para as desigualdades de modo interseccional.

Esse momento histórico pode nos ser relevado através do seguinte relato:

“En Brasil, las problemáticas de las mujeres negras como temas de debate político al interior del Partido Comunista Brasileño (Barroso y Costa, 1983) fueron planteadas desde la década de 1960; diversas activistas e intelectuales (Thereza Santos, Lelia González, Maria Beatriz do Nascimento, Luiza Bairros, Jurema Werneck y Sueli Carneiro, entre outras) promovieron la teoría de la tríada de opressiones “raza-clase-género” para articular las diferencias entre mujeres brasileñas que el discurso feminista dominante había pretendido ignorar. Por otra parte, desde el Segundo Encuentro Feminista de América Latina y el Caribe celebrado en 1983 en la ciudad de Lima (Curiel, 2007), distintos movimientos feministas han puesto en evidencia la ausencia de la cuestión del racismo en los debates políticos del movimiento feminista. (VYGOYA, 2016, p.5)

Através dos movimentos feministas negros, a luta por espaços de voz, de poder, e até de direito a presença de seus corpos, foram mais fortalecidas e ganharam maior visibilidade, garantindo as mulheres negras conquistas significativas como maior inserção nas escolas, universidades, na dança (Mercedes Baptista é um grande exemplo, onde foi a primeira bailarina negra a integrar o Teatro Municipal do Rio de Janeiro), no teatro (Teatro Experimental do Negro no Brasil, surgindo com Abdias Nascimento), no mercado de trabalho, na música, entre outros.

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Apesar de sabermos que ainda as mulheres negras vivem em maiores margens de direitos sociais, e que ainda se tem muito a lutar por maiores conquistas, é inegável que suas lutas foram importantes para a garantia de direitos. A música é hoje um grande lugar de demarcação dessas conquistas.

METODOLOGIA

O presente trabalho visa discorrer sobre a importância dos movimentos feministas negros para a amplitude da participação de mulheres negras em diferentes espaços de visibilidade social. A partir disto baseia-se em autoras feministas negras quais trouxeram estas discussões políticas da militância para o espaço acadêmico, e foram grandes contribuintes para a notoriedade e crescimento desse debate.

Tem-se alguns exemplos como Lélia Gonzalez, qual foi pioneira do movimento feminista interseccional dentro academia, qual relatou seu desconforto com o machismo presente no movimento negro da época (CARDOSO, 2014), sendo uma importante participante deste. Mas também notada que os coletivos e organizações feministas eram organizados e liderados por mulheres brancas, quais não expunham suas realidades e mazelas em totalidade.

Lélia foi importante na história dessa construção por ter desenvolvido um olhar para das realidades que ainda encontravam-se invisibilizadas nos debates políticos e acadêmicos. Em principal, por destacar a importância de se pensar uma luta antirracista e feminista a partir do contexto sócio-histórico da América Latina e do Caribe, acreditando que essas regiões havia diferentes efeitos do racismo, colonialismo e

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ainda com o imperialismo (GONZALEZ, 1988), e que esses efeitos foram de diversas reações desencadeadas nesse território da América.

Com isso, Lélia propõe o que vai a se chamar e ser amplamente conhecido de amefricanidade, dizendo: “eu proponho o de americanos (...) para designar a todos nós.”.

(GONZALEZ, 1988; ênfase original). Acredita que este conceito refere-se, denomina e englobe as dos povos negros e indígenas de forma interseccional, contra o racismo, patriarcado, colonialismo, imperialismo e capitalismo desencadeados nessa região.

Outra proposta para o debate realizado foi a linha de pensamento trazida, o conceito de interseccionalidade qual fortificou os debates feministas negros sobre um viés latino- americano e caribenho, onde acredita-se que esse conceito se difere nesta região por seu contexto social (VIVEROS, 2016). E, traz a analise de que os debates estadunidenses privilegiavam somente a raça e o gênero, deixando a questão de classes à margem das discussões, em que se tornaram apenas menções esporádicas (VIVEROS). Com isso, esta ideia nos traz a ideia de triple opressão vivenciada nesses espaços regionais, que só podem ser superadas através de um pensamento e uma prática de luta interseccional.

Esta linha do pensamento é desenvolvida por diferentes autoras sobre diversos ângulos como: Lélia Gonzalez, Luiza Bairros, Mara Viveros Vigoya, e Joice Berth.

Utiliza a importante contribuição de Mercedes Jarbado qual realizou um trabalho de resgaste e documentação de todo o percurso histórico dos feminismos negros, iniciando seus relatos com os surgimentos dos movimentos negros e de

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mulheres, até apresentar e fundamentar a importância do surgimento dos feminismos negros para a vida destas mulheres.

Ainda, apropria-se de um estudo realizado pela CEPAL como fonte de bases estatísticas que fundamentam a desigualdade social existente de forma mais opressiva â mulheres negras.

Trazer a história da música negra americana, em particular seus efeitos na história do Brasil, tornando-se grande mecanismo de resistência, luta, emancipação e empoderamento para os sujeitos negros e negras do Brasil (GOMES, 2017;

BERTH, 2019), em particular as mulheres negras.

Por fim, analisa através das letras de músicas de rap compostas e cantadas por mulheres negras, particularmente as canções de Psicopretas e Preta Ferreira, como o campo da música se tornou um espaço e uma ferramenta para mulheres negras expressarem suas lutas, perspectivas, e difundir as ideias produzidas nos movimentos feministas negras de forma acessível a um público amplo. Tem-se assim uma perspectiva da música como uma arma de luta feminista e antirracista, obtendo a internet como grande ferramenta em que possibilitou a abertura para vozes e corpos marginalizados, mesmo sendo ainda uma ferramenta excludente e padronizada.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

A música em diferentes regiões da América foi e permanece sendo uma importante ferramenta de demarcação cultural e política dos movimentos negros.

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Podemos ver que sua importância na história, principalmente para as comunidades negras e seus processos de vivências desde África à exploração na América, em que:

A musicalidade é um dos instrumentos mais fortes da cultura afro. Desde antes da escravização, ainda na África, músicas marcavam o tempo de trabalho coletivo e era o meio de passar todo o conhecimento para outras gerações.

Como elemento cultural de formação da identidade africana, a musicalidade também foi um dos mais importantes instrumentos de resistência à escravidão. Nas plantações de algodão dos Estados Unidos, nas lavouras de cana-de-açúcar do nordeste brasileiro ou nas minas subterrâneas do sudeste do Brasil as músicas cantavam planos de fuga, estratégias de sobrevivência de Quilombos e sonhos de volta à liberdade na amada África (GOMES, 2017).

A música assim serviu como meio de suportarem suas dores, de resistirem às opressões, de lutarem por suas emancipações, e de expressarem suas diferentes perspectivas de vida.

O samba e o rap são alguns dos movimentos culturais oriundos da população negra americana, usados como forma de expressarem suas culturas, seus ritmos, quais possuem uma enorme carga política em suas letras, sendo assim um grande espaço social de expressão de movimentos negros.

Também, na música negra, podemos ver uma participação relevante destas em acontecimentos políticos para garantias de direitos, como:

“A musicalidade afro – nos Estados Unidos – embalou o Movimento pelos Direitos Civis e fim da segregação racial nos

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anos 1950. E da resistência negra nasceu o rhythm and blues, o soul, o rock and roll, o rap, o hip hop.” (GOMES, 2017).

Apesar de nos últimos tempos, ter ganhado notoriedade através da apropriação dessas produções por vozes brancas, e assim obterem maior prestígio social, ganharem mais espaço nas mídias e um reconhecimento geral da sociedade, se tem ocorrido um grande movimento de resgate e demarcação de suas origens, como propriedade e meio de expressão da negritude.

Uma questão que correntemente acontece é que, essas expressões artísticas que vimos surtir dos movimentos negros, quando produzidas por seus autores se obtêm outra visibilidade e forma de recebimentos, pois:

“Enquanto tambores, beatbox, capoeira e danças divertiam os senhores de escravos, a cultura africana foi tolerada. Mas o fim da escravidão representou outra violência que perdura até os dias de hoje: a violência cultural.” (GOMES, 2017; ênfase original).

Percebemos assim que, qualquer manifestação cultural voltada ao público branco, seja como autor ou plateia, como entretenimento, é bem recebido e autorizado socialmente.

Porém, quando praticado por negros torna-se até crime decretado por lei.

O samba por muitos anos foi perseguido pelos brancos, por fazer parte dos movimentos de expressões corporais e de pensamentos de homens e mulheres negras, um ato de racismo que ocorreu durante muitos anos no Brasil (GOMES, 2017). Por causa de seu batuque, similar aos do candomblé, religião

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demonizada pelos colonizadores, também o samba acabou por se enquadrar em tal estigma.

“O samba e a capoeira, os mais celebrados elementos culturais brasileiros, já foram considerados crime. Desde os tempos do Império – antes da Independência – praticantes de capoeira e sambistas deveriam ser presos, por praticarem “vadiagem” ou

‘não tomar uma ocupação honesta e útil de que possa subsistir, não tendo renda suficiente’” (GOMES, 2017).

Porém, atualmente, através da apropriação cultural muitos brancos cantam e tocam samba, e lucram com isso, mostrando assim que não importa o trabalho a ser realizado, mas que o capital sempre destina-se a mãos brancas.

Com a abolição da escravatura, criaram-se outros mecanismos da colonialidade para que fosse preservada a supremacia branca e se perpetuasse o racismo, a fim de continuar a existir uma justificativa para oprimir pessoas e obterem mãos de obras baratas a serviço do capitalismo. Então, pós-abolição, o racismo criou novos rostos em muitos setores sociais, em principal nas expressões culturais.

“No Brasil, também foi a musicalidade de raiz africana que forneceu os mais belos elementos da cultura de resistência brasileira, desde as trovas nordestinas, forró ao samba, rap, hip hop, funk e tantos outros estilos musicais marcados pela presença de elementos milenares de identidade afro.

Porém, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, países cujas elites europeias mais se beneficiaram com a exploração do trabalho escravo africano, o/a negro/a continua em uma escala inferior de cidadania e acesso a direitos.

Ao/À negro/a ainda é associado/a a imagem de violência e irracionalidade. Além da segregação espacial urbana

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favelização-, afrodescendentes ainda possuem acesso limitado e precário ao ensino e melhores condições sociais. E toda a nossa ancestralidade e cultura é transformada, de forma preconceituosa, em símbolos de violência.

Os ataques às religiões afros demonstram esse dolorido processo. Mas, para, além disso, é construída socialmente uma imagem que vincula o/a negro/a a criminalidade e justifica o encarceramento e o extermínio em massa, pelo Estado, da população afro. Não é à toa que a cada vinte e três minutos, um jovem negro/a é assassinado no Brasil.

Um dos instrumentos mais poderosos do Estado Racista para justificar esse massacre é a criminalização da cultura negra e, assim, impedir que a musicalidade continue sendo o maior veículo de resistência afro.” (GOMES, 2017).

Mas, podemos ver, que através de diversos mecanismos essas expressões artísticas qual compõem o cenário cultural brasileiro resistem ao longo do tempo, tanto para manterem suas existências como para propagar um discurso contra- hegemônico a paralelo a colonialidade. O rap, gênero musical advindo da cultura hip-hop qual através da organização Zulu Nation, fundada por Africa Bambaataa, foi criado o conceito de

“4 elementos do rap” que são dança, o grafite, o DJ e MC qual enuncia a música.

Considera-se que, através de um agrupamento de estudos sobre o rap realizado no trabalho em Rap e política e sua a busca das possíveis ligações do rap com as ancestralidades dos povos africanos, percebeu-se que possivelmente este tal como é estruturado, em uma pronúncia, uma fala, muitas vezes composto por músicas que levam um tempo maior a contar uma história, se assemelha a prática dos griots dos povos africanos, que são os sujeitos responsáveis pela manutenção e

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disseminação das histórias daquelas comunidades, através da contação de histórias, (CAMARGOS, 2015). Os griots são considerados as bibliotecas destes povos, e simbolizam a importância da oralidade e a disseminação da filosofia de um povo por meio destes.

Assim como o samba, também o hip-hop foi muito perseguido e ainda é marginalizado socialmente. Também na atualidade é mais uma expressão cultural apropriada. Porém, vemos que esses ritmos sendo apropriados e expressados por vozes brancas, perdem seus significados, marcações e posições políticas que possuem em suas origens e histórias. Tais ritmos foram criados e originados por pessoas negras a fim de exporem as problemáticas de suas vivências, e através dessa apropriação perdem seu sentido originário.

Como na canção Psicopretas 2, onde através de sua letra o grupo expressa que “Apropriadores não sentiram nossas dores”, nos mostrando como relatado que considera-se que o rap assim como o samba é um meio de comunicação de pessoas negras expressarem as desigualdades sociais sofridas e fazerem essas opressões visíveis. A apropriação desse meio por pessoas brancas acaba que gerando uma complexidade, pois estes acabam modificando sua função inicial e então enfraquece a potência dessas produções como o do samba e do rap como território de luta. Como:

“Num é Twitter isso aqui, fi, é vivência de quebrada Respeito pra ter conceito, num é só chegar pra ser aceito”.(PSICOPRETAS 2, 2019)

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Ainda que essas expressões culturais ainda sejam produzidas por negros, quando reproduzidos por brancos são recebidas de outra forma. Essa apropriação denuncia a colonialidade ainda em curso, em que se é legalizado socialmente a prática de brancos saquearem as populações negras, sejam seus territórios, culturas, assim como fizeram com seus corpos no período de escravização.

“Há mais de 500 anos, todo o saber negro foi, violentamente, sequestrado da África. Transformados/as em mercadoria, homens e mulheres africanos/as foram escravizados/as, violentados/as, invisibilizados/as nas Américas para o enriquecimento da Europa... todo seu saber acumulado foi apropriado pelos colonizadores-escravistas” (GOMES, 2017).

Assim, perpetuam as estruturas desiguais de racismo, pois, quando é reproduzido por vozes negras é perseguido, mas por brancas é valorizado e aplaudido. Assim ocorre com muitos outros símbolos das culturas negras, incluso na estética (BERTH, 2019). Muitas pessoas negras que por escolhas políticas decidem manter seus cabelos naturais, são muitas vezes ridicularizadas, sofrendo com esta prática racista, desde suas infâncias.

Um exemplo são pessoas que usam dreads como forma de demarcação cultural, e que são ridicularizadas de formas variadas, mas que na atualidade tal elemento tornou-se um símbolo estético apropriado por pessoas brancas, e quando usado por um branco é visto e aceito de forma positiva. E que em contraponto, para BERTH (2019) as pessoas negras que se iniciam no processo de demarcação de sua negritude através de seus corpos, ainda não estão totalmente conscientes do processo

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de emancipação particular que necessitarão vivenciar, através de uma busca profunda de amor próprio, resgatando assim seus traços de ancestralidade, suas raízes em sua formação pessoal.

Podemos ver também:

“Me camuflava nos teus espaços Alisando o cacho Fiz mó embaraço Na angústia do passo Que não encontrava par no salão Tem dia que ainda tô sozinha naquele salão Mas não tem dia que me falte o pé no chão Pra me fazer solitude nessa solidão Nesse chão me firmei, deixei a gira girar Quando o cabelo eu armei” (Psicopretas, 2018).

Portanto, assumir os cabelos é resistir ao modelo estético que é vendido pelo capitalismo, que é o padrão branco europeu. Outra canção que podemos ver relato dessa opressão estética, como ditadura da beleza produzida pelo capitalismo que é patriarcal, ou seja, uma repressão voltada principalmente as mulheres quais sentem-se cobradas e tem suas autoestimas fragilizadas por esse padrão inalcançável e inexistente, é uma música performada por Preta Ferreira e sua companheira de vida Doralyce, quais obtêm um trabalho conjunto e através da música realizam uma luta interseccional.

Pois, como bem nos apresenta uma publicação em uma revista online do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra):

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“Independente de qual face da identidade observemos, uma coisa é certa: ao longo dos séculos, a música tem sido usada para traduzir e conferir sentido ao sofrimento e a resistência. E na perspectiva da interseccionalidade e da maior representatividade, não faltam exemplos de vozes e sons que surgem contra o racismo, machismo, sexismo e a LGBTfobia.”

[...]

“Bia Ferreira e Doralyce traduzem a poética da luta a partir de suas músicas, um sentimento em prol da igualdade que transpassa o corpo e evocam uma ancestralidade. E é disso que se trata a interseccionalidade também.” (ALCÂNTARA, 2019).

Através das músicas destas cantoras podemos perceber esse trabalho político interseccional exercido por ambas, em que abordam as lutas através dos pontos de diferentes identidades e suas opressões sofridas. Com isso, expressam em suas músicas diferentes fenômenos políticos, como vemos:

Mode on high tech Modelo ocidental Magra, clara e alta Miss beleza universal É ditadura!

Quanta opressão Não basta ser mulher Tem que tá dentro do padrão

Foda-se o padrão!

Miss beleza, miss beleza universal Miss beleza, patriarcado passa mal Miss beleza, miss beleza universal Miss beleza, patriarcado passa mal (Preta Ferreira e Doralyce)

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Todas as expressões culturais produzidas por afrodescendentes, a partir do processo de diáspora, foram categorizadas como movimentos inferiores, não pertencentes ao patrimônio cultural, por não poderem ser consideradas e validadas como cultura, como conhecimentos que possa ser passados durante as gerações.

Assim como:

“Similaridades ainda mais evidentes são contestáveis, se o nosso olhar se volta para as músicas, as danças, os sistemas de crenças, etc. Desnecessário dizer o quanto tudo isso é encoberto pelo véu ideológico do branqueamento, é recalcado por classificações eurocêntricas do tipo ‘cultura popular’, ‘folclores nacional’ etc, que minimizam a importância da contribuição negra.” (GONZALEZ, 1988, p. 70).

Movimentos culturais como o samba, a capoeira, o hip hop e o funk, foram símbolos da luta negra para que essas produções do povo negro se tornassem patrimônios culturais da nação, e assim fossem defendidas pelo Estado e não atacadas. Porém, mesmo com a atual legalização do Estado, o racismo institucional permite práticas legais de perseguição a tais conhecimentos.

Exemplos desses ocorridos é o funk carioca que ocorre nas favelas do Rio de Janeiro, locais em que constantemente ocorrem operações policiais, onde são invadidos de forma violenta, muitas vezes durante estes eventos, colocando as vidas de muitos moradores de favela em riscos e expostas à violência do Estado.

Outra problemática é a que o atual prefeito desta mesma cidade deslegitimou por diversas vezes e por diferentes formas

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eventos de samba em que ocorriam constantemente pela cidade, sendo legalmente perseguidos pelo governo, e muitas vezes tiveram que ser cancelados. Uma violência simbólica causada por forças superiorizadas.

Vemos assim o incomodo que ainda os movimentos culturais negros causam a uma sociedade pautada pela colonialidade, e como estas práticas são baseadas por lei. O que simbolicamente de forma implícita o Estado constantemente busca dizer que ainda ser negro é crime, é algo marginal e marginalizado socialmente.

A cultura hip hop e o rap provindo desta são constantemente relacionados e estigmatizados à marginalização social, e de fato o são marginalizados por não obterem um apoio efetivo do Estado. Estes artistas em sua maioria não possuem financiamento, e ao menos espaços na cidade em que possam exercer suas práticas. Um exemplo é o grafite, que hoje em dia é aceito em espaços limitados, e sua estética, sua imagem ainda é moldada por um padrão de beleza, uma crítica trazida por muitos outros que também a exercem e acreditam na total liberdade de expressão dessas produções, que vão do grafite à pichação (CAMARGOS, 2015).

Mas, apesar da apropriação e da perseguição constantemente sofridas, surge-se a necessidade de demarcação deste território, afirmando-se assim essas expressões como espaços sociais de enunciação majoritária das vozes negras, e para escutas negras. Pois o samba e o rap resistem como espaços de resistência, de visibilidades sociais ocupados por pessoas negras, onde na sociedade racista que vivemos espaços de poder e de visibilidade lhes são constantemente negados.

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Ainda, a música é considerada um importante mecanismo educativo, em que é possível garantir acesso a conteúdos e informações a um número considerável de pessoas, se pensarmos que qualquer um pode ter contato, principalmente nos dias de hoje com a internet.

“Sin embargo, las mujeres también confirmen el aumento en espacios feministas por el neoliberalismo (ibid). Debido a la globalización hay más posibilidades de comunicación. Por medio del Internet la palabra de la revolución feminista puede difundirse y llevar a nuevas ideas (ibid).” (RAMIREZ, 2016, p.

2).

O racismo estruturado nesses espaços de conhecimento e informação invisibiliza a todo tempo o debate sobre o racismo existente, o que faz com que muitas pessoas não tenham conhecimento das críticas apontadas pelos movimentos negros, o que intencionalmente contribui para a perpetuação do racismo. Afinal, quem controla os meios de comunicação e conhecimento desejam e incluso necessitam da permanência das estruturas de desigualdade para manterem suas posições privilegiadas de poder, e obterem sujeitos inferiorizados socialmente para que lhe sirvam.

E isso ocorre também com a educação, que ainda é controlada por privilegiados dominadores que precisam da reprodução dessas desigualdades, e que exprimem isso nos setores formais e informais de educação, onde atacam constantemente movimentos de luta para uma educação negra, baseada nas culturas africanas, afroamericanas e caribenhas (GOMES, Nilma; 2011). Ainda, invisibilizam e bloqueiam as oportunidades de conscientização da população sobre questões

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como racismo, machismo, homofobia (GONZALEZ, 1988).

Mantem as pessoas alienadas para simplesmente reproduzem as estruturas e programadas para descartarem tais debates, rejeitando inclusos pessoas que defendam seus direitos.

Outra expressão da necessidade de se manter a desigualdade na educação é que, muitas pessoas ainda não possuem a efetivação plena de seus direitos básicos como ingresso as escolas. Ainda vivemos uma realidade em que um número considerável da população ainda não possui acesso à educação formal. A maioria são negras (CEPAL, 2018).

O rap então garante o acesso de jovens a questionamentos e críticas sociais, a uma consciência política a muitos jovens que foram marginalizados do acesso à educação formal, que não possuíram essas possibilidades (CAMARGOS, 2015).

Com isso, a música é um dos poucos meios possíveis que garantem a oportunidade dessas pessoas excluídas ouvirem sobre suas próprias histórias. A cantora Preta Ferreira ao início de uma apresentação nos mostra isso:

“Esse som que eu vou fazer agora ela fala por quem eu canto, porque eu canto, pra quem eu canto. E eu sempre gosto de falar que o meu som ele é um som feito para educar pessoas pretas que não tiveram acesso ao mesmo tipo de informação que eu tive.” (FERREIRA, 2019)

E reitera:

“Então, não fica bravo comigo, mas você pessoa branca, que ta assistindo o show agradeça muito porque o show não foi feito pra você. Mas aproveite, aproveite, aproveite que você ta aqui,

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porque o racismo só existe por causa de vocês, então se vocês se educarem, a gente já para de morrer. Só que a gente não tem tempo de ficar educando vocês e ainda tenta não morrer, bota fé? Então, se você conseguir fazer isso e passar isso pra frente é muito importante. Então, obrigado à vocês que estão aqui ouvindo, pelo menos espere que alguma coisa entre”

(FERREIRA, 2019).

A partir dessas práticas, desses momentos artísticos de encontros ocasionais, que são geradas as possibilidades de pessoas negras falarem para pessoas negras/seus pares sobre suas lutas, vivências desiguais, despertando assim consciência, empoderamento sobre as opressões ocorridas. Também auto- aceitação, amor, afeto, e ainda poderem contar a versão de suas histórias, sobre uma perspectiva negra, por uma voz negra, pois:

As preta reunida veio pra fazer bilhões Muito branco falando, poucas reparações Afroempreendedoras, dona do próprio negócio Autoestima, autoamor, hoje se tornaram sócio Cês abafaram nossa história Pra esconder potencial Fez parecer que desde sempre É cana ou cafezal

(Psicopretas 2)

Através desse mecanismo, nos apresentam as opressões sofridas pelo racismo:

“É que minha pele ocupa a maioria das covas, prisões e periferias”

(Psicopretas 2)

Ou:

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“Presídios empretecidos, pretos trazem falecido Antes do nome segundo a estatística Quero vê-los na estica, não esticando mais um Pretas executivas e não executadas Quem é mais preto ou quem é menos preto, enquanto sobe mais um”

(Psicopretas 2) [...]

“Os canas querem acertos senão é só desacerto Matando flores do gueto, é Pra morrer basta tá vivo ou basta ser LGBT e preto?”

(Psicopretas 2)

Assim, denuncia o racismo estrutural do Estado ocorrido através de políticas de genocídio e encarceramento em massa. Denunciam o racismo presente sobre as religiões de matrizes africanas, e constantemente durante as melodias fazem referências as suas ancestralidades, como formas de resistências religiosa e cultural:

“Exu guia minha estrada, por Dandara abençoada”

(Psicopretas) [...]

“Projeto Preto em ação, além da expressão É auto-afirmação de vida a cada batida O beat é atabaque, traz o conhaque, salve ao santo!”

(Psicopretas)

Ou:

“Minha mãezinha, me abençoe pr'eu sair Que eu nem sei mais se eu volto O inimigo tem barca, tem moto

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Arma na palma e também tem voto Caneta pronta pra assinar óbito”

(Psicopretas 2)

Também, através do rap, mulheres negras expõem críticas sobre as opressões interseccionais, denunciando o machismo e racismo sofrido, em que muitas são assassinas por tais opressões (VIGOYA, 2016):

“Quantas Matheusa ainda vão ter que partir?

E quantas Marielle ainda vão ter que morrer?

Pra fazer boy entender Hip hop num é banheiro químico pra tu cagar no meu rolê”

(Psicopretas 2)

Vemos também a chamada sobre posicionar o rap como espaço de critica social, e que deve ser utilizado como forma de posição política. Mas, ainda é um espaço como muitos outros, em que mulheres sofrem com o machismo, e que além das dificuldades que possuem para estar naquela posição, expressando suas ideias, ainda tem muitos homens que usam as letras para atacar as mulheres.

“No obstante, la revolución feminista no sólo es visible en el político sino también en el aspecto sociocultural como la música latinoamericana, incluso el género hip hop.” (RAMIREZ, 2016, p. 3)

O rap tornou-se um grande meio, por toda a América e Caribe, de mulheres denunciarem o machismo sofrido em seu cotidiano, e incluso no próprio meio musical, em que é predominantemente masculino. Podemos ver:

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“Este trabajo trata de la contribución del “hip hop feminismo” o el “rap feminista” en la sociedad latinoamericana hoy en día. Es un tipo del rap bastante nuevo, pero ya tiene mucho impacto en la región debido al contenido del mensaje que quiere difundir.

Además, el papel negativa de la mujer en la música rap se lleva a la superficie y entonces el “hip hop feminismo”. Y luego, el

“hip hop feminismo” como género popular y música de protesta será discutida mediante el análisis de dos canciones populares.” (RAMIREZ, 2016, p. 2).

Ou diante da afirmação:

“As mina rima sim!”

(Cypher – Rimas e Melodias, 2016)

Além da problemática do racismo disseminado nesses espaços artísticos, de desvalorização da arte negra, e tentativa de apropriação e valorização quando que reproduzido por brancos, ainda existe fortes opressões machistas nesses espaços, onde as mulheres costumam não serem aceitas.

“En general el estereotipo de la mujer en la cultura hip hop es muy negativa por el sentimiento sexista que impregna la música rap tradicional que se ve reforzada por la referencia constante a las mujeres como “bitches” y “ho's” (Dyson, 2004).

Justo al inicio de la escena del hip hop en los años sesenta en las calles de Nueva York, empezó a crecer la exposición sexual de mujeres en los vídeos de rap; unido con la commercialization de la música rap (Berry, 1994). De esta manera la dominación masculina, el patriarcado y las mujeres como objetos sexuales destinados exclusivamente al placer masculino se han convertido en algunos elementos característicos de la cultura hip hop y su música rap, al lado del uso de las drogas y la

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violencia entre grupos marginados (DYSON, 2004).”

(RAMIREZ, 2016, p. 3).

Através do rap das mulheres negras vemos a força e a potência dos corpos e vozes negras femininas, que cada vez mais ganham lugar em um espaço predominantemente masculino, machista e misógino. Assim, exercem uma luta interseccional (VIGOYA, 2016), apresentando na prática o que vemos na teoria. E ainda, possibilita o acesso às pessoas que são excluídas dos debates acadêmicos e das produções teóricas.

“Aparte de estas características negativas, la música rap también contiene objetivos positivos. Es el producto de una fuerte necesidad de auto-expresión auténtica y el deseo de mejorar las experiencias de los espectadores en los eventos musicales comunitarios. El género musical surgió para promover la lucha contra la violencia y justicia social (Viega, 2015). El énfasis en la potencia y el poder de la palabra hablada, la improvisación y la narración en la música rap son características importantes que pueden funcionar como terapia para los que experimentan el racismo, la discriminación o la opresión (ibid).” (RAMIREZ, 2016, p. 3).

Vemos essa afirmação através de alguns trechos das músicas das Psicopretas, quais foram selecionadas por causa do nome do grupo, de sua representação social e simbólica para o cenário musical, e da presença e ideias políticas trazidas pelas mulheres através da composição do grupo. Assim:

“Disse que não curte rap de mina e que nenhuma presta Vou me trancar no quarto, chorar Rasgar minhas rimas, é o que me resta Tá cheio de bandidão, Nelson Rubens de Internet

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Sua mãe trocando suas fraldas Eu nas ruas fazendo rap Xiu, baixa a guarda, moleque Respeita quem abriu os caminhos, fez história”

(Psicopretas) [...]

“Cê nem sabe que na minha veia tem sangue de Teresa Benguela Pra nós é muita treta ver uma preta contra outra preta Destruindo nossa luta, um branco inventa e ceis aceita?!”

(Psicopretas) [...]

“Tem quem quer dividir, mas vim multiplicar Todo ouro pra mulher preta”

(Psicopretas) Ainda:

“Sobra o anonimato pras Latifah zica da periferia Dona Clementina, Jovelina espia Cês nem vem tentar, meu bem, nós somos dessa cria Essa cena é hype, né?

Nós aqui é premier No mano a mano, pergunto Meu mano, tu tá argumentando que as mina não rima ainda?

No game eu tô trampando há uns tempos Cês gostem ou não, ganhei meu respeito E de cabeça erguida vivendo No mic X-Woman, vai vendo!”

(PSICOPRETAS 2)

Assim, é essencial enxergar o peso político e histórico do trabalho produzido por essas mulheres negras, que vemos que além de seus trabalhos serem uma luta contínua para a manutenção de seus espaços sociais nesse território predominantemente masculino que é o rap, ainda apresentam

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relatos históricos, políticos, visibilizam e tornam de conhecimento público personagens que ainda não são conhecidas pela camada popular da sociedade, quais às vezes não se encontram nas próprias histórias das escolas. Porém acabam por muitas vezes não possuírem o mesmo valor de uma produção acadêmica, que se pensarmos na funcionalidade de seu exercício, o meio usado por estas artistas torna mais possível o acesso para mulheres negras que não obtêm acesso à educação formal.

Por isso, é importante serem defendidas diferentes lutas, como de mais visibilidade e abertura de espaço a mulheres negras nesses cenários de anunciação, o que também contribui na luta de garantia de direitos de mulheres negras ao estudo, trabalho, saúde, autonomia, respeito, para uma vida mais digna e humanizada. Ou seja, necessitamos de políticas integrais interseccionais que se desenvolvam sob a perspectiva das diferentes opressões, a fim de superá-las.

Através de uma das obras de arte das Psicopretas podemos obter uma fala de Angela Davis, qual incluso seu discurso aparece no clipe da música. Pensar que muitas mulheres que nunca foram à universidade através de uma música podem ter acesso à fala de uma negra acadêmica é extremamente simbólico e representativo, mostrando assim a importância desse trabalho. E, como é dito por Angela Davis em sua fala no discurso: “Resistência em nossa arte e em nossa música.”.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

“As preta reunida veio pra fazer bilhões Muito branco falando, poucas reparações Afroempreendedoras, dona do próprio negócio Autoestima, autoamor, hoje se tornaram sócio Cês abafaram nossa história Pra esconder potencial Fez parecer que desde sempre É cana ou cafezal Retomando o trono, coroa e tradição”

(PSICOPRETAS 2).

Através deste relato, em que representa a voz da juventude sobre a perspectiva das mulheres negras, vemos através de uma música da atualidade que ainda nos dias de hoje as devastadoras consequências do colonialismo sobre o povo negro, através da racialização por cor e pele, e inferiorização da pele escura, o genocídio do povo negro, o machismo e o feminicídio, ainda não foram devidamente reparados, apesar de terem sido ecoados gritos durante todos esses anos expondo as desigualdades e injustiças.

Através do trecho “Retomando o trono, a coroa e tradição”

vemos a importância do resgate das culturas negras como tradição, algo que deve ser tratado com respeito, e valorizado socialmente, que como vemos, ainda não é validado justamente da forma que se deveria.

A retomada do trono e da coroa é uma grande e importante referência história, que nos faz recordar que muitas mulheres negras foram trazidas forçadamente para a América, quando viviam em suas sociedades africanas, eram rainhas,

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princesas, ou possuíam outros postos de poder em suas devidas comunidades. Resgatar tal informação é recordar e demarcar a verdadeira história dos povos negros por esse mundo, pois ainda os livros de história só nos contam a “conquista” e

“vitória” dos brancos europeus sobre os povos negros e indígenas, como se a história do mundo se iniciasse na colonização, na América (GOMES, Nilma; BERTH).

Através dessas histórias é possível humanizar a figura da mulher negra, mostrando não só a população negra como escrava, inferior, e incapaz de reger, pensar, administrar, liderar. Resgatar sua posição de rainha, é entrar na disputa contra-epistemológica da visão gerada sobre os negros pelo colonialismo, e apresentar a vida que acontecia na África, pois havia vida, havia espaço e direitos em seus territórios, mas que foram roubados junto com a retirada forçada de seus corpos.

E que, o que levanta uma mulher negra nessa sociedade machista e racista, é outra mulher negra. Por isso é essencial se manterem juntas, a fim de unidas se reerguerem, se levantarem, e retomarem o trono, a coroa e a tradição. Então, através dessa união de fortalecimento, juntas gritam suas dores e seus desejos de transformação, a fim de viverem em uma sociedade justa, através de um empoderamento coletivo (BERTH, 2019). Uma levanta a outra. Assim, vemos:

“Preta, quanto amor perdeu, que te corroeu Cadê o seu valor? Seja seu próprio amor Não aceite menos do que entregou É que pra moldar o mundo tem que vir de dentro”

(Psicopretas 2)

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Através da música vemos que muitas mulheres conseguem exprimir essas vontades, e que é uma grande ferramenta de emancipação dos excluídos (BERTH, 2019). Pois, Ramirez apresenta em seu texto Voces de resistência um relato de uma rapper, Tijoux, que nos conta que uma fã a disse que através de sua música conseguiu perceber o machismo sofrido em sua relação, incluso agressões físicas, e criou forças para acabar com tal situação.

Vemos que com esses relatos, podemos acreditar que o rap está cumprindo a sua missão, e que é mais que necessário lutar para que cada vez mais o movimento ganhe espaço e notoriedade social, para assim chegar a muitos ouvidos, e tocar corações que pulsem a fim de reparações e transformações sociais, para vivemos em uma sociedade justa e sem opressões.

REFERÊNCIAS

ALCÂNTARA, Fernanda. Por que precisamos entender a interseccionalidade? Revista do MST (Movimentos dos Trabalhadores Rurais sem Terra): 24, de outubro de 2019.

BAIRROS, Luiza. Nuestros feminismos revisitados. Política y Cultura. Distrito Federal – México: Universidad Autónoma Metropolitana - Unidad Xochimilco, n.14, 2000, pp. 141-149.

BERTH, Joice. Empoderamento. In: Feminismos plurais. Minas Gerais: Polén, abril de 2019.

CAMARGOS, Roberto. Rap e política. São Paulo: Boitempo, 2015.

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CARDOSO, Cláudia Pons. Amefricanizando o feminismo: o pensamento de Lélia Gonzalez. Revista Estudos Feministas.

Bahia: Universidade do Estado da Bahia, 2014.

CEPAL. Mujeres afrodescendientes en América Latina y el Caribe. Deudas de igualdad. Naciones Unidas – Santiago:

CLACSO, 2018.

GOMES, Maíra Neiva. A musicalidade negra como resistência em

Géledes: Rio de Janeiro, 2017 em

<https://www.geledes.org.br/musicalidade-negra-como- resistencia/> acesso 20 de Julho de 2020.

GOMES, Nilma Lino. O movimento negro no Brasil: ausências, emergências e a produção dos saberes. Revista Política e Sociedade, nº 18, v. 1º, abril de 2011.

GONZALEZ, Lélia. A categoria político-cultural de amefricanidade. In: Tempo Brasileiro Tempo Brasileiro Tempo Brasileiro Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro: Revista Tb Rio de Janeiro, 1988.

JABARDO, Mercedes. Feminismos negros – Antología. Madrid:

Mapa, 2012.

RAMIREZ, Churampi. Voces de resistencia: el hip hop para promover el feminismo en América Latina. Rebeca Eunice Vargas Tamayac & Ana María Merino Tijoux. Leiden: Universidad de Leiden, 2016.

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RIOS, Flávia. RATTS, Alex. A perspectiva interseccional de Lélia Gonzalez. In: CHALHOULO, Sidney. PINTO, Ana Flávia Magalhães, org. Pensadores Negros – Pensadoras Negras: Brasil século XIX e XX. Belo Horizonte: Coleção UNIAFRO – UFB, v.11, 2016.

VIGOYA, Mara Viveros. La interseccionalidad: una aproximación situada a la dominación. Bogotá: Debate feminista, 2016, p. 1-17.

ANEXOS I – MÚSICAS

Bia ferreira e Doralyce – Miss Beleza Universal – 2017 em

<https://www.letras.mus.br/bia-ferreira/miss-beleza-universal/>

acesso 20 de Julho de 2020.

Psicopretas 1 – 2018 em <https://www.letras.mus.br/narceja- producoes/cypher-psicopretas/> acesso 20 de Julho de 2020.

Psicopretas 2 – 2019 em <https://www.letras.mus.br/narceja- producoes/psicopretas-vol-2/> acesso 20 de Julho de 2020.

Rimas e Melodias - Cypher - em

<https://www.letras.mus.br/rimas-e-melodias/cypher/> acesso 20 de Julho de 2020.

ANEXO II - VÍDEO

Bia Ferreira - Não precisa ser Amélia - 2019 em

<https://www.youtube.com/watch?v=psxSY400Pn8> acesso 20 de Julho de 2020.

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ANEXO III – RECOMENDAÇÃO

Rimas e Melodias – Origens em <

https://www.youtube.com/watch?v=jBTUZC0j1ug> acesso 20 de Julho de 2020.

Psicopretas 2 em

<https://www.youtube.com/watch?v=bxqhIctLlZY> acesso 20 de Julho de 2020.

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