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A revisão linguística é de responsabilidade dos autores.

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Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) S819d Steinmetz, Wilson.

Direitos fundamentais: estudos jurídico-dogmáticos / Wilson Steinmetz. – Joaçaba: Editora Unoesc, 2017. – (Série Direitos Fundamentais Civis)

96 p. ; il. ; 30 cm.

ISBN 978-85-8422-154-7

1. Direitos fundamentais. 2. Dogmática jurídica. I.

Título. II. Série

Doris 341.27

A revisão linguística é de responsabilidade dos autores.

Universidade do Oeste de Santa Catarina – Unoesc Reitor

Aristides Cimadon Vice-reitores de Campi

Campus de Chapecó Ricardo Antonio De Marco Campus de São Miguel do Oeste

Vitor Carlos D’Agostini Campus de Videira

Ildo Fabris Campus de Xanxerê

Genesio Téo

Diretora Executiva da Reitoria Lindamir Secchi Gadler Pró-reitor de Graduação

Ricardo Marcelo de Menezes Pró-reitor de Pesquisa,

Pós-graduação e Extensão Fábio Lazzarotti

Conselho Editorial Fabio Lazzarotti Débora Diersmann Silva Pereira Andréa Jaqueline Prates Ribeiro

Jovani Antonio Stefani Lisandra Antunes de Oliveira

Eliane Salete Filipim Luiz Carlos Lückmann Carlos Luiz Strapazzon Gilberto Pinzetta Marilda Pasqual Schneider

Claudio Luiz Orço Maria Rita Nogueira Daniele Cristine Beuron

Marcieli Maccari

Comissão Científica Rogerio Gesta Leal (Unoesc, Brasil)

Carlos Strapazzon (Unoesc, Brasil) Francesco Saitto (La Sapienza, Italia) Mercè Barcelò i Serramalera (UAB-Espanha)

Elda Coelho Bussinguer (FDV, Brasil) Eduardo Biacchi Gomes (Unibrasil, Brasil)

Christian Courtis (UBA, Argentina) Ivan Obando Camino (Talca, Chile) Revisão metodológica: Débora Diersmann Silva Pereira

Projeto Gráfico: Simone Dal Moro Capa: Daniely A. Terao Guedes

Editora Unoesc Coordenação

Débora Diersmann Silva Pereira - Editora Executiva

© 2017 Editora Unoesc Direitos desta edição reservados à Editora Unoesc

É proibida a reprodução desta obra, de toda ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios, sem a permissão expressa da editora.

Fone: (49) 3551-2000 - Fax: (49) 3551-2004 - www.unoesc.edu.br - editora@unoesc.edu.br

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A revisão linguística é de responsabilidade dos autores.

SUMÁRIO

PREFÁCIO ...5 DIREITOS FUNDAMENTAIS E RELAÇÕES ENTRE PARTICULARES: A TEORIA DOS IMPERATIVOS DE TUTELA ...7 A EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA TEORIA DE ROBERT ALEXY... 25 DIREITOS FUNDAMENTAIS E FUNÇÃO SOCIAL DO (E NO) DIREITO .... 35 MODELO SERIATIM DE DELIBERAÇÃO JUDICIAL E CONTROLABILIDADE DA PONDERAÇÃO: UMA QUESTÃO INSTITUCIONAL E METODOLÓGICA PARA O CASO BRASILEIRO ... 45 O DEVER DE APLICAÇÃO IMEDIATA DE NORMAS DE DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E NAS INTERPRETAÇÕES DA LITERATURA ESPECIALIZADA ... 65 REFERÊNCIAS... 89

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PREFÁCIO

Este livro reúne textos que escrevi e publiquei entre 2005 e 2014.

Fiz ajustes necessários para fins de contextualização ou para tornar argumen- tos mais claros e precisos. Mantive a estrutura e o estilo originais. A unidade do livro é assegurada por dois elementos. Primeiro: o objeto dos textos são os direitos fundamentais. Segundo: os textos são resultados de investiga- ções epistemologicamente situadas no campo da dogmática geral dos direitos fundamentais.

Reunir em obra única textos publicados ao longo de dez anos mais do que um desejo pessoal é uma necessidade. Graças à rede mundial de computadores, ampliaram-se imensamente os meios, as oportunidades e as facilidades de publicação de artigos e capítulos de livros. Some-se a isso a proliferação de coletâneas impressas. Se, de um lado, esse fenômeno demo- cratiza o acesso à produção intelectual e aumenta o potencial público-alvo, de outro, “pulveriza” as publicações do autor, espalhando-as em inúmeros periódicos, e-books e coletâneas impressas. Torna-se mais trabalhosa a ta- refa do leitor que deseja acompanhar e ter uma visão global das pesquisas e publicações de um autor. Aos objetivos internos de cada um dos textos aqui reunidos, soma-se o objetivo de proporcionar uma visão do percurso e dos resultados de minhas investigações sobre direitos fundamentais no período de 2005 a 2014.

Wilson Steinmetz

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DIREITOS FUNDAMENTAIS

E RELAÇÕES ENTRE PARTICULARES:

A TEORIA DOS IMPERATIVOS DE TUTELA

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1 Publicado na Revista de Direito Privado, São Paulo, v. 6, n. 23, p. 291-303, 2005.

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1 CONTEXTUALIZAÇÃO TEMÁTICA E DELIMITAÇÃO DO OBJETO Aos poucos ganhou corpo a literatura brasileira específica sobre o tema da eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, também denominada eficácia horizontal dos direitos fundamentais.2 O tema constitui-se a partir de três questões básicas, que podem ser resumidas no seguinte enunciado interrogativo: se (e em caso afirmativo), como e em que me- dida direitos fundamentais produzem efeitos nas relações entre particulares?

Dizendo de outro modo, é a investigação dos fundamentos (se eles existem), da forma e do alcance da vinculação dos particulares a direitos fundamentais.

A linguagem, as categorias e as teorias básicas sobre essas questões foram construídas, no segundo após-guerra, pela dogmática e jurisprudência alemãs dos direitos fundamentais. É esse corpus teórico germânico que pauta, ao menos como ponto de partida, a análise e o desenvolvimento do tema em diferentes ordens jurídicas nacionais (e.g., Suíça, Itália, Portugal, Espanha, Brasil, Colômbia e África do Sul) e mesmo na ordem jurídica comunitária europeia (direito comunitário europeu).3

Aqui, a título de contextualização, é oportuna uma breve exposição do núcleo de cada uma das principais teorias.4 Desde o princípio da temati- zação, concorrem a teoria da eficácia imediata e a teoria da eficácia mediata.

Segundo a teoria da eficácia imediata, os direitos fundamentais vinculam imediata e diretamente os particulares. Assim, a incidência dos direitos fun- damentais nas relações entre particulares independe da mediação das normas do direito privado. A inexistência de normas de direito ordinário concreti- zadoras de direitos fundamentais não afasta a eficácia jurídica desses direitos nas relações de sujeitos de direito privado sob as modalidades deônticas da obrigação, proibição e permissão de condutas ou comportamentos. Inversa é

2 Sem ser exaustivo, da literatura constitucional citem-se os trabalhos de Sarlet (2000, p. 107-163), Steinmetz (2004 e 2005), Silva (2005), Sarmento (2006), Pereira (2006, p. 431-497) e Duque (2013).

3 Sobre a ordem comunitária, ver Herresthal (2007).

4 Para uma descrição mais detalhada dessas teorias e suas diferentes variações e com ampla documenta- ção bibliográfica, ver Steinmetz (2004, cap. 3) e Silva (2005, cap. 5).

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a posição da teoria da eficácia mediata, segundo a qual os direitos fundamen- tais não são imediata e diretamente aplicáveis às relações interprivadas. A efi- cácia é mediata e indireta, porque é tarefa (dever-competência), em primeira linha, do Poder Legislativo ao criar normas de direito privado, e, na omissão ou insuficiência legislativa, do Poder Judiciário, ao aplicar e desenvolver o direito privado, sobretudo pelo recurso ao “preenchimento” das cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados com conteúdos axiológicos que subjazem (aos) ou informam os direitos fundamentais.5

Paralelamente à controvérsia entre a teoria da eficácia imediata e a teoria da eficácia mediata, situa-se a teoria da convergência estatista. Para essa teoria, o problema da vinculação dos particulares a direitos fundamentais é um falso problema. Toda lesão de direito fundamental entre particulares deve ser imputada ao Estado, porque a lesão, em última análise, resulta de uma permissão estatal ou de uma não proibição estatal. Se o Estado – so- bretudo por meio da legislação e da jurisdição – não proíbe uma violação de direito fundamental entre particulares, então o Estado permite. O Estado é o responsável direto e universal pelas ofensas a direitos fundamentais entre particulares. Nessa perspectiva, a eficácia dos direitos fundamentais entre particulares resolve-se como direitos de defesa contra o Estado.6

Completa o corpus teórico a teoria dos direitos fundamentais como imperativos de tutela (deveres de proteção). Essa teoria é o objeto de análise deste capítulo.

Aqui, tenho por objeto a teoria dos direitos fundamentais como imperativos de tutela na versão que lhe dá Canaris (2003). Primeiro, descre- vo os pontos essenciais da teoria. Depois, faço algumas anotações pontuais pensando nas possibilidades e nos limites dessa teoria para dar conta da efi- cácia dos direitos fundamentais nas relações interprivadas no contexto do direito constitucional brasileiro.

5 É o que denominei “concretização axiojusfundamental” – ou “preenchimento axiojusfundamental” – de cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados (STEINMETZ, 2004, p. 163-164).

6 Fora do corpus teórico germânico, assemelha-se à teoria da convergência estatista a teoria norte-ameri- cana da state action doctrine. Sobre essa teoria, ver Bilbao Ubillos (1997a).

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2 PONTOS ESSENCIAIS DA TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS COMO IMPERATIVOS DE TUTELA

Canaris (2003, p. 53-54) rejeita a teoria da eficácia imediata dos di- reitos fundamentais nas relações entre particulares, porque uma generalização dessa teoria para a globalidade dos direitos fundamentais – Canaris tem em conta os direitos fundamentais da Lei Fundamental da República Federal da Alemanha (1949) – implicaria a pré-determinação constitucional de partes sig- nificativas do direito privado, sobretudo do direito dos contratos e direito da responsabilidade civil. Dizendo de outro modo, âmbitos de regulação próprios do direito privado seriam tomados pelo direito constitucional. Com isso, esta- riam gravemente afetadas a autonomia e função do direito privado.

Em princípio, são destinatários das normas de direitos fundamentais somente o Estado e seus órgãos e, por consequência, em princípio, somente as ações estatais, normativas e fáticas, são passíveis de legítimo controle com base nos direitos fundamentais. Em princípio, os sujeitos de direito privado não são destinatários de normas de direitos fundamentais e, por consequência, seus atos, sobretudo negócios jurídicos e atos ilícitos, não estão sujeitos a um controle imediato e direto sob parâmetros de direitos fundamentais (CANA- RIS, 2003, p. 54-56).7 Portanto, está excluída, em princípio, a eficácia imediata e direta dos direitos fundamentais nas relações interprivadas.

Se eficácia há – Canaris usa também os termos ‘influência’ e

‘efeito(s)’ –, ela deve ser mediata e indireta, e justificada por uma teoria (construção) dogmática consistente e convincente. Essa teoria é a dos direi- tos fundamentais como imperativos de tutela ou deveres de proteção.8

7 Canaris constata que são possíveis exceções, como é o caso do art. 9º, n. 3, 2ª frase da LF: “são nulos os acordos que restrinjam ou tratem de impedir este direito [direito de constituir associações para defender e promover as condições econômicas de trabalho], e ilícitas as medidas tomadas com esse fim”.

8 A função dos direitos fundamentais como imperativos de tutela “[...] constitui uma explicação dog- mática convincente para a ‘eficácia mediata dos direitos fundamentais em relação a terceiros’, da qual, na substância, se trata aqui (isto, se não quisermos renunciar totalmente ao uso da expressão, para o que não faltam argumentos) (CANARIS, 2003, p. 58). Aqui, Canaris dá uma forte indicação de que, em última análise, teoria de eficácia mediata e função de imperativos de tutela são apenas variações de uma mesma

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Se, no plano das relações verticais (particulares-Estado), os pode- res públicos estão vinculados aos direitos fundamentais como proibição de intervenção (função de defesa), combinada com a proibição de excesso, afe- rida pelo princípio da proporcionalidade, no plano das relações horizontais (relações entre particulares), os poderes públicos, mais precisamente o Poder Legislativo e o Poder Judiciário, estão vinculados aos direitos fundamentais como imperativos de tutela, combinada com a proibição de insuficiência.

É dever do Poder Legislativo e do Poder Judiciário proteger os direi- tos fundamentais, nas relações entre particulares, ao menos no nível mínimo exigido pela Constituição. O Poder Legislativo cumpre o dever de proteção dos direitos fundamentais, no plano do direito privado, sobretudo por meio da disciplina do negócio jurídico, dos atos jurídicos, do direito dos contratos e do direito da responsabilidade civil; o Poder Judiciário, por meio da interpretação e aplicação das normas do direito privado conforme aos direitos fundamentais e, no caso de omissão legislativa, parcial ou total, mediante integração de lacu- nas com recurso ao direito constitucional (nesse caso, ao que parece, fazendo uso das normas de direitos fundamentais e de princípios constitucionais como princípios gerais do direito) ou, quando possível, fazendo uso de cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados do direito privado “preenchidos”

segundo conteúdos jusfundamentais. Em suma, “[...] o dever do Estado de proteger um cidadão perante o outro cidadão, contra uma lesão dos seus bens garantidos por direitos fundamentais, deve ser satisfeito também – e justamen- te – ao nível do direito privado” (CANARIS, 2003, p. 133), tanto no plano da criação quanto no da aplicação e desenvolvimento.

Se na função de proibição de intervenção dos direitos fundamen- tais, inconstitucional é a ação que viola a proibição de excesso, na função de imperativos de tutela inconstitucional é a omissão do Poder Legislativo e/ou

construção dogmática. (Isso me parece bastante claro ao menos quanto ao resultado, que “na substância”, como diz Canaris, é a eficácia mediata dos direitos fundamentais nas relações entre particulares.) Ao mesmo tempo, parece tomar em conta as objeções existentes à teoria da eficácia mediata, ao afirmar que a função dos direitos fundamentais de imperativos de tutela é uma “explicação dogmática convincente para a ‘eficácia mediata dos direitos fundamentais em relação a terceiros’”. Sobre as objeções à teoria da eficácia mediata, ver Steinmetz (2004, p. 153-164).

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do Poder Judiciário que implicou uma proteção insuficiente, abaixo do mí- nimo imposto pela Constituição.

Acrescente-se ainda que “a função dos direitos fundamentais de imperativo de tutela desenvolve os seus efeitos, em princípio, também em relação à autovinculação das partes por contrato” (CANARIS, 2003, p. 71).

O reconhecimento de um imperativo de tutela para o caso concre- to requer o atendimento de certas condições ou pressupostos (CANARIS, 2003, p. 103 et seq.). Essas condições formam um esquema (estrutura, meto- dologia) argumentativo (i) para apurar se está em questão um direito funda- mental e, se estiver, (ii) para responder à pergunta sobre a existência ou não de um dever de proteção decorrente deste direito fundamental em questão.

(i) Inicialmente, um imperativo de tutela deve ser considerado (cogitado) se a hipótese normativa do correspondente direito fundamental for aplicável ao caso, isto é, se o caso for subsumível ao âmbito de proteção do direito fundamental. Um imperativo de tutela pode ser negado já no plano da tipi- cidade normativa se constatado que a hipótese normativa do correspondente direito fundamental não é aplicável ao caso, sendo desnecessária uma ponde- ração com direitos ou interesses fundamentais (constitucionais) contrários.9 Só após uma resposta positiva à pergunta sobre a aplicabilidade da hipótese normativa de um direito fundamental (primeira condição), pode-se então perguntar pela existência de um dever de proteção (imperativo de tutela).

(ii) A segunda condição é esta: “deve existir uma necessidade poderosa de protecção do direito fundamental em causa” (CANARIS, 2003, p. 106). Essa

9 Para Canaris (2003, p. 105), “este ponto de vista é dogmática e metodologicamente relevante, pois pode contribuir para evitar uma fuga demasiado apressada para a ponderação, e para contrariar a, cada vez mais crescente, hipertrofia ponderativa”.

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necessidade poderosa deve ser demonstrada em cada caso por meio de uma fundamentação específica e forte.10 Para Canaris (2003, p. 137-138),11

como factores que fundamentam o dever, há que considerar aqui, sobretudo, a ilicitude da intervenção, por um sujeito de direito privado, no bem garantido pelo direito fundamental, a sua colocação em perigo por um sujeito de direito privado, bem como a dependência (falta de alternativa) do titular do direito fundamental, no exercício do direito fundamental em questão, da colaboração ou da tolerância de outros particulares [...]. Critérios essenciais são, ainda, o nível e o tipo de direi- to fundamental a proteger, a gravidade da intervenção que se ameaça e a intensidade da colocação em perigo, as possibilida- des do titular quanto a uma auto-proteção eficaz, bem como o peso de interesses e direitos fundamentais contrapostos; estes funcionam conjuntamente sob a forma de proposições com- parativas, com a estrutura do tipo “quanto mais e quanto mais forte tanto mais” [...].

Dois pontos aqui requerem uma breve explicação.

(i) O critério do tipo e do nível do direito fundamental lesado ou ameaçado diz respeito à natureza e à hierarquia do direito fundamental em questão. Canaris (p. 112-113) o considera um ponto de vista adicional rele-

10 A necessidade de um dever de fundamentação específica decorre da “[...] circunstância da função de im- perativo de tutela, em combinação com a proibição de insuficiência, ser substancialmente mais fraca do que a função dos direitos fundamentais como proibições de intervenção, conjugada com a proibição de excesso”.

Por se tratar de uma problemática de omissão, “[...] não pode em princípio impor-se ao Estado, no âmbito das omissões, o mesmo ónus de fundamentação e de legitimação que no domínio das actuações interventivas.

Pois enquanto nestas apenas tem tal ónus quanto a uma única medida – precisamente a tomada no caso –, naquelas teria, eventualmente, de o satisfazer quanto a uma multiplicidade de medidas de protecção omi- tidas, ou até, mesmo, quanto à total ausência de actuação” (CANARIS, 2003, p. 65-66). Enquanto no caso de uma intervenção em um direito fundamental (esquema proibição de intervenção-proibição de excesso) examina-se o meio utilizado na relação com o fim que se quer promover (exame de proporcionalidade), no caso de omissão (esquema imperativo de tutela-proibição de insuficiência) não há um meio imediatamente determinável a ser imputado ao Estado, porque, na perspectiva dos deveres de proteção, o Estado pode pro- mover um fim de múltiplas formas, com múltiplos meios. “[...] o direito de defesa exige, pela sua finalidade e conteúdo, um certo comportamento estadual, enquanto o dever de proteção é em princípio indetermi- nado” (CANARIS, 2003, p. 92). Isso vale para o Poder Legislativo e para o Poder Judiciário. Ademais, “[...]

a realização da função de imperativo de tutela só é, em regra, possível com os meios do direito ordinário, e que este, por sua vez, não é, de forma alguma, todo ele constitucionalmente pré-determinado, na medida em que tem como objecto a protecção dos direitos fundamentais dos cidadãos. Antes fica aqui, em regra, aberto ao legislador um amplo espaço de livre conformação” (CANARIS, 2003, p. 66). Com uma eficácia mais fraca dos direitos fundamentais na função de imperativos de tutela preserva-se a autonomia do direito privado e, sobretudo, o princípio da autonomia privada.

11 Aqui transcrevo a síntese do próprio autor, ao final do texto. Para a exposição detalhada desses elemen- tos de fundamentação, ver Canaris (2003, p. 106-115).

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vante na fundamentação do imperativo de tutela no caso concreto. A vida e a saúde, por exemplo, estão em posição superior à liberdade de ação e à propriedade, o que não exclui que uma fraca ameaça à vida ou à saúde, em determinadas circunstâncias, deva ceder ante uma “massiva limitação da liberdade pessoal e da propriedade”. Distinguem-se, então, dois passos de argumentação: “a consideração da relação hierárquica abstracta, por um lado, e o peso concreto dos bens e interesses envolvidos, por outro lado” (CANA- RIS, 2003, p. 112). Não é a defesa de uma hierarquia rígida, mas a proposta de regras abstratas de precedência, que sirvam de ponto de vista adicional na fundamentação de um dever de proteção ou na sua negação.

(ii) À semelhança dos princípios, os critérios propostos por Canaris estão abertos a uma graduação e ponderação; não se aplicam na forma “sim/

não” ou “ou/ou”. Aplicam-se segundo a estrutura “quanto mais e quanto mais forte, tanto mais”:

quanto maior o nível do direito fundamental afectado, quanto mais severa a intervenção que se ameaça, quanto mais intenso o perigo, quanto menores as possibilidades do seu titular para uma eficiente auto-protecção, e quanto menor o peso dos di- reitos fundamentais e interesses contrapostos, tanto mais será de reconhecer um dever jurídico-constitucional de proteção.

(CANARIS, 2003, p. 114).

A fundamentação específica em cada caso da existência do dever de proteção e a proibição de realizar a proteção abaixo do mínimo imposto pela Constituição (proibição de insuficiência) tornam a eficácia de direitos fundamentais entre particulares mais fraca do que a eficácia dos direitos fun- damentais contra o Estado e seus órgãos (direitos de defesa), pautada pela proibição de intervenção combinada com a proibição de excesso.

A concepção de que direitos fundamentais produzem efeitos nas relações interprivadas como (na função de) imperativos de tutela – porque é dever do Estado proteger, ao menos em nível suficiente (mínimo) impos- to pela Constituição, também ao nível do direito privado, um particular de lesão ou ameaça (perigo) de lesão de outro particular – apresenta vantagens.

Primeira: ela preserva a premissa segundo a qual, em princípio, somente o Es-

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tado é destinatário de normas de direitos fundamentais. Segundo: ela oferece uma explicação dogmática consistente para o problema de saber se e por que comportamentos ou condutas de sujeitos de direito privado estão submetidos à influência dos direitos fundamentais. Terceira: a função de imperativo de tu- tela combinada com a proibição de insuficiência opera uma eficácia mais fraca do que a da função de proibição de intervenção combinada com a proibição de excesso, porque toma em consideração que nas relações interprivadas todas as partes são titulares de direitos fundamentais – diferentemente do que ocorre nas relações entre particulares e Estado, porque este não é titular de direitos fundamentais – e porque tão-somente proíbe graus de proteção abaixo do mí- nimo imposto pela Constituição (CANARIS, 2003, p. 133-134). Quarta: ao propor uma eficácia mais fraca, não interfere na autonomia do direito privado e, sobretudo, não elimina o princípio da autonomia privada.

Em suma, a eficácia de direitos fundamentais entre particulares se resolve pela função de imperativos de tutela dos direitos fundamentais e não pela eficácia imediata desses direitos. Segundo informa Canaris (2003, p.

58), essa é a construção dogmática amplamente dominante na literatura e na jurisprudência alemãs.

3 A TEORIA DOS IMPERATIVOS DE TUTELA É ADEQUADA AO DIREITO BRASILEIRO?

A construção dogmática segundo a qual a eficácia dos direitos funda- mentais nas relações interprivadas se resolve por meio da função de imperati- vos de tutela desses direitos adota, claramente, duas teses da teoria constitucio- nal de matriz liberal: (i) a Constituição é fundamentalmente uma ordenação jurídica básica do Estado e das relações do Estado com os particulares; (ii) os destinatários dos direitos fundamentais são apenas os poderes públicos, e, por consequência, somente as ações e omissões dos poderes públicos são passíveis de controle com base nos direitos fundamentais. A meu ver, uma hipótese explicativa bastante plausível para a adoção dessas premissas é o fato de a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha (1949) ser uma Constituição

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de perfil preponderantemente liberal,12 combinado com a redação do art. 1º, n.

3 da LF que faz referência expressa somente à vinculação dos poderes públicos aos direitos fundamentais.13 Considerando-se essa hipótese também fica mais fácil entender por que a teoria dos imperativos de tutela (deveres de proteção) adquiriu a força e o prestígio de uma teoria constitucionalmente adequada e se consolidou como teoria hegemônica, sobrepondo-se à clássica controvérsia teoria da eficácia imediata versus teoria da eficácia mediata.

A consideração da teoria dos imperativos de tutela no direito cons- titucional brasileiro conduz, de imediato, à seguinte questão: é uma teoria constitucionalmente adequada e funcional no contexto do direito brasilei- ro, sendo, por conseguinte, dogmaticamente justificável sua “transposição”?

Aqui, não pretendo ser exaustivo. Limito-me a fazer algumas considerações que podem servir de pontos de partida para investigações mais profundas.

A função de imperativos de tutela dos direitos fundamentais, no direito constitucional brasileiro, pode ser fundamentada já a partir de uma interpretação semântica de alguns dispositivos (e.g., art. 5º, V, in fine; XXVIII, a; XLI; art. 7º, I, V, X, XX, XXVII; art. 227, caput, in fine). De plano, parece evidente a pertinência dogmática e a relevância prática da realização da fun- ção de imperativos de tutela dos direitos fundamentais entre particulares por meio do direito penal (sobretudo quando não há meios alternativos menos gravosos), do direito ambiental, do direito urbanístico e do direito do consu- midor. Parece-me ainda que também não há razões fortes para refutar a tese de que uma das tarefas do direito privado é realizar (concretizar) os direitos fundamentais como imperativos de tutela. Dizendo de outro modo, é dever do Poder Legislativo proteger os direitos fundamentais na ordem jurídica

12 Aqui, é preciso qualificar para evitar mal-entendidos: não se trata de um liberalismo “clássico”, mas sim de um liberalismo democrático e socialmente matizado. O art. 20, n. 1, da LF qualifica de “demo- crático e social” o Estado federal alemão. (“A República Federal da Alemanha é um Estado federal demo- crático e social”). Hesse define a Lei Fundamental como uma “ordem fundamental liberal democrática”

(HESSE, 1998. p. 116-117, número de margem 128).

13 LF, art. 1º, n. 3: “os direitos fundamentais que se seguem vinculam a legislação, o poder executivo e a jurisdição como direito imediatamente vigente”. Também o n. 1 do art. 1º faz referência somente aos poderes públicos: “a dignidade da pessoa humana é inviolável. Todas as autoridades públicas têm o dever de a respeitar e de a proteger”.

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privada; proteger os particulares de lesão a direitos fundamentais de outros particulares por meio da regulação, por exemplo, dos direitos da personali- dade, dos negócios jurídicos, dos atos ilícitos e da responsabilidade civil.

Superada a questão da pertinência dogmático-constitucional da te- oria dos direitos fundamentais como imperativos de tutela, uma outra se apresenta: aceitar a construção dogmática de que a eficácia dos direitos fun- damentais entre particulares se resolve pela função de imperativo de tutela desses direitos implica, lógica e conceitualmente, rejeitar a teoria da eficácia imediata? Ou ainda: aquela teoria torna esta última obsoleta ou desnecessá- ria? Aqui, não ouso uma resposta definitiva. Contudo, no plano das hipóte- ses, algo é possível adiantar.

Tomadas pelas premissas que adotam e nos termos da descrição proposta por Canaris, ambas as teorias são inconciliáveis: a teoria dos direitos fundamentais como imperativos de tutela adota o ponto de partida de que, em princípio, particulares não são destinatários de direitos fundamentais; a teoria da eficácia imediata adota ponto de partida inverso. Contudo, se exa- minadas desde a perspectiva da funcionalidade e dos resultados talvez seja possível pensar na coexistência e não na incompatibilidade.

Se não, vejamos. O próprio Canaris (2003, p. 53-54) reconhece que excepcionalmente direitos fundamentais incidem direta e imediatamen- te nas relações interprivadas (exemplifica com o art. 9º, n. 3, 2ª frase, da LF) e admite que, e isto deve ser enfatizado, é possível, em termos lógico- -jurídicos, conceber que direitos fundamentais sejam imediatamente aplicá- veis às relações entre particulares. O que afasta Canaris da teoria da eficácia imediata é a compreensão de que uma generalização da eficácia imediata para a globalidade dos direitos fundamentais conduziria a uma grave inter- ferência na autonomia de partes importantes do direito privado (e.g., direito dos contratos e direito da responsabilidade civil). Este ponto é importante:

Canaris não refuta a possibilidade conceitual e jurídica da teoria da eficácia imediata, mas as suas consequências jurídicas práticas para a autonomia do direito privado.

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E não é somente isso. Ao justificar a incidência da função de impe- rativo de tutela também nos casos de autovinculação por contrato, Canaris argumenta que alguns direitos fundamentais (e.g., liberdade religiosa), “[...]

em virtude do seu carácter pessoalíssimo, nem sequer se encontram ao dis- por de seu titular, e cujo exercício, por conseguinte, não pode, à partida, aceitar-se como objecto de uma auto-limitação contratual. Ou que, pelo seu forte conteúdo pessoal, são especialmente ‘sensíveis’ a tal restrição, como é o caso da integridade corporal e da liberdade de deslocação.” (CANARIS, 2003, p. 72). Para este tipo de direitos fundamentais, no caso de uma au- tolimitação contratual, deve-se, de plano, afastar o princípio da autonomia privada mediante o recurso à função de imperativos de tutela. Ora, se são direitos fundamentais “pessoalíssimos” ou “sensíveis”, e, por isso, não dis- poníveis juridicamente, em princípio, a limitações por atos de autonomia privada, é de se perguntar por que não incluí-los no rol dos direitos funda- mentais de eficácia imediata nas relações interprivadas.

Portanto, quem se filia à teoria dos direitos fundamentais como imperativos de tutela pode aceitar a eficácia imediata ao menos para alguns direitos fundamentais, sendo essa uma questão de análise e interpretação da estrutura de cada direito fundamental (e.g., LF, 9º, n. 3, 2ª frase) ou uma questão de interpretação e avaliação da natureza e conteúdo de cada direito fundamental. Da mesma forma, parece-me que quem adota a teoria da efi- cácia imediata pode admitir, em caso dúvida ou em casos que a autonomia do direito privado é posta em questão ao menos em tese, um recurso argu- mentativo aos direitos fundamentais como imperativos de tutela. Afirmar a eficácia imediata não implica negar que os poderes públicos têm o dever de proteger os direitos fundamentais. A opção por uma ou por outra constru- ção dogmática pode ser definida em cada caso pela funcionalidade em termos de fundamentação da decisão (do resultado). Nunca é demais repetir que o direito dificilmente se deixa apreender por uma racionalidade “dura”, do tipo “sim/não” ou “ou/ou”. Invoco ainda aqui a tese de Alexy (1997a, p. 35- 38), segundo a qual a teoria ideal dos direitos fundamentais só pode ser uma

“teoria integradora”, uma teoria que reúne várias teorias corretas dos direitos

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fundamentais, sendo que cada teoria deve ser avaliada segundo a sua contri- buição para a construção da teoria ideal.

Como acima expus, Canaris argumenta que, no contexto da ordem jurídica alemã, a teoria dos imperativos de tutela é a explicação dogmática mais consistente e convincente para a problemática da eficácia dos direitos fundamentais (considerados em sua globalidade) nas relações interprivadas, admitindo apenas como exceção a eficácia imediata. Essa seria uma explica- ção constitucionalmente adequada ao direito brasileiro? Aqui, na linha do que defendi em outro trabalho (STEINMETZ, 2004, cap. 4 e 6), proponho no contexto do direito constitucional brasileiro o inverso de Canaris. Para os direitos fundamentais individuais (e coletivos) de liberdade – exceto aque- les direitos em que é evidente ser o Estado o único sujeito destinatário – é dogmaticamente mais consistente e convincente a teoria da eficácia imedia- ta. Isso decorre não só de uma interpretação estrutural correta de muitos dos direitos fundamentais catalogados na Constituição Federal de 1988, mas também, e sobretudo, do fato de que a Constituição Federal de 1988 não é só uma Constituição do Estado e das relações políticas, mas também da so- ciedade, das relações sociais em sentido amplo. Isso não exclui, em princípio, que nos casos de dúvida relevante se opte por uma fundamentação da deci- são na perspectiva da função dos direitos fundamentais como imperativos de tutela. Para os direitos fundamentais de terceira geração (difusos e coletivos), em virtude da natureza e complexidade desses direitos, parece-me mais fun- cional em termos de fundamentação a teoria dos imperativos de tutela ou, até mesmo, como argumentei em outro trabalho (STEINMETZ, 2004, p.

283-287), a teoria da eficácia mediata, se à partida admitirmos que esses di- reitos também vinculam os particulares.14

Evidentemente, a opção preferencial pela eficácia imediata – em detrimento da função de imperativos de tutela – implica um ônus argumen-

14 A meu ver, direitos fundamentais sociais – exceto, é claro, aqueles aplicáveis às relações de trabalho – não vinculam os particulares (STEINMETZ, 2004, p. 274-283). Em sentido contrário, ver Sarlet (2000, p. 154) e Sarmento (2006, p. 287 et seq).

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21 Direitos Fundamentais: Estudos Jurídico-Dogmáticos

tativo no sentido de refutar ou ao menos enfraquecer algumas objeções a ela endereçadas, como por exemplo: (i) a da eficácia forte quando deveria ser fraca, em virtude de todas as partes das relações interprivadas serem ti- tulares de direitos fundamentais, (ii) a restrição e até mesmo a eliminação da autonomia do direito privado em razão de uma rígida pré-determinação constitucional desse setor do direito ordinário, (iii) a promoção da insegu- rança jurídica (sobretudo nas relações negociais) e (iv) a desconsideração do princípio da separação de poderes e do princípio democrático.

Aqui, não é possível reconstruir nem refutar de forma detalhada cada objeção.15 Contudo, em relação às objeções (i) e (ii), é preciso esclarecer que eficácia imediata não implica necessariamente eficácia “forte” ou “abso- luta” nem a eliminação da autonomia do direito privado. É possível pensar em uma eficácia “modulada” ou “graduada”, porque como princípios os di- reitos fundamentais são mandamentos de otimização, normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, conforme as possibilidades jurídicas e fáticas (ALEXY, 1997a, cap. 3). E deve-se tomar em conta que a autonomia privada, princípio básico do direito privado, é um bem constitu- cionalmente protegido e, por isso, não pode ser afastada sem mais. Também ela deverá ser ponderada, no caso concreto, com direitos ou interesses cons- titucionais contrários.

Reproduzo as conclusões a que cheguei em outro trabalho:

quanto à forma (o modo, o “como”) e ao alcance (a extensão, a medida), a vinculação dos particulares a direitos fundamentais – sobretudo a direitos fundamentais individuais – se materializa como eficácia imediata “matizada” (“modulada” ou “gradua- da”) por estruturas de ponderação (ordenadas no princípio da proporcionalidade e seus elementos) que, no caso concreto, to- mam em consideração os direitos e/ou princípios fundamentais em colisão e as circunstâncias relevantes. Ademais, nos casos concretos para os quais há regulação (concretização) legislativa específica suficiente e conforme à Constituição e aos direitos fundamentais, o Poder Judiciário, em virtude dos princípios de- mocrático e da separação de poderes, não deve, de plano e sem a apresentação de razões jurídico-constitucionais de peso (ônus

15 Remeto para Steinmetz (2004).

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de argumentação, afastar-se da solução legislativa, isto é, o Poder Judiciário não deve sobrepor-se, de imediato e sem satisfazer um ônus de argumentação constitucional racional e objetiva, às ponderações do Poder Legislativo concretizadas em regulações específicas de direito privado.

Por fim, enfatize-se que a medida da eficácia de direitos fun- damentais nas relações jurídicas entre particulares deve ser regulada e mensurada segundo parâmetros e exigências da Constituição e não segundo níveis de tolerância ou conveni- ência do direito privado. Dizendo de outro modo, a vincula- ção dos particulares a direitos fundamentais deve ser pautada pela Constituição. Essa conclusão deflui do princípio da su- premacia da Constituição e da posição preferencial dos direi- tos fundamentais no sistema constitucional. (STEINMETZ, 2004, p. 295-296).

Reconhecida a pertinência dogmática, pode-se pensar na funcionali- dade da teoria dos imperativos de tutela para além da fundamentação da exis- tência de um dever estatal de proteção no caso concreto. A teoria propõe uma estrutura argumentativa para avaliar, já no plano da interpretação abstrata, se e em que medida a ordem jurídica privada vigente disponibiliza instrumentos para a suficiente proteção dos direitos fundamentais nas relações interprivadas.

Para exemplificar, ela oferece elementos ou critérios para examinar, in abstracto, se a disciplina normativa dos direitos de personalidade, dos negócios jurídicos, dos atos ilícitos e da responsabilidade civil tomou em consideração, pontual ou globalmente, os direitos fundamentais. Além de uma crítica fundamentada de lege data, cria parâmetros para propostas no plano de lege ferenda.

Um ponto que mereceria uma reflexão mais aprofundada, mas que aqui apenas suscito, é a tese de que os direitos fundamentais nem sempre têm para as relações inter privatos exatamente o mesmo conteúdo e o mesmo alcance que na relação entre os particulares e o Estado. O campo de aplica- ção da hipótese normativa (suporte fático) de um direito fundamental – isto é, seu âmbito de proteção – pode ser definido ou delimitado de modo mais restritivo nas relações entre particulares do que nas relações destes com o Es- tado (CANARIS, 2003, p. 37 e 105). Um dos argumentos invocados a favor da tese é a titularidade de direitos fundamentais de todas as partes envolvidas nas relações interprivadas, diferentemente do que ocorre nas relações dos

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23 Direitos Fundamentais: Estudos Jurídico-Dogmáticos

particulares com o Estado, porque este não é titular de direitos subjetivos constitucionais.

Parece-me que na base dessa tese estão resquícios da ideia liberal de que o Estado é o maior e o mais temível dos “inimigos” dos direitos fun- damentais. A hipótese de que o Estado é a principal ameaça aos direitos fun- damentais conduz à conclusão de que o campo de liberdade dos particulares deve ser, em princípio, indeterminado, por conseguinte mais amplo ante ao Estado do que em relação aos demais particulares.

Essa ideia liberal clássica deve ser confrontada com as reais relações de poder da sociedade contemporânea. Há pessoas, grupos e organizações privadas com capacidade de produzirem tantos ou maiores danos aos direi- tos fundamentais do que os poderes públicos e seus agentes. Não são poucos os poderes privados que rivalizam, em pé de igualdade (e por vezes em con- dições de superioridade), com os poderes públicos e seus agentes.

É verdade que a concepção ampliada do âmbito de proteção dos direitos fundamentais implica um número maior de colisão de direitos fun- damentais. Essa constatação ajuda compreender melhor por que Canaris adota a concepção restrita do âmbito dos direitos fundamentais no campo das relações privadas. Do ponto de vista do modelo proposto por Canaris para o reconhecimento de um imperativo de tutela, a concepção ampliada e o aumento de colisões significam o enfraquecimento do primeiro teste para o reconhecimento de um imperativo de tutela (verificação da aplicabilida- de da hipótese normativa do direito fundamental) e um fortalecimento dos indicadores que compõem o segundo teste, em especial o da ponderação, o que poderia conduzir a uma “hipertrofia ponderativa”. Adotando-se a con- cepção ampliada muito raramente se poderia negar já no plano da tipicidade (primeiro teste) e com força geral um dever de proteção.

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A EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA TEORIA DE ROBERT ALEXY

16

16 Publicado na Revista da Ajuris, Porto Alegre, v. 134, p. 509-518, 2014. Escrito em colaboração com Cristhian Magnus De Marco.

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27

I

Alexy situa o tema do efeito perante terceiros ou da eficácia hori- zontal dos direitos fundamentais no contexto do significado das normas de direitos fundamentais para o sistema jurídico. Isso porque analisar a eficácia horizontal é analisar o significado que as normas de direitos fundamentais têm para o sistema jurídico. Esse significado depende da fundamentalidade formal e da fundamentalidade material dos direitos fundamentais (ALEXY, 2008, p. 520).

A fundamentalidade formal deflui da supremacia formal dos direi- tos fundamentais em um ordenamento jurídico concebido como uma estru- tura escalonada de normas. Situados no ápice do ordenamento, os direitos fundamentais vinculam direta e imediatamente todos os poderes públicos.

No entanto, a tese da fundamentalidade formal, por si, ainda não define a natureza do modelo constitucional. Alexy (2008, p. 520-523) es- pecula sobre dois modelos constitucionais extremos: o puramente procedi- mental e o puramente material. No primeiro, “[...] a constituição contém apenas normas de organização e procedimento”. Desse modelo resulta que qualquer conteúdo pode ser direito positivo válido, desde que criado con- forme os ritos ou procedimentos estipulados pela constituição. Uma cons- tituição puramente procedimental não determina ou influencia diretamente o conteúdo do direito infraconstitucional. Desde que observados os procedi- mentos, a vontade do legislador é determinante e decisiva. O direito infra- constitucional pode abrigar qualquer conteúdo.

No modelo puramente material, a constituição é composta apenas de normas materiais (e.g., direitos subjetivos e objetivos estatais). Nesse mo- delo, o direito infraconstitucional é determinado globalmente pelo conteúdo das normas constitucionais. O legislador, ao criar normas, apenas declara ou explicita aquilo que já está contido na constituição. Não há liberdade legisla- tiva de criação e conformação.

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Para Alexy, a Constituição da República Federal da Alemanha é mista: modelo material-procedimental.17 E isso tem implicações relevantes para o sistema jurídico. E aqui uma citação mais longa é necessária:

O fato de uma constituição ter elementos procedimentais e materiais combinados entre si tem importantes consequências para todo o sistema jurídico. Isso significa que, ao lado dos conteúdos que, no sistema jurídico, são simplesmente possí- veis em relação à constituição, há também conteúdos que são, também em relação à constituição, necessários ou impossíveis. O fato de as normas de direitos fundamentais estabelecerem os conteúdos constitucionalmente necessários e impossíveis para o sistema jurídico constitui o núcleo da fundamentalidade for- mal desses direitos. (ALEXY, 2008, p. 522).

À formal soma-se a fundamentalidade material ou substancial:

“Direitos fundamentais e normas de direitos fundamentais são fundamen- talmente substanciais porque, com eles, são tomadas decisões sobre a estru- tura normativa básica do Estado e da sociedade.” (ALEXY, 2008, p. 522).

Da fundamentalidade formal e da fundamentalidade material dos direitos fundamentais, assim entendidas, resulta que as normas de direitos fundamentais projetam efeitos não só sobre as relações entre Estado e cida- dãos (relações de direito público), mas também sobre as relações entre os cidadãos (relações de direito privado). Em suma, produzem efeitos sobre o sistema jurídico como um todo.

Estabelecidas essas premissas, Alexy então enfrenta o tema dos efeitos dos direitos fundamentais perante terceiros (eficácia horizontal).

II

Alexy constata – e isso ele escreve em meados dos anos 80 do século 20, tendo por objeto a doutrina e jurisprudência alemãs - que a tese segundo a

17 A rigor, esse é o modelo adotado por todas as constituições contemporâneas. Embora seja possível conjecturar sobre um modelo puramente procedimental ou um modelo puramente material, o fato é que, tanto um como o outro, desfigurariam o próprio conceito moderno de constituição: um conjunto de normas fundamentais sobre direitos dos cidadãos, limites à atuação estatal e organização (funções e competências) dos poderes públicos.

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29 Direitos Fundamentais: Estudos Jurídico-Dogmáticos

qual direitos fundamentais produzem efeitos nas relações entre cidadãos é am- plamente aceita. Contudo, ainda são controversos o como e a extensão desses efei- tos. A questão do como é um problema de construção; o da extensão é um pro- blema de colisão. No enfrentamento dessas questões, é preciso ter presente que uma coisa é a relação entre o cidadão (titular de direitos subjetivos) e o Estado (não titular de direitos subjetivos); outra coisa é a relação entre cidadão-cidadão, na qual ambos os polos titularizam direitos subjetivos (ALEXY, 2008, p. 528).

Há três teorias sobre a questão da construção.18

Segundo a teoria dos efeitos indiretos perante terceiros,19 formula- da por Günter Dürig em 1953 e adotada pelo Tribunal Constitucional Fede- ral alemão a partir do caso Lüth (1958), os direitos fundamentais, enquanto

“decisões axiológicas”, “normas objetivas” ou “valores constitucionais”, in- fluenciam a interpretação e aplicação das disposições de direito privado. Isso se operacionaliza em especial no “preenchimento” das cláusulas gerais e dos conceitos jurídicos indeterminados.20 Na interpretação de Alexy (2008, p.

531), essa teoria tem como destinatário o juiz.

Conforme a teoria dos efeitos diretos perante terceiros,21 formula- da por Hans C. Nypperdey e adotada pela 1ª Turma do Tribunal Federal do Trabalho, dos direitos fundamentais previstos na constituição “fluem tam- bém diretamente direitos subjetivos privados para os indivíduos” (Nipper- dey). Segundo Nipperdey, novamente citado textualmente por Alexy (2008, p. 530), “o efeito jurídico é muito mais um efeito normativo direto, que modifica as normas de direito privado existentes, não importa se se trata

18 Em sua Teoria dos direitos fundamentais, publicada na Alemanha em 1986 (Theorie der Grundrechte), Alexy não analisa a teoria dos deveres de proteção, também denominada, teoria dos imperativos de tutela. O principal formulador dessa teoria é Canaris. Suas formulações são posteriores à Teoria dos direitos fundamen- tais de Alexy. Sobre a teoria dos deveres de proteção no âmbito das relações entre particulares, ver Canaris (2003), Duque (2013, p. 314-383) e o capítulo primeiro deste livro.

19 Também denominada na literatura especializada “teoria da eficácia mediata” ou “teoria da eficácia indireta”.

20 Exposições detalhadas da teoria da eficácia indireta ou mediata estão em Steinmetz (2004, p. 136-164), Sarmento (2006, p. 197-204), Virgílio Afonso da Silva (2005, p. 75-86) e Duque (2013, p. 195-314).

21 Também denominada na literatura especializada “teoria da eficácia imediata” ou “teoria da eficácia direta”. Na literatura brasileira, exposições detalhadas da teoria da eficácia direta ou imediata estão em Steinmetz (2004, p. 136-164), Sarmento (2006, p. 204-216), Silva (2005, p. 86-98), Sarlet (2007, p. 124 et seq.) e Duque (2013, p. 102-194).

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de direitos cogentes ou dispositivos de cláusulas gerais ou normas jurídicas específicas, ou cria novas normas, sejam proibições, deveres, direitos subje- tivos, leis de proteção ou motivos justificadores”. Para Alexy (2008, p. 531), essa teoria tem como destinatário, em primeiro plano, o juiz.

Uma terceira teoria, cujo destacado expoente é Jürgen Schwabe, sustenta que os efeitos dos direitos fundamentais nas relações entre parti- culares decorrem da vinculação do Estado a esses direitos como direitos de defesa. Violações de direitos fundamentais entre particulares devem ser im- putadas ao Estado (teoria da imputação), à medida que ao Estado cabe criar e impor as normas de direito privado. Portanto, os efeitos dos direitos funda- mentais entre cidadãos se justificam e se processam pela dimensão defensiva dos direitos fundamentais do cidadão contra o Estado.22 Essa teoria tem por destinatários o legislador e o juiz (ALEXY, 2008, p. 530-531).

Alexy conclui que há algo em comum entre essas teorias: todas têm como destinatário o Poder Judiciário. Assim, no plano da decisão judicial, essas teorias produzem resultados equivalentes.

Outro ponto em comum é este: nenhuma delas concebe como dogmaticamente equivalentes as relações cidadão-Estado e cidadão-cidadão.

Elas não ignoram que a relação cidadão-cidadão é uma relação de tipo dife- rente, porque de ambos os lados há titulares de direitos fundamentais. Disso deriva que os efeitos dos direitos fundamentais nas relações entre cidadãos devem ser modulados. Para essas teorias, “[...] a medida do efeito dos di- reitos fundamentais na relação cidadão/cidadão é, no final das contas, uma questão de sopesamento”. Que significa isso? Pelo sopesamento, “[...] em determinados âmbitos do direito privado, determinados direitos fundamen- tais podem ceder totalmente ou em grande medida. Assim, por exemplo, nenhuma das construções exclui a possibilidade de que a liberdade de testa- mento esteja desvinculada do princípio da igualdade” (ALEXY, 2008, p. 532).

22 Na literatura brasileira, sobre a teoria da imputação ver Steinmetz (2004, p. 175-178) e Silva (2005, p.

104-105).

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31 Direitos Fundamentais: Estudos Jurídico-Dogmáticos

III

Se as três construções teóricas sobre a eficácia horizontal são equiva- lentes em resultados, então é falsa a hipótese segundo a qual apenas uma delas é a correta. A rigor, cada uma delas põe, corretamente, em destaque algum aspecto do problema. Isso não significa que não se deve construir um modelo abrangen- te com pretensão de correção. Uma construção correta dos efeitos horizontais é relevante não só para a solução de cada caso que se apresenta, mas também é im- portante para uma precisa compreensão dos efeitos dos direitos fundamentais e das normas de direitos fundamentais no sistema jurídico (ALEXY, 2008, p. 533).

Não existindo uma construção dogmática unitária para a eficácia dos direitos fundamentais nas relações jurídicas entre particulares, Alexy (1997a, p. 511-524) propõe um modelo de três níveis, integrando as três teorias básicas: teoria da eficácia mediata, teoria da eficácia imediata e teoria da imputação de Schwabe (direitos de defesa contra o Estado). Essas teorias não se excluem. Em cada uma, há aspectos corretos incorporáveis em uma construção dogmática unitária.

Como já anotado acima, Alexy constata que as teorias da eficácia me- diata e da eficácia imediata dirigem-se, em primeiro plano, ao Poder Judiciário e a teoria da imputação, ao Poder Legislativo e ao Poder Judiciário. Como construções dogmáticas dirigidas à atividade judicial, são equivalentes em seus resultados. O resultado alcançável com uma também pode ser alcançado com as outras. As três teorias tomam em conta (i) que na relação entre particulares ambas as partes são titulares de direitos fundamentais, (ii) que, por essa razão, a eficácia deve ser matizada (gradação da eficácia) e (iii) que a medida da eficácia deve ser definida, em última instância, pela ponderação ou sopesamento. Em relação à ponderação, a diferença é que, para a teoria da eficácia mediata, ela deve ser realizada no marco do direito civil válido.

Alexy (1997a, p. 516 et seq.) propõe um modelo de três níveis: (i) o dos deveres do Estado, (ii) o dos direitos ante o Estado e (iii) o das relações jurídicas entre particulares. (i) A teoria da eficácia mediata situa-se no nível dos deveres do Estado. Os direitos fundamentais como princípios objetivos

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que se projetam sobre todos os âmbitos do direito obrigam o Estado a tomá- -los em conta na legislação e na jurisdição. (ii) Os direitos ante o Estado (a teoria de Schwabe) situam-se no segundo nível. O particular, em conflito com outro particular, tem o direito fundamental a que o juiz e os tribunais, em suas decisões, tomem em consideração os princípios jusfundamentais (princípios objetivos) que apoiam a sua (do particular) posição ou pretensão.

Esse direito fundamental é um direito fundamental ante (contra) a jurisdi- ção. Se o juiz ou o tribunal, na decisão proferida, não tomar em consideração esse direito fundamental, estará lesando esse direito fundamental como di- reito de defesa. (iii) No terceiro nível, situa-se a eficácia de direitos funda- mentais nas relações jurídicas entre particulares (teoria da eficácia imediata).

Na definição de Alexy (1997a, p. 521), a eficácia imediata “[...] consiste em que, por razões jusfundamentais, na relação cidadão/cidadão existem deter- minados direitos e não-direitos, liberdades e não-liberdades, competências e não-competências que, sem essas razões, não existiriam”.

Para Alexy, com essa definição, é possível concluir que também da teoria da eficácia mediata e da eficácia por meio da mediação estatal (teoria de Schwabe) resulta uma eficácia imediata. Portanto, as três construções che- gam a um mesmo resultado: em última instância, de todas elas resulta uma eficácia imediata. Exemplifica com o caso Blinkfüer.23

Dada a densidade da argumentação de Alexy, é oportuno citar a exemplificação por inteiro e diretamente:

O Tribunal Constitucional Federal começa com a constata- ção de que a ordem objetiva de valores que subjaz à seção de

23 Blinkfüer era um semanário pró-comunista. No verão de 1961, o grupo editorial Springer enviou uma circular a todos os postos de venda sugerindo um boicote àquelas publicações que veiculassem informa- ções sobre os programas de rádio e de televisão das emissoras da República da Alemanha Oriental. Na carta circular, havia uma advertência: o grupo Springer poderia romper relações comerciais com quem não aceitasse a sugestão de boicote. Blinkfüer ajuizou ação contra o grupo Springer alegando concorrência desleal e pedindo indenização por danos (§ 823 do BGB – Código Civil alemão). Nos tribunais ordi- nários, o semanário obteve êxito. Contudo, o Tribunal Superior Federal, em sentença de 10 de julho de 1963, decidiu favoravelmente ao grupo Springer, argumentando que o boicote estava amparado no direito à liberdade de expressão do art. 5.1 da GG. Em grau de recurso ao Tribunal Constitucional Federal, Blink- füer invoca justamente o direito à liberdade de expressão (GG, art. 5.1). Fatos sumariados a partir do relato de Bilbao Ubillos (1997b, p. 309).

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33 Direitos Fundamentais: Estudos Jurídico-Dogmáticos

direitos fundamentais influi na questão de saber o que é con- trário ao direito no sentido do § 823.1 do BGB [Código Civil alemão]. Isso responde à teoria da eficácia mediata. A Corte de Justiça Federal [Tribunal Superior Federal] havia chegado à conclusão de que o boicote chamado pela Editora Springer não era contrário ao direito. Isso significava que o editor de

“Blinkfüer’ não tinha ante a Editora Springer nenhum direito a que esta omitisse seu chamado ao boicote. [...] esse não-di- reito do editor de ‘Blinkfüer” à omissão é equivalente a uma permissão à Editora Springer para levar a cabo o chamado ao boicote. De acordo com o Tribunal Constitucional Federal, os princípios jusfundamentais exigem justamente o resultado oposto. Isso significa que, sobre a base dos princípios jusfunda- mentais, existe um direito do editor de “Blinkfüer” ante a Edi- tora Springer a que omita o chamado ao boicote. Esse direito é equivalente à obrigação da Editora ante o editor a omitir o chamado ao boicote. Portanto, os princípios jusfundamentais conduzem a direitos e deveres em relações entre iguais que, devido à vigência desses princípios relativa à Constituição, são necessários, porém que, sem sua vigência, não o seriam. Essa é uma eficácia imediata. A teoria da eficácia mediata tem, pois, como consequência necessariamente uma eficácia imediata.

O mesmo vale para a teoria da eficácia por meio da mediação do Estado [teoria de Schwabe]. Como já se expôs, a Corte de Justiça Federal lesou o direito do editor de “Blinkfüer” a uma proteção na relação entre iguais. Lesou esse direito porque não tomou em conta na devida medida o princípio jusfundamen- tal que apoiava a posição do editor. Porém, isso pressupõe a existência de um direito definitivo do editor ante a Editora à omissão do chamado ao boicote, exigido pelo princípio jus- fundamental. (ALEXY, 1997a, p. 521-522).

Em síntese, o modelo de Alexy (1997a, p. 522) engloba três níveis:

“Cada um deles se refere a um aspecto da mesma coisa. Qual deles deve ser eleito em cada caso na respectiva fundamentação jurídica é uma questão de funcionalidade. Porém, nenhum deles pode pretender a primazia sobre os demais”. Afinal, conduzem a um mesmo resultado: a eficácia imediata de direitos fundamentais nas relações jurídicas entre particulares.

IV

Esta é a relevante contribuição de Alexy para o complexo e con- troverso tema da eficácia horizontal: a partir do acúmulo teórico-dogmático

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e jurisprudencial existentes, ele formula uma teoria integradora e unitária, que tem a pretensão de ser válida para a solução de cada caso concreto, mas que também pretende contribuir para uma precisa compreensão dos efeitos dos direitos fundamentais e das normas de direitos fundamentais no sistema jurídico.24

24 Na literatura brasileira, a teoria integradora e unitária de Alexy serviu de referência para a formulação de Virgílio Afonso da Silva (2005, p. 145 e seguintes) de um modelo diferenciado e adaptado ao direito brasileiro.

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DIREITOS FUNDAMENTAIS

E FUNÇÃO SOCIAL DO (E NO) DIREITO

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25 Publicado na Revista da Ajuris, Porto Alegre, v. 107, p. 285-291, 2007.

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37

No contexto do direito, os temas da função e da função social podem ser problematizados de diferentes ângulos: (i) o da análise funcional do direito como sistema normativo específico e autônomo no âmbito da sociedade;26 (ii) o da função social de regulações jurídicas específicas (e.g., propriedade, contra- to e empresa);27 (iii) o da função social da dogmática jurídica (e.g., FERRAZ JÚNIOR., 1998); e (iv) ainda sob o ângulo da função social da jurisprudência (mais precisamente, função social do Poder Judiciário) (e.g., FARIA, 1989).

Essa enumeração não esgota o leque de perspectivas de análise. Além disso, cada ângulo oportuniza a visualização de inúmeras questões. Assim, os temas da função e da função social do (e no) direito desdobram-se em uma multipli- cidade de questões compondo um mosaico que exige um trabalho de análise permanente e progressivo da comunidade científica do direito.

Aqui, sem pretensões teóricas sistemáticas de grande alcance, faço al- gumas considerações sobre a função e a função social do (e no) direito na pers- pectiva dos direitos fundamentais. O propósito é explicitar possíveis conexões entre os direitos fundamentais e a função do direito e a função social do direito de modo a compor uma relação de questões que requerem uma investigação.

Nesse sentido, trata-se de um mapeamento com caráter heurístico.

1 DIREITOS FUNDAMENTAIS E FUNÇÕES DO DIREITO

Uma primeira questão relevante é a de se a perspectiva dos direitos fundamentais – isto é, o olhar desde os direitos fundamentais – possibilita ou exige algum tipo de interpretação ou proposição diferenciada na análise das funções do direito ou se essa perspectiva se dilui no âmbito da perspectiva do direito em geral. Enunciando de outro modo: na análise das funções do direi- to, os direitos fundamentais jogam algum papel específico ou diferenciado?

26 Para uma visão panorâmica, ver Treves (2004, p. 309-360), Atienza (1985, p. 53-89). Para a leitura de um clássico, ver Bobbio (1977).

27 Aqui, a literatura é vasta, sobretudo a partir da vigência da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002.

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Veja-se que a questão tal como posta aponta para o conceito de função em geral e não de função social em especial. Estamos assim no plano geral da análise funcional do direito.

Os livros de introdução ao direito e os de sociologia do direito in- formam que inúmeras foram e são as funções atribuídas ao direito por au- tores e correntes de pensamento (e.g., ordenação social, integração e coesão sociais, composição de conflitos, controle social, dominação política, legiti- mação do poder político, emancipação, promoção etc.). Sobre isso, Bobbio (1977, p. 110) anotou que algumas funções atribuídas ao direito são óbvias e nada acrescentam ao conhecimento dos fenômenos jurídicos.

Os direitos fundamentais são direitos – institucionalizados por normas jurídicas e assim fazem parte do sistema jurídico – e, ao menos nas constituições de autênticos Estados democráticos, ocupam uma posição pre- ferencial ou preferente, isto é, são informados por um regime jurídico espe- cial ou reforçado (e.g., CF, art. 60, § 4, IV e art. 5°, § 1º). Além disso, na base dos direitos fundamentais estão presentes os valores da dignidade, liberdade e igualdade. Registre-se, porém, que as interpretações desses valores sempre estiveram e estão condicionadas por paradigmas jurídicos e políticos diferen- tes e injunções históricas e sociais cambiantes.

No entanto, parece-me que, mesmo considerando-se a inevitável pluralidade de interpretações do substrato axiológico, não é qualquer fun- ção que pode ser adjudicada ou atribuída aos direitos fundamentais. Assim, o leque de funções atribuíveis aos direitos fundamentais é mais restrito que o das funções atribuíveis ao direito como um todo. Parece-nos ainda que os direitos fundamentais, sobretudo em sua dimensão defensiva, não se prestam à função de dominação e controle social, político e/ou ideológico, porque é evidente o seu significado para a autonomia, liberdade e dignida- de da pessoa. Não operam como elemento de legitimação do poder políti- co – tarefa que cabe à soberania popular –, embora devam servir de parâ- metro para aferir a legitimidade das ações e omissões dos governantes. Em suma, os direitos fundamentais expressam uma concepção de autonomia, respeito e emancipação da pessoa. Funções incompatíveis com o substrato

Referências

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