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Open Prisão, tráfico e maternidade: um estudo sobre mulheres encarceradas

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA

MARLENE HELENA DE OLIVEIRA FRANÇA

PRISÃO, TRÁFICO E MATERNIDADE: um estudo sobre mulheres encarceradas

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MARLENE HELENA DE OLIVEIRA FRANÇA

PRISÃO, TRÁFICO E MATERNIDADE: um estudo sobre mulheres encarceradas

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em cumprimento aos requisitos necessários à obtenção do título de Doutora em Sociologia. Orientador: Prof. Dr. Ariosvaldo da Silva Diniz

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F814v França, Marlene Helena de Oliveira. Prisão, tráfico e maternidade: um estudo

sobre mulheres encarceradas / Marlene Helena de Oliveira França.- João Pessoa, 2013.

237f.

Orientador: Ariosvaldo da Silva Diniz Tese (Doutorado) – UFBP/CCHL

1. Sociologia. 2. Mulheres encarceradas. 3. Violência. 4. Tráfico. 4. Maternidade.

UFPB/BC CDU: 316(043)

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MARLENE HELENA DE OLIVEIRA FRANÇA

PRISÃO, TRÁFICO E MATERNIDADE: um estudo sobre mulheres encarceradas

Tese de Doutorado submetida à banca de Qualificação junto ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba, como requisito parcial para a obtenção do grau de Doutora em Sociologia.

Aprovado em:_____/______/______

Banca Examinadora

__________________________________________ Prof. Drº Ariosvaldo da Silva Diniz (PPGS/UFPB)

(Orientador)

___________________________________________ Profa. Drª Mónica Franch (PPGS/UFPB)

(Examinador Interno)

____________________________________________ Prof. Drº Adriano Azevedo Gomes de Léon (PPGS/UFPB)

(Examinador Interno)

____________________________________________ Prof. Drº Marconi do Ó Catão (UEPB)

(Examinador Externo)

____________________________________________ Prof. Drº Vanderlan Francisco da Silva (PPGS/UFCG)

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AGRADECIMENTOS

Esta tese é resultado de um trabalho acadêmico, mas também, e, sobretudo, da solidariedade, apoio e confiança demonstrados por muitas pessoas.

Por isso, agradeço de maneira especial ao meu orientador, Profº Dr. Ariosvaldo Diniz, pela leitura e comentários que muito contribuíram para a feitura deste trabalho, principalmente, por ter acreditado que o trabalho seria concluído, mesmo quando muitos percalços surgiram ao longo do caminho.

À Profª Dra. Luziana Ramalho e ao Profº Dr. Adriano de Léon, pelas preciosas críticas e sugestões feitas no Exame de Qualificação.

Aos professores do PPGS/UFPB, que compartilharam comigo os seus conhecimentos, proporcionando um mergulho mais aprofundado no encantador mundo da Sociologia.

Aos colegas de curso, pelas parcerias amistosas e pelas trocas de conhecimentos.

A Daniela Souza, pelo trabalho de transcrição das muitas horas de entrevistas, a Prof. Rivaldete Silva, pela revisão técnica e ortográfica do texto.

À minha mãe, Helena, minha principal referência feminina, por estar comigo em todos os momentos, incentivando-me com suas palavras doces e suas orações tão cheias de fé e certeza. Ao meu filho Gustavo (parte de minha vida) e a Celson, meu companheiro, por tudo o que vivemos juntos nesse período de dedicação ao Doutorado. Agradeço pela paciência nos momentos mais difíceis, pela demonstração de carinho e cuidado na fase final de elaboração da tese, quando juntos encontramos na nossa dádiva divina maior, João, que gestado junto com esta tese, foi a minha maior fonte de inspiração e a força para concluir esse importante ciclo em minha vida.

De maneira muitíssimo especial, agradeço as minhas irmãs Graça e Carmita pelo apoio incondicional e imprescindível nos momentos mais críticos durante a elaboração desta tese. Aos gestores e funcionários do sistema penitenciário da Paraíba que autorizaram a realização desta pesquisa.

Às mulheres encarceradas que colaboraram para esta pesquisa, abrindo os livros de suas vidas para tratar de assuntos tão delicados e que, entre lágrimas e sorrisos, me ensinaram que a vida é um ciclo que se renova constantemente. Minha identificação com vocês é maior do que eu mesma possa compreender.

O longo percurso de construção desta tese não teria sido trilhado sem o apoio e a colaboração daqueles que atuam em todas as instituições e órgãos por onde andei e sem a presença, o incentivo e o carinho de familiares e amigos. Cada um de vocês foi importante para que este sonho fosse realizado.

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FRANÇA, Marlene Helena de Oliveira. PRISÃO, TRÁFICO E MATERNIDADE: um estudo sobre mulheres encarceradas. João Pessoa, 2013. 237f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa-PB, 2013.

RESUMO

Esta pesquisa trata das questões relativas às temáticas, prisão, violência, tráfico e maternidade envolvendo mulheres encarceradas do Centro de Ressocialização Júlia Maranhão. Para o desdobramento desse estudo foram utilizadas as obras de autoras brasileiras que são referências nessa área: Julita Lemgruber (1983); Iara Ilgenfritz e Bárbara M. Soares (2002). Logo, nessa pesquisa foi necessário articular vários entendimentos até que fosse possível identificar que as relações presa/instituição; prisão/violência; presa/maternidade – embora de extrema relevância – não dão conta de representar o presídio feminino Júlia Maranhão dado a sua complexidade: um lugar de convivência, mas também, de conflitos, onde as práticas coercitivas ali presentes, são legitimadas pela sociedade em geral. Uma das hipóteses do estudo consiste na afirmação de que a questão da violência é um elemento presente desde cedo na trajetória de vida dessas mulheres, tornando-se determinante para sua inserção na vida do crime. Buscando descrever as experiências dessas mulheres acerca da maternidade, principalmente àquelas envolvidas no crime de tráfico, optou-se pela utilização de entrevistas, com foco na história de vida. A partir dos relatos de 37 mães entrevistadas constatou-se que o discurso sobre a maternidade é uma construção social de gênero. A manifestação do amor dessas mães por seus filhos sofre a influência de suas experiências concretas enquanto filhas e da relação que puderam – ou não – construir com seus filhos antes do encarceramento. Os resultados do estudo indicam que os ciclos de violência, presentes na trajetória de vida das mulheres presas exercem influência na formação de sua identidade, fazendo supor que há uma relação entre o padrão violento e a prática da criminalidade, sobretudo do crime de tráfico. O estudo aponta também a existência de uma não correspondência entre o expresso nos instrumentos legais e normativos que orientam as ações institucionais e a realidade vivenciada pela mulher-mãe-presa, tornando-se necessária a formulação e implementação de políticas públicas específicas para tal realidade, como forma de minimizar o impacto que o aprisionamento provoca na vida dessas mulheres. Conclui-se que se faz necessário uma série de mudanças no sistema prisional, de modo a garantir o direito às mães de exercerem sua maternidade, tendo em vista, sobretudo, que a proximidade com os filhos é fator de saúde mental e estímulo no processo de reinserção social.

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FRANÇA, Marlene Helena de Oliveira. PRISON, TRAFFIC AND MATERNITY: a study on jailed women. João Pessoa, 2013. 237 f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Programa de Pós-Graduação em Sociologia, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa-PB, 2013.

ABSTRACT

This research deals with the thematic relative questions to, the arrest, violence, traffic and maternity involving jailed women of the Center of Ressocialização Júlia Maranhão. For the unfolding of this study the workmanships of Brazilian authors had been used who are references in this area: Julita Lemgruber (1983); Iara Ilgenfritz and Bárbara M. To sound (2002). Soon, in this research it was necessary to articulate some agreements until it was possible to identify that to the relations imprisoned/institution; arrest/violence; canine tooth/maternity - even so of extreme relevance - does not give account to represent the feminine penitentiary Júlia given Maranhão its complexity: a convivência place, but also, of conflicts, where practical coercitive there the gifts, are legitimated for the society in general. One of the hypotheses of the study consists of the affirmation of that the question of the violence is a present element since early in the trajectory of life of these women, becoming determinative for its insertion in the life of the crime. Searching to describe the experiences of these women concerning the maternity, mainly to those involved ones in the traffic crime, it was opted to the use of interviews, with focus in the life history. From the stories of 37 interviewed mothers one evidenced that the speech on the maternity is a social construction of sort. The manifestation of the love of these mothers for its children suffers the influence from its concrete experiences while children and the relation that had been able - or not - to construct with its children before the imprisonment. The results of the study indicate that the violence cycles, gifts in the trajectory of life of the imprisoned women exert influence in the formation of its identity, making to assume that it over all has a relation between the violent standard and the practical one of crime, of the traffic crime. The study it also points the existence of a correspondence does not enter the Express in the legal and normative instruments that guide the institucional actions and the reality lived deeply for the woman-mother-female prisoner, becoming necessary the formularization and implementation of specific public politics for such reality, as form to minimize the impact that the capture provokes in the life of these women. It is concluded that a series of changes in the prisional system becomes necessary, in order to guarantee the right to the mothers to exert its maternity, in view of, over all, that the proximity with the children is factor of mental health and stimulaton in the process of social reinserção.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas CAT Convention on Torture

CPB Código Penal Brasileiro CLADE

M

Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher CTC Comissão Técnica de Classificação

CNPCP Conselho Nacional de Política Criminal Penitenciária CNPq Conselho Nacional de Pesquisa científica

COPAC Coordenação Para Assuntos Comunitários CRJM Centro de Ressocialização Júlia Maranhão

DEPEN Departamento Penitenciário Nacional. Ministério de Justiça FUNAP Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso

IBCCrim Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

ICCPR International Covenant on Civil and Political Rights

ILANUD Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção e Tratamento do Delito

LEP Lei de Execuções Penais

OEA Organização dos Estados Americanos ONU Organização das Nações Unidas RDD Regime Disciplinar Diferenciado

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO...08

2 A EXPANSÃO DO SISTEMA PENAL COMO UMA NOVA IDEOLOGIA DE CONTROLE SOCIAL 2.1 Considerações da pena através do tempo...26

2.2 O processo de humanização e racionalização da pena...33

2.3 PRISÃO: mecanismo de controle social aos grupos excluídos...37

2.4 Características do estado punitivo no Brasil...53

3 O UNIVERSO CARCERÁRIO: a face feminina da criminalidade...63

3.1 Uma análise histórica sobre o surgimento da prisão feminina...63

3.2 Cenas do cotidiano de um presídio feminino...71

3.3 Cenários e rotinas: o cotidiano no CRJM... 86

3.4 Uma breve conceituação de gênero...103

3.5 Gênero e criminalidade: a figura da mulher no mundo do crime...108

3.6 A punição de mulheres: questões decorrentes do gênero...124

4 CONTEXTUALIZANDO O LOCAL E A POPULAÇÃO: a trajetória metodológica da pesquisa...136

4.1 A história oral de vida e a entrevista...141

5 VIOLÊNCIA, TRÁFICO E MATERNIDADE: Uma Análise dos Resultados da Pesquisa...148

5.1 O contexto dos relatos: revisitando o campo de pesquisa...148

5.2 Vida e violência atrás das grades: histórias contadas por prisioneiras...153

5.3 Mulheres do tráfico: vigiadas e punidas...177

5.4 Maternidade e criminalidade: as mulheres mães do cárcere...190

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS...212

REFERÊNCIAS...221

APÊNDICE A - Roteiro para Entrevista com as mulheres presas...233

APÊNDICE B - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido...234

APÊNDICE C - Solicitação de Autorização para Pesquisa no CRJM...236

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1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa se insere no contexto do sistema penitenciário feminino e, empiricamente, tem como tema as relações entre criminalidade, violência e gênero, enfatizando as vinculações existentes entre a trajetória de vida de mulheres e a sua participação no “mundo do crime”. A delimitação da investigação gravitou em torno das mulheres que foram condenadas por tráfico de drogas e àquelas que passaram pela experiência da maternidade e encontram-se presas no Centro de Ressocialização Feminino Maria Júlia Maranhão, instituição penal localizada em João Pessoa-PB.

A pesquisa, desenvolvida junto às mulheres encarceradas, busca preencher uma lacuna nos estudos sobre o aprisionamento feminino. Com base em análises existentes no Brasil sobre o tema, apesar de ainda serem muito escassas, sobretudo em função de haver um número significativo de presídios que abrigam ambos os sexos, conhecidos como presídios mistos, as particularidades das instituições femininas ficaram, de certa forma, desamparadas dos procedimentos teóricos acadêmicos.

De acordo com dados da Secretaria Estadual de Administração da Penitenciária da Paraíba (SEAP)1, existem atualmente 489 mulheres apenadas distribuídas em apenas 189 vagas, em três unidades prisionais localizadas em João Pessoa, Campina Grande e Patos. Em cinco anos, as prisões de pessoas do sexo feminino na Paraíba aumentaram em 119% segundo levantamento do Ministério da Justiça. A proporção era de 223 presas para 123 vagas em duas penitenciárias.

O perfil das mulheres detidas nos presídios paraibanos, segundo levantamento do Ministério da Justiça, é composto por mulheres brasileiras, pardas, com idade entre 20 e 35 anos e Ensino Fundamental incompleto. Cerca de 80% das apenadas cumprem pena por tráfico de drogas em regime fechado. Os dados revelam ainda que, com o combate à marginalidade focada no controle dos pontos de vendas de drogas e as respectivas prisões dos chefes, as “bocas de fumo” vêm sendo assumidas pelas companheiras desses traficantes, agora presos.

Ainda são incipientes os estudos sobre este fenômeno, mas alguns dados apontam para a presença de uma maior participação da mulher na criminalidade. Elas assumem o comando de organizações criminosas após a prisão ou assassinato de seus parceiros, dando assim continuidade aos crimes cometidos e iniciados por eles, assumindo então, uma nova identidade social: “dona ou gerente da boca de fumo”.

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De acordo com dados divulgados pela SEAP (abril de 2012), a Penitenciária Feminina Maria Júlia Maranhão, em João Pessoa possui 242 internas. Deste total, cinco estavam, no momento da pesquisa, gestantes e 13 tinham filhos recém-nascidos ainda sob os cuidados da mãe2. Cerca de 50% das apenadas daquela Unidade cumprem pena por tráfico de drogas. Elas se envolveram com chefes do tráfico e algumas acabaram assumindo os “negócios” dos companheiros, quando foram presos ou mortos.

Nessa direção, a Penitenciária Júlia Maranhão foi escolhida por abrigar, em relação às outras unidades prisionais do Estado, o maior número de mulheres criminosas, notadamente envolvidas com o tráfico de drogas. Outra questão fundamental foi à busca de um local seguro para a realização da pesquisa, já que a coleta de dados de mulheres em atividade no tráfico de drogas depende de uma rede de articulações.

Apesar do crescimento significativo de mulheres presas como já assinalado, os investimentos estatais não são suficientes para atender as especificidades desta população e, decorrente disto, tem-se o improviso, que se traduz no aprisionamento das mulheres em celas ou alas denominadas como “femininas” dentro de presídios com estrutura destinada para homens.

Outra implicação, relativa à orientação das dinâmicas prisionais, modela o confinamento das mulheres, qual seja: as interações entre homens e mulheres na prisão estão subordinadas a uma ordem androcêntrica. O resultado dessa dependência corrobora na perspectiva de que as práticas carcerárias atuem como tecnologias de gênero.

Ao nos referirmos à questão de gênero, não podemos passar despercebidos, neste estudo, que esta categoria vem sendo utilizada, muitas vezes, no meio acadêmico e repetitivamente, fora dele, como sinônimo do termo “feminino” ou ainda quando diz respeito a situações específicas envolvendo a mulher. Nessa perspectiva, o uso inadequado desse conceito apenas tem contribuído para reforçar a despolitização quanto às referências históricas que apontam para as desigualdades entre homens e mulheres e que, ao longo do tempo, foram e ainda são tratadas enquanto diferenças hierarquizadas.

Na visão de Lauretis (1994), esse argumento implica que ao considerar homens e mulheres, será levada em conta tão somente a relação entre o sexo, os atributos culturais do masculino e do feminino e as hierarquias sociais ocupadas pelos indivíduos em função destes atributos. Ainda que tais práticas não se restrinjam às coerções, acabam legitimando valores e significados. Em direção oposta Scott (1995), define “gênero” como sendo uma categoria de

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análise histórica, pois identifica as experiências históricas masculinas e femininas e a relação entre estas e as vivências atuais.

Lemgruber (2002, p.72), por sua vez ao trabalhar com a historicidade das prisões femininas esclarece que “o reconhecimento do gênero como categoria, na comunidade acadêmica ascende pela via do movimento de mulheres”, condição que leva a investigá-lo como construção histórico-social. Na atualidade, há uma infinidade de conceitos acerca desta categoria, sendo necessário por parte daqueles que o estudam, contextualizá-lo.

Historicamente, tem sido relegada às mulheres, a tarefa de cuidar e zelar pela família. No caso das mulheres presas, esse postulado foi transgredido, e em virtude disso, sua pena, aparentemente, torna-se mais “pesada” do que realmente é. Como a maioria possui filhos (antes ou durante a reclusão), é constante o receio de romper o vínculo total com eles ou até mesmo perder o direito legal de exercer essa maternidade3. Além do mais, há o medo de serem abandonadas por suas famílias e cônjuges (fato que ocorre com muita frequência), visto que o cometimento de um crime por uma mulher é infinitamente mais rejeitado socialmente do que no caso dos homens4. São tomadas ainda pelo sentimento de culpa, uma vez que essa mulher, na maioria dos casos, era a responsável direta pela agregação familiar, mas principalmente, pelas despesas domésticas.

Apesar de, durante séculos, terem sido consideradas como seres de segunda classe, as mulheres alcançaram inúmeras conquistas e promoveram importantes mudanças sociais. Apontadas por muitos estudiosos como sendo menos inteligentes do que os homens, e, portanto, menos perigosas, algumas delas, embaladas, talvez, pelo sentimento do desprezo, de inferioridade, desejaram ser vistas, ouvidas e reconhecidas, e para tanto, tiveram que romper com normas e valores estabelecidos, adentrando no mundo da criminalidade. Como consequência, assumiram outro papel: o de prisioneiras de um sistema jurídico-penal que “não percebe as singularidades das prisões femininas”, ou simplesmente, negligencia as diferenças de gênero. (ANDRADE, 2010).

Ao iniciar este trabalho, observava que a prisão feminina parecia privilegiar, em face de outros, o regime disciplinar como detectado por Foucault (2004) em Vigiar e Punir, pois mantinha como características em seu discurso a responsabilização individual das detentas, como objetivo da instituição as propostas de correção e reabilitação, e o delineamento dos comportamentos aceitos e reprovados na sociedade, através da punição daquelas que apresentassem as ações indesejadas.

3 Quando não tem com quem deixar a criança, normalmente esta é encaminhada para um abrigo, podendo ou não resgatá-la ao sair da prisão. Para ganhar novamente a guarda terá que provar, perante a justiça, que tem como prover o seu sustento e o da(s) criança(s).

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Porém, outro regime está ganhando espaço no interior das prisões. Trata-se de um modelo de supervisão e contenção preventiva de classes inteiras de sujeitos, reagrupando a diversidade nas “classes perigosas”. Deste modo, a gestão das populações problemáticas passa a ocorrer cada vez menos por instrumentos de regulação social da pobreza e cada vez mais por dispositivos de repressão penal, apontando para a transição da vigência de um Estado Social para um Estado Penal.

Não há como negar que a prisão é, sem dúvida, um mundo diferente. Um fenômeno único e um desafio para qualquer pessoa que transponha seus muros e aceite a proposta de (re)conhecê-la. É comum que as prisões provoquem nas pessoas, de um modo geral, certa antipatia e mal estar, ainda mais considerando sua função principal: segregar sujeitos impedidos de conviver em sociedade. Muitos autores que já escreveram sobre este assustador cenário revelaram, principalmente, a capacidade que elas têm de desorganizar, desorientar e, por vezes, até mesmo destruir - física e psicologicamente - aqueles que nelas são internados.

Ao nos debruçarmos sobre as estatísticas, principalmente, as provenientes do Departamento Penitenciário Nacional, órgão vinculado ao Ministério da Justiça verificamos que os estudos do Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA) e os dados divulgados pelo Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção e Tratamento do Delito (ILANUD) chamaram nossa atenção pela desproporção entre a incidência da criminalidade masculina e feminina, constatando que esta é uma realidade que se repete em vários países.

No Brasil, é inegável o aumento nas taxas de criminalidade feminina nos últimos anos, mesmo assim, a proporção em relação aos homens, que chega a 96%, ainda é de 4% do total da massa carcerária. Dessa maneira, a criminalidade feminina é quase insignificante quando se levam em conta esses dados. O resultado disso é a própria invisibilidade em torno da questão, consequentemente, o desinteresse das autoridades em aprofundar o debate sobre o tema bem como realizar investimentos necessários ao tratamento dispensado às mulheres encarceradas.

O fato é que a desatenção para com as necessidades das mulheres presas e das mães, em particular, não ocorre apenas no Brasil. Essa triste realidade, guardada as especificidades de cada país, tem sido apontada por vários estudiosos, entre os quais destacamos Farrell (1998); Schram (1999); Beckerman (1994); Johnston (1995). Suas pesquisas evidenciam, a partir de diferentes ângulos, que as prisões femininas têm sido consideradas como unidades prisionais de “segunda linha”, ou seja, claramente reproduzem o lugar de submissão e descaso que as mulheres ainda ocupam em vários setores da sociedade.

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principalmente, do ponto de vista social. A formulação de medidas que favoreçam caminhos de reinserção, não bastasse sua importância, constitui um dos maiores desafios. Os direitos são negados e as condições necessárias para um retorno à vida em liberdade praticamente não existem, como também são raras as políticas públicas para tratar a questão.

De acordo com Lemgruber (1997), mesmo que, na maioria dos casos, a mulher apareça como coadjuvante no delito pelo qual foi condenada, essa característica não é suficiente para excluir sua responsabilidade. Casos famosos, envolvendo os casais: Bonnie e Clyde; Lampião e Maria Bonita, mostram a figura feminina em uma posição, digamos, menos importante, ou de menor destaque. Porém, existem as exceções, no Brasil, por exemplo, a história mostrou casos raros de mulheres que despontaram como grandes criminosas em um universo predominantemente masculino. Um exemplo é o caso de Djanir Metralha, que durante a década de setenta, cometeu uma série de assaltos a bancos, sequestros e até assassinatos, servindo de inspiração para a personagem “Lili Carabina” no cinema.

Em uma amostragem de quarenta e seis entrevistas iniciais, realizada entre março e novembro de 2011, constatamos que mais de 85% deste total cumprem pena por tráfico de entorpecentes, na maior parte, atuando como “mulas” (transportam a droga de um fornecedor a outro) ou guardam no interior de suas residências.

Na análise dos dados, verificou-se que as mulheres presas, não raras vezes, atribuem seu envolvimento criminoso às relações conjugais, afirmando, incisivamente, que o companheiro foi o responsável direto ou indireto, pela sua inserção no mundo do crime ou na prisão. Desta feita, há uma tendência desta mulher atuar numa posição de submissão em face do homem que ama e, em função dessa circunstância, acaba por envolver-se na “vida do crime”.

Assim, passivas e emocionalmente envolvidas, aceitam, sem pedir praticamente nada em troca, aventurar-se no cenário do crime e, somente quando confinadas, percebem os perigos de tal envolvimento. Acerca dessa questão, muitas costumam afirmar que essa paixão foi sua perdição: “Quando a gente está apaixonada, fica cega e é capaz de tudo para ficar com o

homem que a gente ama, até matar, se for o caso”.

No percurso inicial de nossa pesquisa, buscamos conhecer a pena de prisão como instrumento punitivo, sobretudo, os aspectos característicos das prisões femininas. Para tanto, fizemos uso de algumas abordagens jurídico-sociológicas, a partir das quais começamos a articular algumas questões, particularmente, relacionadas ao modo de envolvimento de mulheres com a criminalidade.

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uma dupla tarefa: garantir a privação da liberdade e promover o “adestramento” e “docilização” dos indivíduos. Para Wacquant (2001a) representa uma estratégia política atuando numa perspectiva econômica, excluindo e mantendo preso, um contingente de pessoas miseráveis. Acerca desse controle assevera o autor:

O inchamento explosivo da população carcerária, o recurso maciço às formas mais variadas de pré e pós-detenção, a eliminação dos programas de trabalho e de educação no interior das penitenciárias, a multiplicação dos instrumentos de vigilância tanto a montante quanto a jusante da cadeia carcerária: a nova penalogia que vem se instalando não tem por objetivo ‘reabilitar’ os criminosos, mas sim ‘gerenciar custos e controlar populações perigosas (WACQUANT, 2001a, p. 32).

Considerando que a prisão é o único sistema de confinamento que não passou por reformulações que alterassem a lógica de enclausuramento, que se imprime na relação culpa/punição, será tratada, aqui, a vida das mulheres nas prisões. Para tanto, pretendemos analisar as relações que não se constituem apenas e com base na violência, na repressão, na opressão; os diferentes itinerários das mulheres presas, construídos antes e durante o cárcere; a relação com seus familiares e as experiências vivenciadas no interior da prisão.

É incontestável que a lógica do sistema penal caminha na contramão das demandas femininas, notadamente, pelo fato desse sistema se caracterizar por uma eficácia técnica contrária à prometida (recuperação) e só se sustenta em face de uma legitimação simbólica. Desta feita, a lógica prisional, diferente do que se afirma, o que apenas consegue com maestria é reproduzir a violência contra a mulher. (ANDRADE, 1998).

É notório que o tema da violência e da criminalidade vem atualmente ganhando crescente destaque na mídia, nos debates, estando também presente nas conversas do dia a dia das pessoas. Observamos que, em geral, há o aval da sociedade brasileira à pena de privação de liberdade e até mesmo a reivindicação fervorosa de medidas punitivas mais rígidas e o combate à impunidade. Simultaneamente, convive-se, ainda que de modo contraditório, com um discurso pautado nos direitos humanos que reconhece a incapacidade da pena de prisão em recuperar os criminosos.

No entanto, apesar de crescente, a criminalidade feminina constitui um campo de estudo ainda pouco explorado, mas com preciosidades a serem reveladas e perguntas a serem respondidas: por que as mulheres delinquem menos? Será que o sistema de justiça possui uma postura conservadora, que enfatiza a criminalidade masculina e deixa em segundo plano os delitos cometidos por mulheres, em decorrência da sua imagem socialmente construída, trazendo aspectos de docilidade, maternidade e fragilidade?

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crime cometido por mulheres. Os olhares e as formas de abordar a temática são múltiplos e vão de acordo com a formação teórica de cada um deles, mas, uma coisa é comum a todos: buscar nas pesquisas, quantitativas ou qualitativas, respostas para entender a prática criminosa feminina.

A leitura de autores como Foucault (2004), Goffman (2004), Zaluar (2003), Salla (1997), Lemgruber (1999), Adorno (1998), Wacquant (2001a, 2001b, 2003), entre outros, foi fundamental para delinear os primeiros contornos da nossa problemática de trabalho. A partir deste marco inicial, direcionaremos nosso olhar para os conceitos de criminalidade, violência, gênero, maternidade bem como suas implicações junto à mulher criminosa.

Ao nos debruçarmos mais atentamente sobre as peculiaridades dos espaços prisionais, notadamente, se o foco do nosso olhar for às mulheres que cumprem pena privativa de liberdade, iremos observar que as dificuldades são bem mais assustadoras do que podemos imaginar. O cárcere feminino exprime e revela as desigualdades de gênero presente nos diferentes espaços sociais, mas que ganha maior proporção, se considerarmos as desigualdades sociais, econômicas e étnico-raciais.

As mulheres, mesmo representando uma parcela pequena em relação à população carcerária masculina, são tratadas com certa indiferença, para não dizer com inferioridade, uma vez que, no ambiente penitenciário, elas não usufruem equitativamente do atendimento que é dispensado aos homens, que, por sua vez, já é muito precário. A impressão que se tem é de que, no cárcere feminino, o processo de ressocialização parece ser ainda mais complexo.

Uma das características mais marcantes do sistema penitenciário do Brasil, em especial o feminino, é a quantidade exagerada de “problemas sociais” que, de modo ambíguo, surgem e desaparecem no decorrer do aprisionamento. É de se reconhecer que as prisões se constituem em ambientes reconhecidamente insalubres, com alta (e em alguns períodos incontrolável) propagação de doenças infecto-contagiosas, dentre outras mazelas. (SALLA, 1997).

Como se não bastasse, esse cenário ainda é permeado por múltiplas atrocidades, no que tange ao tratamento dispensado aos que lá se encontram. Essa constatação ganha ainda um reforço do senso comum presente no pensamento da maioria das pessoas “livres”, alternando sentimentos opostos de “compaixão” e “reprovação, associados a frases como: “lá é um depósito de gente”, “eu tenho pena quando entram lá, apanham igual bicho”, “comem, bebem, dormem e ainda trabalham às nossas custas”.

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remete as seguintes questões: em que medida a justiça criminal tem sido mais conivente nas sentenças que envolvem delitos cometidos por mulheres? Será que estes delitos são subnotificados pelo simples fato de que seriam, em sua maioria, cometidos no espaço privado? O próprio aumento no índice de encarceramento feminino responde as questões acima, pois demonstra que as mulheres estão sendo, frequentemente, condenadas pelo cometimento de atos delituosos.

Ao percebermos a dificuldade que teríamos de coletar dados acerca da violência empreendida contra as mulheres no âmbito carcerário institucional, optamos por analisar as situações recorrentes de violência sofrida pelas mulheres durante a trajetória de vida. Assim, a delimitação do tema, pautou-se em torno das mulheres presidiárias, sustentada pela hipótese de que a presença da violência em suas trajetórias de vidas contribui para sua inserção na criminalidade.

Dessa forma, o objetivo principal da realização desse trabalho foi o de compreender a trajetória de vida dessas mulheres e de como estas chegaram a praticar atos criminosos em algum momento dessa trajetória. Além desta problemática, buscamos também investigar a relação entre maternidade e prisão, numa tentativa de desvendar que impactos a questão da maternidade têm na vida da mãe-presa. Outro aspecto a ser estudado é o envolvimento das mulheres com o crime de tráfico, considerando o alto índice de mulheres condenadas pelo cometimento deste delito, que se encontram presas na Penitenciária Feminina Júlia Maranhão. Por vários momentos da pesquisa, essas problemáticas se cruzaram, isto é, a questão da violência atravessou toda a história de vida de muitas mulheres entrevistadas, contribuindo para o seu envolvimento na criminalidade e no tráfico de drogas. Essas mesmas mulheres, também vivenciam a experiência da maternidade antes e durante o cárcere.

A população carcerária investigada é composta por mulheres jovens, pobres, negras e pardas, pessoas com histórias de vida marcadas pela miséria, pela violência e pelo descaso estatal. Mulheres que, provavelmente, compartilham históricos de desigualdade e humilhação bastante semelhantes, levando-se em consideração os signos de classe social, gênero e cor que carregam.

Em conversas particulares, nos corredores, nas rodas de conversas, ou através de bilhetes, enfim, de várias maneiras chegavam histórias de mulheres que relatavam histórias de violência e humilhações anteriores ao evento de suas prisões, nas quais não tiveram voz ou não foram ouvidas ou levadas em conta enquanto pessoas.

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e a experimentação dos processos de maternidade, exigem de nós pesquisadores, um olhar mais cuidadoso e minucioso sobre a questão de gênero no cárcere, atentando ainda mais para suas peculiaridades.

Pela sua configuração, este é um estudo sobre mulheres violentadas e violentas, mulheres que são mães, mas que entraram para a vida do crime, que se envolveram com o crime de tráfico e ousaram violar a lei. Mulheres que, hoje, estão encarceradas. Assim, do objetivo da pesquisa, é preciso trazer à tona não só reflexões sobre a questão da violência enfrentada por elas, mas também as concepções que as mães presas têm sobre as possibilidades e impossibilidades da experiência concreta da maternidade na condição de encarceramento.

Investigar esse universo requer uma aproximação de diferentes determinantes históricos, sociais e jurídicos que, no nosso entendimento, acabam por configurar as particulares manifestações dessas mulheres que se encontram “por trás das grades.”

A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (OEA), adotada pela ONU, em 1993 e ratificada pelo Brasil em 1995, define a violência contra a mulher como:

[...] qualquer ato de violência baseado no gênero, que resulte, ou possa resultar, em dano físico, sexual ou psicológico ou em sofrimento para a mulher, inclusive as ameaças de tais atos, coerção ou privação arbitrária da liberdade, podendo ocorrer na esfera pública ou privada (OEA, 2010).

O conceito de violência, destacado acima, explicita que este tipo de violência decorre de relações assimétricas de poder, por meio das quais o masculino e o feminino ocupam papéis que não se restringem às diferenças anatômicas dos corpos. Essa assimetria é pautada pelo gênero, o qual é uma categoria histórica e relacional e que especifica os espaços de poder na sociedade:

[...] o uso do termo gênero enfatiza todo um sistema de relações que pode incluir o sexo, mas não é diretamente determinado pelo sexo, nem determina diretamente à sexualidade (SCOTT, 1995, p. 76).

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Soares; Ilgenfritz (2002), em pesquisa realizada com mulheres presas no Rio de Janeiro, constataram que 71,9% das entrevistadas afirmaram ter sofrido alguma forma de violência por parte de seus responsáveis, sendo que 68% relataram ter sofrido violência física e 11,2%, violência sexual. Para melhor sustentar as possíveis conclusões do estudo por elas realizado, as referidas autoras apresentam dados de uma pesquisa americana em que quase metade das mulheres presas relatou ter sofrido algum tipo de abuso físico ou sexual em algum momento de suas vidas, antes da prisão.

Nos últimos anos, todas as estatísticas oficiais têm revelado que mulheres cumprem pena pelos mais variados crimes: tráfico de drogas (art. 33), roubo (157), furto (155 a 183), homicídio (121), latrocínio (157, §3º, in fine, do Código Penal), estelionato (171) e outros. Todos qualificados pelo Código Penal. Vários são os fatores que podem estar relacionados ao cometimento de um crime. Um deles apresenta relação direta com a história de maus tratos e/ou abuso de substâncias ilícitas (da própria mulher ou de parentes próximos), contada pela maior parte das internas.

Isso não implica dizer que esse histórico resulte, infalivelmente, sobre a entrada da criminalidade, ou seja, diretamente responsáveis pela entrada no sistema penal, pois, seguramente, a maior parte das mulheres vítimas de violência, bem como dos usuários de drogas, não se encontram presas hoje.

O fato é que, praticamente, todas as pesquisas realizadas sobre a temática da violência, tendo como recorte as mulheres encarceradas, revelam que a prisão, tanto pela privação da liberdade como pelos abusos que ocorrem, representa apenas mais um elo na cadeia de múltiplas violências que formam a trajetória de uma parte da população feminina (ILGENFRITZ; SOARES, 2002).

Ainda dentro da discussão sobre a questão da violência, não há como negar que as grandes cidades, enquanto espaço de reprodução das diferentes vivências, exprimem múltiplas formas de expressão sócio-cultural, entre elas, a violência, seja nas áreas da periferia seja nos bairros nobres ou condomínios fechados. Acerca dessa questão, Caldeira (2000) avalia que uma das maiores contradições do Brasil contemporâneo reside no fato de que a ampliação da cidadania política, através do processo de transição democrática, desenvolveu-se concomitantemente com a deslegitimação da cidadania civil e o surgimento de uma noção de espaço público fragmentado e segregado.

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acessível. São espaços demarcados e isolados por muros, grades e lugares vazios. Isto é: “são espaços controlados por guardas armados e sistemas de segurança, que impõem regras de inclusão e exclusão” (CALDEIRA, 2000, p. 258). De igual modo, os condomínios fechados e

shoppings centers são vistos também como espaços segregadores e homogeneizadores em oposição aos espaços heterogêneos e abertos.

Um olhar mais detalhado sobre as práticas policiais e sobre a vida cotidiana nos “enclaves fortificados” evidencia mais nuanças e contradições do que poderíamos supor em um primeiro momento. Nem sempre a segregação e a violência são as marcas desses espaços. Da mesma forma, nem sempre o Estado de direito e os espaços públicos, como as praças e ruas, são vistos como arenas da diversidade. As situações e contextos, onde essas fronteiras se mesclam, são essenciais para compreendermos as interpretações que os indivíduos fazem de sua própria sociedade. Apesar de estar consciente disso, a autora pouco explora essa problemática em seu trabalho.

Para Voegeli (2003), este cenário de múltiplas e intensas mudanças sociais, reflete-se diretamente nos papéis assumidos pela mulher, cujos princípios, além de definirem melhor sua personalidade, vêm rompendo a autoridade masculina ou se opondo a ela. Na análise da criminalidade feminina, os autores tem se apropriado das transformações acima mencionadas na tentativa de subsidiar suas teses.

Estudos mais recentes sobre criminalidade feminina (SOARES; ILGENFRITZ, 2002), (VOEGELI, 2003), (RIBEIRO, 2003) têm dado ênfase ao cotidiano das mulheres nas prisões, tratando dos delitos de forma geral. Nesta pesquisa sustentamos a hipótese de que haja uma relação entre a violência e o envolvimento com a criminalidade, especificamente o tráfico de drogas, nas trajetórias de vida da mulher presidiária, Sobre essa questão, ainda que se considere a mudança no papel assumido pela mulher no cenário atual, o envolvimento delas com o tráfico de drogas, continua praticamente inalterado, isto é, sua participação em “altos cargos” ainda é baixa, servindo para confirmar o caráter preponderantemente masculino dessa atividade delituosa.

Diversos estudos, entre os quais se destacam os realizados por Lemgruber (2004) e Soares; Ilgenfritz (2002) tem comprovado que a participação feminina no tráfico de drogas está concentrada na venda em bocas-de-fumo, no transporte - atuando como “mulas” ou levando as drogas para dentro dos estabelecimentos prisionais - e, ainda, no armazenamento destas drogas dentro de suas residências.

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em uma pergunta central: que aspectos contribuem no envolvimento da mulher com o tráfico de drogas?

Na tentativa de responder a esta questão, foram demarcados alguns elementos de análise como as desigualdades sociais e econômicas, a violência estrutural e a doméstica, o envolvimento amoroso com a “figura masculina” e o baixo índice de revista policial em mulheres (em comparação aos homens), que de uma forma ou de outra acabam influenciando a prática delituosa.

Com o propósito de ir além das relações presa/instituição e prisão/violência, ainda que se mostre uma tarefa relevante e urgente, faz-se necessário problematizar e refletir sobre o presídio para mulheres como um lugar de convivência e, portanto, de múltiplas sociabilidades que, na maioria das vezes, entrelaçam-se e sobrepõem-se às práticas coercitivas e punitivas que “marcam” à vida prisional.

Em razão disso, algumas indagações se revelam neste estudo, quais sejam: Como vivem e se organizam as mulheres no presídio Júlia Maranhão? Como são as relações entre elas, com as agentes de segurança, com seus familiares, companheiros, filhos? Quais os sentimentos que nutrem? Que planos fazem para o futuro? Enfim, buscaremos compreender como, para além dos processos de violência que acompanharam a trajetória de vida dessas mulheres até a prisão, vivem essas mulheres quando do encarceramento.

A situação inerente e, exclusivamente, relacionada ao feminino e à experimentação da maternidade, exige que tenhamos um olhar mais cuidadoso e minucioso sobre a questão de gênero no cárcere, atentando ainda mais para suas peculiaridades.

É inegável que a maternidade ocupa um lugar privilegiado na vida das mulheres, um desejo que muitas optam por realizar ao longo de suas vidas. No entanto, tornar-se mãe nem sempre parte de uma escolha consciente. Para muitas, o papel de mãe é como uma consequência da própria condição de ser mulher.

Isso é tão verdadeiro que, quando um filho nasce, inúmeros processos psicológicos são desenvolvidos na mulher, muitos deles decorrentes das relações sociais de gênero e determinados pela classe social a qual pertence cada mulher.

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As descrições sobre as mulheres que experimentaram a maternidade antes ou durante a prisão, observadas no percurso da pesquisa de campo, referem-se a dois tipos de construção social de gênero que, embora relativamente distintos na aparência, atuam na relação mãe-filho, como complementares.

O primeiro tipo, relativo a construções mais arcaicas sobre a maternidade e presentes em quase todas as culturas, configura o modelo de mãe arquetípica, cujas características se traduzem nas manifestações amorosas de caráter idealizado, observadas nos relatos das mães presas. Essas idealizações que apresentam o amor materno como sobre-humano, mostram-se significativamente mais intensas naquelas mães que não puderam construir uma relação amorosa, quer com suas próprias mães, quer com seus filhos.

O segundo tipo, presente na cultura ocidental a partir dos séculos XVIII e XIX, permite ver, de modo mais claro, a influência de valores típicos de uma racionalidade androcêntrica. Esses valores aparecem nos relatos das mães presas quando falam de suas expectativas sobre a maternidade, de um grande amor e da formação da família, mas também nas ocasiões em que falam sobre a humilhação, a violência e a subordinação do poder masculino, sofridas por elas.

Algumas dessas construções deixam clara a contraditória experiência dessas mulheres no conjunto das relações sociais, em que se evidenciam lugares e papéis específicos para homens e mulheres. Tomo essa experiência contraditória como exemplo porque ela, concretamente, rompeu com alguns atributos estabelecidos historicamente para mulheres e mães no momento em que, ao cometerem delitos, infringiram as normas sociais e, afastadas de seus filhos, resta apenas, em alguns dos casos, o espaço e a convivência prisional, onde vão desenvolver seu conceito ideal de maternidade.

Seguindo esse prisma, as mães-encarceradas, como não poderia ser diferente, têm sido alvo de uma série de preconceitos, e classificadas com os mais diferentes rótulos. A maior parte dos julgamentos decorre da própria sociedade, dentre os quais, elegemos: mulheres e mães de “má qualidade”, exemplos vivos de descaso e desamor, bruxas e incapazes de amar.

Independentemente dos julgamentos que possam existir contra essas mulheres, elas não deixam de serem mães, mesmo em condição de encarceramento. Porém, o exercício da maternidade e, especialmente, a demonstração do sentimento maternal são diretamente afetados, visto que essas mulheres, submetidas às normas jurídico-penais, são impedidas de manter contato com o mundo extramuros e com seus filhos.

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aos mais desprezíveis rituais de controle para irem ao encontro delas. Estamos falando das revistas que não se restringem apenas aos alimentos, mas atingem também os corpos dos visitantes, inclusive das crianças.

Para Lemgruber (1999, p. 49), a mensagem oculta deste contexto é aquela que se a mãe é uma criminosa, o filho também pode ser ou se tornará um dia. A fim de ilustrar sua opinião, a autora cita a seguinte fala de uma mãe presa [...] “Sinto muita vergonha do meu filho ter que passar por esse vexame. Ele não tem culpa da mãe estar presa.” Nesse depoimento, a humilhação é a marca que permeia as relações afetivas entre mães-presas e seus filhos.

De acordo com Badinter (1993, p. 67), mães presas, assim como as que estão livres, vivem de lembranças e de sonhos. “Lembram o que viveram, sentiram passaram e sonham com o que serão e o que querem ter, apenas sonham”. Mas como presas, sentem apenas o presente, cheio de dor, de dúvida e de incertezas sobre o amanhã. São na maior parte, pobres, humilhadas, excluídas e esquecidas, e ainda que, sejam apontadas como mulheres que fracassaram na tarefa de mãe, asseguram que amam seus filhos.

Para Bosi (2003), mulheres encarceradas são mães como outra qualquer. Admitir o contrário é atribuir a elas penas adicionais. É importante, então, conhecer, na realidade carcerária, como elas têm exercido essa maternidade para além dos estereótipos a elas imputados. Daí, a necessidade de nos aproximarmos dessas mulheres. E é esse objetivo a que estamos nos propondo a atingir neste estudo.

No que se refere aos procedimentos metodológicos adotados neste estudo, busquei situar-me hersituar-meneuticasituar-mente como a pesquisadora que partiu da própria prática profissional em uma unidade prisional feminina, para questionar a estrutura institucional no que se refere ao tratamento dispensado a mulher encarcerada. Dessa forma, situarei brevemente como se deu esse percurso, cujo será retomado detalhadamente no quarto capítulo.

Assim, por meio da narrativa, mas sem incorrer na análise institucional, procurei delimitar meu olhar dentro da unidade prisional, permeado por diferentes aspectos que interagem com meu objeto de pesquisa. Tal empreitada parte da concepção de que “o modo como às pessoas falam de suas vidas é significativo; a linguagem que utilizam e as conexões que fazem revelam o mundo que elas veem e no qual atuam” (GILLIGAN, 1982, p.12).

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A pesquisa de campo foi realizada entre os meses de março a novembro de 2011, totalizando 46 (quarenta e seis) entrevistas com mulheres encarceradas, envolvidas com o tráfico de drogas. Os depoimentos mostraram que todas experimentaram processos de violência e 37 (trinta e sete) vivenciaram a maternidade. As entrevistas foram realizadas seguindo um roteiro que continha questões versando sobre pontos temáticos capazes de dar abertura para as impressões e os relatos da própria presa acerca de sua trajetória de vida.

Os aspectos abordados nas conversas versaram sobre o momento em que foi presa, relação com familiares e filhos antes e depois da prisão, processos de violência vividos antes e no cárcere, cotidiano na prisão, visão do tratamento recebido e projetos futuros.

Desde o início não me senti motivada a aplicar um questionário para coleta formal de dados. O uso deste instrumento apesar de viável e capaz de oferecer um panorama confiável do perfil geral dos sujeitos investigados, acabou sendo dispensado. Isto porque o desvendamento do mundo prisional feminino, a partir da própria fala das mulheres, só seria possível, através de um método qualitativo de captação e análise de dados.

Assim, a técnica da história de vida permitiu captar, o desenvolvimento de sua rotina, suas angústias e os problemas que as cercavam a cada momento. Ao mesmo tempo tinha a possibilidade de realizar as entrevistas de maneira informal, mesmo quando usava o gravador, dada a interação bastante significativa que ocorreu entre pesquisadora e sujeitos-informantes da pesquisa.

Dentro desta dinâmica, utilizei a técnica da observação que, além de servir de contraprova às informações obtidas por meio de conversas e entrevistas, permitiu captar, no próprio cárcere, nos momentos das entrevistas, dados complementares sobre a vida das detentas bem como as respostas que davam aos dramas prisionais vivenciados por elas. A partir daí, foi possível construir suas histórias de vida e, extrapolando os estereótipos da prisão, tirar algumas conclusões sobre sua condição de mãe-presa que cometeu um delito.

Em vista disso e visando a subsidiar a análise qualitativa, fez-se necessário levantar o quantitativo da população pesquisada. Assim, numa primeira etapa, foi feito através dos processos criminais existentes na Vara de Execução Penal, o levantamento de alguns dados das apenadas, tais como: tipo de delito que levou à condenação, envolvimento com o crime (contexto social e econômico), momento em que ocorreu a prisão, tempo de condenação, situação familiar, experiência com a maternidade etc.

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inclusive dando palpites ou interrompendo a fala da entrevistada. Assim, na tentativa de não perder detalhes importantes das narrativas, fazia rápidas anotações e, assim que chegava a um lugar tranquilo reescrevia o relato enquanto as informações recolhidas estavam recentes na minha memória.

Na discussão dos dados coletados optou-se pela análise de discurso, privilegiando a fala das mulheres presidiárias, que receberam nomes fictícios para que fossem preservadas suas identidades.

O direcionamento da pesquisa se deu no sentido de construir a narrativa através das especificidades inerentes às histórias de vida e de suas correlações com o contexto global, relacionando-as com as categorias de análise que serviram de eixo analítico da investigação e que foram tematizadas à medida que a pesquisa avançou.

Assim, fui vivendo, no decorrer da pesquisa, uma relação social e interpessoal na qual, ao tempo em que conhecia um mundo distinto do meu, aprendia a compreender melhor, enquanto pesquisadora, a importância da relação dialética entre sujeito e objeto, entre as dimensões subjetivas e objetivas.

Para dar conta então dessa dimensão investigativa, o presente trabalho foi estruturado em quatro capítulos, a fim de estabelecer uma relação entre as abordagens teóricas que nortearam os rumos da temática escolhida. A intenção foi desvendar as relações entre o fenômeno da violência que perpassam as trajetórias de vida das mulheres encarceradas, enquanto elemento de motivação para a entrada no mundo da criminalidade, sobretudo no cometimento do tráfico de drogas.

No primeiro capítulo, intitulado “A Expansão do Sistema Penal como uma nova ideologia de Controle Social” abordamos discussões acerca da funcionalidade da prisão e, na tentativa de compreender o processo histórico que envolveu o surgimento da mesma, remontamos a discussão sobre a origem da pena, sua institucionalização e racionalização. Discorre-se, ainda, sobre os principais aspectos relativos à gênese do aparelho prisional enquanto principal mecanismo repressor e de controle das massas. A discussão perpassa pelo debate sobre a apropriação do monopólio da violência sob a tutela do Estado, passando pelas teorias e abordagens que sustentam os discursos punitivos e despenalizadores. O interesse, nessa abordagem histórica, é revelar a percepção do “direito de punir” como um processo que se explica culturalmente, ou seja, que deve ser compreendido historicamente a partir dos diferentes contextos em que são produzidos.

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entre o feminino e a criminalidade. Abordamos acerca da figura da mulher no mundo do crime e o aumento nos índices da criminalidade feminina nos últimos anos. Apresentamos ainda o cotidiano da Penitenciária Júlia Maranhão, “lócus da pesquisa”. Destacamos a questão do imaginário social e da construção de gênero em relação à “mulher criminosa”, apresentando algumas histórias, como exemplos das modalidades de seu envolvimento em atos delituosos.

Uma vez esclarecidos os pressupostos histórico-teóricos, apontamos, no III Capítulo, os caminhos metodológicos trilhados para a elaboração da pesquisa de campo, que utilizou as técnicas da análise de conteúdo. Há, nele, a descrição completa da pesquisa, suas etapas, os espaços e as técnicas de coleta de dados, a definição da amostra e as razões pelas quais o tema e o objeto levaram de modo privilegiado à abordagem qualitativa, permitindo compreender as generalidades e peculiaridades dos sujeitos estudados. Porém, o viés subjetivo do estudo concedeu destaque à análise das histórias de vida das mulheres-mães-presas.

Ainda neste capítulo apresentamos os resultados da pesquisa, os ambientes e os sujeitos que protagonizam o estudo. Aqui, são relatadas as trajetórias de vida das mulheres envolvidas com o tráfico de drogas, e que vivenciaram ao longo de suas vidas, processos de violência, que, de uma forma de outra, contribuíram para sua entrada na criminalidade. Quanto às histórias de vida, buscamos interpretá-las à luz das discussões teóricas e metodológicas presentes nos capítulos anteriores.

Nas considerações finais, retomarei as diversas questões e problemáticas levantadas nesta introdução e ao longo dos capítulos, procurando realizar a costura dos temas apresentados e propor caminhos a partir das reflexões feitas no texto.

A base das reflexões são as narrativas das próprias mulheres que revelam também suas próprias impressões sobre as violências a que foram ou que ainda são submetidas, bem como a experiência da maternidade na prisão.

Dentre os objetivos da pesquisa, elegemos aqueles que consideramos fundamentais. Nesse sentido, nosso objetivo geral pautou-se em realizar um estudo sobre a trajetória de vida das mulheres encarceradas, com o propósito de investigar até que ponto a violência presente nessa trajetória de vida influenciou a prática de atos criminosos. Buscou-se ainda compreender a importância que a maternidade ocupa na vida das mulheres presas. Dentre os específicos elegemos:

 Levantar junto à literatura embasamento teórico sobre o campo do conhecimento;

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 Investigar a relação entre maternidade e prisão, numa tentativa de desvendar que impactos a questão da maternidade ocupa na vida da mãe-presa.

 Discutir sobre o envolvimento das mulheres com o crime de tráfico, considerando o alto índice de mulheres, que encontram-se presas na Penitenciária Feminina Júlia Maranhão, condenadas pelo cometimento deste delito.

Ao final, apresento as conclusões sobre a pesquisa realizada que, sem o propósito de exaurir o tema, procuram lançar luzes sobre a problemática das mães-presas, no intuito de demonstrar a importância de uma leitura sobre a questão de gênero da realidade vivenciada no cárcere.

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2 A EXPANSÃO DO SISTEMA PENAL COMO UMA NOVA IDEOLOGIA DE CONTROLE SOCIAL

2.1 Considerações da Pena através do tempo

No universo do Direito Penal, talvez fosse mais adequado o uso do termo “sanção penal”, em lugar de pena, já que esta tem um caráter mais limitado, enquanto que “pena” sugere um significado mais extenso. Nesse sentido, a palavra pena pode significar diferentes situações como: correção, castigo, aflição ou até mesmo compaixão. A própria origem etimológica da palavra, sempre gerou uma ampla e calorosa discussão. Para autores como Marques (2000); Costa (2000); Martins (1984), a origem do termo vem do latim poena, que significa castigo, suplício.

Na concepção de Marques (2000, p. 103), pena pode ser definida como “[...] sanção aflitiva imposta pelo Estado, através do processo, ao autor de um delito, como retribuição de seu ato ilícito e para evitar novos delitos [...].”

Embora “sanção penal” seja a nomenclatura apropriada no interior do preceito incriminador, já que representa rigorosamente a resposta do Estado ao infrator da norma penal, utilizaremos neste trabalho a terminologia “pena”, tendo em vista, ser a nomenclatura utilizada pelo Direito Penal Brasileiro.

Toda sociedade humana de que se tenha conhecimento fez (e ainda faz) uso de algum tipo de pena. As formas de expressões da pena mais antiga foram às chamadas penas corporais, que, revelada através de tabus e ideias místicas representavam o direito de punir com a característica básica de vingança.

Cabe lembrar aqui que a pena passou por diferentes fases e recebeu várias denominações ao longo da história. A primeira delas e, talvez, a mais conhecida é a pena de Talião. Era prevista no Código de Hammurábi (2067 a 2025 a.C.), considerado o mais antigo que se tem conhecimento. Adotada em algumas civilizações, representava uma medida de punição para o infrator com a mesma intensidade com que havia cometido a infração. Essa pena ficou conhecida como: “olho por olho, dente por dente,” Assim, o castigo a ser imposto deveria ser semelhante, na natureza e na intensidade, ao “mal” sofrido pela vítima. (MARTINS, 1984).

O Código de Manu, com origem suposta na Índia entre os séculos 12 e 13 a.C, possui caráter religioso e cultural. Nele, o valor atribuído às infrações variava conforme o atributo da pessoa infratora e da vítima.

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sua redenção e regeneração,” (CLASTRES, 2003, p. 54). Por essa razão, o período da

vingança divina baseava-se no princípio de que todo crime correspondia a uma ofensa à divindade e a pena tinha por finalidade punir quem ofendesse os deuses. Dito de outra forma: a pena como penitência devia promover o arrependimento do criminoso no instante em que assumia a própria culpa.

Conforme Clastres (2003), na Idade Média, a Igreja Católica assumiu uma importante tarefa diante das novas condições sociais, pois lançou a ordem cristã nos costumes e na organização social, criando um novo direito: o Canônico. Para os defensores dessa corrente, o aspecto intencional do delito, dependendo da valorização que lhe era conferida foi o responsável pela distinção entre pecado e crime, atribuindo à justiça penal o binômio: expiação versus penitência.

A noção de vingança privada perdurou até ser substituída pelas penas públicas, ocasião em que o Estado se tornou forte e assumiu a responsabilidade pela aplicação da pena, que perde seu cunho religioso, assumindo uma finalidade meramente política.

Para Dotti (1998, p. 31),

[...] a ideia da pena como instituição de garantia foi obtendo disciplina através da evolução política da comunidade (grupo, cidade, Estado) e o reconhecimento da autoridade de um chefe a quem era deferido o poder de castigar em nome dos súditos. É a pena pública que penetra nos costumes sociais e procura alcançar a proporcionalidade através das formas do talião e da composição.

A prisão, por sua vez, antes do século XVI, praticamente em todo o mundo, mostrava-se terrivelmente cruel e impiedosa, chegando a ser utilizada na Antiguidade não como pena, mas como meio de impedir que o acusado fugisse de uma condenação futura. Nesse período, os acusados morriam atazanados, flagelados, esquartejados, enforcados, queimados, ocupando as masmorras; jogados nos depósitos das câmaras de suplícios. (FOUCAULT, 2004).

Os delitos também eram punidos com fiança, cujo valor se adequava à condição social do malfeitor e da vítima. Mas, esse tipo de pena não perdurou por muito tempo, haja vista a impossibilidade dos infratores provenientes das classes subalternas pagarem as fianças estipuladas judicialmente. Em virtude disso, foram introduzidos no sistema jurídico penal, os castigos corporais, até como uma forma de substituir o sistema de fianças.

(30)

Na Europa, o Século XV revelou um rápido aumento da população urbana, ampliando consequentemente, a quantidade de desvalidos, desempregados e despossuídos. Sendo assim, a exploração das massas empobrecidas possibilitou o surgimento das grandes fortunas, já que um grande contingente de força de trabalho estava disponível para os empresários que baixaram ainda mais o nível de vida dos pobres que deles dependiam para sobreviver.

De acordo com Rusche; Kirchheimer (2004), a análise do sistema penal da Idade Média mostra claramente a estreita relação existente entre o excesso da força de trabalho e a valorização da vida humana. Ou seja, quanto mais baixo fosse o preço da mão-de-obra menor seria a valorização da vida daqueles que tinham na venda de sua força de trabalho a única forma de sobrevivência.

Como não poderiam ser diferentes, tais condições refletiram diretamente no crescimento do crime entre setores do proletariado empobrecido, sobretudo nas grandes cidades, levando as classes dirigentes lançarem mão de mecanismos de punição mais severos, tornando a lei penal mais efetiva. Acerca dessa questão, acrescentam Rusche; Kirchheimer (2004, p. 52): “O sistema de penas, com seu regime duplo de punição corporal e fianças, permaneceu imutável.”5

Todos os estudos realizados sobre esse período mostram que na prática, a fiança era destinada aos ricos, enquanto o castigo corporal tornou-se a punição quase que exclusiva para os pobres. Não é de se estranhar que esse tipo de pena tenha crescido assustadoramente, tornando-se não apenas complementar, mas, na época, a forma de punição por excelência. É importante dizer que a execução, a mutilação e os açoites não foram incorporados ao sistema penal por meio de uma brusca mudança, porém, paulatinamente viraram regra em face das mudanças que se processavam.

Este cenário nos leva a pensar de que a Idade Média presenciou o longo reinado dos suplícios, das penas cruéis e infamantes, do sofrimento físico e da exposição do espetáculo punitivo, e que o sistema penal passa a ser norteado pela ideologia do terror e da ameaça.

Sendo assim, a relação castigo/corpo era à base do direito penal da época. O sofrimento do corpo que produzia a morte-suplício, representava “a arte de reter a vida no sofrimento, subdividindo-a em mil mortes” (FOUCAULT, 2004, p. 42), com o intuito de que o malfeitor fosse capaz de refletir, arrepender-se e reconhecer que o crime não traz nenhuma vantagem.

Ao analisar os métodos punitivos, Foucault (2004), diferentemente de outros autores, que consideram tais métodos como simples consequência de regras de direito, acredita que a

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existência dos suplícios está relacionada a um regime de produção (capitalista) em que a força de trabalho humana é medida pelo valor de mercado.

No entanto, é preciso destacar que o desenvolvimento do mercantilismo e a expansão colonial trouxeram consigo o acréscimo das penas de trabalho forçado. Exemplo disso são as galés6 e a deportação7. E, em face da carência da força de trabalho e a necessidade de expansão marítima, a burguesia se viu obrigada a apoiar e respaldar os trabalhos forçados.

É nesse período que as primeiras Casas de Correção são criadas. A Bridewell, criada em 1555 em Londres, tinha o objetivo de limpar as cidades e, para isso, vagabundos e mendigos eram reclusos. Porém, o modelo da prisão de Amsterdã é que foi adotado praticamente por toda a Europa. O sistema de punição aplicado lá combinava princípios já adotados nas instituições de assistência aos pobres, oficinas de trabalhos e instituições penais. O maior desafio das casas de correção era transformar a força de trabalho dos indesejáveis em socialmente útil. Isto é, esperava-se que a oferta do trabalho forçado, pudesse desenvolver nos prisioneiros a aquisição de “hábitos industriais” (disciplina) para que, após a liberdade procurassem voluntariamente o mercado de trabalho (RUCHE; KIRCHHEIMER, 2004).

A função explícita das casas de correção era reeducar, porém a possibilidade de lucros foi o que levou à criação das mesmas, uma vez que, sob o manto da reinserção do condenado, utilizava-se de mão-de-obra apta e barata. Se no antigo sistema, o corpo dos condenados se tornava propriedade exclusiva do Rei, neste, ele será objeto de apropriação coletiva e, portanto, de “utilidade social”.

Entretanto, ainda levariam algumas dezenas de anos para que o corpo torturado, esquartejado, decepado, marcado simbolicamente e usado como espetáculo, desaparecesse, deixasse de ser objeto de repressão penal. Tais mudanças ocorrem paralelamente ao deslocamento do objeto alvo da ação punitiva. “Se não é mais ao corpo que se exerce a punição, então é à alma.” (FOUCAULT, 2004, p. 18).

A partir de então, a prisão transforma-se na forma mais eficaz de castigo, tornando-se praticamente o único mecanismo de punição possível. Nessa direção, Foucault faz o seguinte questionamento: como pôde a detenção se tornar um castigo legal? Suas reflexões o permitiram deduzir que a concepção de alguns modelos de encarceramento punitivo como o de

6 Através da pena das galés, os condenados cumpriam a pena de trabalhos forçados em embarcações à vela, remando sob a coerção de castigos corporais. Foi abolida no Brasil pelo § 20, do artigo 72 da Constituição de 1891 (já havia sido extinta pelo Decreto nº 774, de 20.09.1890, expedido durante o Governo Provisório da República). No Império, a punição significava prisão com trabalho forçado e com correntes expostas ao público. (WIKIPEDIA).

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