• Nenhum resultado encontrado

Características do estado punitivo no Brasil

2 A EXPANSÃO DO SISTEMA PENAL COMO UMA NOVA IDEOLOGIA DE

2.4 Características do estado punitivo no Brasil

Não é surpresa para ninguém do aumento imensurável, nos últimos anos, do número de pessoas presas ou aguardando condenação, de maneira que todos os esforços estão sendo empreendidos no sentido de construir novas prisões, como alternativa para conter a criminalidade. Paralelo a essa iniciativa, lança-se mão de uma série de medidas de cunho preventivo e repressivo, como uma tentativa de favorecer a paz e a ordem social dos países ameaçados pela onda de violência crescente.

Para melhor compreensão da atual realidade, torna-se necessário entendermos, ainda que brevemente, alguns fenômenos, como a crise do Estado Social, o neoliberalismo e a globalização.

A globalização econômica, desde a década de oitenta do Séc. XX, vem apresentando uma forte característica: seu avanço tem-se dado paralelamente à redução do poder dos Estados Nacionais, notadamente no que se refere aos direitos sociais e econômicos.

No século XX, alguns Estados Nacionais, sobretudo na Europa se transformaram em Estados de Bem-estar social. De tal modo, que o Estado Social parecia ser o estágio mais avançado da evolução do Estado Moderno e da própria modernidade. Caracterizava-se por

31 A experiência de Rudolf Giuliani em Nova York foi copiada por vários continentes: em 1998 o presidente do México e o Secretário de Justiça e Segurança de Buenos Aires anunciam a adesão ao programa Tolerância Zero. Ele também é aderido pela França, Itália, Alemanha, Inglaterra, Nova Zelândia. (WACQUANT, 2001a).

32 Segundo Charles Murray, a exagerada generosidade das políticas sociais de ajuda aos mais pobres seria responsável pela escalada da pobreza nos Estados Unidos; a degenerescência moral das classes populares e o surgimento da “violência urbana”. (WACQUANT, 2001a).

estabelecer “(...) mecanismos jurídicos de intervenção nas relações econômicas para a proteção dos mais fracos, com objetivo final, a realização da justiça social”. (LÔBO, 2001, p. 8).

A globalização econômica, enquanto exercício de poder dos países centrais e das empresas transnacionais, e o neoliberalismo, como fundamento teórico e ideológico desse mecanismo, adotam o Estado Social como alvo, com o intuito de enfraquecê-lo, naquilo que apresenta de fundamental: a promoção dos direitos sociais e a proteção dos mais fracos.

A herança do autoritarismo e da pouca resistência da sociedade deixadas no vácuo das ditaduras em muitos países latinos americanos, inclusive o Brasil, permitiu, sem nenhum pudor, a adequação e consolidação do projeto neoliberal, em fins da década de 1980. Conforme assinala Wacquant (2001a, p. 7):

[...] a penalidade neoliberal ainda é mais sedutora e mais funesta, quando aplicada em países ao mesmo tempo atingidos por fortes desigualdades de condições e de oportunidades de vida e desprovidos de tradição democrática e de instituições capazes de amortecer os choques causados pela mutação do trabalho e do indivíduo no limiar do novo século.

A constatação do autor nos leva a supor que a proposta neoliberal recusa a função interventora do Estado, notadamente no campo econômico e social. Mas, contraditoriamente, força a máquina pública a responsabilizar-se pelo controle de todas as desordens sociais, geradas em consequência desse modelo, como, por exemplo, o aumento da criminalidade.

O fato é que a oferta de direitos sociais, como saúde e educação pública, em boa parte da Europa Ocidental possibilitou condições para que a população se organizasse e exigisse sua inclusão no sistema econômico e social, pressionando o Estado a implementar políticas econômicas que gerassem empregos e salários justos. Porém, constatou-se que a capacidade de resistência do Estado Social estava praticamente no fim. A crise econômica desse período diminuiu, sobremaneira, a capacidade do Estado em responder à crescente demanda social, demonstrando maior fragilidade, justamente no momento em que é mais requisitado. (GOMES, 2002).

Neste sentido, a globalização neoliberal teve como principal objetivo reduzir drasticamente o poder do Estado, tornando-o mínimo para as políticas sociais, e máximo para as políticas de segurança e de intervenção penal. Em linhas gerais, a globalização provoca a expansão desenfreada do “controle social” e, simultaneamente, a diminuição das garantias sociais, através das quais tal controle é exercido.

A situação do Brasil não é das melhores, se comparada a outros países latino-americanos, pois o quadro de profunda desigualdade social e de grande concentração de renda nas mãos de

poucos privilegiados reforça a ideia de que as pessoas que estão presas são as menos favorecidas da sociedade. As penitenciárias no Brasil representam, pois: “(...) um lugar destinado a determinados setores da população empobrecida que escaparam à filtragem física”. (FRAGA, 2002, p. 25).

Nessa direção, as políticas sociais no Brasil assumiram como meta principal, a criação de programas assistencialistas, seletivos e focalistas, voltados diretamente a segmentos sociais em situação de extrema pobreza, ao invés de manter a garantia de direitos trabalhistas, contribuindo assim, para a consolidação do mercado formal de trabalho (VIANNA, 1998). Nas palavras de Filgueiras (2006, p. 26), a política benfeitora, rechaçada pelos neoliberais, atuava contrária aos interesses da burguesia nacional, “que rejeitavam qualquer coisa parecida com um Estado de Bem-Estar Social [...], pois ajudariam a financiá-lo com impostos, mas não fariam uso de seus serviços”.

A desmedida aversão direcionada às políticas sociais, legitimamente garantidas pelo estado neoliberal brasileiro, faz aumentar ainda mais o crescimento da repressão ao crime, já que não impede que o fortalecimento de uma política penal mais dura sob a proteção de um Estado mal feitor se consolide.

Apesar de vivermos sob a égide de uma Constituição democrática, há mais de três décadas, contraditoriamente, isso nunca impediu que as relações entre o Estado e a sociedade assumissem descaradamente uma face ilegal e arbitrária.

É notório que em razão dessa postura altamente controladora do poder estatal, forma-se um círculo vicioso, o qual gera um aumento descontrolado da insegurança da população em face do crescimento nos índices de violência, legitimando por sua vez, o aumento da repressão, mesmo que, de forma abusiva.

Desta feita, buscando não distorcer os ideais democráticos, o controle penal amplia-se, sobretudo por meio da aprovação de uma legislação penal cada vez mais severa33, que criminaliza novos comportamentos sociais, reservando um tratamento ainda mais rígido e seletivo aos criminosos. No mesmo compasso, é oportuno citar também, os inúmeros projetos de lei que visam à ampliação do “Estado punitivo” no Brasil. Para tanto, Frade (2007, p. 91) ao analisar a fecunda produção de leis penais, atesta que “dos 646 projetos de lei apresentados nos últimos quatro anos no Congresso Nacional sobre criminalidade34, apenas vinte foram no sentido de relaxar algum tipo penal”.

33

Exemplo marcante desse endurecimento penal foi à aprovação da Lei n. 8.072/1990, que dispõe sobre os crimes hediondos e os que a eles se assemelham. Esta mesma Lei, cujos dispositivos violam a Constituição Federal é a mesma que consagra a corrente do endurecimento penal. Na execução penal, por exemplo, excluiu o sistema progressivo no cumprimento da pena privativa de liberdade, restringindo-a apenas ao regime fechado. 34

Como se não bastasse essa “legislação do horror”, prevê ainda as seguintes medidas: o aumento do período máximo de prisão (hoje é de 30 anos); o aumento de pena para criminosos (adultos) que cometerem crimes utilizando-se de menores; o acréscimo no tempo de internação de menores infratores (dos três anos atuais para um prazo que pode chegar a vinte), a redução da idade penal; dentre outras.

Observa-se, pois, que na tendência neoliberal, o Estado prioriza a coerção social, visando, sobretudo a assegurar a ordem, de modo que não sejam prejudicados os principais “negócios” das grandes multinacionais.

Em tempos liberais, a atuação penal pode ser explicada pela noção de emergência, exigindo “uma resposta pronta e imediata, que deve durar enquanto o estado emergencial perdure” (BECK, 2004, p. 95). Por essa razão, qualquer objetivo que se pretenda educador, reformador ou disciplinador, não cabe nesse cenário, apenas o abandono e a exclusão.

Em outras palavras, submetido à proposta neoliberal, o discurso jurídico dominante após o processo de reabertura política do país defende uma maior eficácia do sistema penal, garantindo ao mesmo tempo a consolidação da democracia e o respeito às garantias individuais constitucionalmente protegidas.

Constata-se, pois, uma ambiguidade na Justiça Penal brasileira: difunde sua democratização, de modo incansável, mas ao cumprir a lei, o faz de modo injusto, tornando-se assim, autoritária e seletiva. Nesse sentido, o discurso penal envolvem elementos contraditórios tais como: “repressão severa versus penas alternativas, leis duras versus garantias processuais, encarceramento em massa e proteção aos direitos humanos”. (AZEVEDO, 2000, p. 45).

Segundo Amaral Jr. (2005), situação parecida ocorre com a inoperância do poder Judiciário e do Ministério Público em face do abandono do Estado em relação ao sistema penitenciário do Brasil, que revela uma situação precária e desumana. Sendo assim, o princípio da legalidade se fragiliza, visto que tanto o poder judiciário (guardião) quanto o Ministério Público (fiscal da lei) reduzem seu poder de atuação, responsabilizando o poder Executivo por todos os males do cárcere.

De acordo com Ferrajoli (apud, AZEVEDO, 2000, p. 25), “[...] a pena se apresenta como guardiã do direito do infrator em não ser punido senão pelo Estado, redimensionando a função do direito e do processo penal”. Logo, as garantias individuais35, mesmo que a realidade

35Significa precisamente “a tutela dos direitos fundamentais cuja satisfação, ainda que contra os interesses da maioria é o escopo justificante do direito penal: imunidade do cidadão contra a arbitrariedade das proibições e das punições, defesa dos fracos mediante regras do jogo iguais para todos, dignidade da pessoa do imputado e, portanto, garantia de sua liberdade”. (FERRAJOLI, apud, AZEVEDO, 2000).

penitenciária nos faça pensar diferente, representam na sua essência, medidas de contenção da violência e do poder punitivo e arbitrário do Estado.

Noutra direção, a perda de poder do discurso ressocializador representa, juntamente com as estratégias neoliberais, o lado cruel do sistema punitivo atual, uma vez que favorece de modo mais contundente, a utilização da punição como simples “instrumento de encerramento de uma população considerada tanto desviante e perigosa como supérflua, do ponto de vista econômico” (WACQUANT, 2001a, p. 98).

Para Nilo Batista (2000, p. 107), presenciamos no novo cenário de encarceramento:

[...] uma radical transformação nas finalidades da privação de liberdade, que passam daquilo que Zaffaroni chamou de 'ideologias re' (reinserção social, recuperação laborativa, redisciplinamento etc.) a uma assumida técnica de neutralização do condenado.

Ainda acerca dessa questão, é oportuno observar que vivemos, sem medo de errar, sob uma forte intervenção do Estado na vida dos cidadãos. Tal intervenção se materializa por meio de um controle simbólico, através do qual, elementos como o medo e a “democracia tutelada” fazem parte de uma mesma moeda. (GARAPON, 2001).

Dentro desta lógica e do apelo da sociedade civil por penas mais duras, não é de surpreender, portanto, que os meios de comunicação de massa reforcem cotidianamente a necessidade de uma maior intervenção penal por parte da gestão pública. Como se não bastasse, ao explorar economicamente o problema da violência criminal, a mídia acaba legitimando as violações produzidas pelo sistema penal, que, em certa medida, contribuem para ampliar ainda mais, o quadro atual de exclusão social.

Dessa forma, o Estado passa a assumir uma dupla função: cultivar o modelo de sociedade e reagir com sua força a qualquer tentativa de mudança que não seja as permitidas pelo modelo posto. Os impedidos de seguirem esse modelo são os excluídos, os miseráveis, os loucos e os presos, tidos como marginais do sistema. (GOMES, 2002).

Desta feita, o uso indiscriminado da pena privativa de liberdade significa mais uma política de controle social de setores da população empobrecida. A política de Tolerância Zero, implementada em Nova York, que atinge predominantemente, as áreas mais pobres, é um claro exemplo desse controle. A esse respeito, Wacquant (2001a) afirma que o desenvolvimento de tal política está vinculado ao conjunto de ações repressivas, notadamente, em instituições penitenciárias e policiais, visando, sobretudo, a conter as desordens geradas pelo desemprego massivo, a precarização do trabalho assalariado e a compressão das políticas sociais: “o uso de um estado penal para suprir a ausência de um Estado social”. (WACQUANT, 2001a, p. 20).

Na concepção de Wacquant (2001a), a Lei penal ao utilizar-se do pretexto da “reforma” promove a substituição de um (semi) estado – providência por um estado carcerário e policial, através do qual a marginalidade torna-se presa fácil e a política social dá lugar à contenção punitiva sobre os grupos excluídos. Para os defensores da nova ideologia36, a ajuda aos pobres só alimenta a ociosidade e o vício dos “vagabundos” e moradores dos guetos, encorajando os comportamentos anti-sociais.

O que as recentes pesquisas de Wacquant (2001a) sobre o sistema prisional americano vêm demonstrando é que a ausência das políticas sociais tem promovido a ampliação perigosa da população carcerária, que tinha em 1975 cerca de 380.000 presos. Porém, em 1998, esse número saltou para dois milhões. O espantoso crescimento da população carcerária justifica-se pela criminalização dos pequenos delitos (negócios com drogas, furto, roubo ou atentado à ordem pública). Sendo assim, as prisões americanas não estão cheias de criminosos perigosos e violentos, como faz supor o discurso político e midiático dominante.

Se, por um lado, percebeu-se, nas últimas décadas, o aumento das desigualdades e da insegurança econômica, por outro, o Estado diminuiu paulatinamente sua intervenção social na maior parte dos países. Nos Estados Unidos, por exemplo, os programas sociais estão sendo transformados em instrumentos de vigilância e controle das novas “classes perigosas”37. Vários dispositivos complementares de pré e pós-detenção somam-se ao aumento populacional carcerário, bem como a eliminação dos programas de trabalho e de educação no interior das penitenciárias, contribuindo ainda mais para a deterioração do Estado benevolente. Esses elementos sugerem que a ideologia da reabilitação no cárcere já algum tempo não tem surtido efeito algum, devendo ser substituída pela contenção e neutralização da juventude pobre.

Os resultados desse estudo mostraram ainda que, o uso indiscriminado dos mais variados recursos de pré e pós-detenção; a supressão dos programas de trabalho e de educação no interior das penitenciárias, entre outros, nem de longe buscam reabilitar os condenados. Mas, favorecem o gerenciamento dos custos e o controle dos grupos perigosos. Com isso, a ampliação do Estado penal nos Estados Unidos e em outros países que aderiram ao Programa de Tolerância Zero, ao invés de frear o crescimento da criminalidade, o que faz é contribuir com o esfacelamento social.

36 A destruição proposital do Estado social e o aumento desmedido do estado penal acarretam o fim do compromisso keynesiano em meados dos anos 70, bem como o confinamento dos negros no gueto, em função do perigo que representam. Assim, eles integram o novo governo da miséria onde, em seu interior, a prisão ocupa papel de destaque. (WACQUANT, 2001a).

37 Esse termo foi utilizado em 1857, por Morel, em seu trabalho “Tratado das Degenerescências”, para designar aqueles que não possuiriam “nem a inteligência do dever, nem o sentimento da moralidade dos atos e cujo espírito não é suscetível de ser esclarecido ou mesmo consolado por qualquer ideia de ordem religiosa.” (apud COIMBRA, 2001, p. 88).

Embora o Estado nacional (atual) mostre-se enfraquecido, ele ainda é importante para manter o mínimo de garantias sociais38, de modo que a ideia de retorno ao Estado mínimo (leia-se neoliberal), é historicamente inviável, pois seria inaceitável que a humanidade suportasse viver sem os direitos constitucionais e sociais, conquistados com muito sacrifício, durante séculos de conflitos.

Em sentido oposto ao que foi dito anteriormente, o que se constata é de que, quanto menor for à intervenção social e econômica do Estado Social, maior será a sua atuação repressivo- penal. O desmonte da rede de seguridade social beneficia a desorganização social de qualquer país, sobretudo, aqueles de economia fragilizadas39, mas ao mesmo tempo, representa uma ameaça constante à paz e à ordem social. Como recurso de contenção à criminalidade, provocada pelo vazio deixado pela redução das garantias sociais, o Estado é obrigado a lançar mão de recursos que minimizem os efeitos da desestruturação social.

Ao mesmo tempo em que assistimos a passagem do Estado Social ao Estado Penal em boa parte dos países ocidentais (SANTORO, 2002), motivada pela drástica diminuição das agências públicas fornecedoras de serviços essenciais aos cidadãos, assistimos também, o fato de que os mesmos teóricos que, na década de oitenta, enfeitiçados pelos ideais neoliberais, propugnaram a política de “menos Estado”, são os mesmos que hoje apelam por “mais Estado”, embalados pela esperança de que a intervenção estatal possa conter a onda de criminalidade. Solicitam a mão visível do Estado com a mesma convicção de quando defendiam a “mão invisível” do mercado. Dito de outra forma:

A utopia neoliberal carrega em seu bojo, para os mais pobres, mas também para todos aqueles que cedo ou tarde são forçados a deixar o setor do emprego protegido [...] a redução e até a supressão dessa liberdade, ao cabo de um retrocesso para um paternalismo repressivo de outra época, [...], mas acrescido dessa vez de um Estado punitivo onisciente e onipotente. A “mão invisível” tão cara a Adam Smith certamente voltou, mas dessa vez vestida com uma “luva de ferro”. (WACQUANT, 2001a, p. 151).

A teoria liberal clássica afirma que, ao aceitar o contrato social: “(...) o homem perde sua liberdade natural e um direito ilimitado a tudo o que tenta e que pode alcançar; mas ganha à liberdade civil e a propriedade de tudo que possui” (ROUSSEAU, 1980, p. 13). Acerca desta questão, Santoro (2002, p. 4), assevera que quem comete um crime, principalmente se for reincidente, não é digno de gozar dos benefícios do contrato social. Neste sentido, “[...] a punição é o meio de trazer de volta ao caminho da virtude aquele indivíduo que, por miopia própria, dele se afastou”.

38 Além desse aspecto, o Estado Social tem sido, por outro lado, usado para reagir a qualquer tentativa de mudança fora dos limites estabelecidos, agora, pela globalização do capital, contribuindo para a manutenção de seus interesses.

Conforme já sinalizamos, enquanto as teorias de prevenção especial veem a pena com a finalidade de ressocializar e reeducar o delinquente, contraditoriamente, o sistema penal atual restaura a punição retributiva, como castigo, como vingança. Apropria-se do discurso liberal, atribuindo ao indivíduo à responsabilidade exclusiva pelo crime. Ou seja, afirma que esse é dono de seu próprio destino, e como tal, tem o livre arbítrio de escolher o caminho que quer seguir. Mas, contraditoriamente, o discurso punitivo enxerga neste criminoso um “mal maior”, como parte de sua personalidade, o que torna em vão a tentativa de ressocializá-lo.

Dentro deste contexto, destacamos a ideia de que não é o criminoso que opta por atacar a sociedade; mas de que são as vergonhosas condições sociais e econômicas do Brasil que favorecem a criminalidade40. De maneira que, enquanto essas não mudarem, os crimes vão continuar acontecendo, incontestavelmente, mesmo que haja um endurecimento das penas; construção de mais presídios; reforce o sistema de segurança dos presídios para evitar fugas, etc.; até porque não se pode esperar que a rigidez da legislação penal seja a forma mais eficaz para corrigir as desigualdades sociais de um país. É muito mais sensato imaginar que a inibição do crime se dá no instante em que o infrator tem certeza de que será punido. Então, o que realmente importa - e, é nesse aspecto que deveriam se concentrar os debates sobre a criminalidade no Brasil - é a eficiência da polícia, a celeridade do julgamento justo e o aperfeiçoamento do sistema de penas. No nosso entendimento, quanto mais humanizado for o sistema penal e à medida que as leis forem mais brandas, os delitos serão punidos mais fácil e eficientemente.

Ainda que se reconheça que a transformação do sistema penitenciário é condição fundamental, para que a “reforma moral” do criminoso aconteça, é quase certo que, enquanto os cárceres se mantiverem superlotados; enquanto as pessoas dormirem amarradas às grades, estando submetidas não só à prática de torturas, mas a todo tipo de atrocidades e mazelas, a pretendida mudança ficará apenas no plano ideológico.

Apesar das condições verificadas nos presídios41, cujas circunstâncias deveriam amedrontar todos que infringem as normas sociais, a criminalidade vem aumentando assustadoramente, acarretando temor e perplexidade na população. Embora os dados mais recentes do Ministério da Justiça, publicado em 2012 pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), tenham revelado um aumento espantoso no índice de aprisionamento, diversos estudos apontam que não há necessariamente, uma correlação entre o aumento da taxa de encarceramento e o crescimento da criminalidade. De igual modo, supõe-se que, em razão dos crimes contra o patrimônio ocuparem o rol dos mais punidos, não implica dizer que

40 Afirmamos que podem favorecer e não que são determinantes.