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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

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Academic year: 2018

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PUC-SP

Fabiana Vieira da Silva

Notícias do apartheid

: o racismo nos espaços dos jornais FSP e

OESP na década de 1980.

Programa de Estudos Pós

Graduados em História.

Mestrado em História Social

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Notícias do apartheid

: o racismo nos espaços dos jornais FSP e

OESP na década de 1980.

Programa de Estudos Pós

Graduados em História.

Mestrado em História Social

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo,

como exigência parcial para

obtenção do título de Mestre em

História Social sob a orientação da

Professora Doutora Olga Brites.

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Banca Examinadora

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_____________________________________

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A princípio, meus agradecimentos aos meus pais, José Afonso e Terezinha, pelo caráter, amor, carinho, estímulo, compreensão e, aos meus irmãos, Flávio, Fábio e Fabrício. Juntos são os maiores exemplos de dignidade e respeito. Família que me orgulho todos os dias de fazer parte, os quais amo incondicionalmente.

Não poderia deixar de incluir minha cunhada e amiga Gisele Gomes e aos pequenos, Vinícius, Guilherme, Júlia, Matheus e Davi. Minhas desculpas pelas ausências e espero que um dia vocês possam compreender minhas ânsias... Valeu pelas risadas, brincadeiras, cócegas, vídeo games... É muito amor para poucas linhas!

Ao professor Doutor Áureo Busetto pelas longas conversas e sugestões que marcaram profundamente minha graduação na UNESP – ASSIS. Foi lá que tudo começou e foi ele o responsável pelas inquietações iniciais deste trabalho. Obrigada pela confiança prestada, pelo apoio, sugestões.

À Fernanda Casagrande, pessoa a quem devo a sobrevivências por longos anos de graduação, amiga inestimável para todas as horas, desde os trabalhos discutidos, provas estudadas, despesas partilhadas, amizades colhidas e, sobretudo, as longas conversas. Agradeço a amizade, incentivo e parceria. Ao meu “gêmeo”, Fernando Cruz

Lopes, pessoa de admirável sinceridade e inteligência. Outros que se tornaram amigos a quem, simplesmente, amo e preciso, André César, Erika Sayuri.

Ao Marcelo Loyola pelas leituras iniciais do projeto de pesquisa, correções, dicas fundamentais, e a todos os colegas da Turma de Especialização em História, Sociedade e Cultura, de Santana. Iniciamos, em 2009, uma série de sábados frutíferos, repletos de conhecimentos e discussões infindáveis. Meus agradecimentos especiais às companheiras Renata Mattos e Maria Efigênia pela força dada para que eu continuasse a empreitada.

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frustrações, acolher preciosas sugestões, críticas, participar de saborosas discussões de textos, rodas de cafés e bares: Joilson, Juliana Monteiro, Karla, Helenice e, principalmente, Camila (minha primeira debatedora, obrigada pela leitura acurada e preciosa do texto), Marilu (com quem compartilhei inúmeras inquietações), Egnaldo (e suas instigantes sugestões de livros), Reginaldo, Danilo e Tiago Salgado (sem palavras para expressar o espaço que este trio ocupa em minha vida).

A todos os professores do Programa de Estudos Pós-Graduados em História da PUC-SP, entre eles, aqueles que me acompanharam mais de perto: Maria do Rosário Cunha Peixoto, Maria Antonieta Antonacci, Yvone Dias Avelino, Maria Odila dos Santos Leite, Amailton Magno Azevedo e Estefânia Knotz Canguçú Fraga.

À Banca da Qualificação, composta pelas professoras doutoras Maria Antonieta Antonacci e Laura Antunes Maciel. Elas, com seus valiosos caminhos apontados, deram–me novo fôlego e perspectivas para o encaminhamento dos estudos.

Ao meu amigo Victor Martins de Souza. Valeu pelas conversas, sugestões e força na última fase. Não poderia deixar de agradecer, ainda, minhas eternas amigas Lígia Viana, Viviam, Sônia Reis e Gisleine.

À minha orientadora Olga Brites, sem a qual este trabalho não teria sido possível. Agradeço o acolhimento, paciência, carinho, atenção, disponibilidade, sugestões e, principalmente, a confiança depositada.

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O objetivo desta pesquisa de mestrado é analisar como questões relacionadas ao apartheid e à projeção do Brasil diante deste sistema foram articuladas em cada espaço dos jornais Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo, entre 1984 e 1990, de modo a efetivar a construção de sentidos ao tema na prática de produção jornalística e a criação de distanciamentos, aproximações, tendo em vista uma concepção específica de

jornalismo, assentada em noções como “neutralidade”, “imparcialidade”. Há

semelhanças significativas entre a forma como os jornais OESP e a FSP construíram as questões relacionadas ao apartheid, o que fez com que essas instituições de comunicação se constituíssem como importantes veículos para a caracterização das práticas racistas, bem como de sua perpetuação. Recorreram à história para caracterizar as práticas racistas evidentes no meio social, e a apresentaram como “resquícios de um passado”, relacionadas às formas de governos “tiranas”, “oligárquicas”. Além dos debates quanto ao racismo no Brasil, outras questões motivavam OESP e FSP a lançarem seus olhares diários para a região sul da África: propostas de integração econômico-mundial sobrecarregadas por valores culturais; percepções racializantes nos modos de ver, analisar, interpretar e projetar o mundo; e pela busca da constituição de um tipo de sociedade nacional e internacionalmente.

Palavras – chave:

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The aim of this master’s degree research is to analyze a how questions related to

apartheid and Brazil’ projection before this system were articulated in each space of

newspapers Folha de São Paulo and O Estado de São Paulo between 1984 and 1990 with the aim of actualizing the construction of theme senses in the journalistic production practice and creating distances and approaches in view of a specific conception founded in notions such as “neutrality and “impartiality”. There are

meaningful similarities between the way in which newspapers OESP and FSP built apartheid-related matters, what made these communicational institutions constitute themselves in important vehicles for the characterization of racist practices as well as their perpetuation. They resorted to History to characterize evident racist practices in the

social environment and introduced it as “vestiges of a past” related to tyrant and

oligarchic ways of government. Besides the debates concerning racism in Brazil, other matters motivated PESP and FSP to keep a daily eye on Southern Africa: proposals of world economic integration overloaded by cultural values; racializing perceptions in the ways of seeing, analyzing, interpreting, and projecting the world; and the search of the constitution of a kind of both national and international society.

Key-words:

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AZAPO - Organização do Povo Azaniano

CNA - Congresso Nacional Africano

CPDOC - Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil

EUA – Estados Unidos da América

FDU – Frente Democrática Unida

FSP - Folha de São Paulo

FRELIMO - Frente de Libertação de Moçambique

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

MNU – Movimento Negro Unificado

MPLA – Movimento Popular Para a Libertação de Angola

ONU – Organização das Nações Unidas

OESP – O Estado de São Paulo

PAC – Congresso Pan – Africano

PT – Partido dos Trabalhadores

PUC-SP - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

RENAMO - Resistência Nacional de Moçambique

SWAPO - Organização dos Povos do Sudoeste Africano

UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.

URSS - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

UNESP - Universidade Estadual Paulista

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1. INTRODUÇÃO...11

2. CAPÍTULO I: A CONSTRUÇÃO DA INVIABILIDADE DO APARTHEID NA

“DÉCADA DE CRISE”: RACISMO, MOBILIZAÇÃO NEGRA E RELAÇÕES

BRASIL – ÁFRICA...38

2.1 Uma região estratégica aos interesses internacionais: apartheid, um “sistema imoral”

nas páginas da FSP e OESP...41 2.2 Brasil – África: governo, apartheid e dívida externa...55 2.3 “Que o apartheid se destrua”: mobilização negra e o apartheid no Brasil...59 2.4 “Massacre de negros na África do Sul”: a construção e trivialização do racismo na

editoria de exterior...64

3. CAPÍTULO II: FOLHA DE SÃO PAULO E APARTHEID – UMA QUESTÃO

“MUITO SENSÍVEL PARA OS BRASILEIROS”...73

3.1 FSP e a busca da “paz mundial”: o lugar do apartheid no espaço editorial...79 3.2 Casos cometidos por “uns e outros”: a construção da percepção e perpetuação do

racismo nos espaços da FSP...91

4. CAPÍTULO III: OESP E O APARTHEID – UMA PROPOSTA DE INTEGRAÇÃO PARA O SUL CONTINENTE AFRICANO E O LUGAR DO APARTHEID...100

4.1 “Notas e Informações” e “Espaço Aberto”: o lugar da África do cenário

global...104 4.2 OESP, a relevância da África do Sul para a manutenção da hegemonia branca e o lugar do apartheid...112

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...131

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1. INTRODUÇÃO

De que forma dois grandes jornais da imprensa paulista –Folha de S. Paulo (FSP) e O Estado de São Paulo (OESP) - construíram, em suas páginas, o regime segregacionista sul – africano, apartheid, entre 1984 e 1990, momento de grande debate sobre o racismo, no Brasil e internacionalmente? Foi com essa questão que sintetizamos nossas dúvidas, interrogações e buscaremos elucidar parte do complexo jogo de construção de nosso universo ideológico racista.

O apartheid vigorou entre 1949 e 1990 na África do Sul. Foi com a vitória das eleições do Partido Nacional, em 1948, que se convencionou estabelecer o marco do apartheid, dado ser este um momento em que as práticas segregacionistas, já vigentes na região, assumiram a posição de política de estado. O objetivo desse sistema era garantir e perpetuar o domínio político e econômico da minoria branca e a estratégia utilizada pelo governo foi dividir para dominar, ou seja, enfatizar particularidades a fim de separar e, se possível, contrapor os diversos grupos negros residentes no local, em prol da dominação política, econômica e, sobretudo, territorial da minoria branca1.

O ano de 1984 foi de peculiar importância para as relações entre governo brasileiro, comunidade internacional e meios de comunicações sociais, no que concerne às discussões referentes às relações raciais, tendo em vista o processo de abertura política, proposto pela dupla Geisel – Golbery, defendida por estes enquanto de caráter “seguro, lento e gradual” e que, neste ano, era sacudido pelas mobilizações em torno da campanha para as eleições diretas. Uma das estratégias utilizadas pelo governo foi, então, formar grupos os quais pudessem fortalecer o diálogo entre governo e sociedade, bem como a utilização dos meios de comunicações sociais como forma de isolar a chamada “linha dura”.

Em outubro de 1984 um líder negro sul – africano, o bispo Desmond Tutu, ganhou projeção internacional nos meios de comunicação sociais2 dado o Prêmio Nobel da Paz que angariou. Quando do anúncio deste prêmio, vimos, nas páginas dos jornais FSP e OESP, a presença constante deste líder sul – africano, com foco, sobretudo, para posicionamentos os quais apontavam para a crença na necessidade de atuação das multinacionais naquele país,

1 HISTÓRIA GERAL DA ÁFRICA VIII: ÁFRICA DESDE 1935. Editado por Ali A. Mazrui e Christophe Wondji. – Brasília : UNESCO, 2010, p. 305 – 310.

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para que ocorresse a extinção desse sistema segregacionista, construído, naquele momento, nestas pautas, como algo que se tornara “inviável” economicamente.

A escolha de Desmond Tutu deu margem para que, então, este tema entrasse nas pautas diárias pelas seleções de alguns de seus posicionamentos e da reiteração de que haveria um caminho específico para a extinção do apartheid e este deveria passar pela expansão do capitalismo. Podia-se, a partir deste momento, nestes jornais, vislumbrar o apartheid enquanto temática central, com foco, entretanto, para aspectos os quais apontavam para a expansão do capitalismo na região, defendido como principal caminho para o combate a esta e outras manifestações de racismo.

Destacamos, entretanto, que a África do Sul já era acompanhada e bem conhecida, no Brasil e pelos meios de comunicações sociais, com foco, sobretudo, para o que era caracterizado como sua “posição estratégica na África”. Contudo, vimos que, no decorrer dos anos 1980, os processos sociais internos no Brasil e as fortes contestações do capitalismo por parte da mobilização negra, nacional e internacional, trouxeram, para as multinacionais, a necessidade de rever seus posicionamentos quanto ao racismo e à população negra.

No livro “Longo Caminho para a Liberdade” 3 Nelson Mandela, preso em 1962 em decorrência da luta antiapartheid que travou, destacou que, em 1985, aumentaram as pressões internacionais contra este sistema e as propostas de sanções econômicas à África do Sul conduziram o governo de Pretória a interpelá-lo mais diretamente para negociações. Sua liberdade era viabilizada pelo governo branco, naquele momento, somente se ele aceitasse a proposta de manter-se em sua cidade natal, Transkei. Mandela, por seu turno, destacou que suas reivindicações passavam pela busca da extinção completa do apartheid, rumo a um Estado unitário e eleições igualitárias para os diferentes grupos e não poderia, assim, aceitar a proposta de isolamento4.

Em 1987, o governo branco reuniu uma comissão de funcionários do governo, o qual, frequentemente, encontrava-se com Mandela para debater suas ideias, sobretudo, quanto aos

3 Longo Caminho para a Liberdade: uma autobiografia” foi iniciado em 1974 quando Nelson Mandela se encontrava preso na Ilha de Robben. Lá, segundo ele, as autoridades carcerárias descobriram parte dos manuscritos e se apropriaram . Após sua libertação, em 1990, Mandela retomou a produção de suas memórias. Vemos, então, mudanças significativas entre as condições de Mandela ao início e término da produção de livro. De preso político ao primeiro presidente negro daquele país em 1994. Na década de 1980 foi reconhecido internacionalmente, tendo em vista a intensa campanha pela sua libertação. Afora, ainda, as circunstâncias políticas e econômicas internacionais, que teve, com a queda do Muro de Berlim. Afora isso, atentamos, ainda, que este livro passou por edições, revisões, entre os quais participaram, segundo Mandela, também, companheiros de carceragem, como Almed Kathrada. Ver MANDELA, Nelson. Longo caminho para a liberdade: uma autobiografia. Trad.: J. E. Smith Caldas. São Paulo: Siciliano, 1995.

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seus posicionamentos em relação ao comunismo e aos supostos direitos da minoria branca5. Mandela destacou que, foi no governo de Frederick De Klerk tomadas medidas as quais começaram a, de fato, desmantelar o apartheid6.

De Klerk chegou à presidência da África do Sul em 1989 e permaneceu até 1994. Anunciou, em fevereiro de 1990, um conjunto de medidas rumo à extinção do apartheid as quais ganharam, cotidianamente, a atenção dos jornais em espaços diversos, como seção exterior, painel de leitores, primeira página, caderno especial. Após, então, o processo de desintegração da URSS a suposta “ameaça comunista” tinha seu sentido esvaziado de sentido, militantes, organizações políticas ganhariam novas conotações e espaços nas pautas impressas.

Estendemos, assim, nossas análises até 1990 dado ser este o ano de libertação do líder negro Nelson Mandela, nome mais conhecido da luta antiapartheid. Este percurso nos permitiu vislumbrar a capacidade de readequações do sistema capitalista diante das múltiplas formas de resistências do social, de reconstituição e perpetuação das visões racistas e estereotipadas, ao submeter a heterogeneidade discursiva a uma concepção e modelo social, político, econômico e cultural unívoco.

Selecionamos como material de estudo os jornais paulistas Folha de São Paulo (FSP) e O Estado de São Paulo (OESP), tendo em vista que, na década de 1980, eram órgãos de grande circulação e abarcavam diferentes esferas da produção cultural, como agências de notícias, editoras de livros, rádio. Tal situação era resultado e parte do processo de transformações tecnológicas, administrativas e de apresentação do conteúdo, pelos quais passaram alguns jornais e que permitiram sua sobrevivência, transformando-os em grandes corporações empresariais7.

Diante das transformações tecnológicas, gráficas e do esforço de adaptação às conjunturas políticas, bem como das relações entre imprensa e poderes constituídos, foram intensificados os processos de monopolização dos órgãos midiáticos e o desaparecimento de jornais, os quais, durante todo o século XX, tiveram grande influência em seu meio, tais como, Diário Carioca, Diário da Noite.Esse fenômeno foi internacional, mas, no Brasil, sua principal característica foi a concentração da produção da informação jornalística nas mãos de

5 Ibid., p. 433-440

6 Ibid., p. 453.

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um pequeno número de famílias. Para o meio impresso temos: Civita, Brito, Marinho, Mesquita, Frias.

Na década de 1980, Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo, passavam por redefinições de suas atuações no meio social, este marcado por pressões de uma série de movimentos sociais e mudanças nas configurações políticas globais. Adentraram a década de 1990 com as definições da linha editorial, gráfica, administrativas já delineadas. Daí por diante, as transformações adotadas teriam como objetivo reforçar as mudanças operadas a partir do final dos anos 70 e no decorrer dos anos 1980.

OESP pertence ao Grupo O Estado de São Paulo e, na segunda metade do século XX, ampliava sua atuação no meio de comunicação social, não somente impresso, mas, também, radiofônico, com a Rádio Eldorado (1958), e o Estúdio Eldorado (1972). Contava, ainda, com Jornal da Tarde (1966), uma agência de notícias (1970), um parque gráfico - OESP Gráfica (1983), Editora EP - e uma rede de distribuição e transporte.

Folha de São Paulo, por sua vez, surgiu em 1921 e, no período que pretendemos abarcar, era propriedade de Otávio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira, pertencia à empresa Folha de Manhã, assim como os jornais Folha da Tarde, Notícias Populares e o Instituto de Pesquisas Datafolha8.

Buscaremos, ao longo dessa dissertação, percorrer como questões relacionadas ao apartheid e à projeção do Brasil diante deste sistema foram articuladas em cada espaço dos jornais selecionados, de modo, assim, a efetivar a construção, na prática de produção jornalística, de sentidos ao tema, de modo a criar distanciamentos, possibilidades de aproximações, silêncios.

Fazemos uso do conceito de ideologia, pois, acreditamos ser ele capaz de elucidar a forma como valores de grupos específicos são construídos em espaços – tempo determinados, dissimulados e divulgados como valores universais. Seriam estas, pois, conforme Claude Leffort, figurações discursivas que, ao se relacionarem com a experiência social e o saber articulam a relação com o real9

.

8 MOTA, Carlos G.; CAPELATO, Maria H. História da Folha de São Paulo (1921 1981). São Paulo: Impress, 1980. Este livro pretendeu abarcar a história do jornal FSP a partir de três fases distintas, tendo em vista as mudanças administrativas, técnicas e editoriais. Tendo em vista o momento e as condições em que esta obra foi produzida, bem como seus objetivos, ressaltamos as análises de PIRES, Elaine M. Imprensa, ditadura e democracia: a construção da autoimagem dos jornais do Grupo Folha (1978 – 2004). 2008. 132p. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008. Disponível em <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp065645.pdf>. Acesso em 17 mar. 2013.

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Samuel Guimarães sintetizou as contradições trazidas pela vigência do apartheid, no pós Segunda Guerra Mundial:

Em 1948, recém – finda a guerra contra o nazismo e universalmente revelados seus crimes, o apartheid repelia a consciência da humanidade voltada para a consagração dos valores democráticos e do respeito aos direitos humanos. Durante as décadas seguintes, as ambiguidades do próprio sistema internacional e a aplicação imperfeita pelas nações dos seus valores permitiram sua sobrevivência, até que, sanções efetivas, impostas pela principal organização mundial, aliadas à resistência interna, determinaram seu fim10.

Os motivos que nos conduziram para os estudos referentes à construção do apartheid nos meios impressos tiveram como base nossa percepção de que, as comparações, no que se refere aos aspectos das relações raciais entre Brasil, Estados Unidos e África do Sul, causavam uma sensação de “desconforto” quanto aos dois últimos países, como se fossem “piores” e, o Brasil, quando diante deles, acabara por sobressair-se como um país de relações raciais supostamente mais “amenas”.

Kabengele Munanga apontou que as relações raciais dos EUA e da África do Sul recebem mais espaço nos meios de comunicações sociais do Brasil, “como se aqui não tivesse nada por causa da ideologia de democracia racial”11 Ou seja, sua crítica estava voltada para a utilização das relações raciais da África do Sul e dos Estados Unidos, como mecanismo para amenizar as práticas racistas no Brasil, de modo a hierarquizá-las, e que tem como principal resultado a manutenção das estruturas racistas de nossa sociedade, desqualificação da luta antirracista ensejada pelo movimento negro brasileiro, o qual, desde o início do século XX, tem encontrado inúmeras dificuldades para mobilizar parcelas significativas da população nacional.

Destacou, ainda, em prefácio ao livro “Racismo & Sociedade: novas bases epistemológicas para entender o racismo”, a necessidade de atentar para a forma como os discursos assentados na miscigenação, desde Gilberto Freyre, e as descobertas genéticas, as quais trouxeram à tona a inexistência de raças biológicas, vieram para dar sustentação aos argumentos os quais buscam persuadir a população da suposta inexistência do racismo, desqualificar as ações afirmativas e propalar, com o objetivo de manutenção do status quo, que isso iria, segundo tal perspectiva, “racializar o Brasil” 12.

10 GUIMARÃES, Samuel P. África do Sul: Visões Brasileiras(Org.). São Paulo: CAPES/IPRI, 2000. p.12. 11 MUNANGA, Kabengele. Teorias Sobre o Racismo. In: HASENBALG, Carlos A.; MUNANGA, Kabengele; SCWARCZ, Lília M. Estudos e Pesquisas. Racismo: Perspectivas para um estudo contextualizado da sociedade brasileira. Niterói, RJ: EDUFF, 1998. p. 65.

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Conforme Carlos Moore, por sua vez, há, nos Estados Unidos, a promoção de argumentos que tendem ao sentido contrário, ou seja, críticas de que as ações afirmativas13 estão provocando, naquele país, uma forma dita como “mais perversa de racismo”, assentada na perspectiva da “miscigenação”, “formas múltiplas de classificação”, mais flexíveis e não menos opressivas, entretanto, em detrimento à evocação de noções assentadas na bipolaridade dos grupos classificados racialmente14.

Notamos, assim, de que forma, Brasil, Estados Unidos e África do Sul têm sido articulados internacionalmente, ao sabor dos interesses de grupos dominantes, com o intuito de preservar as estruturas sociais hierárquicas e impedir a partilha igualitária dos bens econômicos, políticos e culturais entre os diversos grupos que compõem a sociedade.

No Brasil, um dos argumentos mais utilizados por intelectuais, jornalistas, acadêmicos, tais como Yvone Maggie, Peter Fry, Ali Kamel15, contra a política de cotas raciais está assentado nos aspectos relacionados à “mestiçagem” e no suposto “medo”, segundo eles, delas transformarem o Brasil em países como Estados Unidos e África do Sul.

O conceito de “democracia racial”, conforme Jacques D’Adesky está assentado, no Brasil, na afirmação da existência de “raças” e nas possibilidades de distingui-las, classificá-las e hierarquizá-classificá-las. Haveria, entre elas, supostamente, uma “convivência harmoniosa”, cujo aspecto mais visível estaria assentado, segundo seus defensores, nos aspectos relacionados à miscigenação. Para Jacques D’Adesky tais indivíduos minimizam as questões raciais como base da desigualdade brasileira e, ao recorrerem “à ideia da inexistência de raças biológicas entre os seres humanos ou da unicidade da espécie humana”, não percebem “o fato paradoxal de que, ao falar da mestiçagem ou de miscigenação, estão supondo, implicitamente, a existência de raças biológicas no plural” 16.

13“A ideia de dispensar um tratamento diferenciado a determinado grupo está, há muito tempo, presente na legislação brasileira, tais como a Lei dos Dois Terços, de 1930, que buscava garantir a participação majoritária de trabalhadores brasileiros nas indústrias; leis para o emprego de mulheres nas listas de candidatos dos partidos, ou ainda, a busca pela equidade entre mulheres, deficientes nos postos de trabalho dos concursos ou nas

empresas de pequeno porte.”. As ações afirmativas, ou melhor, a ideia de dispensar tratamento diferenciado Aos negros em função da discriminação é uma reivindicação vigente desde os debates levados adiante pelo Teatro Experimental do Negro, em 1940, e foi apresentada como proposta legislativa por Abdias do Nascimento, então deputado federal pelo Rio de Janeiro, em 1983. Ver: MEDEIROS, Carlos Alberto. Ação afirmativa no Brasil: um debate em curso. In: SALGUEIRO, Maria A. A. A República e a questão do negro no Brasil. Rio de Janeiro: Museu da República, 2005. p. 163 – 179.

14 MOORE, op. cit., p. 290.

15 Ver, por exemplo, FRY, Peter. A persistência da raça: ensaios antropológicos sobre o Brasil e a África Austral. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005; KAMEL, Ali. Não somos racistas– uma reação aos que querem nos transformar em uma nação bicolor. 6. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.

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Independente da forma como tem sido utilizado este conceito, a prática social, no Brasil, distingue os grupos racialmente, é racista, desfavorece os grupos classificados a partir de critérios fenotípicos, os quais não têm encontrado as mesmas oportunidades sociais, políticas, econômicas e culturais que os membros do outro grupo.

Moore, por sua vez, destacou que a prática do racismo é anterior à sistematização do conceito no século XIX. Logo, defendeu o autor, o racismo existe independente da noção de “raça”, mas, a partir de um dado concreto, que são as possibilidades de manipulação das diferenças fenotípicas a fim de garantir privilégios de uns em detrimento a outros. De fato, tal como destacou este autor, o conceito é importante elemento para as interpretações contemporâneas sobre o tema, contudo, sua sistematização só foi possível em função da anterioridade das práticas sociais e formas de classificação assentadas em critérios raciais17.

A sistematização e teorização do racismo ocorreram junto ao processo de expansão do capitalismo, mas suas práticas são anteriores a este processo, de modo que, o conceito, “racismo”, veio enquanto a teorização de um conjunto de aspectos já vividos cotidianamente. Como observou Moore, tais práticas são oriundas de uma longa historicidade, presente entre povos e organizações políticos – econômicos diversos, contudo, o capitalismo o encontrou como prática eficaz para a manutenção e reprodução de seus interesses, por meio do qual, se mantém a prática de benefícios e privilégios18.

Tais argumentos, assim, contestam, veementemente, os discursos que negam a existência de racismo no Brasil valendo-se de argumentos, tais como, a “inexistência de raças biológicas”, do suposto “medo” de que as políticas de cotas iriam racializar o Brasil.

A negação do racismo, a minimização de seu impacto ou invisibilidade, obliteração das discussões, não utilização do conceito e fragmentação de suas práticas em tipos diversos, tais como a utilização dos termos “discriminações”, “preconceitos” de ordem “social” ou “cultural”, jogos de oposições entre diferentes realidades sociais têm se constituído enquanto formas estratégicas de apropriação e banalização das discussões levantadas pela militância negra. Tais argumentos carregam, ainda, propostas de superação da desigualdade, esta apontada pelo seu caráter social e que reclamam medidas de cunho “universalista”, eficazes, entretanto, para a manutenção da hegemonia branca19, dado a forma como conduz para noções de “superação” dos valores culturais não assentados no eurocentrismo20.

17 MOORE, 2007, p. 22.

18 Ibid., p. 284 19 Ibid., p. 24.

20A percepção da dicotomia racismo, antirracismo veio a partir da leitura de Jacques D’Adesky. Para ele, “cada

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Tal como destacou Carlos Alberto Medeiros, ao fazer uma análise da política de ações afirmativa no Brasil e os argumentos contrários a tais medidas, nenhuma das formas de manifestações do racismo podem ser classificadas como “melhores” ou “piores” e nem pode haver a utilização dos mesmos aos sabores das conveniências21, como tem ocorrido, no Brasil e EUA, principalmente, como forma encontrada para desqualificar as políticas voltadas para a promoção e valorização da população negra.

Traçar, então, as especificidades com que se constituíram as práticas racistas nestas localidades não devem conduzir às noções que apontam onde se é “melhor” ou “pior” viver, tal como vemos, constantemente, a forma como são manipuladas diferentes realidades sociais a fim de amenizar os efeitos das relações raciais brasileiras, e nem aos argumentos que qualifiquem as diferentes experiências como opostas.

Acreditamos que é necessário apreender o racismo em uma perspectiva global que extrapole seu caráter isolado, apesar das diferentes particularidades. De forma que, atentamos, para as especificidades de cada país, mas compreendemos que elas não podem mascarar o elemento comum e primordial, ou seja, a forma como foi organizado um sistema político, econômico, social e cultural de hierarquização de grupos, que teve como principal elemento de classificação as características fenotípicas e construiu, nestas três localidades, a construção social da raça. Por meio dessas construções as diferenças sociais, biológicas e culturais foram naturalizadas, fixadas em detrimento à dinâmica ou engenharia social reformista22.

De que forma, então, houve, ou não, a articulação de propostas, por meio dos meios de comunicações sociais, para o combate e discussão referente ao racismo em suas múltiplas formas de manifestações? Como, diante das novas formas de organização e mobilização, as quais transcendiam fronteiras, os meios lançaram olhares para suas relações raciais e para aquelas do exterior, de modo a efetuar comparações, hierarquizações?

Nossa preocupação inicial estava voltada para as possibilidades de construção da percepção das relações raciais no Brasil. Nossas indagações tinham como principal objetivo caracterizar de que forma outras realidades sociais, tais como Estados Unidos e África do Sul, foram utilizadas para a construção da valorização da miscigenação, enquanto suposta evidência da “ausência do racismo” no Brasil, quais os jogos de oposições, hierarquizações

estigmatiza, denuncia preferencialmente, e condena” Ver: D’ADESKY, Jacques. Pluralismo étnico e multi-culturalismo. RJ: Pallas, 2001. p. 30.

21 MEDEIROS, 2005, p.172.

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das práticas e o papel dos meios de comunicação sociais neste processo, dado que lançam perspectivas, modelos, projetos sociais, em constante diálogo com o meio, buscam constituir, orientar nossa capacidade de ver e enxergar o mundo.

Contudo, quando diante das fontes selecionada notamos que, para além de uma aproximação ou distanciamento quanto às práticas racistas das duas localidades e a constituição de uma interpretação de racismo valendo-se do apartheid, o que os jornais FSP e OESP lançavam ao Brasil eram, sobretudo, possibilidades de inserção no cenário econômico global, e, por meio delas, efetivavam-se novas formas racializantes de ver, valores arraigados, reflexos de posições hierarquizantes, estereotipadas, assumidas dentro da sociedade e que buscavam organizar o mundo a partir da universalização de pressupostos específicos.

O modo racializado de ver e compreender o mundo se baseia na perspectiva de que existem características hereditárias, possuídas por membros de nossa espécie, que nos permitem dividi-los num pequeno conjunto de raças, de tal modo que todos os membros dessas raças compartilham entre si certos traços e tendências que eles não têm em comum com membros de nenhuma outra raça. Esses traços e tendências característicos de uma raça constituem, segundo a visão racialista, uma espécie de essência racial: e faz parte do teor do racialismo que as características hereditárias essenciais das “Raças do Homem” respondam por mais do que características morfológicas visíveis – cor da pele, tipo de cabelo, feições do rosto – com base nas quais formulamos nossas classificações informais23.

Quando diante das notícias com foco ao apartheid vimos constituir-se, na prática de produção jornalística, a divisão do social em “grupos racialmente distintos”; a ênfase em supostas “predisposições morais” e “intelectuais” específicas; a alusão constante aos aspectos fenotípicos, a partir das quais as diferentes experiências eram explicadas; atribuição a lugares específicos aos membros de cada um desses grupos classificados racialmente.

Logo, para além da constituição de uma percepção particular de racismo, tais meios projetavam e se constituíam enquanto importantes instrumentos das práticas racistas, seja no momento do trato mais específico do apartheid, dos lugares selecionados aos diferentes grupos, nas propostas de redefinições de projetos globais, para a política, economia e cultura.

Nestes projetos lançados pelos meios, as diferenças culturais se apresentavam como demasiado fixas, estanques, tanto quanto à noção de raça, a qual passava a incluir, cada vez mais, o termo “cultura” em suas roupagens argumentativas, mas que acabavam por continuar a reproduzir as diferenças nos tratamentos dispensados, hierarquização dos valores estéticos,

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preceitos filosóficos. Ou seja, conforme Guimarães, tais argumentos nem sempre reproduziam, explicitamente, a ideia de raça, mas mantinham tal noção embutida24.

Franz Fanon, neste sentido, apontou de que forma a linguagem tem se constituído enquanto um dos principais meios de opressão, mas, também, de possibilidade de libertação do negro. Nela, tem se constituído o racismo enquanto possibilidade de tratamento, o qual tende, nos discursos propalados, a “infantilização”, “primitivismo de sua cultura”, expressos nas possibilidades como este, caracterizado como um “não – ser” , tem sido posto em discurso, enquanto alguém “sem cultura”, “sem história”. Daí a necessidade, segundo ele, dos esforços de busca pela história de uma civilização negra e os empenhos, não para o sentido de uma “educação”, a qual tende à incorporação de tais protótipos, mas de busca por elementos os quais conduzam “o negro a não ser mais escravo de seu arquétipo”25.

Nos meios impressos selecionados a prática do racismo se efetivava, tal como notamos, sobretudo, pela constituição de modelos de sociedade e para possibilidades de construção dos “outros” sociais nestes jornais, e que, conforme destacou Fanon referindo-se às práticas racistas e às possibilidades estratégicas de libertação do negro, coloca-o enquanto um “não –ser”, enquanto um “não homem”, descrito pela falta, e que conduz às propostas as quais visam a “superação” de seu suposto “estágio”, argumento marcadamente racista e perspectiva de ação da qual é preciso, tal como propalou Franz Fanon, tirá-lo26.

Deparamos, assim, diante da forma como o apartheid se constitui nos meios impressos, com a necessidade de analisar como emergiam, na FSP e OESP, a propagação de percepções racistas, construídas a partir de noções assentadas no “igualitarismo”, “universalismo”, “neutralidade”, “objetividade”, “imparcialidade”, tal como propaladas pelos meios de comunicações sociais na segunda metade do século XX, e que, ao incorporar ou omitir as discussões referentes à questão racial, deu-lhes significados específicos.

Os processos sociais vividos são marcados por tensões e vemos, nos meios de comunicações sociais, a tentativa de organizá-los e estabelecer um sentido, um rumo para estes processos, assentados na seleção de determinados valores, práticas sociais, deliberadamente hierarquizados para a manutenção das estruturas de desigualdade na sociedade brasileira.

24GUIMARÃES, Antônio S. A. Combatendo o racismo: Brasil, África do Sul e Estados Unidos. Revista

Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 14, n. 39, p 103 – 117, fev. 1999. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v14n39/1724.pdf>. Acesso em 23 fev. 13.

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Dada a percepção referente à importância dos estudos relativos à atuação da imprensa, pela forma como ela age na sociedade, ao propor modelos, excluir caminhos, selecionar personagens, dar ritmo às mudanças operadas e estabelecer constante diálogo com a sociedade, nossas interrogações se direcionaram para o espaço ocupado, nestes órgãos, pelo debate referente à questão racial e o lugar atribuído ao apartheid.

A dinâmica dos espaços recebidos pelo tema, o foco dado, as omissões efetuadas, os jornalistas selecionados, as repercussões levadas adiante pelo próprio órgão permitem caracterizar como um determinado assunto foi apropriado, omitido, percebido e discutido pelo grupo jornalístico o qual representa. Devemos atentar, assim, quais os diálogos efetuados e as seleções propostas, construídos, por sua vez, em um complexo jogo de relações sociais e que envolvem projetos políticos, econômicos, sociais e culturais encampados.

O local onde, constantemente, eram feitas referências ao apartheid e ao racismo, nos impressos selecionados, conduziu-nos a refletir sobre o espaço dedicado aos assuntos do “exterior” e sua eficácia para a reprodução de um conjunto de práticas e valores, articulados em torno de critérios os quais definiam os países de relevância mundial, de modo a trazer normas, valores, projetos políticos, econômicos e sociais selecionados, em detrimento a outros, e lançavam, ao Brasil, possibilidades de inserção no cenário econômico global, em torno de modelos sociais específicos.

Diante, então, de tais dados, nossas análises se direcionaram para três questões principais, as quais buscaremos elucidar: os meios impressos enquanto locais eficazes para a projeção de perspectivas racializantes sobre o social; as projeções, nos meios de comunicação selecionados, de percepções de mundo, as quais lançavam ao Brasil e ao sul da África lugares específicos e que tinham como principal objetivo a expansão do capitalismo e a percepção do apartheid enquanto um “empecilho”; as possibilidades de aproximação, discussões e distanciamentos que o apartheid lançou ao Brasil em um momento de grande debate sobre o racismo.

Utilizaremos do conceito “instituições de comunicação”, tendo em vista a percepção dos meios como locais marcados pela sociabilidade e influência ativa no processo social, os quais selecionam valores e práticas e os incorporam seletivamente, de forma a construir significados, percepções, atitudes selecionadas e que só existem a partir do momento em que ocorre auto - identificação no local em que atuam27.

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A eficácia desta instituição ocorre pela própria capacidade de incorporar seletivamente outras expressões culturais, as quais, porém, busca manter em esferas específicas, estanques, modificadas, ressignificadas, a partir de valores, por vezes, demasiado estranhos a tais expressões. Tal como proposto por Raymond Williams, estamos diante do processo de construção das práticas hegemônicas, ou seja, a construção e criação de um “conjunto de práticas e expectativas sobre a totalidade da vida: nossos sentidos e distribuição de energia, nossa percepção de nós mesmos e nosso mundo”. Os processos culturais são marcados por tensões, tendo em vista a construção de meios diversos de domínio e subordinação, mas que, contudo, são abalados por múltiplas formas de resistências, o que faz com que o processo tenha que ser, continuamente, renovado, recriado, modificado28.

Para que seja exercido, os processos hegemônicos incorporam, assim, outros elementos da sociedade, expressões culturais incorporadas seletivamente e, muitas vezes, modificadas, de modo que, suas práticas, símbolos, valores adquirem novos significados. Logo, a incorporação não é sinônimo de aceitação, dado que, o que se incorpora tende a ter que atender certos limites29, e continuar a sofrer a ausência de reconhecimento30.

A presença de um determinado tema nas pautas impressas (como o apartheid e as múltiplas mobilizações antirracistas que ensejou) deve ser compreendida a partir dos jogos de interesses, perspectivas de diálogos, incorporações, seleções, e que colocavam as instituições de comunicação, naquele momento, diante da evidência de uma atuante população negra nacional e internacional, dotada de interesses, práticas e valores culturais específicos e que lhes lançavam novos desafios.

Stuart Hall em “Raça, Cultura e Comunicações: olhando para trás e para frente dos estudos culturais” chamou a atenção para a forma como, nestes meios, são constituídas as distorções, simplificações e, sobretudo, omissões, as quais reatualizam antigas práticas racistas31. Desse modo, tal como destacou Hall, não podemos falar em imperialismo no século XX sem o racismo enquanto base ideológica sustentatória, justificativa para a dominação, baseada na hierarquização de grupos e modelos de desenvolvimento social, econômico e cultural. Questões que se reatualizam, são constituídas ativamente, sobretudo, nos meios de

28WILLIAMS, Raymond. Marxismo e Literatura. Trad.: Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar, 1979, p. 113 116.

29 Ibid., p. 116.

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comunicações sociais, dada a forma como são tecidas as seleções entre aqueles que “têm” ou “nada têm” a dizer, ou ainda, os silêncios, omissões, invisibilidades efetuadas32.

Os interesses econômicos lançados nas páginas dos jornais FSP e OESP estavam sobrecarregados por valores culturais, sociais, a busca pela constituição de um tipo de sociedade nacional e internacional e que lançavam, também, concepções específicas de racismo, políticas antirracistas, além, sobretudo, da forma como efetivavam a construção dos mesmos a partir de um modo específico de ver, analisar e hierarquizar o mundo.

Modelos culturais de desenvolvimento social, político, econômico foram selecionados, em tais páginas. Tais articulações foram instrumentos eficazes para a reconstituição de práticas racistas, a partir, sobretudo, das possibilidades de articulação de conceitos como “progresso”, “desenvolvimento econômico” e “social”, assentados em uma visão de mundo eurocêntrica, racista e que dava as bases para a reconstrução das práticas hegemônicas, tendo em vista os modos de ver, olhar, perceber a população negra.

*

* *

Há uma significativa bibliografia a qual busca elucidar as práticas racistas praticadas ao nível legislativo vigentes no Brasil, tal como a propôs Hédio Silva Jr, o qual destacou a existência, no período colonial e imperial de um código criminal racista, o qual perpetuava o racismo por meio de concepções, as quais enquadravam os negros em constante estado de “suspeição”, desde as Ordenações Afonsinas (1446 - 1521), Ordenações Manoelinas (1521 – 1603), Ordenações Filipinas (1603 – 1880) 33 e que não permite, assim, a propagação de supostas noções que tendem a propalar a especificidade brasileira no que tange à prática do racismo ao nível das instituições.

No Brasil, o movimento negro, desde princípios do século XX bradou a existência do racismo na sociedade brasileira, seja ele ao nível das instituições como estado ou imprensa, o

32 Ibid., p. 15 24.

33 Ver: SILVA Jr. Hédio. A crônica da culpa anunciada. In: OLIVEIRA, Djaci David de et.al. (Org.). A cor do medo: homicídios e relações raciais no Brasil: Brasília: UnB; Goiânia: UFG, 1998, p. 37 – 60. Podemos citar, ainda, a promulgação da Lei de Terra de 1850, a qual, já “no artigo 1º” determinava que “ficam proibidas as

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que conduziu a própria constituição de uma imprensa voltada aos anseios dessa parcela da população, intitulada imprensa negra.

Tendo em vista a evocação de valores os quais apontavam para perspectivas de “integração social” por meio, sobretudo, do incentivo à educação, aos poucos se tornou evidente, no decorrer de todo o século XX, que as barreiras raciais eram demasiado resistentes quanto maior o nível educacional alcançado.

Uma série de estudos estatísticos trouxe, no final dos anos 1970, índices de expectativa de vida, educação, renda, os quais constatavam o distintivo “cor” como marca característica discriminatória. Conforme assinalou Andrews, estes estudos lançaram luzes aos “diferenciais de salário e emprego”, pois esses poderiam ser apenas parcialmente “explicados por diferenças nas qualificações”, e as desigualdades raciais no salário tendiam “a aumentar à medida que os trabalhadores” adquiriam “níveis mais elevados de educação” 34. Estes, contudo, não eram novos, dado que a intelectualidade negra já os propalava, conforme Moore, desde as primeiras décadas do século XX35.

A emergência dos dados quanto ao alcance do “milagre do crescimento econômico”, nos anos 1970, o processo de abertura política e a evidência da desigualdade racial, naquele momento, permitiram à militância negra se contrapor de forma mais contundente à estrutura de distribuição de riquezas, tendo em vista os parcos benefícios adquiridos pela população negra e à tendência ao aumento da discriminação nos chamados postos do colarinho branco36.

Tai discussão foi incorporada por setores sociais diversos, os quais se reorganizavam, tendo em vista as possibilidades de abertura política, e buscavam uma maior proximidade com a população, tais como os movimentos sociais de bairros, feministas, negros, partidos políticos, sindicatos, setores da Igreja Católica. Uma das principais questões levantadas pela mobilização negra que se reorganizava eram as intensas disparidades entre um discurso assentado nos valores da “harmonização das raças”, e as desigualdades raciais, o chamado “milagre econômico” da década de 1970 e os desiguais benefícios adquiridos pela população negra brasileira.

Foi, desse momento o surgimento, em 1979, do Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial, com o princípio da diversidade cultural e étnica do país, com base nas experiências internacionais e que, nas décadas de 1970 e 1980, foram marcadas pelos

34 ANDREWS, George. Negros e brancos em São Paulo (1888 1988). Bauru: EDUSC, 1998. p.256. 35 MOORE, 2007, p. 26.

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movimentos de guerrilha na África, pela libertação dos povos que estavam sob o domínio neocolonial e o enrijecimento da política do apartheid sul- africano.

O MNU teve como ápice para o seu surgimento a morte, em 28 de abril de 1978, de Robson Silveira da Luz devido, aparentemente, às torturas policiais, após ser detido sem acusação; a expulsão de estudantes negros do Clube de Regatas Tietê onde jogavam por uma equipe de vôlei; o assassinato por um policial, do operário negro Nilton Lourenço, no bairro da Lapa.

Nas décadas de 1970 e 1980 houve expansão das organizações negras no Brasil, as quais tinham como questão principal a busca pela “valorização da identidade” como principal mote para a reorientação das ações do movimento. Esta “expansão foi acompanhada pela inclusão de suas reivindicações na pauta dos programas dos partidos políticos e das instituições governamentais” 37. O Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial surgiu para angariar estes movimentos e com o objetivo de propor a “recriação cultural negra” como forma de mobilização política, valendo-se, assim, de símbolos nacionais e internacionais, modos de vestir-se, pentear-se38, com uma perspectiva de ação mais combativa, voltada para o diálogo com as bases sociais, valorização da diversidade cultural e étnica do país, enquanto instrumento para a ação política e forte contestação às estruturas de distribuição de riquezas no Brasil.

É consenso entre os diferentes autores levantados pelo pesquisador Marcelo Leolino da Silva, quando da análise do Movimento Negro Unificado, que a proposta de ação do movimento que se reagimentou no final da década de 1970, era unir as diferentes entidades existentes em uma ação nacional conjunta, voltada, sobretudo, para a prática da denúncia da discriminação, retomada daquilo que seria os valores culturais, acompanhada de reaproximação com o continente africano, respeito e valorização à diversidade, revisão da História do negro39.

Suas expectativas de ações estavam voltadas, sobretudo, para uma maior aproximação e identificação com os povos da diáspora negra, para os quais a luta pelos direitos civis e pela independência dos países africanos se constituíam enquanto parte do mesmo processo de

37 SILVA, Maria P. O alcance político dos movimentos sociais de combate ao racismo no Brasil. In: BARBOSA. Lúcia M; SILVA, Petronilha B. G.; SILVÉRIO, Valter R. (Org.). De preto à afrodescendente: trajetórias de pesquisa sobre o negro, cultura negra e relações étnico – raciais. São Paulo: Ed. UFSCar, 2010. p.113.

38 Ibid. p. 113.

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racismo e colonialismo, e que, a cada vitória, servia como mola propulsora para a reorientação das ações práticas.

Os pressupostos propalados por tal entidade estavam assentados, sobretudo, nos valores da Negritude, movimento de busca pelas raízes culturais, conforme Munanga, “negação do dogma da supremacia colonizadora em relação à cultura do povo dominado”, com a qual uma elite colonial africana “se sente necessidade de identificação a fim de resolver os conflitos em que se debatem”, insatisfeita diante de um sistema racista e opressor. Alguns destes, ao partirem para fora da África se deparavam com os mesmos conflitos, dificuldades. São estes, assim, parte dos membros da diáspora negra contemporânea, os quais propuseram que a libertação da África fazia parte do mesmo processo de racialização imperialista40.

Tais grupos incluíram como uma das pautas de reivindicações a contestação do sistema capitalista de produção e a percepção do racismo enquanto parte inerente desse sistema, tal como propalou o chamando Movimento Negro Unificado (MNU) em “1978 – 1988. 10 Anos de luta contra o racismo” 41. Neste foi reiterado, como parte da luta do movimento negro, a solidariedade “com a luta internacional contra o racismo” 42, a qual incluía a mobilização antiapartheid e a libertação da Namíbia contra o domínio sul – africano.

A década de 1980 foi um momento peculiar para a compreensão das relações entre imprensa, sociedade, governo e racismo no Brasil, tendo em vista quatro elementos principais: deslegitimação das formas de governos militares e abertura política, na América Latina; encerramento de um surto de crescimento econômico e intensos debates quanto à dívida externa brasileira, associada à busca por mercados consumidores, sobretudo, na África e Oriente Médio; mudanças, por parte do governo e instituições sociais diante dos posicionamentos no que se referia às percepções quanto às práticas raciais no Brasil; reformulações na atuação dos meios de comunicações sociais, tendo em vista os novos espaços de participação política que eram delineados.

Francisco Carlos Teixeira em “Crise da ditadura militar e o processo de abertura política no Brasil, 1974 – 1985” apontou que, entre as principais causas para o fim das ditaduras militares, neste período, estão: as mudanças da política externa estadunidense, pós Guerra do Vietnã, e que trouxe à tona a luta pelos direitos humanos, levado a cabo pelo

40 MUNANGA, Kabengele. Negritude: usos e sentidos. 2ª. ed. São Paulo: Princípios, 1988. p.34.

41 POR uma autêntica democracia racial. In.: MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO, 1979 1988. 10 anos de luta contra o racismo, São Paulo: Confraria do livro, 1988. p. 20. Esta coletânea foi composta por um conjunto de textos produzidos em estados diversos e Distrito Federal - Bahia, Minas Gerais, Rio Grande do Sul - reunidos em comemoração aos 10 anos de existência do Movimento Negro Unificado.

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presidente dos EUA Jimmy Carter; a crítica internacional ao predomínio do unipartidarismo ou instituição semelhante; recuo do controle do Estado sobre a economia; luta pela liberdade de expressão e de organização; encerramento de um ciclo econômico de crescimento, as sucessivas crises externas, como a crise dos juros de 1982 e o bloqueio petrolífero, ocasionado por conflitos como, a Guerra do Yom Kippur e a Guerra Irã – Iraque43.

Surgiram divergências, no Brasil, entre os detentores do poder político, quanto às possibilidades de abertura política, de modo que, os meios de comunicações sociais de maior circulação no estado de São Paulo – FSP e OESP - foram utilizados, por setores do governo como uma das formas de isolar a chamada “linha dura”, grupo político da ala militar avesso ao processo de abertura política. A adesão das instituições de comunicações “havia se iniciado já em 1975 quando o general Golbery do Couto e Silva [...] chamou um grupo de jornalistas de prestígio para colaborar neste processo” 44.

No Brasil, após o chamado “milagre brasileiro”, Ernesto Geisel (1974 – 1979) empreendeu esforços de diálogo com os países do Oriente Médio, África, Ásia e América Latina a fim de abrir os mercados brasileiros para o exterior, angariar suficiência energética, desenvolvimento da indústria bélica e captação de divisas45. Tais aproximações serviram, para Geisel, também, como um meio para isolar a “linha dura”, com uma nova possibilidade de inserção do Brasil no mercado externo, marcando, supostamente, uma entrada em “novos tempos”, para o qual eram vislumbradas possibilidades de inserção econômica ao Brasil.

Segundo Celso Lafer, os esforços levados adiante pela política externa dos países são resultados de uma congruência de fatores, os quais buscam a compatibilização de interesses internos e externos. Agem, assim, a partir de três importantes campos de atuação: o estratégico-militar, relações econômicas e o dos valores, a partir do qual são selecionados modelos, revelam o tipo de sociedade que pretendem construir46.

Este momento foi, então, de busca pelo encontro entre sociedade e governo47, intermediadas e facilitadas pela emergência de um conjunto de organizações governamentais,

43 SILVA, Francisco C. T. Crise da ditadura militar e o processo de abertura política no Brasil,1974 1985. In: DELGADO, Lucília de A.; FERREIRA, Jorge (Org.). O Brasil Republicano: o tempo da ditadura - regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. 5.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. (O Brasil Republicano; v.4). p. 246.

44 KUCINSKI, Bernardo. A síndrome da antena parabólica: ética no jornalismo brasileiro. São Paulo: Perseu Abramo, 1998. p.65.

45 BANDEIRA, Luiz Alberto M. Brasil Estados Unidos. A rivalidade emergente (1950 1988). 3.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. p. 211.

46 LAFER, Celso. Novas dimensões da política externa brasileira. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v.3, n.1, p. 73 – 82, fev. 1987. Disponível em: <http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_03/rbcs03_05.htm>. Acesso em 25 fev. 2013.

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partidos políticos. No que se refere às mobilizações e entidades voltadas para o combate ao racismo, estas exigiam, do governo brasileiro, novas posturas frente à África, aos africanos e à população negra nacional, o que ia ao encontro das possibilidades buscadas no rol da política externa.

Naqueles anos 1980 havia perspectiva, por parte dos jornais selecionados, de que, após 20 anos de regime ditatorial pudessem ser vislumbradas, junto ao processo de abertura política, novas possibilidades de inserção brasileira no mercado mundial, reflexos de posicionamentos já levantados outrora pelo regime militar.

Houve, conforme Eli Penha, considerável crescimento, desde a década de 1960, das relações entre Brasil e costa oeste do continente africano48, de modo a serem assentadas as bases da perspectiva lançada de que as parcerias econômicas nacionais deveriam estar acima de supostas “rivalidades ideológicas” ou “sentimentalismos”, tal como era esboçada quando da crítica ao alinhamento do Brasil com Portugal e que resultava em dificuldades, para o Brasil, de inserir-se no mercado africano perante os processos independentistas naquele continente.

José Honório Rodrigues, intelectual, acadêmico, assessor do Itamaraty “defendia a tese de que a população miscigenada do Brasil seria um catalisador para os esforços de solidariedade às nações africanas” 49. Apesar das disparidades nas argumentações e nos privilégios lançados pelo regime miliar, com Ernesto Geisel houve o esforço de concentração de promoção da atuação do Brasil na África.

A mudança de perspectiva do governo brasileiro em relação à África foi paulatina. Houve esforços de aproximação por parte de Jânio Quadros, João Goulart e de setores militares, com base na seleção de valores e perspectivas diversas, as quais perpassaram por diálogos sul – sul e de defesa do Atlântico, aproximou o Brasil do governo racista da África do Sul, passou pela defesa da atuação portuguesa na região até o reconhecimento, por parte do Geisel, dos governos marxistas de Angola e Moçambique50.

Mudanças efetivas começaram a ser sentidas no período do “milagre brasileiro”, e esforços levados adiante pelo regime militar de ampliar as exportações a partir do excedente da produção. Naquele momento, a continuidade do processo de expansão industrial trazia como principal elemento a necessidade de suprimentos energéticos e a África poderia

48 PENHA, Eli A. Relações Brasil - África e geopolítica do Atlântico Sul. Salvador: EDUFBA, 2011. p. 157 160.

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los ao Brasil, por concentrar importantes reservas petrolíferas51, além de atuar como um potencial mercado consumidor para os produtos brasileiros.

A paridade bélica alcançada por EUA e URSS, a ascensão da China como potência nuclear, a crise do petróleo, a percepção quanto à relativização da hegemonia estadunidense permitiu que se lançasse, externamente, uma política voltada para a ampliação das parcerias comerciais e a projeção do Brasil enquanto país que almejava a liderança enquanto um intermediário entre os países do Norte e Sul52.

Este processo foi marcado pelo estreitamento das relações estabelecidas com a República Popular da China, países árabes, entre os quais Líbia (a partir dos quais surgiram divergências entre Brasil e Estados Unidos); a abstenção quanto às propostas de sanções econômicas a Cuba, a recusa quanto à tentativa de intervenção na Nicarágua e o reconhecimento dos governos de orientação marxista – leninista de Guiné – Bissau, Moçambique e Angola, tendo em vista a busca pela projeção do Brasil enquanto país que almejava um lugar no rol dos países do Primeiro Mundo53.

Paulatinamente, os interesses econômicos viam-se confrontados com posicionamentos políticos, os quais, por sua vez, revelavam estruturas de pensamento racistas, assentadas em perspectivas “civilizatórias”, “tutela”, troca marcadamente desiguais, constituídas, ainda, nas páginas da FSP e OESP, por meio de discussões marcadamente racistas.

Logo, posturas críticas quanto aos posicionamentos do Brasil diante de sua própria população negra começaram a emergir na esteira dos diálogos entre Brasil e África, para a política externa. Além disso, perante o colonialismo português e o apartheid, as novas nações africanas pressionavam para mudanças mais efetivas na maneira como, durante três décadas, o Brasil havia se posicionado frente a ONU.

A evidência da ascensão de uma atuante classe média negra e reorganização dos movimentos sociais, as reaproximações com o continente africano, as possibilidades de rompimento com a ala mais radical do regime militar e o processo de abertura política foram acompanhadas e debatidas pelos jornais FSP e OESP. Eles trouxeram questionamentos e perspectivas específicos, os quais buscaremos delinear, tendo como questão central a construção do apartheid.

Aproximações ou distanciamento quanto aos países africanos? Brasil como exemplo de desenvolvimento econômico, político e, sobretudo, racial para os países africanos? O que

51 Ibid., p. 171.

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tais aproximações poderiam causar nas estruturas sociais nacionais? Foram estes os principais debates trazidos pela FSP e OESP, por onde, primordialmente, entraram as questões relacionadas ao apartheid nas pautas impressas.

Como uma forma de aproximar-se com a população, diante das pressões sociais e possibilidades de ruptura com a linha mais radical do regime militar, o processo de abertura política foi marcado, também, pela criação de entidades governamentais voltadas para a população negra, com o claro reconhecimento de que as desigualdades estavam fundadas, sobretudo, nas diferenças fenotípicas. Para estas, a luta antiapartheid também entrou como elemento de discussão e exigências de medidas mais efetivas do governo brasileiro.

Em nosso primeiro capítulo faremos uma análise da forma como, na década de 1980, o apartheid foi construído, nestes jornais, enquanto um sistema, sobretudo, “inviável economicamente”, o qual precisava, assim, ser reformulado como forma de conter as mobilizações internas, evitar a expansão soviética e permitir o diálogo com as recentes nações africanas em uma área apontada como demasiado estratégica. De que modo a região foi construída enquanto estratégica aos interesses de capital?

Intitulado A construção da inviabilidade do apartheid na “década de crise”: racismo,

mobilização negra e relações Brasil – África faremos uma análise das condições as quais permitiram que o apartheid entrasse, neste momento, como temática central das pautas, tendo em vista a forte atuação de uma militância negra, nacional e internacional e as formas como, diante da apropriação de tais questões, houve o reforço de concepções as quais perpetuavam o racismo, nas pautas impressas. Apontaremos, assim, quais foram os indivíduos, grupos e instituições selecionados como aqueles que, na FSP e OESP, poderiam ou não ser selecionados como porta – vozes pelos meios de comunicação sociais.

Os olhares para a África, em particular para a região sul, estavam envoltos de interesses marcadamente estratégicos. Ao abarcá-los, diariamente, os jornais revelaram formas racializantes de ver, analisar e hierarquizar o mundo, um conjunto de mecanismos os quais constituíram lugares específicos aos grupos fenotipicamente caracterizados, e as formas essencializantes de percepção de seus processos culturais.

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Pretendemos, então, no segundo e terceiro capítulos, compreender de que forma ocorreu a articulação do tema do apartheid nos diferentes espaços, tendo em vista um modo específico de produção jornalístico e que se reafirmaria, nos anos 1980, com adoções de manuais de redação e estilo, processos técnicos, remodelações gráficas e administrativas.

*

* *

Dedicaremos o segundo capítulo à análise do jornal FSP e, o terceiro, ao OESP. Nossa escolha quanto à ordenação dos capítulos referente aos dois jornais foi aleatória. Trataremos, assim, de que modo o apartheid foi inserido nas pautas desses impressos tendo em vista as seleções de técnicas, projetos de restruturação e perspectivas editoriais no decorrer dos anos 1980. Qual o sentido que aqueles acontecimentos poderiam dar as suas perspectivas e anseios, de modo que o tema pudesse, assim, entrar ou ser obscurecido das pautas jornalísticas e, assim, adquirir significados específicos?

A repercussão da luta antiapartheid, segundo estes dois jornais, poderia possibilitar ao Brasil, uma entrada específica no continente africano. Mas, a perspectiva quanto a este caminho não era unívoca e acompanhava as mudanças nas políticas governamentais, mobilizações internas, seleção de modelos de sociedades, valores e conteúdos, ou seja, as aspirações enquanto ao tipo de sociedade que se pretendia constituir naquele momento e as diferentes interpretações dadas por setores sociais diversos, entre os quais, analisaremos, os meios de comunicações sociais, FSP e OESP.

São, então, tais meios carregados de sentido ideológico, e que se apresentam de formas diversas, na fala do dono do jornal, na construção da notícia, composição do texto, fundo histórico e que mantém constante diálogo com outros posicionamentos e com o meio social, de modo a refazer-se cotidianamente.

Quem fala nestes meios, seja ele um repórter, redator, editor, correspondente é um ideólogo, dado que, não apenas reproduz, mas seleciona, hierarquiza e dá significado sobre aqueles os quais descreve, sendo, também, constantemente influenciados por eles.

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