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FSP e a busca da “paz mundial”: o lugar do apartheid no espaço editorial.

3. CAPÍTULO II: FOLHA DE SÃO PAULO E APARTHEID – UMA QUESTÃO “MUITO SENSÍVEL PARA OS BRASILEIROS”.

3.1 FSP e a busca da “paz mundial”: o lugar do apartheid no espaço editorial.

No espaço jornalístico dedicado aos editoriais são constituídos os principais posicionamentos propalados pelo corpo de proprietários ou jornalistas mais próximos, construído, assim, de modo que o jornal emite, explicitamente, sua postura sobre determinados temas, de forma que fica evidente, em sua constituição, que ali está a voz do dono do jornal. É resultado das transformações técnicas no jornalismo e que destinava um espaço, nas páginas, para a voz aberta da voz do dono e grupo o qual ele representa, dispostos, então, a orientar percepções e que refletem posicionamentos políticos e filosóficos específicos166.

Cada seleção, hierarquização é um esforço de propagação de interpretações específicas, cada notícia, é um foco, um ponto de vista. Neste espaço, por sua vez, conforme Juarez Bahia, aqueles que escrevem dão “significação jornalística e gráfica ao pensamento oficial do veículo” 167.

Além do editorial, faz parte da dimensão opinativa, segundo este modelo de produção jornalístico, os espaços destinados aos colaboradores do jornal e a seção das Cartas de Leitores, os quais, porém, pensados como locais de intercâmbio, crítica, manifestações espontâneas com leitores, intelectuais, empresários e especialistas diversos, revelou-se, por sua vez, como um espaço eficaz para angariar anseios, reafirmações de posições assumidas pelos jornais, a partir dos critérios de corte e seleções efetuados.

A presença de determinados temas, o foco dado às notícias, a seleção de personagens, bem como a exclusão de alguns assuntos ou aqueles restritos à página destinada à exposição de debates, não passaram ilesos a perspectiva dos órgãos de universalização dos valores defendidos em editoriais. Ou seja, sua análise apareceu-nos como um importante ponto para tracejar um percurso para a compreensão da produção de outros espaços, não, contudo, de forma homogênea ou mecânica.

Havia na FSP, a busca por diálogo com segmentos sociais diversos, percebidos, incorporados nas pautas, resultado, também, do acompanhamento, por parte do jornal, da divulgação de uma série de dados estatísticos realizados pelo Datafolha ou por institutos como o IBGE, frequentemente usados pela FSP, os quais traziam informações quanto à possibilidade de grupos sociais diversos, temas a serem abarcados e quais posicionamentos adotar.

Vislumbramos, assim, temas diversos nestas páginas, tais como relacionados ao feminismo, homossexualidade, deficiência física, movimento negro, ecológicos, os quais

166BAHIA, 1990, p. 102. 167 Ibid., p. 106.

passaram a receber destaques nas páginas deste jornal, sobretudo na seção “Tendências e Debates” 168.

Diante, então, dos dados que traziam os índices relativos à população negra, bem como sua atuante militância, os olhares da FSP voltaram-se para este grupo enquanto potencial consumidor, que deveria ser abarcado, tal como era mostrado, também, pela experiência dos negros dos EUA, os quais, naquele momento, atingiram um grande nível de consumo e força política em seu país, algo marcadamente apontado pela FSP em vários momentos.

A construção da noção de “opinião” criava a possibilidade de reforçar seus próprios argumentos, por meio da contraposição de ideias, debates, restritos, contudo, a uma página específica, isolada, em meio a uma dezena de outras, as quais definiam o que era a “notícia” enquanto “o” “verdadeiro”, “objetivo” e “imparcial”, acima, supostamente, das contestações, que, na prática de produção jornalística eram relegadas ao nível do “opinativo”.

Dentre a variedade de possibilidades a partir do qual eram trazidas as discussões referentes ao racismo no Brasil, o espaço editorial da FSP abarcou o tema a partir de suas preocupações quanto às possibilidades de “internacionalização” da economia oferecidas naquele momento, e os lugares que o Brasil deveria pleitear. Foi este o foco, já no primeiro dia do ano de 1984, de editorial publicado pela FSP.

No artigo intitulado “Mundo Longe da Paz” o editorialista definiu “mundo” a partir da seleção da “América”, “Estados Unidos”, “África” e “União Soviética”, de modo a inseri- los em pressupostos específicos, definiu onde estaria a suposta “origem” dos “valores”, do “conhecimento”, “progresso” e “desenvolvimento social”, e quais os caminhos deveriam ser seguidos para que tais pressupostos fossem alcançados, chegando-se, assim, ao que seria o ideal, para a FSP, sistematizado a partir do conceito “paz”.

Haveria, para este jornal, um caminho rumo ao “desenvolvimento” e ao “progresso”. Este modelo estava assentado em um conjunto de pressupostos culturais, assentados na seleção de imagens, conteúdos (tal como proposto por Ismail Xavier, no prefácio de Crítica da imagem eurocêntrica) que colocavam a Europa como local de origem dos significados e

168 Segundo o jornalista Alberto Dines este espaço foi criado em 1979, na FSP, para a “separação da notícia” e “da opinião”, na página três, criado para debates, ideais, pensamentos, na perspectiva de separação da “notícia” (aquela considerada como “isenta”, “verdadeira” e “imparcial”) e, de outro, os pontos de vistas diversos, assumidos ou não e que traziam a perspectiva de jornal “democrático”, “apartidário”, “acima das divergências políticas ou ideológicas”. Nascido em 1932, Alberto Dines entrou para o jornalismo como repórter da Revista Visão em 1952. Na década de 1960 fez parte de uma das mais famosas reformas do jornalismo brasileiro à época, no Jornal do Brasil. Após sua demissão foi para a Folha de São Paulo. Ver.: ABREU; LATTMAN – WELTMAN; ROCHA, 2003, p. 68 – 175.

agiam no sentido da tentativa de formatação da diversidade cultural a partir de um modelo específico de desenvolvimento169.

Estas acabaram por constituir um modo racializado de ver, interpretar e analisar o mundo, formuladas, sobretudo, por meio da constituição de oposições, tais como as noções de “belo”, “feio”, “bom”, “mal”, “ingênuo”, “selvagem”, “civilizado”, “primitivo”, “diferente”, “normal”, entre outros qualificativos, por meio dos quais se escondem práticas de dominação, genocídio, espoliação, segregação, nem sempre tão explícitas, mas bem eficazes para a manutenção do monopólio dos bens políticos, econômicos e culturais em mãos de uma minoria branca.

O objetivo principal desse editorial era fazer um balanço da situação internacional do ano de 1984, com vistas, sobretudo, à possibilidade de inserção ao Brasil:

A situação política internacional no decorrer do ano 1984 esteve marcada pelas mesmas tensões dos anos anteriores. Violências terroristas extremas contrastaram com alguns avanços limitados no campo dos direitos humanos e de soluções diplomáticas em áreas críticas. Guerras localizadas tiveram continuidade, ao lado de uma expansão sensível da corrida armamentista, embora tenham igualmente crescido os protestos do movimento pacifista, em especial na Europa.

É forçoso reconhecer, no momento em que o calendário cristão marca a passagem de mais um ano - a apenas uma década e meia do final do século 20 e na data convencionada como Dia Mundial da Paz – que a humanidade ainda vive bem longe da perspectiva cosmopolita idealizada pelos filósofos iluministas, a qual pressupunha não só a internacionalização das relações econômicas e o progresso material que lhe é subjacente, mas, sobretudo, o congraçamento universal dos povos e etnias, baseado numa ordem jurídica harmônica e em governos constituídos sob a vontade geral dos cidadãos, jamais contra ela170.

“Avanço” ou retrocesso, na perspectiva do editorial, estavam assentados no alcance ou distanciamento de ideais específicos, aqueles defendidos pelos “filósofos iluministas”: “internacionalização das relações econômicas”, “progresso material”, “congraçamento universal dos povos e etnias”, “ordem jurídica harmônica”, “governos constituídos sob a vontade geral dos cidadãos”. A “paz”, assim, estava relacionada ao “alcance” ou “distanciamento” de tais perspectivas. O quão perto ou longe estava América Latina, África, União Soviética, Estados Unidos, de tais pressupostos? Este foi o objetivo de análise traçado pelo editorial.

Em “Mundo Longe da Paz” as dicotomias estavam assentadas nas noções de “avanço” e “retrocesso”, “progresso” e “primitivismo”, “congraçamento universal” e “guerras locais”,

169 XAVIER, Ismail. Prefácio. In.: SHOHAT, Ella; STAM, Robert. Crítica da imagem eurocêntrica. Trad.: Marcos Sares. São Paulo: Cosac Naify, 2006. p. 11 – 18.

as quais deveriam, segundo o texto, ser superadas a partir da adoção de um conjunto de valores, sistematizados nas noções de “ordem jurídica harmônica” e “governos constituídos sob a vontade dos cidadãos”. E o caminho para o alcance desse “mundo ideal” passava, primordialmente, pela “internacionalização das relações econômicas”.

Importante papel teria, assim, a expansão do capitalismo, como caminho para o jornal, capaz de alcançar o conjunto de perspectivas idealizadas, de modo que, as relações econômicas teriam, para a FSP, influência significativa, por meio do qual eram levadas normas sociais, valores, formas de organizações políticas, ideais de sociabilidade entre grupos.

Alguns entraves impediriam, segundo o texto, o alcance do “mundo”, desejado pelo editorial. Estabeleceu, assim, forte crítica quanto à política de revigoramento da ordem bipolar, constituindo-se, este, como um “entrave” para o desenvolvimento, dado o que chamou de embates entre “sistemas políticos e ideológicos” distintos e o interesse de cada uma dessas potências em garantir a sua própria hegemonia. Apontava para uma ordem multipolar, e para a necessidade de uma política independente de tais conflitos, acima de supostos “embates ideológicos”:

Digladiam-se sistemas político – ideológicos antagônicos, incrementando- se mutuamente os arsenais de destruição nuclear: é o conflito Leste – Oeste tendo como vértices duas superpotências em disputa permanente pela hegemonia de seus respectivos blocos 171.

A crítica que teceu não era direcionada para a produção de arsenais nucleares por parte das duas superpotências, mas pela busca do exclusivismo a que esta política previa e de que modo ela, segundo o editorial, aumentava a oposição entre “ricos” e “pobres”, conforme o excerto: “Chocam-se realidades sócio – econômicas profundamente desiguais, a separar e realimentar diferenças entre países ricos e países pobres” 172.

Ao desqualificar os embates em torno da Guerra Fria enquanto falaciosos, o que de fato, segundo a FSP, deveria concentrar as atenções era a oposição entre países “ricos” (Primeiro Mundo) e os “pobres”, os entraves e caminhos a serem superados e percorridos para superação, independentes da ordem política – econômica adotada nas fronteiras nacionais. Previa, assim, uma nova articulação para o cenário global, e o caminho possível era o “progresso material” e “internacionalização das relações econômicas”.

171 Ibid., p. 02. 172 Ibidem.

O editorial abarcou localidades diversas, marcadas por aspectos políticos, econômicos e sociais distintos, todos, contudo, submetidos às expectativas de regularização dos processos sociais, em detrimento às dinâmicas dos grupos, de modo a dar aos chamados “processos civilizatórios”, um novo condutor, não mais estatal, mas a partir da atuação das multinacionais.

Esta “ordem econômica” ideal traçada pela FSP tinha que superar alguns entraves a fim de que fosse efetivada, entre eles, estavam, sobretudo, as “guerras”, o “nacionalismo” e o “racismo”.

As “guerras” eram, sobretudo, apontadas, em sua maioria, como originárias dos conflitos caracterizados como de caráter ideológico, da ordem bipolar e à corrida armamentista, a qual severamente criticou, tendo em vista, sobretudo, a busca pelo monopólio da produção de armamentos, a qual almejava o governo dos EUA.

O “nacionalismo”, por sua vez, teria sido evidenciado pelas eleições de Ronald Reagan. Ou seja, para a FSP, os Estados Unidos, ao elegê-lo, caminhavam no sentido oposto à internacionalização das relações econômicas. Foram tecidas, em diversos momentos, críticas à política levada adiante por Reagan e este “nacionalismo” foi construído a partir das políticas protecionistas, sanções econômicas aplicadas a países como a Nicarágua, as quais dificultavam o “livre comércio”, diariamente criticadas pela FSP.

Outro entrave para a expansão da “paz”, segundo a FSP, era o racismo, seja dentro das fronteiras nacionais ou fora, construído, em diversos momentos, como aquele que limitava o acesso aos bens de consumo a uma parcela significativa da população, afora as discussões que ensejava, no momento, referentes às propostas de sanções econômicas para a África do Sul.

A superação destes entraves, para FSP, estava fortemente relacionada à adoção de uma ordem política, econômica e cultural determinada. Assim, alguns caminhos estavam sendo trilhados e foi a partir desta perspectiva que os olhares foram lançados para o Cone Sul. Nesta região,

[...] o processo de transição democrática desenvolve-se de modo desigual, com altos e baixos entre os estados de ditadura e de direito. Mesmo assim, alguns avanços foram notáveis. No Uruguai, a devolução do poder aos civis mediante eleições gerais e diretas, após mais uma década de regime militar, representou passo significativo no rumo da democracia. E na Argentina de Alfonsin, em que pesem todas as vicissitudes de um governo que se deparou com uma nação arrasada pelos efeitos de guerras interna e externa, o respaldo popular à vida democrática prevaleceu sobre forças obscurantistas, através de expressivo apoio ao novo regime no plebiscito que aprovou acordo negociado com o Chile acerca do canal de Beagle. O endurecimento da ditadura de Pinochet neste último país e o prolongamento do

despotismo de Stroessner, no Paraguai, constituem os contrapesos autoritários à abertura política nessa parte do continente173.

Para a FSP, de fundamental importância para o alcance da ordem econômica desejada eram as configurações políticas, marcados, naquele momento, no que se referia à América Latina, por processos democratizantes, as quais tinham como principal elemento do “avanço: “eleições gerais e diretas”. Era com esses países que o Brasil deveria marcar sua inserção no mercado internacional, segundo a FSP, dado às similitudes em relação aos processos democráticos, a partir do qual se tornavam, para o jornal, necessários acordos diplomáticos os quais viabilizassem maiores intercâmbios.

Investimento nas exportações, aumento dos mercados consumidores uma “ordem econômica” livre de barreiras ideológicas e os esforços de “desenvolvimento”, marcados pela expansão da indústria nacional e abertura de mercados em diversas regiões eram os caminhos vislumbrados por este jornal. Ao Brasil, tendo em vista os limites protecionistas impostos pelos países do Primeiro Mundo, a estratégia deveria voltar-se para os mercados da América Latina, Oriente Médio e África, principalmente. Eram estes os locais capazes de oferecer os recursos necessários para o país marcar sua entrada no “Primeiro Mundo”, tal como desenhado nas folhas deste jornal.

Este editorial se encerrou com as considerações sobre o continente africano:

A África marcou sua presença no cenário mundial com fatos que apontam para o estágio incipiente da humanização do homem. Enquanto na Etiópia, milhões de habitantes foram atingidos pelo flagelo da seca – fazendo paralelo com a situação do Nordeste brasileiro e reiterando que a ‘geografia da fome’ tem raízes sócio – econômica -, o bispo sul – africano Desmond Tutu era agraciado com o prêmio Nobel, fazendo o mundo lembrar que ainda se convive no concerto das nações, com uma constituição racista e uma ditadura branca, apesar dos votos contrários da maioria dos países membros da ONU, ai incluído o Brasil174.

A África, “neste mundo”, foi marcada pelo “retrocesso”, para expressões que remetiam às formas de naturalização e essencialização de concepções como “primitivismo”, “barbárie”. Para o editorialista existia, assim, uma suposta escala evolutiva de desenvolvimento, em que a África, em seus aspectos políticos, econômicos e culturais foi inserida, mas que no início de um percurso ao qual entendiam como “progresso”. Foi essa a percepção que se sobressaiu a partir da utilização da expressão “local incipiente de humanização do homem”, a qual propôs um sujeito e um modelo de organização social,

173 MUNDO Longe da paz, 1985, p. 02. 174 Ibid., p. 02.

dotado de universalidade e que buscava incluir outros grupos e indivíduos, os quais, ao não terem atingido este estágio de desenvolvimento, receberiam tais conotações.

Vimos, neste editorial, a construção de um modelo de desenvolvimento, eurocêntrico, na medida em que, utilizando-se de Ella Shohat e Robert Stam e as formas de constituição do eurocentrismo, temos: uma concepção linear de história que caminho rumo a um suposto progresso natural rumo às instituições democráticas; foram ignoradas outras tradições democráticas; a opressão, tais como o racismo, são percebidas como “avessas” a este sistema, ou apenas um “acidente” de percurso. Ainda, segundo estes autores, este modelo se apropria da produção cultural de outros povos e propõe hierarquizações entre seus diferentes modelos175.

Na África do Sul, que recebeu atenção especial entre um conjunto vasto de países que compõem a África, havia, conforme proposto, o “retrocesso” de “uma ditadura da minoria branca” e uma “ordem jurídica” não “harmônica”. Em contrapartida, eram vislumbradas possibilidades de abertura, para a FSP, com Desmond Tutu, o qual, para além das críticas ao apartheid, poderia ser, para este jornal, o futuro da África do Sul livre e, assim, era preciso, ao Brasil, ficar atento.

A comparação com o Nordeste buscava enfatizar que os problemas estavam no “baixo grau de desenvolvimento econômico”; a pobreza comumente tratada, tal como notou Joseph Ki – Zerbo, para a caracterização da percepção do desenvolvimento do capitalismo na África, como “uma entidade metafísica que afeta, por infelicidade, certos grupos da espécie humana por razões que têm a ver só com eles” 176, incapaz, assim, de compreender e analisar as diferenças, as dinâmicas sociais, a qual nega o capitalismo como sistema de exploração racial e que reproduzia, naquele momento, novas possibilidades de atuações imperialistas, baseada na perpetuação das trocas desiguais, com um papel de destaque ao Brasil.

Eram delineadas, assim, neste texto, as seleções dos privilégios os quais iriam marcar toda a composição do jornal, organização dos espaços e foco dado aos temas traçados, as regiões acompanhadas diariamente pelos leitores daquele jornal, os lugares por elas ocupados, as críticas efetuadas. O Brasil, nele, emergia da condição de país subordinado aos interesses dos EUA para a de produtor industrial, investidor, mas com um sério problema, a dívida externa, e a solução proposta pela FSP era a busca novos mercados, o que o colocava o Brasil

175SHOHAT, Ella; STAM, Robert, 2006, p. 22 – 26.

176 KI ZERBO, Joseph. Para quando África?: entrevistas com René Holenstein. Trad.: Carlos Aboim de Brito. Rio de Janeiro: Pallas, 2009. p. 28.

em diálogo com a África, Oriente Médio e América Latina r em concorrência direta com os EUA.

A FSP manteve foco constante às possibilidades abertas de atuação do Brasil na África, com interesse primordial nas questões referentes ao apartheid e, em menor escala, aos conflitos na região sul, “processos de paz” e previa, sobretudo, a necessidade de afastamento da influência cubana, soviética e estadunidense na área, o que poderia ser vislumbrada, sobretudo, pelas críticas referentes à forma como os Estados Unidos conduzia sua política naquela região, a partir da qual, delineava-se seu isolamento, junto ao governo sul - africano177 e a possibilidade de nichos de mercados ao Brasil178.

Lançar olhares especificamente para determinadas regiões, com ênfase em algumas delas, com críticas contundentes ao protecionismo de Reagan, dão – nos indícios da forma como, para a FSP, deveria ocorrer a inserção internacional do Brasil, com quais países propunha privilegiar estas trocas e o caráter das mesmas. Conforme a FSP, era o Brasil, para a América Latina, um exemplo de “transição democrática” e, para a África do Sul, um “opositor incontestável ao racismo”, reiterado, por diversas vezes, por meio da alusão do Brasil enquanto país que havia votado contra o apartheid perante a ONU, tal como expresso no editorial acima.

Tais acompanhamentos, contudo, delineavam-se, também, por meio do foco constante ao isolamento da política de Ronald Reagan, seja na proposta de sanções a Líbia, interferência nos assuntos da América Central, tal como a Nicarágua, as discussões referentes às políticas protecionistas e sua política para África do Sul. Sua eleição, inclusive, foi apontada como um “retrocesso”, para os objetivos da FSP.

A busca da FSP da projeção do Brasil enquanto um “opositor incontestável” ao racismo frente a ONU marcou, assim, a posição estratégica a partir da qual o apartheid poderia entrar no rol de discussões, capaz, assim, de oferecer-lhe uma projeção para aquela região e que estabelece relações com a percepção lançada por Lins da Silva, do apartheid