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Pontifícia Universidade Católica São Paulo 2008 AUGUSTO FARIA ROOS STAR WARS: Um estudo a partir da Psicologia Analítica e da Mitologia

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AUGUSTO FARIA ROOS

STAR WARS:

Um estudo a partir da Psicologia Analítica e da Mitologia

Faculdade de Psicologia Pontifícia Universidade Católica

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Pontifícia Universidade Católica São Paulo

2008

AUGUSTO FARIA ROOS

STAR WARS:

Um estudo a partir da Psicologia Analítica e da Mitologia

Trabalho de conclusão como exigência parcial para graduação no curso de

Psicologia, sob orientação da Profa. Dra. Flavia Hime

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Agradecimentos:

Eu agradeço primeiramente a Profa. Dra. Flavia Arantes Hime, que orientou e possibilitou esse trabalho, sempre disposta a ajudar e orientar, dando seu grande apoio e incentivo, e ótima companhia. Agradeço imensamente a você, pelo seu carinho e atenção.

Agradeço em especial minha namorada Joana, pela sua enorme paciência e força, sem a qual esse trabalho não seria realizado.

Agradeço ao ex-professor Max, e a Viktor Salis, por suas recomendações bibliográficas e inspiração. Obrigado.

Agradeço ao meu orientador de Seminários, Sergio Wajman, que me ajudou a iniciar esse trabalho, passando-me importantes recomendações para eu prosseguir na realização do mesmo.

Agradeço à Professora Marisa Penna, por ter aceitado avaliar esse trabalho.

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Área do conhecimento: Código 7.07.00.00 -1 – Psicologia

Star Wars: Um estudo a partir da Psicologia Analítica e da Mitologia Augusto Faria Roos, 2008

Orientadora: Profa. Dra. Flavia Arantes Hime

Palavras-chave: Star Wars, Mito do Herói, Psicologia Analítica e Mitologia

Resumo:

O objetivo deste trabalho foi refletir sobre o arquétipo do herói sob a ótica da Psicologia Analítica e da Mitologia. Para tanto foram analisados os três primeiros filmes da saga Star Wars, utilizando-se o método da Psicologia Analítica, que tem como recurso a amplificação simbólica.

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Sumário:

Introdução ...pg.1

Capítulo I ... pg.3 Sobre o mito e sua relação com a Psicologia

Capítulo II ...pg.15 O mito do herói

Capítulo II a ...pg.16 Características do herói

Capítulo III ...pg.27 Sobre a Psicologia Analítica

Capítulo III a ...pg.27 Conceitos de ego e self na Psicologia Analítica

Capítulo III b ... pg.34 Sobre o processo de individuação na Psicologia Analítica

Capítulo III c ... pg.44 Considerações sobre os conceitos de sombra e complexo para a Psicologia Analítica

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Capítulo IV ... pg.62 Método

Capítulo V ...pg.64 Resultados

Capítulo V a ...pg.64 A influência histórica subjacente aos filmes

Capítulo V b ...pg.66 Sinopses

Capítulo VI ... pg.96 Análise e Discussão

Capítulo VII ...pg.153 Considerações Finais

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Introdução:

A escolha do tema para esse trabalho de conclusão de curso de Psicologia da PUC-SP deu-se a partir de um interesse pessoal de integrar conceitos da Psicologia com as cenas da coleção de filmes Star Wars, cenas essas que compõem uma elaborada e profunda trama e que podem ser significadas de diferentes formas.

Pretendo, com esse trabalho, buscar reflexões e interpretações baseadas na Psicologia e mitologia, no sentido de descrever e refletir sobre assuntos e temas que configuram a trama. Tais temas se referem às mudanças transcorridas pelo herói e os significados, condições e decorrências implicadas nessas mudanças.

Desta maneira farei um recorte, dada a complexidade da narrativa. Meu olhar se dirigirá ao personagem principal e à trama que se desenrola nos três primeiros filmes.

No trabalho de análise do filme, pretendo intercalar aspectos da mitologia presentes no filme com conceitos da Psicologia Analítica, para assim levantar questionamentos sobre o ser humano, que são retratados no filme, assim como deveu-se ao propósito do produtor cinematográfico George Lucas, que auxiliado pelo famoso mitólogo Joseph Campbell, propôs-se a descrever um mito por meio de uma extensa obra cinematográfica que descreve a cronologia da vida e morte de um herói. Trata-se de um conjunto de seis filmes que desenrolam-se numa seqüencia temporal, sendo que em cada episódio se retratam as principais situações transformadoras da trama.

Este trabalho se restringirá aos filmes, uma vez que a obra Star Wars possui uma extensa literatura e outras formas de continuidade como revistas em quadrinhos, jogos de RPG, animações que narram eventos ocorridos entre alguns filmes, e mesmo novas histórias. O foco de trabalho será o herói principal e personagens e eventos retratados nos três filmes iniciais da saga.

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Capítulo I - Sobre o mito e sua relação com a Psicologia:

“A mais antiga das interpretações da mitologia é o evemerismo (Evêmero, filósofo grego do século IV antes de Cristo). Os mitos seriam a transposição de acontecimentos históricos e de suas personagens para a categoria divina”.

(SILVEIRA, 2003:113).

Mitos são narrativas fundadas em culturas primitivas que contêm os acontecimentos originários e reveladores do homem enquanto animal já convertido em cultura e já vivendo suas próprias condições humanas, que seriam de um ser mortal, sexuado e fazendo parte de uma comunidade. Sendo assim, o mito já foi o registro originário de uma comunidade ou tribo que serviu para explicar, ou mesmo inaugurar, as condições e questões existenciais do homem, condições essas que seriam as características do homem enquanto ser no mundo. Mesmo se os homens primitivos já indagassem sobre tentativas de definir os preceitos e condições do homem, fosse para atingir um modelo invariável, fosse para resolver insatisfações da vida, os mitos já estavam presentes e ofereciam a "primeira versão". Segundo Mircea Eliade, em seu livro “Mito e Realidade” (1998), a primitiva ou ancestral origem do mito remonta ao Sagrado, Deus ou Ente sobrenatural, sendo por excelência ritualizado pela comunidade. Sendo assim, os mitos são narrações do divino que ecoam desde tempos ancestrais; sua utilização para a sociedade se presta a orientar os homens mediante as transformações da vida e fornecer uma explicação sobre a origem do mundo.

A autora Nise da Silveira em seu livro “Jung – vida e obra” (2003) cita que os mitos são modelos exemplares de todas as atividades humanas significativas. A autora faz uma referência a Malinowski que por sua vez expõe que os mitos nas sociedades primitivas “são a expressão de uma realidade original mais poderosa e mais importante através da qual a vida presente, o destino e os trabalhos da humanidade são governados”. (SILVEIRA, 2003:114)

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sábios na função de prestar suporte aos “desajustes” pessoais e comunitários. O autor Joseph Campbell no livro “O herói de mil faces”, menciona o psicanalista como um agente com função análoga à do mito para os povos antigos: seria semelhante à de um guia espiritual; ele menciona:

(...) o simbolismo perene da iniciação é produzido espontaneamente pelo próprio paciente no momento de sua emancipação. Ao que parece, há nessas imagens iniciatórias algo que, de tão necessário para a psique, se não for fornecido a partir do exterior, através do mito e do ritual, terá de ser anunciado outra vez, por meio do sonho, a partir do interior - do contrario, nossas energias seriam forçadas a permanecer aprisionadas num quarto de brinquedos, (...) (CAMPBELL, 1997:22).

Ao longo dos séculos, os mitos foram sendo resignificados, ocorreram mudanças na concepção de mito, que foi, por muito tempo, rotulado como fábula, ilusão, ficção inventada. Tais significações atribuídas ao mito lhe retiraram o caráter religioso e metafísico. Apesar das implicações históricas do mito, que o descaracterizaram quanto à sua função social, removendo-o da esfera da formação e manutenção do indivíduo, como veremos nas sociedades tribais ou na Grécia clássica, ainda assim, os mitos sempre continuaram acompanhando a humanidade e desempenhando sua função.

Segundo Maria Helena de Mendonça Coelho, para Adorno e Hockheimer em “A Dialética do Esclarecimento” (COELHO, 2000:20), o mito se origina do terror e desamparo do homem em relação à natureza e da tentativa de entender e explicar o mundo. Muitos mitos são histórias que visam o esclarecimento da criação do mundo e do desenvolvimento da civilização. Para tais autores o uso de mitos para explicar o mundo é uma prática primitiva, uma vez que a sociedade ocidental atual possui conceitos mais avançados para isso.

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Penso que a concepção de mito como sendo uma ciência primitiva que descreve e explica a origem das coisas, leva em conta apenas uma crítica às explicações do mito da origem, vistas como em defasagem e em lugar subordinado em relação às explicações da ciência moderna sobre a origem. A autora enfatiza que segundo os autores citados, os mitos seriam vestígios de uma fase primitiva de nossa cultura, quando os seres humanos por se submeterem à natureza, não apresentavam autoconsciência, devido à projeção da dimensão subjetiva na natureza, “O sobrenatural, os espíritos e os demônios seriam imagens especulares dos homens, que se deixam amedrontar pelo natural” (ADORNO – HOCKHEIMER

apud COELHO, 2000). A autora cita ainda que para esses autores a mitologia como prática social resulta em um estado de imenoridade social por não fazer o uso da razão, que é própria do humano, e que é o veículo para a ciência, logo veículo para a formulação de uma sociedade mais harmoniosa. Ela completa citando que para tais autores, deveríamos abandonar as explicações mágicas e desenvolver a ciência e a razão, que por infelicidade acabaram se convertendo em mito, “..., apoiando-se na ideologia, explicação enganosa própria das produções mitológicas, acaba por se identificar com o mito, afirmam os autores de ‘Dialética do Esclarecimento’” (COELHO, 2000:20). A citação acima se refere à falência da razão e da ciência, que ao invés de seguirem um curso diferenciado, acabaram se aproximando aos mitos.

Ao se observar mitos de diferentes lugares e épocas, é sempre possível notarmos semelhanças, o que revela que os conteúdos dos mitos dizem respeito a aspectos essenciais do ser humano. Sendo assim, mitos não contam histórias exclusivas de um povo, eles apenas são criados por um povo, pois contam histórias sobre o ser humano.

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símbolos psíquicos, os quais atraem energia, estruturam-na e levam, em ultima instância, à criação de civilização e cultura”. (STEIN, 2006:81).

Os aspectos essenciais do ser humano que o mito por sua vez captura nos permitem a identificação do mito com o arquétipo (relação que logo será desenvolvida), o que nos revela que o mito se constitui a partir dos elementos ontológicos do homem, como nascimento, vida e morte. Por este motivo, já é possível fundamentar as semelhanças entre os mitos nas diferentes culturas e épocas. Como menciona Joseph Campbell: "a mitologia em todos os lugares é a mesma" (CAMPBELL, 1997:15).

Farei uma pequena digressão sobre arquétipos e instintos, para melhor apresentar as características definidoras dos mitos.

Segundo Nise da Silveira, “... arquétipos são possibilidades herdadas para representar imagens similares, são formas instintivas de imaginar.” (SILVEIRA, 2003:68)

Cabe dizer que existe uma forte relação entre arquétipos e instintos. O autor Murray Stein, em seu livro: Jung – o mapa da alma; desenvolve definições de arquétipo e sua relação com os instintos.

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à individualidade, tem que ser procurada em outras áreas da personalidade” (STEIN, 2006:83-84).

Segundo o autor, a individualidade se dá a partir de uma luta pessoal pelo desenvolvimento e aquisição de consciência; e os arquétipos e instintos são dons da natureza que são dados igualmente a todos os seres humanos.

Para o mesmo autor, a teoria dos arquétipos é fundamental para a concepção global da psique proposta por Jung, que por sua vez concebia uma profunda relação entre instinto e arquétipo, apesar de não separar a mente do corpo e de concebê-los como sendo inter-relacionados. Irei definir a diferença básica entre instinto e arquétipo por meio de uma analogia segundo a qual o arquétipo estaria associado à mente e o instinto ao corpo, ou seja, tal analogia irá separar conceitualmente a mente do corpo, porém irá proporcionar um entendimento da distinção entre tais conceitos. Nesta analogia, o arquétipo “carregaria” as mensagens da mente, ou seja, as imagens e idéias (conteúdos psíquicos); enquanto que o instinto “carregaria” as mensagens corporais, que seriam os níveis de ansiedade e outras reações químicas do funcionamento fisiológico. No entanto, as dinâmicas desses dois conceitos se dão conjuntamente, como partes que compõem uma unidade, sendo assim inseparáveis. Tais dinâmicas atingem o sujeito devido a uma impressão causada na relação do sujeito com o mundo, que por sua vez irá mobilizar conteúdos internos do sujeito, ativando a unidade arquetípico-instintiva.

Outra analogia, concebida por Jung e mencionada por Murray Stein no mesmo livro anteriormente citado, é de situar o arquétipo e o instinto em pólos de um espectro.

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se manifestarão na consciência como necessidades imperativas, desejos prementes, idéias e imagens”. (STEIN, 2006:95).

A autora Nise da Silveira relaciona arquétipos com mitos e ainda diz como se originariam os arquétipos. Serão destacadas abaixo algumas citações de seu livro: Jung – vida e obra.

“... produções do inconsciente, tais como visões, alucinações, delírios, trazem sempre de permeio componentes míticos. A constatação repetida dessas ocorrências, sem que conhecimentos anteriores os pudessem explicar, levou Jung a admitir que devem estar presentes nas profundezas do inconsciente os moldes básicos para a formação dos mitos (arquétipos)”. (SILVEIRA, 2003:116).

“Resultariam do depósito das impressões superpostas deixadas por certas vivências fundamentais, comuns a todos os seres humanos, repetidas incontavelmente através de milênios. Vivências típicas, tais como as emoções e fantasias suscitadas por fenômenos da natureza, pelas experiências com a mãe, pelos encontros do homem com a mulher e da mulher com o homem, vivências de situações difíceis como a travessia de mares e de grandes rios, a transposição de montanhas etc” (SILVEIRA, 2003: 68).

“Seriam disposições inerentes à estrutura do sistema nervoso que conduziriam à produção de representações sempre análogas ou similares. Do mesmo modo que existem pulsões herdadas para agir de modo sempre idêntico (instintos), existiriam tendências herdadas para construir representações análogas ou semelhantes” (SILVEIRA, 2003:68-69).

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características ontológicas que influenciam e mesmo regem a vida dos seres humanos.

“A noção de arquétipo, postulando a existência de uma base psíquica comum a todos os seres humanos, permite compreender por que em lugares e épocas distantes aparecem temas idênticos nos contos de fadas, nos mitos, nos dogmas e ritos das religiões, nas artes, na filosofia, nas produções do inconsciente de um modo geral – seja nos sonhos de pessoas normais, seja em delírios de loucos” (SILVEIRA, 2003:69).

A passagem citada acima, assim como as demais dos outros autores, revelam a capacidade do arquétipo de capturar conhecimentos que foram desde os primórdios ou de tempos antigos da civilização, utilizados e pensados pelo homem; e que outros seres humanos de diferentes locais e tempo, sem terem entrado em contato direto com tais conhecimentos, puderam reproduzi-los e expressá-los espontaneamente, em outro tempo e local. Isso é possível quando determinado conhecimento está incluído no nível arquetípico, que é um nível de consciência coletiva e intrínseca aos seres humanos, potencialmente acessível aos mesmos em qualquer época e cultura.

Como foi citado anteriormente, o mito, assim como o arquétipo, remonta a um ente sobrenatural e mesmo divino, que por sua vez inaugurou condições da constituição psíquica e vida coletiva do ser humano. Essas condições permanecem acessíveis aos humanos e são concebidas como características presentes e mesmo essenciais ou ontológicas. Sendo assim, o mito é a revelação desses conteúdos ontológicos.

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Joseph Campbell em seu livro "O herói de mil faces", menciona: "Não seria demais considerar o mito a abertura secreta através da qual as inexauríveis energias do cosmos penetram nas manifestações culturais humanas” (CAMPBELL, 1997:15).

Segundo esse autor, as civilizações arcaicas e os povos tribais utilizavam a mitologia para orientar as mudanças das fases na vida dos indivíduos e do grupo. Para tal, costumeiramente se realizavam rituais ou ritos que tinham como função a aplicação da mitologia dentro da cultura social. Estes ritos tinham a função de relembrar ao povo os ensinamentos do mito.

No mesmo livro citado, o autor menciona que a função primária dos ritos e da mitologia sempre foi a de fornecer símbolos para elevar e avançar o espírito humano, para assim opor-se à reprodução das "fantasias humanas constantes que tendem a levá-lo para trás" (CAMPBELL, 1997:21). Os rituais possuem forte relação com a mitologia, pode-se dizer que eles eram a aplicação prática do mito enquanto sendo um propósito de acompanhar fases de mudanças e transformações.

Segundo o autor Edward C. Whitmont, as transformações se dão quando o indivíduo atinge os núcleos arquetípicos de seus complexos, que por sua vez seriam as condições que sustentam a condição anterior do sujeito. “Assim, o centro nuclear de um complexo se apresenta caracteristicamente sob a forma de imagens e representações mitológicas...” (WHITMONT, 2002:66). Tal autor cita que essas representações mitológicas são nomeadas mitologemas, que são temas com conteúdos primordiais que foram repetidos incontáveis vezes nas manifestações humanas, sendo as estruturas básicas do ser humano com as quais ele se depara para estruturar seu psiquismo. No entanto, tais conceitos serão desenvolvidos mais adiante.

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que, após o rito, se reestruturava em um isolamento a fim de amadurecer seus sentimentos relativos à sua nova situação, podendo assim retornar ao grupo como se tivesse renascido.

Mircea Eliade em seu livro "Mito e Realidade" menciona:

Nos níveis arcaicos da cultura, a religião mantém a abertura para um mundo sobre-humano, o mundo dos valores axiológicos. Esses valores são “transcendente”’, tendo sido revelados pelos Entes Divinos ou Ancestrais míticos. Constituem, portanto, valores absolutos, paradigmas de todas as atividades humanas. Como vimos, esses valores são veiculados pelos mitos aos quais compete acima de tudo despertar e manter a consciência de um outro mundo, do além,- mundo divino ou mundo dos Ancestrais. Esse “outro mundo” representa um plano sobre-humano, “transcendente”, o plano das realidades absolutas. É através da experiência do sagrado, do encontro com uma realidade transumana, que nasce a idéia de que alguma coisa existe realmente, de que existem valores absolutos, capazes de guiar o homem e de conferir uma significação à existência humana. É através da experiência do sagrado, portanto, que despontam as idéias de realidade, verdade e significação, que serão ulteriormente e sistematizadas pelas especulações metafísicas.(ELIADE, 1998:123-124)

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Pode-se dizer que as práticas rituais forneciam suporte para o enfrentamento das transformações e fortaleciam o vínculo do sujeito com um sentido da vida ou realidade própria. Na época moderna, não existe este suporte espiritual efetivo, mas nem por isso não se dão as transformações. Na ausência de uma mitologia padrão na cultura, nós ainda temos as manifestações individuais, no mínimo em nossos sonhos, que, por sua vez, trazem símbolos que podem ser empregados a serviço de uma transformação. Desta forma, existe uma semelhança entre sonhos e mitos. Mesmo em se tratando de uma experiência privada, os sonhos podem exercer grande influência no indivíduo.

Joseph Campbell (1997) em seu livro anteriormente citado faz uma analogia interessante: “O sonho é o mito personalizado e o mito é o sonho despersonalizado” (1997: 27). Em seguida, o autor menciona que tanto o mito quanto o sonho simbolizam a dinâmica da psique, a diferença entre eles seria que o sonho é deformado pelas particularidades do sonhador, enquanto que as deformações do mito são válidas para toda a humanidade. (CAMPBELL, 1997:27).

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emitiu perante as situações a ele trazidas, relatando assim os enfrentamentos e implicações externas e internas que conseqüentemente o atingem.

Segundo Murray Stein em seu livro: JUNG – o mapa da alma, o mito do herói concede a ele o papel de criador da consciência. O autor ainda cita:

“O herói é um padrão humano básico – igualmente característico tanto em mulheres quanto em homens – que exige o sacrifício da ‘mãe’, significando uma atitude infantil passiva, e que assume as responsabilidades da vida e enfrenta a realidade de um modo adulto. O arquétipo do herói exige o abandono desse pensamento fantasioso infantil e insiste em que se aceite a realidade de modo ativo” (STEIN, 2006:86).

No livro “Mitologia Grega” de Junito Brandão (1999), o mito do herói é um recurso que pode auxiliar o homem a conhecer as possibilidades de sua consciência individual e coletiva, à medida que o mesmo pode se inspirar com as transformações do herói, fazendo-o assim se dar conta da pujança e potencialidade de sua personalidade. O autor nesse livro descreve a origem, a estrutura ontológica e a etimologia do herói, que serão desenvolvidos em outro capítulo. No prefácio deste livro são mencionados conceitos de C.G. Jung, que concebe mito como arquétipo, logo muito importante para estruturação, desenvolvimento e evolução de nossa personalidade, consciência individual e coletiva; o que mais uma vez permite relacionar o mito com a psicologia. Segundo o autor do prefácio, o herói é um arquétipo que está sempre constelado nas grandes transformações (BRANDÃO, 1999:1-19).

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Capítulo II - Mito do herói:

O mito do herói inaugura um novo foco em relação ao mito da origem. Como cita Erich Neumann (1995:107), “a preponderância agora é o centro do mundo como lugar onde está o homem”. Sendo assim, o foco não mais é a história da criação do mundo e do homem, não se trata mais de assimilar e acomodar o milagre da criação ou de responder às inquietações a respeito de o que somos e de onde viemos, mas sim de olhar como um homem vive sua vida e como encara sua morte. Esse “novo foco mitológico” apresenta uma via dupla, podendo ser encarado tanto do ponto de vista do eu (herói) quando do ponto de vista do outro (que observa ou interage com o herói). O herói é aquele que “renova” o mundo e revela arquétipos do ser humano. Por isso, o mito do herói inaugura uma fase de olhar um indivíduo em suas relações com o mundo. Nesta fase, cujo foco é como um homem vive, é que se formam as figuras e as personalidades humanas, que emergem da observação das individualidades e personagens. Cabe pontuar que o mundo são as situações vivenciadas pelo herói, sendo o ambiente e contexto das interações do mesmo (conforme a citação acima, o lugar onde está o homem como sendo o centro do mundo).

Sendo assim, as figuras e personalidades humanas, se apresentam por meio da trajetória do herói, e são “reveladas” a partir de uma experimentação ou mesmo uma identificação com conteúdos que representam uma figura ou personalidade humana. Pode-se pensar que esses aspectos pessoais identificados pelo herói se configuram por meio de uma trama, na qual o herói é afetado por conteúdos subjetivos com os quais se relaciona; tanto conteúdos advindos de escolhas pessoais, quanto reações infligidas por um outro personagem.

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e que servem ao mesmo como um modo de operar, sentir e de perceber a si mesmo e ao mundo.

“Assim sendo, o herói é o precursor arquetípico da humanidade em geral. O seu destino é o modelo que deve ser seguido...” (NEUMANN, 1995:107). Podemos pensar o mito heróico como sendo potencialmente parte constituinte da personalidade de cada indivíduo.

Junito S. Brandão em seu livro “Mitologia Grega”, cita: “Não seria mais simples dizer que o herói, seja ele de procedência mítica ou histórica, seja ele de ontem ou de hoje, é simplesmente um arquétipo, que ‘nasceu’ para suprir muitas de nossas deficiências psíquicas?” (BRANDÃO, 2002: 20). O autor complementa a citação acima apontando para as correspondências e “similitude estrutural” entre heróis nas mais diferentes culturas que não tinham comunicação entre si. Como se a vinda do herói fosse uma demanda de desenvolvimento psíquico para a comunidade, sendo assim, cada comunidade precisará de um herói para mobilizar seus recursos psíquicos ou mesmo cumprir fases de desenvolvimento da psique humana. É possível constatar em diferentes culturas e povos o mesmo mito, o que pode sugerir uma direção do desenvolvimento da consciência humana comum em diferentes povos, os quais realizam esse desenvolvimento independentemente, por meio de seu funcionamento grupal e dos heróis.

Capítulo II a - Características do herói:

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na vida adulta, cujos conteúdos possibilitam uma renovação e elevação na vida adulta.

Sobre a “transfiguração”, o autor diz que é o retorno do herói ao nosso meio para desempenhar a tarefa de ensinar a lição de vida renovada que aprendeu.

O autor cita ainda que o herói é aquele que se retira da “cena mundana dos efeitos secundários” (1997:27), e se lança sobre as regiões causais da psique, aonde se encontram as dificuldades, e se empenha em erradicá-las e esclarecê-las em favor de si mesmo. Tal processo corresponde ao combate empenhado pelo herói contra os demônios infantis de sua cultura local. O herói é, portanto, aquele que passa por tal experiência assimilando-a diretamente e sem distorções daquilo que C.G Jung denominou imagens arquetípicas. O autor complementa que tal processo do herói é concebido pela filosofia hindu como sendo a discriminação entre o verdadeiro e o falso; e que “Os arquétipos a serem descobertos e assimilados são precisamente aqueles que inspiraram, nos anais da cultura humana, as imagens básicas dos rituais, da mitologia e das visões” (CAMPBELL, 1997:27).

Campbell faz uma relação do herói com a dinâmica de ascensão e desintegração das civilizações: um cisma no espírito ou um cisma no organismo social não são resolvidos por uma retomada dos ideais e dos funcionamentos passados, nem por rearranjos de elementos em deterioração ou planejamentos ideais de futuro. Apenas o nascimento pode conquistar a morte, não o nascimento de algo antigo, mas sim o do novo.

Existem variadas formas e configurações de heróis, cada um deles toca distintos aspectos dos arquétipos, assim como existem variadas formas de rituais. No entanto, é muito presente nos rituais a função de catarse, de viver uma experiência limite e até mesmo trágica, para se renovar ou purificar os membros da comunidade ou da tribo.

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constatada a importância do conteúdo dos rituais, que, assim como os conteúdos experimentados pelo herói, são arquetípicos.

O herói, após seu nascimento, deve engendrar na batalha primordial a luta contra os “primeiros pais”. Tal batalha leva o herói a tirar suas amarras do ambiente familiar, desobstruindo seu caminho ou potência a fim de estruturar sua personalidade e também o mundo interno, os estágios superados e os que se seguirão na trajetória do herói.

A natureza do herói se relaciona com o nascimento do mesmo, no qual se encontra a “problemática dos pais duplos”. Essa característica configura o mito do herói, visto que tal problemática se apresentou em diversas culturas. Além de o herói ter pai e mãe pessoais, de criação, o mesmo possui também pai e mãe divinos. “Essa dupla origem, com as suas figuras parentais pessoal e suprapessoal opostas entre si, constela o drama da vida do herói” (NEUMANN, 1995:108).

O nascimento do herói revela uma peculiaridade, tornando-o um sujeito incomum, diferente, gerado por algo incomum, um demônio ou divindade. A experiência de parto é sentida intensamente pela mãe. “A experiência primária da mulher com o nascimento é matriarcal. Não é o homem o pai do filho: o milagre da procriação vem de Deus. Logo, a fase matriarcal não é regida por um ‘pai pessoal’, mas por um progenitor ou poder suprapessoais” (NEUMANN, 1995:109). Cabe dizer que nos primórdios da humanidade, ou seja, na época pré-histórica, as mulheres davam à luz um bebê sem saberem que o homem era pai. Para essa mãe pré-histórica, o bebê foi produzido por ela mesma, por um ser criador divino ou forças da natureza, que de qualquer forma, faz dela a “Grande Mãe” e a “Terra”, como sendo uma deusa que viveu uma experiência de milagre. Essa significação da origem do filho exerce influência sobre o mito do herói, mesmo que posteriormente tenha sido reconhecido o nexo causal da procriação por meio do intercurso sexual com o homem.

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“Aqui a virgindade significa - como geralmente no mundo antigo- não pertencer a nenhum homem específico, quer dizer, é essencialmente sagrada, não como pureza física, mas como abertura psíquica para Deus. Vimos que a virgindade é um aspecto importante da Grande Mãe, do seu poder criador, que não depende de nenhum parceiro masculino. Mas há também um elemento procriador masculino agindo nela. No início, no nível urobórico, ele é anônimo; posteriormente, torna-se subordinado e justaposto à Grande Mãe, como energia fálica; e só relativamente mais tarde aparece ao seu lado, como consorte. Por fim, no mundo patriarcal, ela é destronada pelo seu príncipe consorte e, por sua vez, justaposta e subordinada. Mas retém a sua eficácia arquetípica” (NEUMANN, 1995:108).

Segundo o autor, a crença do nascimento do herói a partir de uma virgem é mundial, prevalecendo na América do Norte e na América do Sul, na Polinésia, Ásia, Europa e África.

Devido ao herói ser diferente da norma humana, do comum, ele é considerado pela humanidade como tal. A distinção do herói com relação às outras pessoas o configura como único, despertando assim atenção e contraste em relação aos demais. Ele tem um aspecto dual: ao mesmo tempo em que ele vive entre os outros homens, ele se sente estranho perante o coletivo, experimentando dentro de si algo incomum e divino. Durante seus feitos heróicos, ele se sente extraordinário, como que sendo filho de uma divindade, como sendo bem diferente de seu pai de criação, terreno.

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experiência pessoal do mesmo, afeta toda a humanidade, marcando e diferenciando o mundo mesmo após sua morte, visto que a tragédia passou a ser reconhecida por cada sujeito como fazendo parte de si. Dessa forma, não é necessário o herói estar vivo para representar algo humano, mesmo sendo o herói um recipiente das projeções arquetípicas, as outras pessoas tomam a si mesmas como recipientes, assim como o herói.

Segundo Viktor D. Salis (2002:12), “O herói é aquele que deve sobreviver ao impacto e voltar à luz do dia, íntegro perante todas as contrariedades e desilusões”. Deve superar as derrotas e prosseguir no caminho de sua imortalidade, revelando o sentido original e genuíno de sua humanidade, superando o medo da perda da individualidade para assim seguir ao encontro da vontade universal cósmica.

O autor afirma que o mito exerce uma função mobilizadora de conteúdos adormecidos no humano: o herói revela a paixão que impulsiona tais conteúdos. Os talentos despertos que o herói desenvolve e deve aprimorar até o nível de semelhança aos deuses, por fim podem lhe render a imortalidade, em contrapartida da degeneração, criando-se assim, os mitos.

Ainda segundo Salis, para o pensamento antigo, o conceito de destino corresponde ao máximo de liberdade responsável a que alguém poderia almejar, uma vez que o destino seria o caminho para se compreender o sentido da própria existência, o mistério e os propósitos da vida. Desta forma, ter o próprio destino revelado seria uma dádiva dos deuses. O mesmo deveria ser cumprido, uma vez que desta forma seria possível se consolidar os talentos da maneira mais plena. A vida era tida como presente dos deuses, na qual cada um deveria ser si mesmo do modo mais belo e pleno possível, para desta forma honrá-la, recriando os seus talentos “educados e expandidos ao máximo” (SALIS, 2002:20).

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libertação do mistério interior e do conhecimento dos deuses pelo homem. Em contrapartida a isso existia um caminho de conquista do outro, dominação e destruição, que não fomentavam a conquista de si mesmo, a libertação da alma e a busca do conhecimento cósmico, como o fazia o caminho do herói segundo tais escolas.

“Os homens vieram da raça de ouro (símbolo da eternidade e da justiça) e decaíram para a raça de prata (símbolo da essência versus

a aparência). Foi quando aprenderam a mentir e a esconder a verdade. Decaíram mais para a raça de bronze, que era o símbolo de querer ser a verdade e a lei pelas próprias mãos. Decaíram mais ainda para a raça de ferro, símbolo da condição mortal, pois o ferro representa a vida que se corrói e se carcome. Era o nascer, crescer, envelhecer e morrer, enfim, somos nós.” (SALIS, 2002:26).

O herói, segundo Salis, seria uma quinta raça, que se prestava a superar e escapar do ciclo da degeneração, citado acima. O caminho do herói seria a transposição das provas que cada etapa viria lhe impor, até atingir ou reconquistar o ouro alquímico, que representava o divino e o ouro primordial, “símbolo da eternidade e da verdade incorruptível” (SALIS, 2002:26-27).

Neste processo, o herói deveria despertar o Daimon, um gênio intermediário entre o mortal e o imortal que nos habita e que nos impulsiona para a imortalidade. Sendo assim, o caminho do herói se daria do mortal ao herói, do herói ao Daimon, do Daimon aos deuses.

O autor cita a “Tábua das Esmeraldas”, item arqueológico atribuído ao deus Hermes (deus mensageiro que auxiliava os heróis no caminho do sagrado) onde foi encontrada a seguinte observação: “Descobre o gênio imortal que te habita (Daimon), aquela energia apaixonada que te torna em algo e te impulsiona em direção à tua missão aqui na Terra” (Tábua das Esmeraldas, apud SALIS 2000).

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isso se almejava uma morte digna. Sendo assim, o herói pode ser considerado como uma alma antiga que veio para terra já predestinado a realizar sua elevação espiritual, o que caracteriza o herói messiânico, aquele que é o escolhido ou o enviado dos deuses.

Segundo o mesmo autor, o caminho do herói era a luta entre a Dike e a Hybris (Ouro, justa medida em oposição à Prata, desmedida). O herói era alguém com vícios e virtudes, com qualidades e defeitos, e com uma disposição de aperfeiçoamento de si mesmo por meio das provas superadas. Ainda assim são recorrentes as manifestações desmedidas dos heróis, como os ataques de fúria que marcaram a história de Hércules. Perante tais descomedimentos, o herói deveria se redimir. Tal dinâmica aproxima o herói da condição humana, caracterizada pela ambivalência.

Os heróis viveram em tempos remotos quando não havia normas sociais suficientemente estabelecidas. Suas trajetórias revelam aspectos inacabados e contraditórios de determinadas culturas. Por meio deles, desvelam-se aspectos do homem e da sociedade que estavam encobertos, permitindo assim transformações nos valores e na subjetividade das pessoas, no ambiente, na vida e no coletivo, uma vez que os conteúdos revelados por meio do herói são arquetípicos, logo humanos por excelência e passíveis de serem incorporados pelo coletivo.

Junito S. Brandão em seu livro “Mitologia Grega” (2002) cita uma característica comum entre muitos heróis: matar involuntariamente entes queridos ou membros de sua própria família. Tais episódios são concebidos como fatalidades ou enganos lamentados pelo herói. Além dos episódios de assassinatos de familiares, o autor cita outros descomedimentos dos heróis, como atitudes impulsivas ou de fúria e vingança. O autor se refere a tais contextos como sendo uma ambivalência do herói, pois ele desempenha serviços extraordinários em favor de uma comunidade, mostrando qualidades e virtudes, mas também protagoniza episódios de violência e mesmo monstruosidade.

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identificação dos mortais com uma parte deste ser que atinge o sagrado, mas que também mostra suas qualidades humanas e como as mesmas os influenciam.

A Hybris é uma crença de Sólon, antigo legislador Grego que concebia a justiça como um princípio divino. Segundo Werner Jaeger (1969:277) a abundância levava à Hybris, que por sua vez levava à ruína. Tal conceito ou divindade é concebido como o perigo que reside na insaciabilidade do desejo, que habita naquele que nunca se satisfaz com o que tem e sempre quer o dobro. Segundo o mesmo autor (1969:281), “Assim, a felicidade e a fortuna não ficam muito tempo nas mãos de quem as goza. É na própria natureza delas que a sua perpétua mudança reside”. O autor cita a participação do divino no destino dos homens e o nexo causal entre desventura e culpa do homem, sendo a desventura uma atitude do homem que vai contra o princípio divino, tornando-o responsável pela própria desventura. “O desenvolvimento da autoconsciência humana realiza-se no realiza-sentido da progressiva autodeterminação do conhecimento e da vontade em face dos poderes do alto. Daí a participação do homem no seu próprio destino e a sua responsabilidade perante ele” (JAEGER, 1969:280).

O deixar-se seduzir pela Hybris, pode ser entendida como a sorte, embriaguez da vitória, soberba, entre outros estados que almejam um sucesso e que se transformam facilmente em profunda dor e castigo, sendo desempenhada assim, uma força de justiça moral divina da qual os homens participam. O homem tomado pela Hybris é levado ao seu próprio sacrifício, algo necessário para se restaurar o equilíbrio da ordem divina. As conseqüências da Hybris se apresentam no destino do homem, não como algo isolado, mas sim na trajetória de vida do mesmo chegando a se prolongar para as futuras gerações de seus respectivos familiares. Cabe dizer que essas concepções se referem ao pensamento religioso politeísta da Grécia Antiga e que as religiões se transformaram estruturalmente no transcorrer da história.

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que lhe é devido, “Assim se compendiava numa palavra só a decisão e o cumprimento da pena. O culpado dá Dike, o que equivale originalmente a uma indenização, ou compensação. O lesado, cujo direito é reconduzido pelo julgamento, recebe Dike. O juíz reparte Dike” (JAEGER, 1969:125).

O autor citado acima, reflete sobre o conhecimento advindo da dor e do sofrimento. O sofrimento para os antigos, trata-se da realização do divino na terra, do triunfo da hybris que restitui a justa medida e a justiça divina e revela o conhecimento advindo do sofredor. A hybris recai sobre os que mostraram-se excessivamente confiantes, a mesma se realiza posteriormente na vida de determinada pessoa, e revela para a humanidade o conhecimento advindo da dor do mesmo. Os ditados populares podem ser vistos como consequências da hybris, que transformaram-se em formulações sobre a vida e o ser humano.

No livro “Rei, Guerreiro, Mago, Amante: a redescoberta dos arquétipos do masculino” (MOORE-GILLETTE, 1993:37), o herói é definido como um arquétipo que orienta o menino a tornar-se homem, “auge das energias masculinas do menino”.

“O herói começa achando que é invulnerável, que para ele só serve o 'sonho impossível', que ele pode 'lutar contra o inimigo invencível' e vencer. Mas se o sonho é realmente impossível, e o inimigo realmente invencível, o herói vai ter problemas” (MOORE-GILLETE, 1993: 38).

O herói recebe a conotação de arquétipo do amadurecimento que rege a transformação para a fase adulta. Pode-se destacar na passagem citada acima, uma hybris intrínseca ao herói, devido ao fato dele ter um excesso de confiança em si mesmo. Tal característica revela conteúdos infantis no herói, uma vez que o mesmo precisa extrapolar-se para conhecer suas limitações.

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de superá-la. Trava um combate mortal com o feminino, lutando para conquistá-lo e afirmar a sua masculinidade. Nas lendas da Idade Média sobre heróis e suas donzelas, quase nunca sabemos o que acontece depois que o herói mata o dragão e se casa com a princesa. Não nos contam o que aconteceu com o casamento deles, porque o Herói, como arquétipo, não sabe o que fazer com a princesa depois que a conquista. Não sabe o que fazer quando as coisas voltam ao normal.

A derrocada do herói é que ele não conhece e é incapaz de aceitar suas próprias limitações. O menino ou o homem dominado pelo Herói da Sombra” não consegue realmente perceber que é um ser mortal. A negação da morte – limitação fundamental da vida humana – é a sua especialidade” (MOORE-GILLETE, 1993: 39).

O herói é aquele que não se deixa capturar por uma limitação, pois prefere achar-se diante de infinitas possibilidades, ficando continuamente estruturando e ativando suas potencialidades resistindo a ser uma pessoa que limitou sua vida a um determinado desenvolvimento.

“O Herói lança o menino de encontro aos seus limites, contra o aparentemente intratável. Encoraja-o a sonhar o sonho impossível, que afinal de contas pode ser possível, se ele tiver coragem suficiente. Dá-lhe poder para lutar contra o inimigo imbatível, que será bem capaz de derrotar, se não estiver possuído pelo herói” (MOORE-GILLETTE, 1993: 40).

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No mito de Hércules, o arquétipo do herói desempenhou um processo de lidar com seus limites, e apesar de sua força física superior, o mesmo teve que usar de sua inteligência para superar os desafios, uma vez que quando ele tentava resolver seus problemas com sua força bruta, ele sempre fracassava. Neste herói, o arquétipo o impulsionou a um manejo das próprias potências em prol de uma atitude mais segura e pensada, que mesmo assim, envolve muitos riscos, com os quais Hércules soube lidar para superar suas provas. Hércules foi um exemplo de herói que se aprimorou durante a vida, realizando grandes feitos e amadurecendo com excelência. Quando era necessária uma atitude corajosa e impensada ele a tinha, quando era necessária uma atitude de cautela ou traquejo ele também a tinha, quando ele se sentia arrependido e culpado, ele buscava sua cura, sentindo suas dores e pedindo orientações dos deuses. O mesmo foi-se enriquecendo de qualidades e talentos conforme amadurecia, até que teve que consentir com sua própria morte, que aceitou como sendo sua última prova a superar. Ele construiu sua pira aonde voluntariamente foi incendiado encerrando sua vida para repousar em sua eternidade junto aos outros deuses no Olimpo.

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Capítulo III - Sobre a Psicologia Analítica:

Carl Gustav Jung, fundador da Psicologia Analítica, nasceu em 26 de julho de 1875 em Kesswil, aldeia da Turgóvia localizada na Suíça.

Jung fez todos os seus estudos na Universidade de Basiléia, concluindo o curso médico no ano de 1900, aos 25 anos, se especializando em psiquiatria.

Jung após sua formação na Universidade, ocupou o cargo de segundo assistente no hospital Burgholzli, de Zurique, período em que este hospital vivia intensa atividade científica sob a direção de Eugen Bleuler, considerado um dos maiores psiquiatras de todos os tempos.

Em 1902 defendeu sua tese de doutouramento que teve como título: Psicologia e patologia dos fenômenos ditos ocultos. Em 1905, ele assumiu o posto imediatamente abaixo de Bleuler na hierarquia do hospital, trabalhando junto do mesmo como seu colaborador em experiências, nas quais elaborou seus métodos próprios para estudar a esquizofrenia.

Jung, como já dito, foi criador da Psicologia Analítica, divergindo da Psicanálise, criada por Freud, que o tinha como discípulo.

Segundo (SILVEIRA, 2003: 15), quando Jung escreveu em 1912 o livro: “Metamorfose e símbolos da libido”, marcaram-se divergências doutrinárias que separaram Jung de Freud, fortalecendo-se a criação Psicologia Análitica.

Neste capítulo serão vistos alguns dos conceitos desenvolvidos por Jung e posteriormente estudados por autores da Psicologia Analítica.

Capítulo III a - Conceitos de Ego e Self da Psicologia Analítica:

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pode encontrar em todas as mitologias e religiões do mundo. Jung descobriu também que a psique arquetípica conta com um princípio estruturador ou organizador que unifica os vários conteúdos arquetípicos. Esse principio é o arquétipo central ou arquétipo da unidade, ao qual Jung denominou o Si-mesmo” (EDINGER, 2000: 22).

Self ou Si-mesmo é o centro ordenador e unificador da psique total consciente e inconsciente, que se relaciona com a consciência e personalidade, cujo centro ordenador é o ego. Sendo assim, ego e self são dois centros organizadores da psique, o primeiro conta com a participação ativa do sujeito, sendo o seu eu, vontade, ego, e o segundo não requer a participação ativa do sujeito, se trata de uma personalidade superior interna do sujeito e inapreensível pelo mesmo. Pode ser concebida como a divindade interior “O Si-mesmo constitui, por conseguinte, a autoridade psíquica suprema, mantendo o ego submetido ao seu domínio” (EDINGER, 2000:22).

O autor citado faz uma seleção de símbolos que são associados ao self, tais como: a unidade, a totalidade, a união dos opostos, o centro do mundo, o eixo do universo, o ponto criativo aonde Deus e o homem se encontram, a eternidade, a capacidade de gerar ordem a partir do caos, o elixir da vida.

O mesmo autor destaca a importância vital que exerce um eixo que conecta o ego com o self, assegurando a integridade do ego e uma condição favorável para o processo de individuação. No entanto, esse eixo não é algo pré-existente do ser humano, mas sim um estado cultivado pela relação do ego com o self por meio de movimentos de alternância do ego. No nascimento do ser humano o ego existe como potência a ser constituída e estruturada, há apenas o self, o recém nascido se encontra completamente identificado com o self, logo idêntico ao self.

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medidas, podendo ser qualificado com adjetivos como orgulhoso, arrogante, presunçoso etc. No entanto, ao nascermos, já possuímos o self, enquanto totalidade funcional consciente e inconsciente, e devemos construir o ego. Para tanto, o ego deve emergir do self (estado de alienação). Uma representação visual seria de uma esfera menor saindo verticalmente de dentro de uma esfera maior, mantendo seus centros alinhados, aonde seria o eixo ego-self (vinculo vital que assegura a integridade do ego), estado concebido pelo autor como ideal e de difícil obtenção devido às sutilezas do processo.

“Se esta for uma correta representação dos fatos, a separação entre o ego e o si-mesmo e a crescente conscientização de que o ego é dependente constituem, na realidade, dois aspectos de um mesmo processo de emergência, que se estende por todo o período que vai do nascimento à morte” (EDINGER, 2000: 26).

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desenvolvimento da vida psíquica. Após esse estado proporcionado adequadamente, o autor cita:

“Todavia, algum tempo depois, o mundo começa necessariamente a rejeitar as exigências feitas pela criança. Nesse ponto, a inflação original começa a se dissolver, mostrando-se insustentável diante da experiência. Mas também tem início a alienação; o eixo ego-Si-mesmo é danificado. É criada na criança uma espécie de ferida psicológica incurável, ao longo do processo de aprendizagem de que ela não é a deidade que acreditava ser. Ela é expulsa do paraíso, sendo geradas uma ferida e uma separação permanentes” (EDINGER, 2000:33).

Na vida adulta ocorrem repetidas experiências de alienação, tanto advindas de encontros com a realidade, trazidas pela vida, quanto advindas de suposições inconscientes do ego. No entanto, é necessária a contínua aproximação com o self para não nos alienarmos de nosso próprio íntimo, ficando assim expostos às enfermidades de caráter psicológico e ou orgânico.

Há necessidade de se manter uma integridade do eixo ego-self, ao mesmo tempo em que se dissolve a identificação ego-self, uma vez que o ego não experimenta do apoio fornecido pelo self enquanto estiver identificado com o mesmo.

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Um exemplo básico da sucessão do estado de alienação sobre o de inflação pode ser visto nos mitos de queda do homem, como no mito de Adão e Eva. Neste mito, primeiramente eles viviam em um estado paradisíaco até violarem a ordem de Deus, comendo do fruto proibido da árvore do conhecimento do bem e do mal. Após esse passo de ampliação de consciência, os dois foram expulsos do paraíso. Não comer da árvore do conhecimento era a condição para se suspender o estado de inflação e seu subseqüente estado de alienação, interrompendo-se o estado de comunhão e identidade com Deus, aonde não havia conflito, pois tudo era uma unidade Homem-Deus. O pecado original se trata de um pecado necessário para a evolução da consciência, se trata de uma mudança primordial que contribuiu para a aquisição de recursos psíquicos humanos.

Segundo o mesmo autor (2000:42), Adão e Eva, eram originariamente inflados como qualquer recém nascido, sendo assim, eram inflados passivamente. No entanto, ao se deixarem seduzir pela serpente, que por sua vez dizia: “se comerem este fruto, seus olhos se abrirão e você será como Deus”; neste ponto eles exerceram uma inflação ativa. Foi quando se deu início o drama da tentação e da queda, o ato voluntário de agir em prol do desejo de serem como Deus. Consequentemente, eles foram expulsos do paraíso, caindo no mundo enquanto seres humanos, mortais, que agora vivem o sofrimento, os conflitos, incertezas etc. O processo de nascimento do ego deu-se por meio de um processo de alienação, assim como o processo de expulsão do paraíso de Adão e Eva. O paraíso pode ser simbolizado pela união do ego-self, vivenciado na vida intra-uterina do bebê, assim como nos anos seguintes do nascimento.

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ego é obrigado a colocar-se contra o inconsciente de que proveio e a assegurar sua autonomia com um ato inflado” (EDINGER, 2000:50).

O autor complementa a citação acima utilizando exemplos de casos clínicos de psicoterapia, nos quais as situações da vida pedem ao paciente que cometa um “crime” para se desconfigurar uma situação aprisionadora na qual o mesmo estaria vivendo.

Existem mitos nos quais a hybris é necessária e construtiva, como no caso de Adão e Eva. No entanto, em muitos outros mitos retrata-se a hybris de forma destrutiva, sendo o ego ativamente inflado que desencadeou conseqüências desastrosas. Um exemplo é o mito de Ícaro, que voou alto demais com as asas que seu pai construiu para fugirem de uma torre. O pai o havia advertido sobre a conseqüência de se voar muito alto, que o sol derreteria as asas causando a queda e morte. Ainda assim, Ícaro o fez e caiu para a morte. Tal situação não gerou um aumento de consciência, pelo menos não para Ícaro. No entanto, mostrou-se um conhecimento para os outros, humanidade, sobre os limites a serem respeitados e suas conseqüências, e de como faz bem se seguir orientação de pessoas mais sábias, advindas do outro.

“O mito pode ser visto, na verdade, como expressão simbólica da relação entre o ego e o Si-mesmo” (EDINGER, 2000: 23).

O autor cita que muitas das religiões exerciam suporte para as pessoas evitarem o estado de inflação, sendo sempre valorizada a personalidade não inflada, ou seja, alienada, que por sua vez não toca nas questões sagradas, deixando-as somente para Deus, uma vez que, ao se apossar de um estado inflado, se estará transcendendo os limites humanos suportáveis ao ego.

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inflação ainda se manifestam por trás dessa nova fórmula” (EDINGER, 2000: 60-61).

Sobre o estado de alienação, o autor cita que o ego não apenas deixa de estar identificado com o self, mas também se desconecta dele. Apesar de ser impossível se desconectar da totalidade e centro ordenador da psique, que é o self, o ego deixa de obter segurança, energia e sentido fornecidos pelo self. Os contatos com a realidade do mundo podem frustrar e danificar o eixo ego-self, causando estranhamento ao ego, por sua vez, podendo se apresentar sintomas, como a falta de auto-aceitação, por exemplo. Sobre a experiência de não ser nutrido pelo self, o autor cita: “Quando a conexão se quebra, o resultado é o vazio, o desespero, a falta de sentido e, em casos extremos, a psicose ou o suicídio” (EDINGER, 2000: 72).

O autor complementa citando que sempre quando se faz presente o desespero de uma profunda alienação, procede-se a violência, voltada de forma tanto interna quanto externa, sendo os extremos dessa o suicídio e o assassinato. Sendo assim, a origem da violência se dá devido à uma forte rejeição a si e ao outro causada pela alienação do ego com o self.

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Capítulo III b - Sobre o Processo de Individuação na Psicologia Analítica:

“De modo geral, é o processo pelo qual os seres individuais se formam e se diferenciam; em particular, é o desenvolvimento de um individuo psicológico como um ser distinto da psicologia geral e coletiva” (SHARP, 1993: 90).

O self contém a totalidade do sujeito, inclusive as características próprias do mesmo a serem desenvolvidas. Cabe ao ego em individuação dar vazão para tais conteúdos se manifestarem, os quais são articulados inconscientemente pelo self. Desta forma, o sujeito estaria realizando a si mesmo, ou seja, o ego correspondendo ao self.

Sobre a dinâmica ego-self: “... no conflito como na colaboração entre ambos é que os diversos componentes da personalidade amadurecem e unem-se numa síntese, na realização de um individuo específico e inteiro” (SILVEIRA, 2003: 77).

No processo de individuação, para o indivíduo tornar-se único, é necessário primeiramente ou mesmo simultaneamente, a estruturação do ego. Essa estruturação do ego não se trata apenas da diferenciação do ego em relação ao self, mas também: do recolhimento dos conteúdos projetados na sombra a serem integrados pelo ego; da diferenciação do ego com a persona; da conscientização e elaboração dos complexos; da integração com a anima (no homem) ou animus (na mulher). Tais processos configuram as condições ideais para o ego proceder a individuação, na qual o ego exerce a conscientização de suas condições psíquicas e realiza as demandas do si-mesmo. O ego estrutura suas condições psiquicas, distinguindo-se da consciência coletiva, a qual tende a identificar os sujeitos com uma massa e não enquanto individuo único, para então se proceder a relação com o self. Serão explicitados os conceitos utilizados acima, que são pressupostos teóricos da Psicologia Analítica, fundamentais a todo ser humano em seu processo de individuação, logo, arquétipos que se articulam no processo de individuação.

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integração. Apesar de parecer contraditório, a simultaniedade é exercida, tanto em níveis diferentes, quanto, a diferenciação sendo seqüenciada pela sua integração, simultânea ou posteriormente.

A diferenciação se presta a distinguir um conteúdo psíquico de um outro, com os quais estaria inconscientemente identificado, a fim de realizar uma discriminação. A integração seria a incorporação dos conteúdos diferenciados, porém mantendo suas distinções. Sobre essas duas dinâmicas do processo de individuação, o autor cita:

“Portanto, a diferenciação individuativa indica uma passagem à independência e à autonomia da parte, quando se torna possível a referência representativa ao estado originário de indiferenciação psíquica e à sua conseqüente ineficaz dependência e heteronomia em relação ao outro diferente de si próprio e do todo. A integração individuativa indica, ao invés, uma passagem à dependência e à heteronomia da parte, quando se tornar possível a referência, neste caso, ao estado originário de oposição e de conflito e, portanto, de ineficaz independência e autonomia em relação ao outro diferente de si próprio e ao todo” (PIERI, 2002:256).

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“ ‘É importante para a meta da individuação, isto é, da realização do si-mesmo, que o indivíduo aprenda a distinguir entre o que parece ser para si mesmo e o que é para os outros. É igualmente necessário que conscientize seu invisível sistema de relações com o inconsciente...’ ” (PIERI, 2002: 259).

Existem outras “estruturas psíquicas” na psicologia analítica, como sombra e anima/animus, que serão desenvolvidas posteriormente e que também se incluem no processo descrito acima de discriminação dos operadores do mundo interno.

No mesmo volume destacado acima é salientado que no processo de individuação nós nos tornarmos o nosso próprio si-mesmo. “‘Podemos pois traduzir “individuação” como “tornar-se si-mesmo” ou “o realizar-se do si-mesmo” ’” (PIERI, 2002: 259).

No constante balizamento do mundo interno, no qual o ego é a capacidade de escolha e participação ativa, existem outras entidades internas que influem com mesma ou até maior força. Sendo assim, o ego não tem força para realizar o processo sozinho, pois tem que se articular com seus recursos internos, e nem mesmo tem controle sobre qual é o objetivo a ser alcançado. Segundo (PIERI, 2002: 260), o ego deve realizar com o si-mesmo ou self uma relação, nem de se opor nem de se submeter, mas sim de se conectar ao mesmo, permanecendo em sua órbita. Segundo o autor, o self ou si-mesmo é da ordem do indescritível, sendo assim, sobre a relação do ego com o mesmo e sobre o conteúdo do mesmo, nada se pode afirmar. O autor usa a palavra sentir para fazer referência à relação que o ego estabelece com o self, uma vez que ao ego o si-mesmo é inapreensível, o que exige uma relação num nível irracional e mais sensorial. Sendo assim, o self, de antemão, já bloqueia qualquer tentativa de manipulação racional do ego.

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pelo ambiente e meio coletivo. Além de oferecer proteção, a individuação fortalece o ego a não recair no inconsciente ou sucumbir às coações advindas da ligação entre o indivíduo e o ambiente.

Desenvolve-se na individuação: o aspecto interior e subjetivo de integração; e o aspecto exterior objetivo na relação com o outro. Na individuação, o sujeito além de dispor de uma organização articulada interna, empenha-se em uma articulação externa com o outro.

Sobre o sujeito que se encontra no processo de individuação em relação ao ambiente coletivo, o autor cita:

“Desta forma o nível interindividual da individuação é considerado como distinção do Eu em relação aos modelos (presentes no plano da ação interpsíquica além da representação interpsíquica) e, portanto, como expressão da capacidade do indivíduo de perceber-se não mais como executor automático das normas coletivas externas ou dos hábitos já instaurados internamente. Neste sentido pode-se dizer que, na individuação, o Eu – retirando-se do assim chamado ‘coletivo’ – põe-se à margem dele e constitui as bases para possível troca e verdadeira interação com ele...” (PIERI, 2002: 261).

A autora Aniela Jaffé (1995, 76) diz: “O caminho natural para a experiência pessoal do inconsciente coletivo é aberto pelos sonhos e, de forma menos comum, pelas visões, alucinações, fenômenos sincronísticos etc”.

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individualidade no sentido mais elevado, jamais plenamente realizado e meta contínua da individuação.

“A individuação consiste, basicamente, em tentativas constantemente renovadas, constantemente exigidas, de combinar as imagens interiores com a experiência exterior. Ou, dizendo de outro modo, é o esforço no sentido de ‘fazer tornar-se inteiramente nossa própria intenção aquilo que o destino pretende fazer conosco’ ” (W. Bergengruen apud Jaffé, 1995: 79).

“Nos momentos bem-sucedidos, uma parte do self é realizada como a unidade de interior e exterior. Então o homem pode repousar em si mesmo, porque está auto-realizado e irradia o efeito da autenticidade” (JAFFÉ, 1995: 79).

A autora complementa a citação acima fazendo uma consideração sobre a condição numinosa e indescritível do arquétipo do self, e considera individuação em linguagem religiosa como a realização do divino no homem.

“Pela conscientização das conexões e imagens transpessoais e pela experiência de sua numinosidade, reconhecemos energias que atuam por trás do nosso ser e de nossas ações, assim como por trás da aparente casualidade dos acontecimentos” (JAFFÉ, 1995: 81).

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oportunidade de nos dispor para uma ação, nos entender conosco, exercer nossa criatividade e etc. Sendo assim, nossa situação interna sempre é nosso ponto de partida, ou afinação, para as transposições das situações vividas. É o nosso fio condutor, que quando é abalado deve prosseguir a partir desse abalo, ou quando está estável, permanece a partir desse estado até suceder alguma mudança.

A anima, no homem, ou animus, na mulher, são arquétipos interiores que nos revelam a totalidade dos conteúdos sobre o sexo oposto e funcionam como guias da criatividade, permitindo-nos acessar e mesmo expressar articuladamente nossos conteúdos inconscientes. No entanto, este trabalho não irá aprofundar nem mesmo compor uma análise com esses conceitos, pela necessidade de limitar e recortar nosso foco de estudo.

“Mais cedo ou mais tarde, a verdadeira individuação exige do homem uma disposição de abandonar as pretensões da sua personalidade em favor do self como autoridade supra-ordenada, e renunciar a elas sem se perder. A individuação sempre encerra sacrifício, uma ‘paixão do eu’. Mas ‘não significa exatamente deixar-se tomar; é um abrir mão consciente e deliberado, que prova que se é capaz de dispor de si mesmo, isto é, do seu próprio eu’. No entanto, somos conduzidos a essa entrega livre ou voluntária de si pelo self, pelo seu impulso de desenvolvimento e realização própria. A personalidade mais abrangente toma o eu a seu serviço e este torna-se o representante e o realizador do self no mundo da consciência” (JAFFÉ, 1995: 90)

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afirmar que uma pessoa que desempenha tal relação com o self, obedece a si mesma.

A relação com o self ressalta uma distância do mesmo em relação ao ego, advinda da separação primordial para a criação do ego, como foi descrito anteriormente. Tal diálogo com o self parece impor ao ego as limitações e rédeas a serem seguidas e guiadas. Sendo assim, o ego se dispõe ou não a ceder a tais limitações, desempenhando, independentemente de sua escolha, uma luta interna. Segundo a autora, a limitação “imposta” pelo self pode soar desagradável e ameaçadora ao ego, o qual pode se assustar ao se deparar com a falta de liberdade despertada. Ou, em outro caso, a limitação pode ser recebida como um despertar da alma que finalmente chegou.

“O perigo de confundir a individuação com o tornar-se um homem-deus ou um super-homem é evidente. As trágicas ou grotescas conseqüências desse equívoco só podem ser evitadas se o ego-personalidade puder conduzir o entendimento com o self, não perdendo de vista a realidade das nossas limitações humanas e da nossa mediocridade” (JAFFÉ, 1995: 81)

A autora destaca, após a citação acima, a necessidade do ego em resistir à influência do self, para não ser tomado pelo mesmo, para somente assim poder torná-lo consciente em sua divindade. Isso sugere a modéstia e cautela até que se possa de fato se conter no ego uma forma de se relacionar com o self. É citada ainda a necessidade de se abandonar as pretensões do ego, encerrando suas paixões, exercendo assim um sacrifício a fim de se vincular e se relacionar com o self, uma vez que as demandas do self podem não corresponder às aspirações e desejos do ego.

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o seu destino, mas sua consciência lhe dá a liberdade para aceitá-lo como uma tarefa que lhe foi atribuída pela natureza. Se ele toma a responsabilidade pela individuação, submete-se voluntariamente ao self – em linguagem religiosa, submete-se à vontade de Deus. No entanto, a submissão não anula o sentimento de sua liberdade. Pelo contrário, só o sacrifício o justifica e a responsabilidade por seus atos e decisões lhe dá validade. O sacrifício é uma afirmação da tarefa que a vida representa. Ele aponta para além do homem e, por isso, pode levá-lo a uma autêntica experiência de significado” (JAFFÉ, 1995: 91).

No momento em que o ego escolhe se corresponder com o self, advêm os devires, enquanto metas a serem identificadas para então serem cumpridas pelo ego, uma vez que o ego orientado pelo self abrange suas questões existenciais, tais como: sentido da vida, destino, etc. As implicações do ego no processo de individuação despertam dificuldades e sentimentos irreconciliáveis. No self se contém a totalidade e unidade, enquanto que no ego se contém as contradições e fragmentos do self. No entanto, o ego não “sabe” ou não suporta integrar os opostos, restando-lhe como alternativa “pedir auxílio” para o self, no intuito de se obter uma totalidade ou de haver-se com uma resolução da contradição despertada. As dificuldades, para conciliar tendêcias opostas constelam no sujeito o embate entre liberdade e prisão.

“A liberdade e a prisão acompanham e condicionam a história da evolução do homem. Sua consciência aumentou consideravelmente de alcance, desde seu primeiro despertar, e adquiriu um forte sentimento de liberdade” (JAFFÉ, 1995: 93).

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