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Atuação da ONU no processo de justiça de transição no pós-genocídio de Ruanda: um estudo de caso do período de 1994 a 2014

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GABRIELA EFFTING GUEDES

ATUAÇÃO DA ONU NO PROCESSO DE JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NO PÓS-GENOCÍDIO DE RUANDA:

UM ESTUDO DE CASO DO PERÍODO DE 1994 A 2014

Florianópolis 2017

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GABRIELA EFFTING GUEDES

ATUAÇÃO DA ONU NO PROCESSO DE JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NO PÓS-GENOCÍDIO DE RUANDA:

UM ESTUDO DE CASO DO PERÍODO DE 1994 A 2014

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Relações Internacionais da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais

Orientador: Prof. Dr. Rafael de Miranda Santos.

Florianópolis 2017

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais Carmen e Eriton, não sei ao certo como começar a agradecer tudo que fizeram e fazem por mim e pela nossa família. Obrigada por terem colocado minha educação como prioridade, por demonstrar apoio durante todos os passos cumpridos até agora, e por serem as melhores pessoas que alguém pode ter ao lado. Agradeço todos os dias pela nossa família que permanece unida, companheira e cheia de amor

À minha irmã gêmea Aline me faltam palavras para descrever sua importância. Obrigada por estar sempre do meu lado e ser sempre a primeira a dizer que “Vai dar tudo certo” e “Vai ficar tudo bem”. Mesmo sendo muito parecidas e como muitos dizem que somos iguais, você tem seu próprio jeitinho que coloca mais cor no meu mundo e a faz uma pessoa insubstituível.

Ao meu orientador Prof. Rafael, seu interesse pelo tema escolhido fez completa diferença para o desenvolvimento deste trabalho, obrigada por todo apoio e suporte durante esta etapa tão importante. Posso afirmar que você fez com que fosse bem mais fácil do que eu imaginava. Guardo um enorme carinho pelas suas ideias e pensamentos compartilhados sobre Ruanda e aproveito para agradecer todo o conhecimento repassado e toda atenção fornecida.

Aos amigos que estiveram do meu lado, no bom e no ruim, crescendo e compartilhando experiências e conquistas. Em especial às minhas colegas de faculdade Karen e Lanúsia, que foram minhas companheiras e parceiras desde o primeiro dia de aula. Agradeço a vocês todos os momentos passados e obrigada por estarem do meu lado.

Agradeço à Banca, pelo tempo dedicado a leitura e correção deste trabalho, agradeço a Mariah, e ao inesperado Library of Congress, que me forneceram material de pesquisa, agradeço a Tati que atendeu a todas as minhas dúvidas sobre formatação, e todas as pessoas que demonstraram interesse em me ouvir falar sobre o meu tema.

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“The Knowledge that you have emerged wiser and stronger from setbacks means that you are, ever after, secure in your ability to survive” (J. K. Rowling).

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RESUMO

A presente monografia aborda o processo de justiça de transição no contexto do pós-genocídio de Ruanda, bem como a atuação da Organização das Nações Unidas (ONU) através de suas agências e fundos para a reconstrução e o desenvolvimento do país. Estabelecido um limite temporal de 20 anos após o conflito (1994 a 2014), a pesquisa traz alguns aspectos relevantes sobre o genocídio de Ruanda na sua situação de emergência e nos anos que seguiram sua reconstrução. Delimitou-se o questionamento sobre quais foram os papéis empenhados pela ONU no processo de justiça de transição considerando o período de 1994-2014. No desenvolvimento são descritas algumas medidas implementadas pela ONU no país em conjunto com o governo nacional, com as quais foi possível estabelecer melhorias na situação interna. Apresenta-se, também, a estrutura das medidas aplicadas no processo de justiça de transição através de ações como o Tribunal Penal Internacional para Ruanda (TPIR), as cortes Gacacas, e os projetos elaborados de acordo com a necessidade da população, a exemplo das propostas

Imidugudu e o programa school in a box. A partir disso foi possível avaliar os resultados da

presença da ONU em Ruanda naquele período. Ao final confirma-se parcialmente a hipótese de que a ONU atuou no processo de justiça de transição no pós-genocídio de Ruanda como suporte para o governo nacional e agiu de maneira centrada nas necessidades do Estado e da população.

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ABSTRACT

This thesis discusses the transitional justice process in the context of the post-genocide in Rwanda and assesses the role of the United Nations through its agencies and funds in the reconstruction and development of Rwanda. A time limit of 20 years after the conflict was established (1994 to 2014). This research brings some relevant aspects about the genocide in Rwanda, the context of transitional justice, as well as how UN participation in the state took place, both in its emergency and in the years following its reconstruction. The question delineated was: What were the roles played by the UN in the post-genocide transition justice process in Rwanda, considering the period from 1994 to 2014? Some measures implemented by the UN in the country are described together with the national government, where it was possible to establish improvements in the internal situation. It presents the structure of the measures applied in the transitional justice process, through actions such as the International Criminal Tribunal for Rwanda (ICTR) and the Gacaca courts, and projects designed per the needs of the population, such as proposals Imidugudu and the performance of the school in a box program. From this it is possible to assess the presence of the UN in Rwanda, and to observe its effectiveness in the post-genocide situation. At the end of this paper, it is partially confirmed the hypothesis that the UN acted in the transitional justice process in the post-genocide of Rwanda participating as support for the national government and acting in a way focused on the needs of the State and the population.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Ilustração 1- Mapa das Organizações que auxiliaram na construção de centros de detenção…50

Ilustração 2 -Maleta do Projeto School in a box ...58

Ilustração 3 - Mapa das 100 casas construídas ... 63

Fotografia 1 - Memorial Kigali ... 71

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LISTA DE SIGLAS

ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados CFS – Child Friendly School (em inglês)

CICV – Comitê Internacional Da Cruz Vermelha

FAO – Food Agriculture Organizations of the United Nations (em inglês) FPR – Frente Patriótica Ruandesa

HRFOR – Human Rights Field Operation for Rwanda (em inglês) JRPU – Joint Reintegration Programming Unit (em inglês)

MINEDUC – Ministério da Educação

OHCRH – Office Of The United Nations High Commissioner For Human Rights (em inglês) OI – Organização Internacional

ONG – Organização Internacional Não Governamental ONU – Organização das Nações Unidas

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento TPI – Tribunal Penal Internacional

TPIR – Tribunal Penal Internacional para Ruanda

UNAMIR – United Nations Assistance Mission for Rwanda (em inglês) UNDAF – United Nations Development Assistance Framework (em inglês) UNDAP – United Nations Assistance Development Plan (em inglês)

UNDG – United Nations Development Group (em inglês) UNEP – United Nations Enviroment Program (em inglês)

UNESCO – Organização Das Nações Unidas Para A Educação, A Ciência E A Cultura UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância

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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ... 12 1.1 OBJETIVOS ... 13 1.1.1 Objetivo Geral ... 13 1.1.2 Objetivos Específicos ... 13 1.2 JUSTIFICATIVA ... 13 1.3 METODOLOGIA ... 15 1.4 ESTRUTURA DO TRABALHO ... 16 2 CONCEITUAL TEORICO ... 17 2.1 O GENOCÍDIO EM RUANDA ... 17 2.1.1 Conceito de Genocídio ... 17

2.1.2 O Genocídio aplicado ao caso de Ruanda ... 20

2.2 JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO EM RUANDA NO CONTEXTO PÓS-GENOCÍDIO ... 23

2.2.1 Exposição da Justiça de Transição ... 23

2.2.2 Justiça de Transição em Ruanda ... 28

2.3 ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS ... 33

2.3.1 UNICEF ... 38

2.3.2 PNUD ... 40

2.4 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS ... 43

3 VISÃO GERAL SOBRE A PARTICIPAÇÃO DA ONU NO PERÍODO DE 20 ANOS PÓS-GENOCÍDIO ... 46

3.1 UMA VISÃO GERAL SOBRE A PARTICIPAÇÃO DA ONU NO PÓS-GENOCÍDIO 46 3.2 SOBRE A ATUAÇÃO DO PNUD E UNICEF ... 53

3.2.1 Educação ... 56

3.2.2 Reconstrução de comunidades ... 61

3.2.3 Reconciliação, Memória, Justiça e Direitos humanos ... 67

3.3 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS ... 73

4 ONU NO PROCESSO DE JUSTIÇA DE TRANSIÇAO EM RUANDA ... 75

4.1 ONU E JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO ... 75

4.2 OS ELEMENTOS DE JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO E SUA APLICAÇÃO AO CONTEXTO DE RUANDA. ... 81

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4.2.2 Busca da Verdade ... 86 4.2.3 Reparação ... 87 4.2.4 Reconciliação ... 91 4.3 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS ... 93 5 CONCLUSÃO ... 95 REFERÊNCIAS ... 98

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1 INTRODUÇÃO

O genocídio de Ruanda constitui um marco sangrento da história do Estado de Ruanda, acarretou muitas consequências a sociedade do país. Este ocorrido culminou na morte de cerca de 800.000 pessoas durante o período de abril a julho do ano de 1994. Foram aproximadamente 100 dias de violência, episódio que marcou este genocídio como uma das maiores brutalidades do século XX. Ruandeses de etnia Hutu perseguiram e mataram diversas pessoas, incluindo mulheres e crianças, dizimando assim a população de etnia Tutsi. Esses crimes foram cometidos por militares, componentes das forças armadas, com participação de pessoas da sociedade que colaboraram para a execução dessa atrocidade.

Com o fim do genocídio, Ruanda encontrava-se em estado de emergência, a sociedade ainda lidava com as violações sofridas e buscava por justiça. Esse período pós-conflito demandou diversas mudanças de âmbito nacional, em conjunto com a ajuda externa promovida por Organizações Internacionais, Organizações Não-Governamentais (ONG’s) e outros países. Vislumbrou-se então, para a situação de Ruanda daquela época, a necessidade de adotar um processo de justiça de transição.

Justiça de transição é um ramo de estudo no direito internacional caracterizada pelo processo de reformas em uma sociedade para reparar danos e promover mudanças, por meio de alternativas para soluções aos danos causados pelos episódios históricos, a fim de possibilitar uma transição pacifica e reconciliadora.

Esse processo de justiça prevê que em situação de pós-conflito algumas medidas sejam implementadas, como por exemplo, a busca pela verdade e pela justiça, a reparação e a reconciliação. No caso de Ruanda, é possível observar algumas medidas que condizem com esses elementos, como por exemplo a aplicação de um Tribunal Internacional para julgar os participantes do genocídio, as reparações materiais e psicológicas e por último as tentativas de alcançar uma reconciliação entre as populações.

É neste contexto que se delimitou alguns traços desta pesquisa, característico de um estudo de caso dos 20 anos que sucederam o genocídio (mais especificamente de 1994 a 2014). Baseado neste aspecto de Justiça de Transição, é que observa-se o objetivo deste trabalho, limitando-se a pergunta; qual foi o papel desempenhado pela ONU no processo de justiça de transição pós-genocídio de Ruanda, considerando o período de 1994-2014?

É importante trazer os conceitos que orientam esse trabalho, primeiramente para o entendimento do genocídio, será utilizado o conceito introduzido por Raphäel Lemkin, assim

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citado na obra de Fragoso. Para a Justiça de Transição emprega-se a definição apresentada por Paul Van Zyl (2009), sendo assim complementado com as obras de Ruth G. Teitel (2003, 2011). Primeiramente será desenvolvido um capítulo conceitual teórico, abordando os temas principais como um breve relato do genocídio, o conceito de justiça de transição e sua aplicação em Ruanda, e a ideia do que são Organizações Internacionais, com foco na Organização das Nações Unidas e seu Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e o Fundo das Nações Unidas para a Infância, em especifico.

A seguir, será abordada a participação da ONU através da descrição de algumas medidas implementadas após o genocídio. Dentre essas medidas verifica-se alguns objetivos como a busca por justiça, a restruturação da sociedade através de questões como moradia e educação, e por fim algumas ações de reconciliação e estabilização de memória do período do genocídio.

Por fim, será feita a análise de como as medidas estudadas, que foram implementadas pela ONU e pelo governo de Ruanda, tiveram relação ao conceito de Justiça de transição. É com essa vertente que se observa a participação da ONU diante de alguns elementos do processo de justiça de transição de Ruanda, e considera-se a hipótese de que esta organização teve papel fundamental para o período de transição do Estado.

1.1 OBJETIVOS 1.1.1 Objetivo Geral

Analisar a participação da ONU no processo de justiça de transição em Ruanda no período pós genocídio.

1.1.2 Objetivos Específicos

Expor os dados relevantes para este trabalho a respeito do genocídio de Ruanda, justiça de transição e organizações internacionais.

Apresentar algumas ações implementadas em Ruanda após o período de genocídio com foco na atuação da ONU, PNUD e UNICEF.

Analisar a atuação que a ONU teve no processo de justiça de transição em Ruanda. 1.2 JUSTIFICATIVA

Primeiramente destaca-se que a escolha do tema abordado neste trabalho de conclusão de curso foi estimulada pelo interesse pessoal no contexto do genocídio do Estado

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de Ruanda, e como o país tem se desenvolvido após essa tragédia. Essa temática de genocídio, foi também selecionada para obter-se assim a oportunidade de se aprofundar nas questões sobre direitos humanos, relações étnicas e populacionais. O intuito deste projeto é o de trabalhar com a metodologia de estudo de caso, pouco vista durante a graduação quando aplicada a países em reconstrução devido à algum ocorrido de sua história.

Pode-se destacar também um grande interesse pela área de estudo que aborda as organizações internacionais e sua forma de atuação tanto inseridas nos Estados, como também parte do sistema internacional. Desta maneira o objetivo principal se torna estudar o papel da ONU no processo de justiça de transição presente no Estado de Ruanda pós-genocídio. Foi adotada a delimitação de um período de 20 anos, 1994 a 2014, para a análise desse estudo de caso, na qual poderá ser observado a atuação das Organizações Internacionais selecionadas por meio de critérios adotados, e sua participação através de objetivos e projetos para a contribuição com a reconstrução do Estado de Ruanda.

O seguinte estudo de caso é importante pois oferece maior conhecimento sobre o processo de justiça de transição e recuperação de um Estado, temas que são muito relevantes para o meio acadêmico que aborda tanto o Direito como as Relações Internacionais. Será utilizado conceitos base para o entendimento de Justiça de transição, apresentados por pesquisadores da área, como por exemplo: Ruti G. Teitel Paul Van Zyl. Além de usufruir esses autores como meio de pesquisa, estes também já servirão como referencia bibliográfica e futuras fontes de pesquisas para aqueles que possuem mais interesse neste assunto, que não é comumente abordado durante o curso de Relações Internacionais.

Não se exclui também o fato que este trabalho servirá de apoio para aqueles que desejam aprofundar-se nas questões de direitos humanos, e como estes marcam presença diante a qualquer contexto histórico e de tragédias.

Esta pesquisa é necessária para obter maior conhecimento da participação das Organizações Internacionais num período pós genocídio, é importante fundamentar sua participação fora do contexto de conflitos, pois muitas vezes a ONU, incluindo seus programas e fundos, possuem o objetivo de atuação em conjunto com o governo dos Estados e não somente o de uma ação imediata em meio a conflitos e crises. A ideia de trazer esta vertente parte de querer fazer um estudo focado no período post bellum e não só trazer a atuação dessas organizações durante o conflito, como a maioria dos estudos tem abordado. Um exemplo que sustenta este argumento é que são poucos os trabalhos que abordam a atuação da ONU no estado de Ruanda pós genocídio, a maioria traz estudos sobre suas atuações e sua operação de paz direcionada (que inclusive foi e ainda é criticada pela sua eficácia) durante o conflito armado.

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É com esse objetivo que o seguinte trabalho procura verificar a hipótese de que o papel da ONU foi fundamental para o desenvolvimento de Ruanda e o reestabelecimento da paz entre a sociedade no decorrer destes 20 anos pós tragédia. Essa análise contribuirá como fonte de pesquisa principalmente para o meio acadêmico de Relações Internacionais e também como forma prática de aplicação da justiça de transição em Estados que sustentam o histórico de conflitos em sua trajetória.

1.3 METODOLOGIA

No decorrer deste trabalho, serão utilizados alguns métodos científicos, a fim de desenvolver uma base de conhecimentos para uma pesquisa bem fundamentada. Antes de abordar os recursos necessários, vale lembrar a importância de obter um tema bem delimitado para o aperfeiçoamento desta análise. Para Gil (2008) “O delineamento refere-se ao planejamento da pesquisa em sua dimensão mais ampla [...] Entre outros aspectos, o delineamento considera o ambiente em que são coletados os dados, bem como as formas de controle das variáveis envolvidas”. Sendo assim prossegue-se com os métodos futuramente utilizados.

Os objetivos desse trabalho serão apresentados utilizando uma pesquisa descritiva, que irá apresentar alguns fatos ocorridos em Ruanda no pós-genocídio, em um período de 20 anos, considerando os anos de 1994 a 2014. Será abordado o método de estudo de caso de acordo com o modelo proposto por Robert K. Yin, que considera o método indicado para a investigação de um fenômeno atual dentro do contexto de realidade. Diante disto podemos classificar a seguinte temática deste trabalho como forma de compreender fenômenos sociais complexos (GIL, 2008).

Todos os processos juntos se classificam como uma pesquisa de caráter qualitativo, pois os resultados que serão alcançados não poderão ser demonstrados somente através de quantidades, e sim de análises que nos ajudem a compreender o fenômeno pós-genocídio.

Diante a metodologia de Estudo de caso, é necessário ter um planejamento de pesquisa, que pode ser delineado através de questões como “Sobre o que é meu estudo? “ e “Quais dados devo coletar?”, sendo assim é essencial que apresente-se um limite temporal, que no caso desta pesquisa, será trabalhado o período de 20 anos após o genocídio de Ruanda, contemplando os anos de 1994 a 2014. Outro fator importante é a seleção institucional, que neste caso ira ser abordado o Estado de Ruanda e a ONU. E por último a fundamentação

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normativa, que se sustenta na pesquisa de acordos e convenções que classificam o genocídio como crime de violação aos direitos humanos (YIN, 2003).

Será necessário para esta pesquisa, o desenvolvimento de critérios de análises para a escolha dos programas e fundos pertencentes a ONU que serão estudados. Dentro destas circunstancias, será feito uso de documentos oficiais do Estado, e das Organizações Internacionais para observar sua participação no processo de justiça de transição. Completando o método de Estudo de caso, será empregado também a pesquisa bibliográfica, que consta nos materiais já publicados sobre essa temática de estudo, que servirão de apoio para a consolidação desta consulta.

1.4 ESTRUTURA DO TRABALHO

O primeiro capítulo, constituído de um referencial teórico, aborda-se os conceitos necessários para o entendimento deste trabalho. Elementos como o genocídio, justiça de transição e Organizações Internacionais serão definidos de acordo com suas características, e então aplicados especificamente ao caso de Ruanda.

O segundo capítulo traz mais informações sobre as atividades e ações do governo nacional e da ONU, que caracterizaram o processo de justiça de transição no pós-genocídio de Ruanda. Apresenta-se medidas distintivas quanto a busca por justiça, como o Tribunal Penal Internacional para Ruanda (TPIR) e as cortes gacacas. Também aborda-se programas implementados que visam promover reparação à população ruandesa, como por exemplo os projetos imidugudu e school in a box. Finaliza-se este capítulo identificando algumas medidas de reconciliação e estabilização de memória.

O terceiro e ultimo capítulo se constitui de uma análise das medidas implementadas em Ruanda dentro de alguns elementos característicos da justiça de transição, como por exemplo a busca por justiça, reparação e reconciliação. Assim explora-se a atuação da ONU durante esse processo, podendo então confirmar parcialmente a hipótese apresentada para este trabalho.

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2 CONCEITUAL TEORICO

O primeiro capítulo apresenta contextos importantes para a compreensão deste trabalho, sendo assim esta dividido em três áreas de estudo. A primeira se diz respeito ao conceito de Genocídio, e como este é aplicado ao caso ocorrido em Ruanda no ano de 1994, o segundo tópico discorre sobre o tema da Justiça de Transição apresentando assim sua história e definição e como esta foi incorporada no período pós-genocídio de Ruanda, e por fim apresenta-se as Organizações Internacionais relevantes para essa pesquisa, focando na formação e atividade de duas agências especiais da ONU, em particular UNICEF e PNUD. 2.1 O GENOCÍDIO EM RUANDA

No ano de 1994 ocorreu um genocídio em Ruanda, marcado como um dos maiores massacres da história da humanidade que culminou no extermínio da população Tutsi pela população Hutu. Este conflito étnico dominou o país durante cem dias e resultou cerca de oitocentas mil pessoas mortas, incluindo mulheres e crianças.

2.1.1 Conceito de Genocídio

O termo genocídio trata de atos praticados com a intenção de destruir um grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Por ser uma grave violação dos direitos humanos, é considerado um crime contra a humanidade. O conceito de genocídio é usado para definir vários atos injustos cometidos por pessoas com a intenção de depredar um grupo social, primeiramente introduzido por Lemkin, que agrupou as palavras de origem grega genos (‘família', 'tribo' ou 'raça') e do latim–cidĭum (ação de quem mata ou o seu resultado).

Para este trabalho será adotado o conceito elaborado no ano de 1944 por Raphäel Lemkin, assim citado na obra de Fragoso (1976, p.20):

A expressão genocídio foi inventada em 1944 por LEMKIN, [...] O crime de genocídio é um crime especial, consistente em destruir intencionalmente grupos humanos, raciais, religiosos ou nacionais, e, como o homicídio singular, pode ser cometido tanto em tempo de paz como em tempo de guerra. Em território ocupado pelo inimigo e em tempo de guerra, será́ crime de guerra, e se na mesma ocasião se comete contra os próprios súditos, crimes contra a Humanidade. O crime de genocídio acha-se composto por vários atos subordinados todos ao dolo especifico de destruir um grupo humano.

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Na área de estudos sobre genocídio, tem-se como referência as pesquisas e publicações realizadas pelo polonês Raphäel Lemkin, que empenhou-se para tornar esse termo oficial, e participou de inúmeras discussões e iniciativas que mais tarde se tornariam significativas para o âmbito mundial.

Como resultado disso, no ano de 1946 foi estabelecido pela Assembleia Geral da ONU, a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio. Esta declarava que o genocídio é um crime condenado por todo o mundo civilizado, reconhecendo que sua prática só causou grandes perdas à humanidade. Foi declarado que devido a gravidade desse crime seria necessário a cooperação internacional para libertar a sociedade deste mal. Além disso, também foi definido na convenção, alguns atos que se caracterizam como genocídio, estes foram publicados em forma de artigos. O trecho abaixo diz respeito ao artigo segundo, que formula os atos cometidos correspondentes ao crime de genocídio.

O artigo 2º da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1946a) dispõe o seguinte:

Na presente Convenção, entende-se por genocídio os atos abaixo indicados, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, tais como:

a) Assassinato de membros do grupo.

b) Atentado grave à integridade física e mental de membros do grupo;

c) Submissão deliberada do grupo a condições de existência que acarretarão a sua destruição física, total ou parcial;

d) Medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e) Transferência forcada das crianças do grupo para outro grupo.

Após o genocídio ser reconhecido como crime pelas nações unidas, a declaração gerou algumas discussões no âmbito dos estudiosos e dos antropologistas, estes questionavam as limitações das características dos grupos que, pela ONU, foram classificados por nacionalidade, raça, religião e etnia. Muitos sugeriram que essa divisão teria de ser mais específica, como por exemplo, incluindo definições como castas, tribos e futuramente orientação sexual. A fim de encerrar as discussões, foi proposto que genocídio seria o ato intencional contra um grupo, como traz Hinton (2002, p. 4, tradução nossa) 1 “O critério que distingue o genocídio como categoria conceitual é a tentativa intencional de aniquilar um grupo social marcado como diferente”.

A partir dos conceitos apresentados acima, caracteriza-se o genocídio como crime internacional contra a humanidade, que pode ser cometido em tempos de paz ou guerra, não

1 The criterion that distinguishes genocide as a conceptual category is the intentional attempt to annihilate a social group that has been marked as different.

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protegendo a vida e a integridade física e mental da população. Vale lembrar que no Brasil o genocídio é considerado um crime hediondo, perante a lei 8.072/90 (BRASIL 1990)

De acordo com Hinton (2002.p.6, tradução nossa)2

Os genocídios se distinguem por um processo de "outras" em que os limites de uma comunidade imaginada são remodelados de tal maneira que um grupo anteriormente incluído (embora geralmente incluído apenas tangencialmente) seja reformulado ideologicamente (quase sempre em retórica desumanizadora) Como fora da comunidade, como um "outro" ameaçador e perigoso - tanto racial, político, étnico, religioso, econômico, etc. - que deve ser aniquilado.

Tendo em vista que o genocídio se trata de um crime, é previsto então que após sua ocorrência sejam impostas penalidades, sendo elas executadas nacionalmente (por tribunais dos próprios Estados) ou internacionalmente (pelas cortes e tribunais internacionais). Com isso a Convenção Para A Prevenção E Repressão Do Crime De Genocídio também dispõe que serão punidos os seguintes atos, de acordo com o Artigo 3º : (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1946a)

Serão punidos os seguintes atos: a) O genocídio

b) O acordo com vista a cometer genocídio c) O incitamento, direto e público ao genocídio d) A tentativa de genocídio

e) A cumplicidade no genocídio

Baseado nos atos descritos acima, percebe-se que a partir do momento que a convenção definiu as particularidades que configuram os crimes de genocídio, este começa a ser julgado oficialmente pela comunidade internacional. Aponta-se que o termo genocídio ganhou destaque desde o julgamento efetuado pelo Tribunal Penal Internacional para a Ex-Iugoslávia, este que por sua vez foi o primeiro tribunal internacional desde Nuremberg (UNITED STATES HOLOCAUST MEMORIAL MUSEUM, 2017).

Sendo assim, neste trabalho tomam-se por base estes fatores ao genocídio de Ruanda, ocorrido no ano de 1994 e hoje considerado uma das maiores tragédias humanas presenciadas pela história, devido a sua violência dos atos cometidos por uma população. Inegavelmente um dos mais sangrentos e bárbaros exemplos de genocídio na segunda metade do século XX.

2 Genocides are distinguished by a process of “oth- ering” in which the boundaries of an imagined community are reshaped in such a manner that a previously “included” group (albeit often included only tangentially) is ideologically recast (almost always in dehumanizing rhetoric) as being outside the community, as a threatening and dangerous “other”—whether racial, political, eth- nic, religious, economic, and so on—that must be annihilated.

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2.1.2 O Genocídio aplicado ao caso de Ruanda

A história do genocídio de Ruanda começa pelo entendimento que o Estado sofria com questões culturais e políticas. A população era dividida em dois grupos, os extremistas Hutus, e a minoria Tutsi. O genocídio de Ruanda foi caracterizado como sendo um conflito étnico, porém nem todos os estudiosos consideram este como tal, pois houveram muitas tensões por disputas políticas e pelo poder que acarretaram na violência cometida pelas milícias. A própria ONU a princípio considerava o ato como uma guerra civil, porém após conclusões sobre o genocídio, corrigiu sua declaração, apoiando então que foi um conflito étnico.

Por volta de 1990, o Estado de Ruanda passava por um processo de democratização, introduzindo o sistema multipartidário de em Ruanda (SILVA, 2003).

De acordo com Fusinato (2014, p.28):

Enquanto o presidente de Ruanda buscava ganhar tempo, garantindo medidas de transformação democrática diante da comunidade internacional, internamente o ambiente se tornava cada vez mais tenso. O temor de uma alteração de poder fez que com que os ataques a BaTutsis e BaHutus opositores ao governo se intensificassem, e a repressão aumentasse na mesma proporção.

A partir do momento que fora estabelecido os partidos de inclinação étnica divergente, foram criando-se conflitos e perseguições dentro do Estado. De um lado tinha-se o governo autoritário (com o então presidente Habyarimana), e de outro a Frente Patriótica Ruandesa (FPR) formada pela população Tutsi. Ao decorrer dos esforços para conquistar o domínio politico, o governo passou a perseguir os Tutsis através da criação de Listas Negras e da publicação dos “10 mandamentos Hutus”, constituído por premissas raciais contra a população Tutsi. Por exemplo, o fato que os “Hutus devem parar de sentir pena dos Tutsi“ e “o Hutu tem que estar atento e vigilante quanto ao inimigo comum Tutsi” (FUSINATO, 2014).

No início do ano de 1994, uma rádio local, a Des Mille Coullines, definiu sua participação no princípio do genocídio, seus proprietários eram associados do presidente da época, ao propagar mensagens de ódio aos Tutsis, tornando estas mensagens em uma campanha que incentivava o extermínio dos denominados inimigos, e que estes traidores “mereciam morrer” (PINTO, 2010).

Essas mensagens eram claramente transmitidas pela rádio a fim de incitar ainda mais que as etnias se virassem umas contra as outras. Na época foram relatadas algumas mensagens efetuadas por figuras de autoridade, como por exemplo, o prefeito local da cidade de Butaré. Vale ressaltar que, mais tarde, muitas dessas mensagens seriam disponibilizadas para

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o Tribunal Penal Internacional para Ruanda com o propósito de dar continuidade às investigações dos perpetradores.

Seguem as palavras do Prefeito mencionado, relatadas em um dos compilados sobre a situação dos direitos humanos em Ruanda (UNITED NATIONS. 1994. p.5. tradução nossa)3: Vocês, pessoas de Butaré, vocês estão adotando uma atitude 'não é da sua conta'; Os inimigos estão entre vocês, se livrem deles"[...]. E mais tarde, ele acrescentou: "Se você cultivar um campo e então não consiga cultiva-lo, o que você fez é inútil"[...]concluiu com ”Analise cada uma das minhas palavras e você descobrirá o significado da mensagem que estou transmitindo a vocês.

Com o tempo os discursos de ódio tornaram-se mais populares no país, e esse então se via num estado de atrito não só em relação a etnias, mas também em relação ao governo e as lutas por poder.

Segundo Ponte (2013, p. 100):

Em 1990, há o início de um conflito armado entre o exército ruandês e a Frente Patriótica Ruandesa (FPR), liderada por exilados Tutsis, e, em consequência, em 1991, uma nova Carta Política é promulgada. Em 4 de agosto de 1993, um cessar fogo foi assinado, mas, logo depois, em 1994, após o assassinato do presidente do país, que estava em um avião que foi abatido, quando retornava da Tanzânia, o conflito foi retomado.

Ao analisar esse contexto histórico-politico, pode-se entender o caminho que levou ao genocídio. As ondas de violência eram de grande repercussão, sendo essas cometidas tanto pelas forças em prol do governo, quanto pelas outras que eram contra. Com a morte do presidente de Ruanda, iniciaram-se as práticas de violência que mais tarde se caracterizariam como o genocídio.

Nas palavras de Plana (2007, p.276 tradução nossa)4

O genocídio foi planejado e executado minuciosamente. A partir de listas preparadas, um número desconhecido de pessoas, portando facões, porretes com pregos ou granadas, professores assassinados, sacerdotes, freiras, funcionários governamentais de todas as gamas, mulheres e crianças

Durante um período de 100 dias, dos meses de abril a julho de 1994, o Estado de Ruanda sofria uma das mais violentas atrocidades por perseguição étnica que compõem a

3 You, people of Butaré, you are adopting a ’it’s none of your business attitude’; the enemies are among you, get rid of them"…And later on he added: "If you cultivate a field and then fail to weed it, what you have done is pointless"…concluded with "Analyse each one of my words and you will discover the meaningof the message I am conveying to you

4El genocidio fue planeado y ejecutado minuciosamente. A partir de listas preparadas, um número desconocido de personas, portadoras de machetes, garrotes con clavos o granadas, asesinó a profesores, sacerdotes, monjas, funcionarios guberna- mentales de todos los rangos; mujeres y niños

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história. A maioria Hutu, seguindo a influência de milícias e o encorajamento divulgado pela rádio, executava a dizimação da população Tutsi de várias maneiras, como por exemplo, fuzilamentos, bombardeios, e até por meios mais brutos como o uso de facões durante suas caçadas humanas. A extensiva propaganda ideológica rebaixava essa classe étnica, dando aos Tutsis apelidos como baratas (inyenzi) e cobras (inzoka), o que contribuiria para a sua desumanização (PINTO, 2010).

Segundo Paula (2011, p.37):

As milícias extremistas e o Exército de Ruanda (incluindo a Guarda Presidencial) organizavam verdadeiras caçadas humanas, cercando suas vítimas em escolas, igrejas e hospitaisAlguns dos locais foram simplesmente incendiados ou bombardeados com morteiros e granadas. Em outros, as vítimas encurraladas eram fuziladas ou mortas com facões ou machetes. Algumas vítimas eram forçadas ao suicídio, obrigadas a matar seus próprios parentes ou queimadas vivas. Os campos, colinas e pântanos de Ruanda foram palco para as perseguições.

Durante o genocídio, cerca de 800.000 pessoas foram mortas, inúmeras foram violentadas, torturadas e abusadas, incluindo mulheres e crianças. O governo conclamava a população a matar Tutsis e jogar seus corpos no rio, assim rapidamente as condições sanitárias em que parte da população se encontrava favorecia o número crescente de vítimas.

De acordo com Pinto (2010, p.198):

Milhares de pessoas se envolveram em atos de linchamento, estupro e outras formas de torturas. Outros milhares cometeram atos como queimar casas e matar o gado pertencente a um Tutsi. Milhões assistiram passivamente ou até bateram palmas e festejaram enquanto outros matavam

As consequências desse crime foram além da destruição de uma civilização ou queda na população demográfica, houve também a ocorrência de vários habitantes que conseguiram fugir e adentrar nos territórios vizinhos. Ressalta-se que dentre esses asilados, muitos deles eram os próprios executores do genocídio, que buscavam abrigo em outros países a fim de evitar os futuros julgamentos.

Diante dos acontecimentos, Ruanda guarda em seu histórico toda essa violência e corrupção de sua estrutura estatal (social, política e econômica), que apesar de dominar muitas questões futuras para o desenvolvimento do Estado, também serviria de motivação para enfrentar suas dificuldades sociais e políticas, a fim de buscar justiça e se recuperar deste grave episódio.

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2.2 JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO EM RUANDA NO CONTEXTO PÓS-GENOCÍDIO O tópico a seguir tem o intuito de apresentar o tema da Justiça de Transição, que possui grande relevância para os estudos das relações internacionais, principalmente quando tratamos de períodos históricos de transição. É com esse pensamento que se aborda a justiça transicional no Estado de Ruanda durante o período pós-genocídio, descrevendo assim algumas ações que foram tomadas nos julgamentos de perpetradores e na reconstrução do Estado.

2.2.1 Exposição da Justiça de Transição

Será apresentado a seguir, o contexto da justiça de transição e como esta se aplica ao caso de Ruanda. Baseado em conceitos formulados por pesquisadores da área, como Ruti G. Teitel (2003, 2011) e Paul Van Zyl (2009). Esses autores fomentam que a justiça de transição é uma ferramenta para auxiliar os países na transição de um regime opressor e na busca pelo Estado Democrático de Direito.

O conceito de Justiça de Transição que embasa esta pesquisa é apresentado por Van Zyl (2009, p.32) da seguinte maneira:

O objetivo da justiça transicional implica em processar os perpetradores, revelar a verdade sobre crimes passados, fornecer reparações às vítimas, reformar as instituições perpetradoras de abuso e promover a reconciliação. Sendo frequentemente arquitetadas em países cujo contexto é similar ao que foi anteriormente descrito, deve-se equilibrar cuidadosamente as exigências da justiça e a realidade do que pode ser efetuado a curto, médio e longo prazo

A origem do conceito surge no período pós Segunda Guerra Mundial, por conta do intensificado processo de internacionalização onde a grandes dúvidas eram: como seria feita a busca pela justiça? De forma nacional ou internacional? Coletiva ou individual? Com isso caracterizou-se o início da justiça de transição, pois ela detinha as respostas aos questionamentos apresentados.

Vale ressaltar que o desenvolvimento do estudo da justiça de transição, passou por três fases, estas constituintes de períodos históricos concluíram as definições desse processo transicional. A primeira fase caracteriza-se com o período pós-guerra, onde o conceito de justiça de transição passou a ser conhecido internacionalmente; A segunda fase tem seu início marcado com o fim da guerra fria, pois essa época foi assinalada por suas mudanças políticas e democráticas. Já a terceira fase ou Steady State diz respeito às condições contemporâneas, também marcadas por conflitos (TEITEL, 2003).

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O estudo da justiça de transição deriva muito do ambiente entre guerras, pode-se perceber que logo na primeira fase, o período consolidado após as grandes guerras mundiais era composto pelo conceito de que os Estados teriam de reconhecer suas violações, principalmente aos direitos universais, e com isso passar por julgamentos que mais tarde fundamentariam a construção da base dos direitos humanos. É nessa fase que se tem o conceito de justiça retributiva, que foca na reparação de danos as vítimas, através da consolidação de seus direitos e na punição dos autores dos crimes.

Segundo Mezarobba, citado por Pereira (2016, p.31) “alberga-se a concepção de restituição, ou compensação, das vítimas pelos abusos de Direitos Humanos sofridos. O intuito é reparar o mal sofrido e apaziguar o sentimento de vingança existente nessas pessoas” Como resultado de uma justiça de transição desta época, marcou-se o desenvolvimento do direito internacional e sua incorporação em diversas convenções, pois este se responsabilizaria no julgamento de abusos em tempos de guerra.

Nas palavras de Teitel (2003, p.74, tradução nossa)5

O legado do pós-guerra tem sido evidente no desenvolvimento da área de direito internacional, onde as dimensões do precedente, estabeleceram a responsabilidade internacional por abusos da guerra, foram então enraizadas em convenções de direito internacional logo após a segunda guerra mundial , como a convenção de genocídio.

A segunda fase, como já dito anteriormente, se caracteriza pelas mudanças políticas resultantes do período pós guerra fria. Teitel (2003) aponta ainda uma compreensão mais diversificada do Estado de Direito. Ou seja, essa fase se adequa a ideia de nacionalidade que estava sendo implementada nos países com o fim da bipolarização mundial.

Esta fase tem como característica a implementação dos meios alternativos de busca de verdade e de responsabilização, busca a restauração das sociedades criando assim a justiça restaurativa, que ao contrario do conceito de justiça retributiva não visa apenas julgar e punir, e sim incentiva a busca pela verdade e o fortalecimento das comunidades.

É característico desta fase as comissões da verdade, que se pode definir como sendo comissões montadas com especialistas no tema a ser analisado, para que estes possam identificar os verdadeiros fatos ocorridos e assim buscar uma justiça que condiz com as verdades encontradas. Além das comissões da verdade, tornou-se presente outros atores que

5 The postwar legacy ongoing force has been evident in development in international la, where dimensions of the precedent establishing international accountability for wartime abuses were entrenched in international law conventions soon after world war II, such as the genocide convention

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buscavam contribuir para esse processo de resolução de conflitos através de meios alternativos. Um grande exemplo são as ONGs, igrejas e sociedades civis (PEREIRA, 2016).

Para Van Zyl (apud PEREIRA, 2016, p.39):

O maior envolvimento de atores fortalece a democracia almejada nos países enquadrados nessa segunda fase. Esse engajamento possibilita a maior estruturação das instituições políticas e auxilia na formulação de políticas que se traduzam em ações para se confrontar o legado de violações dos Direitos Humanos

Em suma, a segunda fase pode ser entendida pelo conflito de interesses entre o ato de julgar e punir os abusos dos direitos humanos, com o ato da anistia e reconstrução em períodos de mudanças políticas. Algumas questões são recorrentes para essa fase, por exemplo, como ajudar uma sociedade a obter a reconciliação e a paz mudando os valores do processo de justiça? Conclui-se que após essa segunda fase, o direito e justiça internacional pretendem não apenas punir, mas sim buscar meios alternativos para auxiliar julgamentos e transições, para com isso melhorar as condições de nacionalidade.

A terceira fase da justiça de transição apresenta-se nos tempos atuais, tanto para tempos de guerras quanto para tempos de paz, onde a justiça de transição se apresenta vinculada ao posicionamento jurisprudencial. Nesta fase se consolidam ações associadas ao direito humanitário. Um grande marco é a criação do Tribunal Penal Internacional (TPI) (PEREIRA, 2016).

Concluindo o processo de formação de justiça de transição, apresenta-se mais algumas características desse conceito, como sendo um novo modelo a fim de romper regimes ao constituir um estado de direito. A justiça de transição, por toda a sua carga teórica, amplifica o papel do Direito nos tempos de mudanças políticas. Ainda, que para Teitel, citado por Pereira (2016, p 47) a “[...] justiça transicional busca por um todo interpretativo, histórico e comparativo, tirar conclusões sintéticas sobre o que essas práticas transmitem sobre a concepção de justiça em tais ocasiões” .

No caso de aplicação da justiça transicional em períodos pós-conflitos, esta deverá possuir estratégias baseadas na necessidade de promover reconciliações, assegurar os sentimentos das vítimas, e assim começar a reformular instituições e o estado de direito. A construção dessas estratégias é fundamentada nos elementos chaves da justiça transicional. Paul Van Zyl (2009) defende que esses elementos-chave são: a justiça, a busca da verdade, reparação, reformas institucionais e reconciliação.

Diante do elemento justiça, tem-se o importante conceito de justiça penal. Em vista que essa justiça teria o trabalho de julgar os que cometeram graves violações ou abusos. Para

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Van Zyl (2009, p. 34) “o processo de justiça penal deve demonstrar um comprometimento minuciosos com a equidade e o devido processo legal com a necessária implicação de uma designação significativa de tempos e recursos”, lembra-se que os sistemas de justiça penal não são o suficiente para construir a base de um processo de justiça de transição.

Segundo van Zyl (2009, p.35).

Os julgamentos não devem ser vistos somente como expressões de um anseio social de retribuição, dado que também desempenham função vital quando reafirmam publicamente normas e valores essenciais cuja violação implica em sanções. Os processos também podem ajudar a restabelecer a confiança entre cidadãos e o Estado demonstrando aqueles cujos direitos foram violados que as instituições estatais buscam proteger e não violar seus direitos. Isso pode ajudar a reerguer a dignidade das vítimas e diminuir seus sentimentos de raiva, marginalização e afronta.

Sendo assim, o elemento justiça pode ser descrito como a aplicação de julgamento penal a fim de punir os danos causados as vítimas por seus autores. Adianta-se que este elemento não serviria de resolução se usado de forma única no contexto pós-genocídio de Ruanda, pois este não possui a mesma capacidade no papel de julgar crimes executados em massa, devido a altos custos e progressos lentos6.

O elemento da busca pela verdade, é importante para o maior conhecimento das violações dos direitos humanos perpetradas, e para que estes abusos sejam reconhecidos pelos governos e sua população. A determinação de acontecimentos do passado serve de inspiração para que as sociedades futuras tenham conhecimento do que precisa ser combatido.

Inserido no fator de busca pela verdade, introduz-se assim o papel das comissões da verdade7, que tem como meta ajudar, investigar, analisar e promulgar as injustiças cometidas, dando voz às vítimas e tentar ajudar a reduzir sentimentos de raiva e hostilidade.

Nas palavras de Hayner (1994, p.600, tradução nossa)8

As comissões de verdade podem desempenhar um papel crítico no país, lutando para chegar a um acordo com uma história de crimes massivos de direitos humanos [..]

6 Para explicar o ponto abordado acima de que o sistema de justiça do tribunal penal internacional não foi o suficiente para o caso de Ruanda, de acordo com as leituras feitas sobre o TPIR, dispõe-se que este não fora tão eficaz quanto a sua capacidade de resolução. A verdade é que a extensão dos crimes cometidos durante o genocídio gerou uma demanda muito maior por punição. Desta maneira, o trabalho do TPIR, como um organismo ad hoc, não conseguiu alcançar seus objetivos sendo o único órgão a buscar justiça. Tem-se então documentado que grande parte dos julgamentos nacionais, tanto oficiais como as cortes comunitárias conhecidas como gacacas , ajudaram a elevar o número de penas entre a sociedade. Aprofundaremos mais essa questão no tópico seguinte

7 Embora o método das comissões da verdade terem sido implementados na segunda fase, não é um fator exclusivo desta, devido aos resultados alcançados através deste mecanismo.

8 truth commissions can play a critical role in country struggling to come to terms with a history of massive human rights crimes [..] their investigations welcome by survivors of the violence and by human rights advocates alike, their reports widely read, their summary of facts considered conclusive and fair

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suas investigações são bem-vindas pelos sobreviventes da violência e pelos defensores dos direitos humanos, seus relatórios amplamente lidos, seu resumo dos fatos é considerado conclusiva e justa

As comissões da verdade também existem para assegurar que o acontecido não será esquecido e sim relatado e levado em conta nas futuras prevenções, permitindo que práticas passadas sejam cada vez menos executadas. (HAYNER, 1994)

O elemento de reparação aborda a responsabilidade que um Estado tem de reparar as vítimas de violações aos direitos humanos. Esta pode ser feita de três diferentes maneiras: a ajuda material, que consta no fornecimento de pagamentos compensatórios, a assistência psicológica e medidas simbólicas, como por exemplo a construção de monumentos e memoriais.

As medidas de reparação são normalmente tomadas após o processo de consideração de implicações morais, políticas e econômicas, sendo necessário, na maioria das vezes, a classificação de medidas aplicadas à diferentes categorias de vítimas, a fim de reparar diretamente a sua injustiça.

Sobre o elemento das reformas institucionais, aborda-se a questão de que uma vez decidido o meio de reparação às vítimas, é necessário que sejam definidos quem serão os responsáveis por executar essas medidas. Neste caso encontra-se tantos os governos recém estabelecidos, como as comissões da verdade, que se encarregam de sugerir medidas legais, institucionais e administrativas na reparação das crises.

A adoção de programas que visam assegurar reformas institucionais, como por exemplo o afastamento de executores de violações de cargos públicos, podem contribuir para que seja assumida uma responsabilidade não penal pelos crimes cometidos. Essa questão dos programas é particularmente usada quando não há possibilidade de processar todos os responsáveis.

Concluindo os elementos, tem-se a reconciliação, fator fundamental em sociedades que sofrem com conflitos de identidade, de categorias como religião, raça ou etnicidade, onde é necessário que o processo de superação seja mais do que a execução de julgamentos e aplicação de penas. Como o próprio nome já diz, o processo de reconciliação busca diferentes maneiras de reintroduzir os executores de violência, em conjunto com algumas vítimas na mesma sociedade. Não de trata simplesmente do perdão, e sim da maneira como será reconfigurada o estado da sociedade no pós-conflito.

Como resultado das medidas descritas acima, o objetivo da justiça de transição ao atuar em uma sociedade pós-conflito é auxiliar nas formas pelas quais o Estado ira se firmar

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novamente, contando com isso ele recuperaria seu estado de direito, confrontaria o caráter de impunidade, consolidaria uma democracia e depois restauraria a confiança de sua população em instituições como o governo e as organizações.

Segundo Van Zyl (2009, p.48)

É indispensável que as estratégias da justiça transicional partam de um extenso processo de consulta local e que sejam fundamentados nas condições domesticas [...] o compromisso de estabelecer mecanismos de justiça transicional somente deve ser incorporado a um processo de paz se refletir o desejo genuíno de todas as partes em enfrentar o passado. Os processos de paz não devem determinar excessivamente a forma exata e a natureza dos processos da justiça transicional [...] os mecanismos de justiça transicional devem considerar o fortalecimento da capacidade como parte central do seu mandato [...] as estratégias da justiça transicional devem ter a maior abrangência possível e não se centrar somente em uma das partes da justiça transicional como a verdade, a justiça, a reparação, a reforma institucional ou a reconciliação.

Diante das palavras de Paul Van Zyl, pode-se concluir que este descreveu uma série de fatores que deverão ser avaliados no decorrer de um processo de justiça de transição. É importante que o Estado que esteja, em fase pacífica, tenha consciência de que são necessárias mudanças democráticas a fim de acabar com as instabilidades que tanto atingem sua população.

Com isso, inicia-se no tópico seguinte a descrição de como ocorreu o processo de justiça transicional no Estado de Ruanda no período pós-genocídio, quem foram os atores, que medidas foram tomadas, como a população enfrentou isso e se esse processo teve ou não resultado. Essas questões serão respondidas a seguir.

2.2.2 Justiça de Transição em Ruanda

Após o genocídio ocorrido em 1994, Ruanda encontrava-se em estado de destruição, não sobrara características de governo para este implementar um plano de recuperação, pois este precisava traçar novas estratégias para a reconstrução nacional.

Diante disso, pode-se também analisar a participação de demais países e das Organizações Internacionais. Durante o processo de justiça de transição, ocorreram três diferentes esforços para lidar com os agentes do genocídio, foram eles o Tribunal Criminal Internacional para Ruanda (TPIR) o sistema judiciário doméstico formal e por último os tribunais locais conhecidos como “Gacaca”.

O TPIR foi criado pela comunidade internacional, a fim de processar os responsáveis pelos atos de violência cometidos durante a genocídio, que contrariaram o direito internacional humano. O TPIR foi estabelecido com muito custo, pois primeiramente a ONU e

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alguns países queriam garantir que o ocorrido teria sido realmente um genocídio, e com isso o Conselho de Segurança estabeleceu uma comissão que averiguaria os fatos que futuramente necessitariam ser julgados.

Enquanto isso, o Estado de Ruanda já passava por mudanças em seu governo, pois este tinha a urgência em estabelecer uma atuação mais democrática, que contava com a presença das duas etnias presentes no país, alguns Hutus moderados em conjunto com o restante Tutsi. Ao final do mês de julho de 1994, o novo governo anunciara sua pretensão de julgar aproximadamente 30 mil pessoas em suas cortes domésticas, pois este acreditava que o tribunal internacional levaria muito tempo para começar a agir. Para Pinto (2009, p.201) “O governo insistia que a competência da jurisdição interna deveria ser reconhecida”, enquanto países como a Nova Zelândia declaravam a importância de um tribunal para um julgamento imparcial e justo, que encorajaria o processo de reconciliação.

Em 8 de novembro de 1994, o TPIR foi estabelecido pelo conselho de segurança, dando início às suas atividades. Contudo, os participantes desse tribunal encontraram muitas dificuldades tentando prestar seus serviços, o estabelecimento no próprio Estado de Ruanda não facilitava, pois este não possuía estrutura o suficiente para que o objetivo do tribunal fosse alcançado. Empecilhos como a falta de salas para trabalhos e interrogatórios e também a falta de cadeias para mandar os condenados foram recorrentes durante toda a ação do tribunal.

Outro fato que não cooperava com o reconhecimento das ações do TPIR, era que poucas pessoas tinham acesso ao que estava sendo feito, tanto internacionalmente como nacionalmente. A própria população ruandesa não colocava fé no trabalho do TPIR por simples falta de conhecimento de como este funcionava. Depois de muito tempo a imagem do tribunal foi melhorando à medida que as prisões eram decretadas, e as informações compartilhadas publicamente. Apesar disso a distância física e cultural do tribunal foi primordial para que este não fosse reconhecido. Para Pinto (2009, p.204) “Seu papel passou quase despercebido pela maioria da população ruandesa. Se há alguma noção de que a justiça estava sendo feita, ela não se deveu ao tribunal internacional.” Vale ressaltar que o TPIR é um dos tribunais ad hoc que foi efetivo quanto aos processos de julgamento e condenação, apesar de suas dificuldades.

Quanto ao processo de justiça doméstica, após a insistência do governo em agir com julgamentos próprios, a comunidade internacional percebeu que se este fosse o objetivo de Ruanda, esta iria investir em auxílios para que o governo efetuasse bons julgamentos diante de um novo sistema judiciário.

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A enormidade dos envolvidos no genocídio criaram um desafio social e legal quase que impossível de ser vencido. Na verdade, não se tratava de uma reconstrução, mas de uma construção de um sistema justo, eficiente e baseado no respeito aos direitos humanos, que combateria a impunidade.

Com isso em 1996 foi aprovada a Lei Orgânica sobre a Organização das Acusação por Ofensas e Crime de Genocídio ou Crimes contra a Humanidade cometidos desde o ano de 92. Através dessa organização foram selecionadas 4 categorias no quais os criminosos seriam classificados e as vítimas recompensadas.

A primeira categoria classificava os criminosos que arquitetaram e planejaram o genocídio ou outros crimes contra a humanidade, como por exemplo estupro e tortura sexual, cuja pena não seria reduzida na presença de confissão. Na categoria 2, estariam classificados os acusados que cometeram um ou mais assassinatos, mas que não fazem parte dos líderes da organização, nesta categoria a confissão conduz à redução de pena. Na categoria 3 e 4, encontram-se aqueles que cometeram violência sem intenção de causar morte, e aqueles que cometeram roubos, danos e outras destruições, respectivamente, na categoria de número 3 os acusados seriam julgados pelas cortes gacacas, enquanto na categoria de número 4 eles deveriam restituir suas vítimas, ou sua comunidade na qual cometeu o crime (PINTO, 2009).

Diante do processo de justiça nacional, é que se começa a perceber a atuação de algumas organizações internacionais na justiça de transição. Destaca-se então que diante a condenação de milhares de atuantes do genocídio, o Estado de Ruanda não possuía infraestrutura o suficiente para manter um sistema prisional. Com isso vemos a presença da ONU através das suas agências especializadas, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), atuarem fora de seus objetivos originais para a promoção das condições de encarceramento no país, pois a maioria de seus prédios penitenciários, assim como o sistema judiciário, precisava ser reconstruído.

Apesar da ajuda dessas organizações, as prisões continuavam a ter superlotação e com isso fora decidido que alguns presos Hutus de crimes menores seriam libertados e sentenciados a cumprir uma pena reduzida. A partir do momento que o sistema judiciário não estava mais avançando tanto em relação ao esperado, o governo de Ruanda recorreu ao procedimento mais flexível e informal que os tribunais gacacas ofereciam, na esperança de acelerar os processos de julgamento.

Os Tribunais gacacas foram uma proposta de experimento social e legal, no qual transformaria o mecanismo comunitário de solução de controvérsias em tribunais capazes de julgar os participantes do genocídio. Esse julgamento seria feito pela própria população,

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contendo quatro níveis administrativos que seriam compostos de uma assembleia geral, juízes e um comitê coordenador, sendo que cada processo seria acompanhado por demais participantes da comunidade. Assim, em fevereiro de 2001 a lei orgânica da criação da jurisdição gacaca foi adotada pelo parlamento ruandês.

O funcionamento dos tribunais gacacas é relativamente simples, as cortes recebem uma lista de vítimas e dos atos criminosos para que sejam debatidos pelos integrantes da corte, que contam com testemunhos e algumas documentações previamente elaboradas. Na sequência, deve-se chegar ao veredicto. É importante saber que apenas os crimes das categorias 2, 3 e 4 (já descritas anteriormente), podem ser julgados pelas cortes comunitárias, isso se deve ao fato de que a lei prevê apenas compensações ou procedimentos de reparação, por isso a categoria de número 1, que consiste nos crimes mais graves, é deixada de lado. (PINTO, 2009)

Um dos princípios do sistema gacacas é que, como fazendo parte da justiça transicional doméstica, a população teria maior facilidade de interação na busca por justiça e resultados que permitiriam uma reconstrução da sociedade. Esse modelo de tribunal, ressalta que a comunidade teria conhecimento dos sofrimentos das vítimas, e de que os crimes cometidos teriam uma forma de reparação decidida pela população, quando considerado suas características. Com isso ocorre a busca para a reintegração de vítimas e agressores na sociedade. Para Pinto (2009, p.209) “O reconhecimento moral da comunidade mais próxima as vítimas e a percepção do agressor como um membro local que pode ser reintegrado facilita o processo de perdão e reconciliação”. Dessa forma o tribunal gacaca incentivaria o processo de reconstrução das comunidades, a fim de deixar o passado de lado, ainda que de forma a assegurar que esses tipos de violações não seriam mais recorrentes.

Segundo Clark (2010, p.169, tradução nossa)9 “Gacaca, persegue três objetivos

pragmáticos […] primeiro, processar o atraso dos casos do genocídio, em segundo lugar, melhorar as condições de vida nas prisões e terceiro, facilitar o desenvolvimento econômico.

O conceito apresentado acima por Phil Clark, especialista em questões pós conflitais, é de que os tribunais gacacas facilitariam o andamento da justiça interna e traria, além de benefícios compensatórios, um avanço em relação a economia do país, pois nesse caso um sistema gerido pela comunidade, onde não seria necessário aumentar infraestruturas em penitenciarias, é relativamente mais barato para o Estado e para o novo governo.

9 gacaca feasibly pursues three pragmatic objectives […] first, processing the massive backlog of genocide cases; second, improving living conditions in the jails; and third, facilitating economic development.

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A posição das organizações internacionais perante o sistema gacaca é de muita resistência, pois estas não acreditam que um tribunal não pode ser baseado em questões tradicionais e informais, porém há a verificação de que a informalidade é uma característica positiva porque ela garante maior permeabilidade às questões morais (PINTO, 2009).

Esse processo gacaca é considerado para a justiça transicional uma forma de reconstruir uma sociedade, baseando-se nas necessidades apresentadas por seus indivíduos em períodos pós-conflitos (CLARK, 2010).

Concluindo as ações que compõem os métodos de justiça de transição, tem-se o estabelecimento da comissão da verdade. As comissões da verdade, como o próprio nome já indica, é a busca pelos reais acontecimentos enfrentados pelas sociedades, e consequentemente suas vítimas no período que sucedeu o genocídio de Ruanda. Para Clark (2010, p. 34, tradução nossa)10, “A verdade em pós-conflito, diz-se a respeito à compreensão das pessoas sobre o que aconteceu no passado”.

A Comissão Internacional da Investigação sobre Violações de Direitos Humanos em Ruanda foi, ao contrario do TPIR e das cortes Gacacas, estabelecida no ano de 1990, através do pedido de algumas ONGs, a fim de relatar as já ocorrentes violações aos direitos humanos. O trabalho da comissão durou ate um pouco antes do genocídio começar, e devido a este fato ela não conseguira voltar a Ruanda para terminar a investigação sobre os abusos cometidos pelos rebeldes. Considerando então o papel desta, apenas serviu para dar visibilidade internacional sobre o que estava acontecendo em Ruanda do que promover a reconciliação dentro do Estado. Ressalta-se que após o ano de 1995 apesar dos esforços externos, nenhuma comissão da verdade foi estabelecida no pós-genocídio (PINTO, 2009).

Sobre a justiça transicional em Ruanda, a autora Simone Rodrigues Pinto afirma que a dimensão da restauração moral da sociedade deve ser considerada quando necessário a reconstrução de uma democracia baseada na convivência pacífica e livre entre grupos sociais, o que não se classifica como uma tarefa fácil quando esta requer o envolvimento da sociedade civil em reflexões e participações políticas, contudo, os resultados podem ser promissores (PINTO, 2009).

Pode-se concluir que a justiça de transição é uma “ferramenta” indispensável na reconstrução dos Estados que precisam passar por processos de redemocratização e de

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restituição das sociedades. Ela abarca alguns elementos chaves como a busca pela verdade e reparações, e foram usados no caso de Ruanda após o Estado sofrer com o genocídio de 1994. A fim de complementar o objeto de estudo da justiça de transição, o próximo tópico traz a conceituação das Organizações Internacionais, a fim de se aprofundar em seus objetivos e também direções, para que possa então ser desenvolvido a introdução do estudo de como a ONU atuou durante os 20 anos que sucederam o genocídio e a “pré-seleção” de áreas em que estas desempenham seus objetivos.

2.3 ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS

O presente tópico tem como base o conceito de Organizações Internacionais introduzidos nas seguintes obras bibliográficas: Dicionário das Relações Internacionais, de Guilherme A. Silva e Willians Gonçalves (2010) e Organizações Internacionais – Historia e Pratica, de Monica Herz, Andrea Ribeiro Hoffmann e Jana Tabak (2015).

As Organizações internacionais (OI) são entes criados para a atuação no sistema internacional de forma a ajudar os Estados em determinados assuntos, definindo alguns padrões a serem seguidos em diferentes governos a fim de proteger e tratar de questões de interesses mundiais. Para Silva e Gonçalves (2010, p.178) essas organizações “Visam a prover de estabilidade, durabilidade e coesão as relações entre atores e processos de maneira mais ou menos formal”.

Tendo as organizações Internacionais como atores do sistema mundial, é possível dizer que estas garantem o funcionamento de uma governança global, mas como caracteriza-se esse termo? Governança global diz respeito a normas, regras, procedimentos para resolução de conflitos, ajudas humanitárias, assistências ao desenvolvimento e até utilização de força militar. Quando posto este conceito no trabalho das OI, vemos que estas atuam exatamente com este tipo de atividade, para complementar as práticas dos Estados (HERZ; HOFFMANN; TABAK, 2015).

A Criação de uma OI surge do interesse de diversos Estados, de modo que estes delimitam a área de atuação, como por exemplo, saúde, economia e educação, e então por meio de um tratado, estabelecem os poderes dessa Organização. Isto requer que os Estados que tenham a intenção de participar dessa determinada OI, ratifiquem seu tratado como forma de comprometimento com as futuras ações e práticas estabelecida pela Organização Internacional.

Herz, Hoffmann e Tabak (2015, p,6) afirmam que dentro de uma organização “sua contribuição entre Estados-membros envolvem a criação de um espaço social e até físico, no

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