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Biblioteca Digital do IPG: Relatório de Estágio Curricular – Santa Casa da Misericórdia – Lar de Crianças e Jovens D. Nuno Álvares Pereira (Almada)

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TPG

1 daGuarda

Polylechnic of Guarda

-j

RELATÓRIO DE ESTÁGIO

Licenciatura em Animação Sociocultural

Rámulo Alexandre Pereira Cavaleiro

(2)

Escola Superior de Educação, Comunicação e Desporto

Instituto Politécnico da Guarda

R E L A T Ó R I O D E E S T Á G I O

RÓMUL O AL EXANDRE PER EIRA CAVAL EIRO LICENCIATURA EM ANIMAÇÃO SOCIOCULTURAL

(3)

I

FICHA DE IDENTIFICAÇÃO

Nome do Estagiário - Rómulo Alexandre Pereira Cavaleiro

Local de Estágio – Santa Casa da Misericórdia de Almada – Lar de Crianças e Jovens D. Nuno Álvares Pereira

Morada – Av. Professor Egas Moniz, nº 5. 2800-067 Almada Contactos – Telefone – 212 756 428

Fax – 212 721 950

Data de início do estágio – 2 de abril de 2018 Data de fim do estágio – 15 de junho de 2018

Supervisor na Organização – Dra. Célia Felix

(4)

II

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Instituto Politécnico da Guarda, Escola Superior de Educação, Comunicação e Desporto pelo acolhimento prestado. Embora a Guarda seja a cidade natal da minha família paterna, foi uma aventura frequentar o Instituto Politécnico da Guarda – Escola Superior de Educação, Comunicação e Desporto de 2013 a 2018 e concluir os cursos CET – Acompanhamento de Crianças de Jovens e agora a Licenciatura em Animação Sociocultural.

Agradeço, especialmente, à Diretora do Curso de Animação Sociocultural, pela disponibilidade demonstrada, por me ter ouvido, guiado e fazer-me sentir que estes anos tiveram um propósito maior.

Agradeço, ainda, à Santa Casa da Misericórdia de Almada por ter aceite a minha proposta de voluntariado há uns anos atrás, pois foi desta maneira que optei por outros caminhos e desbravei novos horizontes, tornando-me uma pessoa melhor e mais feliz.

Agradeço, também, à Diretora do Lar de Crianças e Jovens D. Nuno Álvares Pereira, Dr.ª Célia Félix, por todo o apoio e auxílio que me prestou em todos os momentos da minha vida.

Agradeço aos professores do Curso de Animação Sociocultural que me acompanharam em todos os momentos, contribuíram para o aumento do conhecimento e ajudaram a ultrapassar dificuldades.

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III

RESUMO

O relatório de estágio ora apresentado relata as atividades desenvolvidas ao longo do estágio curricular no Lar de Crianças e Jovens D. Nuno Álvares Pereira em Almada, instituição onde já fui colaborador no âmbito do trabalho voluntário.

O prévio conhecimento do espaço e regras de funcionamento desta instituição potenciaram, agora, a atuação e desempenho de funções que pretenderam, como sempre, abarcar a dimensão humana da pessoa, na relação consigo mesma e na interação com o outro, contribuindo, o mais possível, para a construção dos projetos de vida das crianças e jovens institucionalizados.

Foi dado ênfase às relações humanas, e, nas principais funções desempenhadas, como as de Animador Sociocultural e, por força das circunstâncias, de Ajudante de Lar, procurei assegurar as necessidades dos utentes, numa perspetiva de providenciar um ambiente familiar facilitador das interações grupais, passagem de valores e, em última instância indiciador de um projeto de vida exequível, aplicando conhecimentos adquiridos ao longo da minha vida académica e ao mesmo tempo respeitando o funcionamento real da instituição e as relações interpares de todos os intervenientes.

Palavras-chave – Instituição, Criança/Jovem Institucionalizado, Projeto de Vida/Animação

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IV ÍNDICE FICHA DE IDENTIFICAÇÃO I AGRADECIMENTOS II RESUMO III ÍNDICE IV INTRODUÇÃO 1 CAPÍTULO I

A INTITUIÇÃO SANTA CASA DA MISERICÓRDIA – LAR DE CRIANÇAS E

JOVENS D. NUNO ÁLVARES PEREIRA 3

1. O papel das IPSS na sociedade portuguesa 3 2. Contextualização histórica e geográfica 4

3. Missão e valores 5

4. Finalidade e objetivos 5

5. Recursos humanos 6

6. Estrutura administrativa 8

7. Estrutura social 8

8. Projetos a desenvolver e a ação do Animador Sociocultural dentro da Instituição 11 CAPÍTULO II

O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E DO JOVEM 14 1. A infância como construção social 14 2. A adolescência: entre a criança e o adulto 18 3. Maus tratos a crianças e jovens 19

3.1.Fatores de risco e proteção 21

3.2.Tipologia dos maus tratos 26

3.3.Perfis dos abusadores e dos abusados 31 3.4.O papel do educador face aos maus tratos 32 4. A criança e o jovem institucionalizados 34 4.1.As razões da institucionalização 36 CAPÍTULO III

ESTÁGIO 38

1. Objetivos iniciais 38

2. Atividades desenvolvidas 40

2.1. Acompanhamento de crianças e jovens 40

2.2. Animação sociocultural 41

REFLEXÃO FINAL 48

FONTES CONSULTADAS 50

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INTRODUÇÃO

O presente relatório incide sobre o trabalho desenvolvido no estágio que integra o plano curricular da Licenciatura em Animação Sociocultural no último semestre do curso. Este estágio realizou-se no Lar de Crianças e Jovens D. Nuno Álvares Pereira, valência da Santa Casa da Misericórdia de Almada entre abril e junho de 2018. Durante as 400 horas regulamentares foram desempenhadas funções no âmbito de Animador Sociocultural, mas também, e por necessidade da instituição, de Ajudante de Lar.

O Lar dispõe de uma Animadora Sociocultural que no momento do início do estágio entrou em licença de parto. Nesta época do ano a Animadora tem como função a organização do plano de férias grandes para todas as crianças e todos os jovens da instituição. Toda esta planificação encontrava-se já acautelada. Foi contratada uma Animadora substituta, em regime de estágio profissional. Esta necessitou de um tempo de adaptação e familiarização com o espaço e procedimentos. Perante este cenário, e acrescendo que o presente estágio coincidiu com o final do ano escolar foram desenvolvidas, por minha iniciativa, intervenções ocasionais junto dos utentes, sem nenhuma planificação definida, mas assentando no prévio conhecimento da instituição, algumas em colaboração com a animadora substituta de que darei conta mais adiante. Desenvolvi ainda um pequeno projeto no âmbito da Animação Musical intitulado escrever o certo por palavras tortas com um grupo restrito de jovens que apresentarei detalhadamente neste relatório.

A segunda função, a de Ajudante de Lar, requer do seu executante um perfil profissional bastante específico, já que é o ajudante de lar a pessoa encarregue de acordar as crianças e jovens para irem para escola ou outras atividades, organiza as refeições, controla a higiene e a distribuição das roupas. O ajudante de lar representa, geralmente, para as crianças e jovens institucionalizados uma figura de autoridade, e encaram-no como alguém a respeitar, mas também o vêem como um porto de abrigo, alguém com quem podem desabafar, recorrer num caso de aflição, contando com a sua ajuda e ao mesmo tempo com a sua cumplicidade, numa recriação dos laços que unem as famílias ditas normais. O ajudante de lar representa a figura familiar, bastião de autoridade, proteção e afeto.

Este relatório obedece à seguinte estrutura: inicia-se com uma ficha de identificação, agradecimentos e resumo; segue-se esta mesma introdução; continua com o corpo do relatório.

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Este, por sua vez, está dividido em três capítulos: o primeiro apresenta a instituição, Lar de Crianças e Jovens D. Nuno Álvares Pereira, como uma das valências da IPSS Santa Casa da Misericórdia de Almada abordando assuntos como a sua história, localização geográfica, missão e valores, finalidades, objetivos e estruturas (física, administrativa e social) e uma breve reflexão sobre o papel do Animador Sociocultural numa instituição deste tipo; o segundo inclui um enquadramento teórico sobre o desenvolvimento da criança e do jovem, fatores de risco e proteção, tipologia dos maus tratos e o perfil da criança e jovem institucionalizados; o terceiro e último refere-se ao estágio propriamente dito, no que diz respeito aos objetivos iniciais e às atividades desenvolvidas. Por ter assinado um acordo de confidencialidade com vista à proteção das crianças e jovens institucionalizados não serão ilustradas por fotografias nenhuma das ações que iremos descrever. Em jeito de conclusão serão apresentadas algumas considerações finais.

Para a elaboração deste relatório foram usadas diversas fontes tais como: pesquisa bibliográfica, webgrafia, documentos institucionais e outras fontes diversas, que serão devidamente referenciadas ao longo do documento.

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CAPÍTULO I

A INSTITUIÇÃO SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE ALMADA

LAR DE CRIANÇAS E JOVENS D. NUNO ÁLVARES PEREIRA

1. O papel das IPSS na sociedade portuguesa

A Santa Casa da Misericórdia de Almada é uma Instituição Particular de Solidariedade Social – IPSS. Estima-se que existam mais de quatro mil IPSS em atividade em Portugal, aceitando cada vez mais utentes e criando também mais postos de trabalho. Estas instituições não têm finalidade lucrativa, surgem por iniciativa de particulares e não são administradas pelo Estado ou por um corpo autárquico. São Organizações da Sociedade Civil inserindo-se no chamado terceiro setor, beneficiando da auto-organização dos cidadãos e visam, com uma gestão democrática, dar respostas a necessidades não satisfeitas pelo Estado ou pelo mercado (Ranchordas, P., Carvalho, Z. 2007). São ainda, uma realidade multissecular na sociedade portuguesa (Sousa, 2012), e encontram-se dispersas por todo o país. Durante séculos foram a entidade vocacionada para a proteção social, salientando-se, por exemplo, o caso das Misericórdias fundadas no século XV sob o patrocínio da rainha D. Leonor.

É um dever da sociedade agradecer e amparar estas Instituições, uma vez que estas são constituídas para o bem geral, prestando serviços no âmbito social e cultural, embora as dificuldades financeiras com que se debatem devido, em parte, aos contingentes económicos nem sempre favoráveis e a uma legislação cada vez mais rigorosa. De salientar, neste contexto, também a colaboração de cidadãos voluntários.

Assim sendo, podemos concluir que há cada vez mais cidadãos que observam atentamente as necessidades com que se confrontam e deparam muitos grupos vulneráveis das suas comunidades, providenciando-lhes apoio e orientação, de modo a conseguirem promover as suas capacidades e competências para que possam, numa fase posterior, ultrapassadas as dificuldades, participar ativamente na sociedade. O número crescente de utentes que beneficia do apoio destas IPSS mostra claramente que há cada vez mais a noção de que viver em comunidade implica uma união de esforços no sentido de desenvolver e potenciar a igualdade de oportunidades.

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“Um dos maiores desafios que Portugal enfrenta hoje é saber como garantir uma resposta social de qualidade pois só combatendo a exclusão social é que poderemos dar esperança a muitos portugueses» e «para isso há um parceiro fundamental com quem temos de contar: as instituições da economia social e solidária” afirmou, em 2012, o Ministro da Solidariedade e da Segurança Social, Pedro Mota Soares. 1

2. Contextualização histórica e geográfica

A fundação da Santa Casa da Misericórdia de Almada insere-se no contexto da criação das Misericórdias portuguesas pela Rainha D. Leonor, sob o patrocínio de frei Miguel Contreiras, e na sua consequente proliferação pelo reino durante a primeira metade do século XVI. Constituída em Maio de 1555, por iniciativa de cerca de cento e trinta personalidades notáveis, homens bons, moradores ou naturais da vila, a confraria da Misericórdia da vila de Almada foi o lar de pessoas ilustres, homens das artes, das letras e das armas como o cronista-mor do reino Francisco de Andrada, Fernão Mendes Pinto, autor da Peregrinação, Manuel de Sousa Coutinho, futuro frei Luís de Sousa, D. Álvaro de Abranches e Câmara, um dos heróis da revolução de 1 de Dezembro de 1640, entre outros (Flores, A., & Costa, P., 2005, p. 11).

Desde então que a Santa Casa da Misericórdia de Almada tem vindo a manter a sua atividade, dividida, neste momento, por um vasto leque de intervenções a nível social, abrangendo áreas diferentes de atuação para um público diversificado. No âmbito da infância possui quatro complexos de creches e jardim-de-infância, situados em zonas carenciadas, servindo a população de vários bairros sociais. No setor da juventude, promove no Espaço Jovem, sito na freguesia da Caparica, atividades de acompanhamento e inserção de jovens (com mais de 12 anos) e das suas famílias. Procura, através de profissionais qualificados e voluntários desenvolver atividades recreativas, culturais e desportivas e encaminhá-los no seu percurso escolar, formação profissional e emprego. No âmbito dos serviços prestados na área da juventude a Santa Casa da Misericórdia de Almada possui ainda, desde 1977, o Lar de Crianças e Jovens D. Nuno Álvares Pereira situado no coração de Almada, numa zona habitacional. Este lar funciona desde 1982 na Avenida Professor Egas Moniz, e ocupa um edifício, outrora de habitação, que foi requalificado para este efeito. Não fosse a proteção nas varandas, passaria completamente desapercebido ao transeunte, pois

1Disponível em:

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confunde-se com os prédios de habitação contíguos. À porta existe uma pequena placa identificativa.

Para além do trabalho desenvolvido com a infância e juventude, acrescenta-se como valências da Santa Casa da Misericórdia de Almada vários serviços de apoio a idosos, dois lares e três centros de dia. Estão ainda a desenvolver-se vários projetos que visam a inserção social de desempregados e ex-reclusos, dois centros de saúde e três empresas de inserção social (limpezas domésticas, transporte adaptado e catering).

3. Missão e valores

Desde 1982 que a atuação da Santa Casa da Misericórdia de Almada é regulamentada pelo Compromisso da respetiva irmandade podendo-se ler no artigo 1º os valores subjacentes à missão: A Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Almada abreviadamente designada Santa Casa da Misericórdia de Almada, fundada em Maio de 1555 continua a ser uma associação de fiéis, constituída, com o objetivo de satisfazer carências sociais e praticar atos de culto católico, de harmonia com o espírito tradicional, informado pelos princípios da doutrina e moral cristã e ainda pelos usos e costumes da Irmandade. 2

4. Finalidades e objetivos

O Lar de Crianças e Jovens D. Nuno Álvares Pereira acolhe, neste momento, em regime prolongado de internato 45 crianças e jovens de ambos os sexos, e de etnias diferentes, com idades compreendidas entre os 6 e os 18 anos de idade, poderão existir exceções para idades inferiores, mas nunca com menos de 3 anos e superiores, mas nunca maiores de 20 anos (Tabela nº 1), em situação de risco e como medida de Promoção e Proteção aplicada de acolhimento institucional. Como missão e elemento norteador de toda a ação desenvolvida, o Lar tem como objetivo garantir

2 Disponível em http://www.scma.pt/documents/10184/11387/Compromisso/face3f8e-ca3d-4b5b-8881-a4f6039adf2f: p. 1 (consultado em junho de 2018)

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o desenvolvimento integral dos residentes e paralelamente delinear os respetivos projetos de vida, potenciando a desinstitucionalização da Criança/Jovem no menor tempo possível.

Tabela nº 1 - Número de crianças e jovens institucionalizados por faixas etárias

Faixa Etária (anos) Número de jovens de ambos os sexos

6 – 12 13

13 - 15 20

16 - 18 18

+ de 18 3

Fonte: Própria (recolha de dados feita durante o estágio curricular de abril a junho de 2018)

5. Recursos humanos

No Lar de Crianças e Jovens D. Nuno Álvares Pereira trabalham 28 profissionais com variadas funções e habilitações profissionais, a saber:

 1 diretora técnica

 3 técnicas superiores de ação social  1 psicóloga  1 animadora sociocultural  1 administrativa  15 ajudantes de lar  4 trabalhadores de limpeza  1 costureira  1 guarda

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Acresce ainda, o trabalho de voluntários, que centram a sua atuação no acompanhamento dos utentes principalmente no apoio ao estudo. Numa visita a esta instituição pode-se observar que, no rés-do-chão existe a secretaria, um pátio, uma sala de convívio e a cozinha, onde se fazem os almoços e jantares que posteriormente são enviados por elevador para os respetivos andares. Existe ainda uma sala de tratamento de roupas, onde as roupas são lavadas, passadas a ferro e de seguida encaminhadas para os andares, tendo todas nas etiquetas o número do mesmo evitando qualquer tipo de engano. Aqui também se fazem alguns trabalhos de costura. No andar seguinte encontra-se a sala da diretora, um gabinete onde trabalham as três técnicas, um gabinete de psicologia onde se encontra a psicóloga e respetivas estagiárias, uma sala de informática equipada com vários computadores e uma televisão com consola de jogos, uma sala de reuniões, uma sala de apoio ao estudo, e um ateliê onde se encontram os materiais de expressão plástica e os brinquedos que pertencem a todos (na sua maior parte objetos doados por particulares e empresas). Este ateliê só se encontra aberto com a presença de um adulto responsável. Assim, todos os utentes podem entrar e usufruir, com sentido de responsabilidade, de todos os materiais e brinquedos disponibilizados. Existem ainda duas casas de banho, uma para as técnicas e outra para os restantes utentes que se encontrem nesse andar, por qualquer motivo. O edifício tem, ainda, mais três andares onde os utentes dormem, comem e cuidam das suas necessidades de higiene. Em cada andar existe uma sala de estar com sofás televisão, mesa para refeições, maquina de lavar loiça, frigorífico e um balcão de cozinha. É de salientar que nunca se cozinha em nenhum andar, o balcão e o frigorífico existem só para uso direto dos utentes, pois os horários escolares são muito diversificados e, às vezes, é necessário os mais velhos lancharem por si próprios ou “petiscarem” aquele tipo de mimos (que todos os jovens apreciam) e a que cada um tem direito: chocolates, doces, cereais, e outros.

Em cada andar existem 2 casas de banho completas, e 5 quartos ocupados por 2 a 4 crianças e jovens. Não existem quartos mistos apesar de todos os andares terem tanto rapazes como raparigas sem diferenciar idades, isto é, em cada andar existem rapazes e raparigas dos 6 aos 18, pois incentiva-se o convívio entre todos, de forma a recriar um ambiente familiar. De salientar que alguns utentes têm laços de parentesco entre si como, por exemplo, irmãos. As tarefas domésticas são divididas por todos, alteradas semanalmente, não interessando a idade ou o perfil das crianças e jovens, todos ajudam.

Resta acrescentar que a nível do funcionamento as regras estabelecidas são flexíveis e aplicam-se por idades. Existem várias horas para o recolher conforme a idade de cada um.

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O acolhimento de novos utentes funciona 24 horas por dia, 7 dias por semana. O Lar também funciona como instituição de abrigo em caso de perigo para a criança ou jovem, em situações detetadas pelas entidades policiais e devidamente analisadas pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) ou pelo Tribunal. Por vezes, alguns destes utentes são depois encaminhados para outras instituições, por razões que passam pela logística e pela natureza de cada caso.

6. Estrutura administrativa

O Lar é dirigido pela Diretora Técnica, Dr.ª Célia Félix há cerca de 16 anos. A Diretora coordena o funcionamento da instituição, privilegiando o contacto com o exterior, mas sempre atenta ao garante das necessidades essenciais da mesma. Reúne amiúde, com o pessoal técnico, e supervisiona o trabalho dos ajudantes de lar.

Sendo o Lar uma das valências da Santa Casa da Misericórdia de Almada, conta com o seu apoio financeiro e logístico, assim como outros apoios e parcerias como Centros de Saúde, Hospital Garcia de Orta, clínicas privadas de saúde, Comissão de Proteção de Crianças e Jovens e empresas do concelho, estas últimas funcionando como mecenas no que toca ao fornecimento de bens essenciais, objetos de consumo e apoio financeiro. A Câmara Municipal de Almada e a Junta de União de Freguesias de Almada, Pragal, Cova da Piedade e Cacilhas colaboram também, nomeadamente em questões de logística, como por exemplo os transportes.

7. Estrutura social

Como os utentes do Lar se encontram em regime de internato, deslocam-se para escolas do concelho ou de concelhos limítrofes, desde as escolas com jardim-de-infância e primeiro ciclo, até às escolas básicas e secundárias e, no Lar, o acompanhamento feito a nível escolar, para além do que é providenciado pelas técnicas superiores, prende-se essencialmente com o apoio ao estudo desenvolvido pelos voluntários.

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Tabela nº 2 – Escolaridade das crianças e jovens institucionalizados

Nível de Ensino Percentagem de indivíduos

1º Ciclo 19%

2º Ciclo 31%

3º Ciclo 30%

Ensino Secundário 13%

Ensino Especial 19%

Fonte: Própria (recolha de dados feita durante o estágio curricular de abril a junho de 2018)

Na Tabela nº 2 apresenta-se a distribuição dos utentes pelo seu ciclo de escolaridade. Salienta-se que no ano letivo 2016/2017 o sucesso escolar foi de 85% 3. Na instituição, os jovens obedecem a regras formais (existe um regulamento, mas as regras estão devidamente interiorizadas por todos) e usufruem de momentos de lazer, convívio e animação. No seu dia-a-dia é muito importante o papel do ajudante de lar. O ajudante de lar representa o pai, a mãe, os tios e os avós dos utentes. É o ajudante de lar que encaminha a criança para o corpo técnico sempre que necessário, apesar de todas as crianças, principalmente as mais novas, terem de se dirigir ao gabinete técnico assim que chegam da escola, quer seja para receber recados, quer seja para cumprimentar quem gosta deles.

Cada andar está à responsabilidade de uma das três técnicas, sendo elas as encarregadas de educação das crianças do respetivo andar que lhes está atribuído. É o ajudante de lar que está encarregue de saber se as crianças têm trabalhos de casa ou não, ou qualquer outro problema, seja de saúde ou pessoal. É aqui que entra a grande ajuda dos voluntários, sem eles dificilmente todos os utentes teriam os trabalhos de casa feitos ao fim do dia e como deve ser.

O Lar também fornece acompanhamento psicossocial aos familiares dos residentes, que os visitam. Por vezes os utentes reintegram a sua família, por ordem do tribunal, quando estão reunidas

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as condições para o efeito. Mas, grande parte permanece na Instituição durante anos, até conseguir estabelecer um projeto de vida para si próprio.

Alguns utentes beneficiam do projeto Família Amiga. Este projeto tem como principal objetivo proporcionar aos utentes sem suporte familiar ou com suporte insuficiente o contacto com uma família (também ela voluntária) com a qual criam laços afetivos duradouros, que contribuem para a estabilidade emocional e desenvolvimento harmonioso das crianças/jovens.

Torna-se assim, importante, que a criança/jovem considere o cuidador como um porto de abrigo, uma base segura de confiança, afeto e conforto, para que a construção do seu projeto de vida tenha êxito. É este um dos grandes objetivos de todos os trabalhadores desta instituição.

Os principais motivos da institucionalização das crianças e jovens residentes no Lar são a negligência (falamos aqui de absentismo escolar, da falta de supervisão nos cuidados relativos à saúde e também na inexistência de rotinas normais para o desenvolvimento saudável da criança ou jovem), maus tratos, exposição da criança a modelos com comportamentos desviantes, por exemplo consumo de drogas e maus tratos físicos e psicológicos e, em pequeno número, casos de adoção falhada.

Todos os utentes chegaram à instituição por via oficial, após sinalização pelas entidades competentes. Estamos perante crianças e jovens que se encontravam numa situação de risco permanente, como casos de violência doméstica, de abusos físicos e sexuais ou mesmo carências nas suas necessidades mais básicas. Existem casos de crianças e jovens com necessidades educativas especiais. Nenhum deles apresenta deficiências físicas, mas sim distúrbios emocionais que dificultam a sua aprendizagem. Todos são acompanhados pela psicóloga, e usufruem nas escolas da aplicação de um Plano Educativo Individual (PEI) ao abrigo do Decreto-Lei nº 3/2008.

Para além destes casos, encontram-se outros referenciados que frequentam escolas de ensino especial com programas escolares adaptados.

No Lar, propriamente dito, todas as crianças têm de passar pelo gabinete de psicologia. No caso dos utentes com Necessidades Educativas Especiais, a inclusão é o objetivo principal e, para além do que é feito na aplicação dos respetivos PEI nos estabelecimentos de ensino que frequentam, é assegurado um acompanhamento especial no que toca ao apoio ao estudo. Todos os utentes do Lar apresentam problemas de integração social, muitos têm um rendimento escolar baixo, mas não reúnem condições para ser abrangidos pelo Decreto-Lei nº 3 anteriormente referido, que

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regulamenta os apoios especializados a prestar na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário dos sectores público, particular e cooperativo.

8. Projetos a desenvolver e a ação do Animador Sociocultural dentro da Instituição

Para além do projeto Família Amiga, no ano de 2017 foram desenvolvidos 5 grandes projetos que mantêm a sua continuidade em 2018, a saber: projeto Grupos Terapêuticos dinamizado pela psicóloga Adelaide Pinheiro; projeto Sentidos dinamizado pela técnica de ação social Liliana Silva; projeto Dos Nós aos Laços dinamizado pela técnica de ação social Susana Castro; projeto Coral dinamizado pela diretora Célia Félix; projeto Ambienta-te dinamizado pela animadora sociocultural Marta Pinheiro. Estes projetos têm como intervenientes os utentes do Lar, mas também os profissionais que com eles trabalham. Para a sua implementação foram desenvolvidas parcerias com entidades exteriores e foi obtido também financiamento externo. O projeto da responsabilidade da animadora versa sobre a reciclagem e a proteção do ambiente.4

A figura do Animador Sociocultural faz parte do staff de profissionais do Lar, como já foi referido. Desde cedo foi reconhecido a necessidade de contar com um Animador residente, de forma a suprir as necessidades sentidas no âmbito da Animação Sociocultural neste tipo de instituição.

Feito o primeiro diagnóstico por partes das chefias da instituição, neste caso a Diretora, as Strês Técnicas de Ação social, a Psicóloga e a Animadora, são definidos os objetivos da intervenção em termos anuais por parte desta última. O diagnóstico tem como base a apresentação (se for o caso) dos utentes do lar à Animadora, dos principais problemas de cada um para se ir tentando perceber a ideia do tipo de atividades que devem ser planeadas pela ao longo do ano. Para isso são tidos em conta o tipo de materiais e recursos físicos que o Lar dispõe ou pode tentar dispor em objetivo de consecução do plano traçado. O Lar já possui um ateliê de longa data, em constantes renovações e mudanças para não se tornar um lugar monótono e seja sempre apelativo para todos os utentes, desde os mais velhos aos mais novos. Cabe à Animadora dinamizá-lo da melhor maneira. Trata-se de uma plano que se consubstancia na educação não formal, e que deve ter em conta que o público-alvo são crianças e jovens, com particularidades à partida semelhantes (são

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todos institucionalizados), mas que cada um mostra uma especificidade própria. Todos os utentes frequentam estabelecimentos de ensino relativamente perto da instituição, são maioritariamente oriundos do distrito de Setúbal, e o plano de atividades do Lar deve ser uma forma de complemento à educação formal escolar, tendo em conta as necessidades de cada um, do grupo, mas também os elementos facilitadores para que estas se ultrapassem. A primeira questão é a mobilização de recursos económicos. O orçamento é sempre diminuto para as necessidades. Daí a obrigatoriedade de trabalhar em rede comunitária, estabelecendo parcerias várias, das quais se destacam os campos de férias, as empresas de organizações de atividades ou de transporte, os grupos de teatro, os setores educativos da Câmara Municipal mais próximas, as associações desportivas do Concelho de Almada, de entre outras. Fica, assim, claro que mesmo com poucos recursos se consegue obter sucesso quer a nível interno formal – comprovado pelas sucessivas auditorias -, como informal, já que a maior parte dos institucionalizados vêem a instituição como a sua casa, espaço de convívio entre todos, e ao mesmo tempo de construção dos valores de respeito, amizade, responsabilidade e sociabilidade. A avaliação da atuação dos profissionais é feita, por uma questão logística, no fim do ano letivo escolar. Para além do sucesso ou insucesso escolar são avaliados a consecução dos objetivos propostos pela equipa, apesar de ainda existir o planeamento das atividades de férias grandes, que abarcam atividades dentro e fora da instituição, momento de maior intervenção da Animadora, que as planificou, executa e acompanha. Há que ser tido em conta os fatores inerentes aos vários grupos etários, aos interesses pessoais das crianças e jovens, e à obtenção de objetivos muito bem definidos (Anexo II).

Visto se tratar de um Animador residente não existe uma conclusão da sua ação visto esta ser contínua, nem um mútuo acordo para finalizar qualquer contrato ao fim de cada plano anual, a menos que o trabalho do Animador não tenha sido adequado às necessidades da instituição, e aí sim, dentro dos termos legais, pode ocorrer o despedimento do mesmo. Passa-se, em seguida a elencar as principais tarefas do Animador:

 Traçar o plano anual de atividades dos utentes existentes, o que inclui a inserção dos mesmos na prática de desportos do seu interesse durante o ano letivo escolar – realização de parcerias várias;

 Garantir a manutenção e renovação constante do ateliê e sala de informática e realizar atividades nas mesmas, sugerindo uma dinâmica de respeito e responsabilidade de todos os utilizadores;

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 Acompanhar, se necessário algum, utente à escola ou aos serviços médicos, tarefa de qualquer funcionário da instituição;

 Promover atividades em colonias de férias e providenciar supervisão a grupos de utentes do Lar que se possam revelar mais problemáticos ao longo do ano para garantir também alguma sustentabilidade ao trabalho dos Animadores dessas próprias colonias, que muitas vezes não estão preparados para receber este tipo de crianças e jovens, dai o acompanhamento do Animador residente ou de um Ajudante de Lar;

 Realizar no Lar atividades de acordo com as épocas festivas, preservando o clima de ambiente familiar.

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CAPÍTULO II

O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA E DO JOVEM

1. A infância como construção social

Ao abordar a temática da infância é necessário perceber de que é nesta fase da vida que ocorre o desenvolvimento de diversos aspetos fundamentais na vida de um ser humano dos quais se destaca a dimensão social, cognitiva, afetiva e emocional. A infância é uma fase muito importante, responsável pelo desenvolvimento de diversos aspetos fundamentais para a vida adulta, principalmente no que diz respeito ao foro emocional. É o período de desenvolvimento e de socialização das crianças. É através da brincadeira, do faz de conta, da imaginação que a criança se caracteriza.

No decorrer do tempo histórico, na Europa, o conceito de criança, assim como a conceção de infância tiveram uma evolução, que se prende com a forma como a sociedade se foi construindo, no caminho para o presente que todos conhecemos. Na Idade Média a humanidade via a criança como um adulto em miniatura. Esta visão deriva do carácter precário dos nascimentos e elevada mortalidade infantil, motivada por deficientes condições sanitárias, desconhecimento médico e alimentação insuficiente. Embora, o estado de adulto chegasse mais cedo que atualmente (por exemplo, em Portugal, no século XII, D. Afonso Henriques foi aclamado rei com plenos poderes aos 14 anos), a elevada taxa de mortalidade infantil afastava a hipótese do apego familiar às crianças, que, provavelmente, morreriam antes de chegar à idade adulta. Assim, a criança é representada na arte como um adulto em miniatura quase até ao século XVII (Kodama, sd).

A partir do século XVII na Europa, as reformas religiosas católicas e protestantes, contribuíram para a construção do estádio de desenvolvimento infância. Inserida no movimento de moralização, a afetividade ganha mais importância nas relações familiares, passando a educação a ser valorizada. A criança, antes tratada como um adulto, vê serem substituídas pela escola, os ensinamentos tradicionais da família. A sociedade mostra preocupação com a formação moral da criança, acreditando que ela era, no seu estado inicial (natural) inclinada para o mal/pecado (gula, preguiça, desobediência, agressividade). No século XVIII, via-se na criança um ser primitivo, irracional. Era como um animal que precisava ser domesticado. Cabia à sociedade fazê-lo. Assim,

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encontram-se nesse momento duas formas de encarar a infância: uma considera a criança ingénua, inocente, matéria-prima para o trabalho da educação da sociedade, no sentido de formar um indivíduo moralmente correto; a outra contrapõe a primeira, tornando a criança como ser imperfeito e incompleto, que precisa da intervenção dura do adulto a fim de aprender os valores morais.

John Locke e o seu conceito de tábua rasa e Jean Jacques Rousseau com o do bom selvagem - todos nascemos em estado naturalmente bom, a sociedade é que nos corrompe ao nos transmitir valores condenáveis- (Dobrovoski, sd) acabam por ser as alavancas para a conceção que a escola tem de ter um papel crucial na vida da criança, pois só ela poderá transmitir os valores considerados desejáveis. A educação assumia, assim, um papel moralizador, oscilando entre as regras muito duras e a consciência que a infância é um período crucial no desenvolvimento da criança como futuro adulto, aceitando, como válidos os juízos de que brincar era salutar, assim como deixar a criança usufruir de momentos de lazer e descontração. Não é de estranhar que, neste contexto, e em pleno século XVIII o conceito escolaridade obrigatória dos 7 aos 10 anos seja instituído em França após a Revolução Francesa e alastre devagar, mas obstinadamente, por toda a Europa.

A partir daqui, a família assume uma nova postura, que começa a perceber a criança como um investimento no futuro, que precisa de ser preservada dos males físicos e morais com uma educação familiar austera e uma educação escolar adequada (padrão da educação burguesa a partir do século XIX).

Assim, numa tentativa de maior compreensão do que se entende por uma conceção moralista de infância, apresenta-se o exemplo do conto infantil As Aventuras de Pinóquio de Carlo Collodi, publicado em 1883. Este conto foi escrito dentro de uma conceção moralista de infância, onde o castigo físico é natural e a chantagem um meio comum de conseguir que os pequenos se comportassem dentro dos padrões esperados na época. Dentro deste conceito, mas numa perspetiva crítica, relembramos também a abordagem de Charles Dickens na obra Oliver Twist, publicada pela primeira vez em 1837, em que o autor denuncia os maus tratos infligidos numa instituição para crianças desfavorecidas, onde a crueldade física e o abuso psicológico eram apanágio de uma educação moralista, na Inglaterra do século XIX (Diniz, sd). Apesar de nessa época já existirem instituições colegiais de qualidade, estas eram somente frequentadas por uma elite social e todas elas obedeciam a elevados padrões moralizantes com o cumprimento de normas muito rígidas.

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No início do Século XX, o advento do higienismo traz o desenvolvimento da puericultura e a perspetiva de preservar a vida das crianças e ensinar regras de higiene às famílias. O carácter da educação continuava, ainda, extremamente moralizante. Médicos, enfermeiras e voluntários tinham como “missão” ensinar a família a cuidar da criança pequena, que era vista como um ser indefeso, mal cuidado, de vida frágil.

É importante destacar que uma das figuras que marcou o início de importantes progressos na educação e na forma dos adultos tratarem as crianças foi a italiana Maria Montessori. Esta transformou a sala de aula num lugar onde as crianças eram vistas como “pessoas” que queriam aprender. Foi com Montessori, em 1907, que a sala de aula da educação infantil adquiriu a aparência que tem hoje, ou seja, os móveis do tamanho apropriado para crianças, aventais, e materiais adequados à exploração plástica.

Destacam-se, ainda, os estudos de L. S. Vygotsky que defendiam a teoria de que a criança deve ser introduzida no mundo da cultura por parceiros mais experientes, sobrevalorizando o papel do professor como agente crucial neste processo. Ao mesmo tempo Henri Wallon, defensor da corrente behaviorista, sobrevaloriza a afetividade como fator determinante para o processo de aprendizagem. Começa, assim, a ideia que a aprendizagem não é necessariamente boa quando feita debaixo de ambiente intimidatório entre o docente e o discente.

Após o final da II Guerra, no início da década de 50 é a vez da Psicologia influenciar a educação. Jean Piaget, com os seus estudos sobre os estádios de desenvolvimento da criança, acabou por trazer para a conceção de infância a dimensão psicopedagógica, que permanece quase inalterável até hoje. Decorrente de longos anos de estudo a observar crianças, inclusive os seus próprios filhos, Piaget constrói uma teoria do desenvolvimento cognitivo que assenta em estádios de desenvolvimento, o que significa que tanto a natureza como a forma de inteligência mudam com o avançar da idade da criança. Compara a transformação da mente humana, à medida que se desenvolve, com a metamorfose de um casulo numa lagarta e, seguidamente, numa borboleta (Sprinthall § Sprinthall. 1993, p. 100). Assim, identificou quatro estádios de desenvolvimento cognitivo: sensório-motor (0 aos 2 anos), intuitivo ou pré-operatório (2 aos 7 anos), operações concretas (7 aos 11 anos) e operações formais (11 aos 16 anos). Estes estádios são sequenciais e não podem ser ultrapassados. Contudo, estudos mais recentes (com crianças de várias partes do mundo) mostraram que estes estádios estão corretos, mas o período de tempo que um estádio compreende pode variar, assim como o período de transição pode ser mais longo e mais flexível.

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A partir dos estudos de Piaget, as teorias de desenvolvimento infantil ocupam lugar de destaque e as creches começam a organizar-se levando em conta características de faixa etária, organizando brincadeiras e jogos e utilizando materiais adequados para a criança de acordo com o seu estádio de desenvolvimento. Inicia-se uma corrente pedagógica construtivista que entende conhecimento é um processo construído pelo indivíduo de dentro para fora, durante toda a vida. O ser humano elabora os conhecimentos, transformando-os continuamente através da relação com as pessoas e com os objetos. O construtivismo considera, que a criança não é um futuro adulto, mas sim um ser humano pleno e em desenvolvimento, que elabora hipóteses genuínas acerca do mundo que a rodeia. É, assim, produtor cultural e sujeito de sua ação, construindo o seu próprio conhecimento.

Nesta perspetiva compreende-se a fundação da UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), instituição especializada da ONU, com o objetivo genérico de melhorar a vida das crianças e de lhes proporcionar bem-estar, isto é, cuidados de saúde, educação e nutrição. Mais tarde, em 1959, a ONU proclama a Declaração Universal dos Direitos da Criança, em decorrência da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1945. A criança passa a ser um sujeito de direitos, onde se destacam, a título de exemplo: princípio I, direito à igualdade, sem distinção de raça religião ou nacionalidade; princípio II, direito à especial proteção para o seu desenvolvimento físico, mental e social; princípio V, direito à educação e a cuidados especiais para a criança física ou mentalmente deficiente; princípio IX, direito a ser protegido contra o abandono e a exploração no trabalho.

Hoje em dia, é do senso comum, que a infância é um momento importante do desenvolvimento do ser humano. O conceito de infância vem etimologicamente do latim “infantia” e é atribuída à etapa que se estende até aos sete anos de idade. No entanto, a idade cronológica não é suficiente para caracterizar a infância, como afirma o autor Khulmann Jr. (1998, p.16, cit. por Camacho, 2012): Infância tem um significado genérico e, como qualquer outra fase da vida, esse significado é função das transformações sociais: toda a sociedade tem os seus sistemas de classes de

idade e a cada uma delas é associado um sistema de status e de papel. O conceito de infância é

pululado por diversas imagens, de cariz romântico, da criança, que oscilam entre a criança que se deve mimar, criança-frágil que não se sabe defender, ou criança-aluna que deve ter o melhor desempenho. O sentimento de infância, de preocupação e investimento da sociedade e dos adultos sobre as crianças, de criar formas de regulação da infância e da família são ideias que surgem com

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a modernidade. Os estudos contemporâneos defendem como tese principal, o facto de que as crianças participam coletivamente na sociedade e são dela sujeitos ativos e não meramente passivos. São também produto do seu meio social, da educação escolar e familiar.

2. A adolescência: entre a criança e o adulto

A adolescência é um processo com características próprias, dinâmico, que marca o momento de passagem entre a infância e a idade adulta. Os adolescentes entram numa nova fase existencial. A palavra adolescente significa em latim “crescer”, indicando um período de mudanças. Atualmente todo o desenvolvimento humano, em especial a adolescência, é caraterizado a partir de uma perspetiva biopsicossocial (Sprinthall 2008 cit. por Camacho, 2012).

O problema da adolescência assenta no facto de que não se é criança, mas ainda não se é adulto na plena aceção da palavra. O adulto tem direitos bem reconhecidos legalmente, assim como a criança tem também o seu estatuto e os seus direitos.

Erik Erikson, aluno de Freud, desenvolveu paralelamente aos estudos de Piaget sobre o domínio cognitivo, uma teoria sobre o desenvolvimento pessoal e criou, também, neste campo uma sequência de oito estádios: confiança versus desconfiança (0 aos 2 anos), autonomia versus vergonha (2 aos 3 anos), iniciativa versus culpa (4 aos 6 anos), mestria versus inferioridade (6 aos 12 anos), identidade versus difusão (13 aos 18 anos) intimidade versus isolamento (18 aos anos do ensino superior) generatividade versus estagnação (idade adulta), integridade versus desespero (velhice). Erikson defendia o princípio epigenético em que a construção da personalidade atravessa um percurso baseado num plano base. Afirmava que um indivíduo tinha de construir a sua personalidade durante a adolescência, porém essa construção não era feita de um modo linear para todos os adolescentes. Durante esta fase da vida há sempre crises, indecisões e situações conflituosas, que são resolvidas, mas motivam alguns recuos e avanços. Os adolescentes não têm sempre o mesmo tipo de respostas, variam a sua atuação, vacilando entre vários tipos de identidade. Na idade adulta, embora construída a personalidade, existem ainda oscilações, o indivíduo continua a organizar-se, ajustando a sua personalidade às circunstâncias do seu dia-a-dia. Assim, o desenvolvimento psicossocial, mais propriamente o desenvolvimento da personalidade, decorre ao longo dos vários estádios, que no seu conjunto são o ciclo da vida. Nestes períodos o indivíduo vai

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passando por conflitos, e, ao resolvê-los, vai delineando a sua personalidade. Se os alicerces do indivíduo forem firmes e fortes, resulta uma identidade pessoal sólida, senão, resulta numa identidade difusa. É um vaguear sem rumo, em busca de si próprio. As sociedades ocidentais tornam difícil ao adolescente ultrapassar este estádio, porque prolongam, por necessidade de excesso de especialização, o período de dependência do adolescente. E, é nesse período, que se verifica, na maior parte dos casos, o início de comportamentos desviantes como a toxicodependência ou a delinquência.

O primeiro trabalho científico a ser publicado dedicado ao estudo psicológico da adolescência - Adolescence - foi escrito pelo americano Stanley Hall, em 1904 (Camacho, 2012). Stanley Hall (1844-1924) foi o pai do estudo científico da adolescência. Este autor definiu a adolescência como um período de tempestade e tensão. Para este autor, o adolescente opunha-se à criança pela intensa vida interior, pela reflexão sobre os sentimentos vivenciados.

A Organização Mundial da Saúde defende que o período cronológico da adolescência vai dos 10/11 anos aos 19/20 anos (OMS) ficando concluída, quando o jovem concretizar uma série de tarefas, ditas desenvolvimentistas, que se expressam, tanto no plano intelectual, na socialização, na afetividade quer na sexualidade (Cameron, 2004 cit. por Camacho, 2012)

O processo de desenvolvimento do adolescente envolve modificações nas relações entre o jovem e os múltiplos níveis do contexto em que o jovem se encontra. A adolescência representa um período de riscos mas também um período de oportunidades para experiências de aprendizagem que proporcionam um desenvolvimento equilibrado e de bem -estar. (Remédios, 2010 cit. por Camacho 2012).

3. Maus tratos a crianças e jovens

Como se pode ler no documento Maus Tratos em Crianças e Jovens (2008), da Direcção-Geral da Saúde, os maus tratos constituem um fenómeno complexo e multifacetado que se desenrola de forma dramática ou insidiosa, em particular nas crianças e nos jovens, mas sempre com repercussões negativas no crescimento, desenvolvimento, saúde, bem-estar, segurança, autonomia e dignidade dos indivíduos. Pode causar sequelas físicas (neurológicas e outras),

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cognitivas, afetivas e sociais, irreversíveis, a médio e longo prazo ou, mesmo, provocar a morte.5

Num mundo global, o conceito de maus tratos varia conforme a sociedade, por exemplo, no sentido lato existem diferenças fulcrais entre a civilização ocidental e a civilização oriental. Assim, a Declaração dos Direitos da Criança da ONU, é um princípio norteador, pois, desde que eles não sejam respeitados, está-se cabalmente face a uma situação de risco e perigo. As situações de risco dizem respeito ao perigo potencial para o respeito pelos direitos da criança, no domínio da segurança, saúde, formação, educação e desenvolvimento. Assim, a evolução negativa dos contextos de risco leva, na maior parte dos casos, ao surgimento das situações de perigo.

As situações de perigo para a criança ou jovem encontram-se tipificadas, em Portugal, no n.º 2 do art. 3.º da Lei 147/99, de 1 de Setembro, lei de proteção de crianças e jovens em perigo:

a) Estar abandonada ou viver entregue a si própria;

b) Sofrer maus tratos físicos ou psíquicos ou ser vítima de abusos sexuais;

c) Não receber os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal; d) Ser obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento;

e) Estar sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;

f) Assumir comportamentos ou entregar-se a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhe oponham de modo adequado a remover essa situação.6

Contudo, outros casos não especificados na Lei podem caber, igualmente, no grupo das situações de perigo. Entende-se por situação de urgência a situação de perigo, atual ou eminente, para a vida ou integridade física da criança ou do jovem, conforme estipulado na alínea c) do art. 5.º da Lei 147/99 de 1 de Setembro. Assim, devem ser desencadeadas de imediato respostas sociais, hierarquicamente estipuladas na mesma lei da seguinte forma: num primeiro nível, diligências de entidades com competência em matéria de infância e juventude (Associações, Autarquias, Educação, Entidades Policiais, IPSS, ONG, Segurança Social, Serviços de Saúde, entre outros);

5 In Maus tratos em Crianças e Jovens, Intervenção da Saúde (2008) – Documento Técnico – Direção-Geral de Saúde, p. 7. Disponível em:

www.dgs.pt/.../accao-de-saude-para-criancas-e-jovens-em-risco-pdf.aspx (consultado em junho de 2018)

6 Lei nº 147/99, de 1 de Setembro. Lei de proteção de crianças e jovens em perigo. Disponível em: http://www.dre.pt/pdf1sdip/1999/09/204A00/61156132.PDF

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num segundo nível, atuação da CPCJ – Comissão de Proteção de Crianças e Jovens; e num terceiro e último nível, disposições legais feitas pelos Tribunais. Qualquer entidade do primeiro e do segundo nível pode tomar as medidas adequadas para assegurar a proteção imediata da criança e do jovem, devendo solicitar intervenção do tribunal ou das entidades policiais. Estas respostas sociais visam, proteger o público destinatário, crianças e jovens em situação de risco, considerando a lei em análise no nº 5 alínea a) serem as pessoas com menos de 18 anos ou a pessoa com menos de 21 anos que solicite a intervenção iniciada antes de atingir os 18 anos. Os objetivos da intervenção centram-se na eliminação das situações de risco, potencialmente provocadas pela atuação do responsável pela criança que a põe em perigo nos âmbitos da saúde, formação, educação ou desenvolvimento (artigo 3º). Os princípios que norteiam a intervenção são, de acordo com o artigo 4ºalíneas a) a f): interesse superior da criança e do jovem, privacidade, intervenção precoce, intervenção mínima, proporcionalidade e atualidade, responsabilidade parental, prevalência da família, obrigatoriedade da informação, audição obrigatória e participação, subsidiariedade.

3.1. Fatores de risco e proteção

Os sinais e sintomas associados aos maus tratos em geral adiante descritos não estabelecem, isoladamente, diagnósticos seguros de situações de maus tratos. Podem, contudo, constituir indícios de situações de maus tratos, em particular quando coexistem vários destes aspetos.7

1. Histórico familiar:

 Passado de abuso ou violência familiar;

 Exposição a violência familiar, pornografia, abuso de álcool e drogas;  Pais abusados em criança;

 Isolamento e ausência de rede social de suporte;  Doenças mentais (ex. depressão pós-parto);  Disciplina inconsistente ou desadequada;  Fatores de stress social graves;

 Justificação inconsistente com as lesões;  Recusa ativa na procura de cuidados médicos;

7In Maus tratos em Crianças e Jovens, Intervenção da Saúde (2008) – Documento Técnico – Direção-Geral de Saúde, p. 45. Disponível em:

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 Expectativas não realistas em relação à criança (escolares, desportivas, etc.);  Procura frequente de cuidados em locais diferentes (sintomas dificilmente

explicáveis e pedido de exames complementares).

2. Sinais Físicos:

 Perturbações do desenvolvimento psicomotor com atraso de crescimento;  Deficiente higiene;

 Desidratação ou má nutrição;

 Envenenamento (especialmente se recorrente);

 Fraturas com padrões específicos, especialmente em crianças, ou calos ósseos correspondentes a fraturas anteriores;

 Lesões do sistema nervoso central em crianças (hematoma, edema cerebral, principalmente em crianças com menos de 1ano de idade);

 Múltiplas lesões, especialmente de diferentes estádios de evolução (equimoses, vergões na pele, cortes, abrasões);

 Queimaduras, em particular se com distribuição anormal;  Lesões genitais;

 Infeções de transmissão sexual;  Gravidez.

3. Sinais Comportamentais e de Desenvolvimento:

 Atrasos de desenvolvimento (a nível motor, emocional, social, cognitivo, linguagem, visual e auditivo);

 Agressividade e comportamentos de desafio;

 Ansiedade e comportamentos regressivos (mudanças súbitas no padrão de comportamento, alteração do rendimento escolar);

 Obsessões;  Tristeza e medo;  Ideação suicida;

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 Abuso de substâncias lícitas e ilícitas;  Comportamentos de automutilação;  Comportamentos sexualizados;

 Comportamento excessivamente responsável.

Os fatores de proteção constituem as variáveis físicas, psicológicas e sociais que apoiam e favorecem o desenvolvimento individual e social, e que podem atuar como moderadores dos fatores de risco, com vista à sua total supressão. Os fatores de risco e de proteção enumerados em seguida, não constituem, por si só, determinantes das situações de maus tratos. Para além destes, é de referir a existência de um conjunto vasto de elementos que, conforme as circunstâncias e a forma equilibrada ou desequilibrada como se desenvolvem, contribuem positiva ou negativamente para aumentar ou minorar o risco.8

1. Características da criança/jovem que podem potenciar contextos de risco:

 Crianças/jovens portadores de necessidades de saúde especiais (deficiência física ou mental);

 Prematuridade, em particular, quando implica estar separada dos cuidadores no período neonatal;

 Crianças não desejadas pelos pais;  Temperamento “difícil”;

 Crianças com dificuldades de aprendizagem ou “sobredotadas”. 2. Características da criança/jovem que podem ser fatores protetores:

 Crianças saudáveis e atrativas;

 Crianças com competências adaptativas;

 Ter desejo de autonomia e comportamentos exploratórios;  Ter capacidade de pedir ajuda quando necessário;

 Ter pais atentos e que dão apoio;

 Ter boa rede de suporte familiar e social;  Pertencer a uma família pouco numerosa;

 Família organizada, com regras e controle da criança;  Diferença entre irmãos superior a dois anos;

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 Relação afetiva segura com um dos cuidadores e/ou adulto significativo.

3. Expectativas/perceções dos cuidadores sobre a criança/jovem que podem potenciar contextos de risco:

 Perceção de que a criança é má, manipuladora ou difícil de educar;

 Criança com características físicas e/ou comportamentais semelhantes a alguém cujos pais/cuidadores não gostam;

 Pais/cuidadores que competem com a criança pela atenção e afecto que lhes é dedicado.

 Expectativas não realistas em relação à criança (escolares, desportivas, etc.);  Quando o sexo da criança não corresponde às expectativas dos pais/cuidadores. 4. Características do sistema familiar que podem potenciar contextos de risco:

 Situações de adoção ou famílias reconstituídas com fratria diversa;  Contextos de violência doméstica;

 Pais abusados ou negligenciados em criança;  Problemas de saúde mental;

 Alcoolismo e/ou toxicodependência;

 Pais/cuidadores envolvidos em processos legais ou a cumprir pena;  Crianças institucionalizadas;

 Ausência de redes familiares e sociais de apoio;

 Contextos de crise (por exemplo, morte, separação, desemprego, etc.);  Pais adolescentes;

 Padrões educacionais agressivos ou violentos;  “Desenraizamento” cultural e social (migrantes);  Pais com vida social e/ou profissional intensa;

 Más condições habitacionais (sobrelotação/promiscuidade).

Os maus tratos adquirem expressão a nível mundial quando a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2002, estimou em cerca de 30 mil mortes ocorridas por homicídio em crianças com menos de 15 anos. Contudo, é do senso comum que apenas uma pequena parcela de situações de maus tratos é denunciada e consequentemente investigada. São inúmeros os constrangimentos

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de ordem social, ética e metodológica para além de se tratar de um problema, regra geral, circunscrito à esfera privada e, como tal, de difícil diagnóstico. Persistem, ainda, ainda alguns valores sociais e culturais que toleram (e aceitam) formas de violência enquanto estratégias educativas, por exemplo. Em Portugal tem-se feito um esforço para atuar nesta área e para isso se destacam os relatórios publicados pelo Centro de Estudos Judiciários sobre “Crianças maltratadas, negligenciadas ou praticando a mendicidade” (1986,1988), da Direcção-Geral da Saúde (DGS) sobre “Abuso sexual em crianças e adolescentes” (1998) e o estudo coordenado por Ana Nunes de Almeida sobre “Famílias e Maus Tratos às Crianças em Portugal” (1999), por exemplo.9 De

salientar também as iniciativas levadas a cabo pela CPCJ.

A OMS adotou, em 2002, um modelo ecológico que permite a interpretação do fenómeno dos maus tratos enquanto realidade multifacetada que se expressa a diferentes níveis da vida dos cidadãos, conforme expresso na Figura 1 (Moura § Phebo, 2005).

Este modelo constitui uma abordagem que tem por base o Modelo Ecológico do Desenvolvimento Humano, de Bronfenbrenner que data de 1977 e chama a atenção para a importância dos diferentes sistemas e da interacção dos múltiplos factores que os compõem no equacionamento dos maus tratos infantis (Varela, 2007). Devem, assim, ser considerados cinco grupos de fatores responsáveis por situações de maus tratos: fatores relativos à interação familiar que podem ser a disciplina familiar e a educação; fatores pessoais e comportamentais da criança que podem propiciar as situações de maus tratos; fatores pessoais ou comportamentais dos pais; fatores de âmbito social como, por exemplo, o nível de instrução, a profissão e o estatuto sócio-económico dos pais e por último a aprendizagem de comportamentos agressivos, nomeadamente através da aprendizagem social. O modelo ecológico complementa, desta forma, os outros modelos ao defender que os indivíduos na sociedade encontram-se integrados em sistemas múltiplos, dinamicamente conectados, que exercem influências directas ou indirectas nas suas condutas. Assim sendo, na análise das situações que estão na origem dos maus tratos infantis, importa considerar-se também esta perspectiva para um maior conhecimento e compreensão desta problemática.

Contudo, existem também outros modelos explicativos o psicológico e o sociológico. Por exemplo, no modelo psicológico defende-se que os maus tratos têm origem nos aspetos cognitivo,

9Ibidem, p. 10

Figura 1: Modelo ecológico dos maus tratos proposto pela OMS Fonte: Disponível em http://www.jped.com.br/conteudo/05-81-S189/port_print.htm

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afetivo e motivacional do adulto. Este modelo é muito influenciado por resultado de trabalhos realizados por médicos. Defende assim que as causas do abuso infantil devem ser encontradas nos pais que possuem certas características de personalidade que os distinguem dos pais não abusivos. Já o modelo sociológico, pôe a tónica na abordagem dos maus tratos devem ser tidos em conta factores familiares, os factores sócio-económicos e os factores culturais permitindo, assim, considerar os maus tratos, e a violência em geral, numa dimensão dinâmica e histórica e permitindo considerar estes factores como facilitadores das situações de abuso.

3.2. Tipologia dos maus tratos

Existe uma multiplicidade de situações que consubstanciam a prática de maus tratos: negligência (inclui abandono e mendicidade), mau trato físico, mau trato psicológico, abuso sexual e Síndroma de Munchausen por Procuração.

Negligência

Entende‐se por negligência a incapacidade de proporcionar à criança ou ao jovem a satisfação de necessidades básicas de higiene, alimentação, afeto, educação e saúde, indispensáveis para o crescimento e desenvolvimento adequados. Regra geral, é continuada no tempo, pode manifestar‐ se de forma ativa, em que existe intenção de causar dano à vítima, ou passiva, quando resulta de incompetência ou incapacidade dos pais, ou outros responsáveis, para assegurar tais necessidades.10

Apresentam-se, em seguida, alguns sinais, sintomas e indicadores de negligência:  Carência de higiene (tendo em conta as normas culturais e o meio familiar);

 Vestuário desadequado em relação à estação do ano e lesões consequentes de exposições climáticas adversas;

 Inexistência de rotinas (nomeadamente, alimentação e ciclo sono/vigília);

 Hematomas ou outras lesões inexplicadas e acidentes frequentes por falta de supervisão de situações perigosas;

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 Perturbações no desenvolvimento e nas aquisições sociais (linguagem, motricidade, socialização) que não estejam a ser devidamente acompanhadas;

 Incumprimento do Programa‐Tipo de Atuação em Saúde Infantil e Juvenil e/ou do Programa Nacional de Vacinação;

 Doença crónica sem cuidados adequados (falta de adesão a vigilância e terapêutica programadas);

 Intoxicações e acidentes de repetição.

Mau Trato Físico

O mau trato físico resulta de qualquer ação não acidental, isolada ou repetida, infligida por pais, cuidadores ou outros com responsabilidade face à criança ou jovem, a qual provoque (ou possa vir a provocar) dano físico. Este tipo de maus tratos engloba um conjunto diversificado de situações traumáticas.11

Apresentam-se, em seguida, alguns sinais, sintomas e indicadores de mau trato físico:

 Equimoses, hematomas, escoriações, queimaduras, cortes e mordeduras em locais pouco comuns aos traumatismos de tipo acidental;

 Síndroma da criança abanada (sacudida ou chocalhada);

 Alopecia traumática e/ou por postura prolongada com deformação do crânio;  Lesões provocadas que deixam marcas;

 Sequelas de traumatismo antigo (calos ósseos resultantes de fratura);  Fraturas das costelas e corpos vertebrais;

 Demora ou ausência na procura de cuidados médicos;

 História inadequada ou recusa em explicar o mecanismo da lesão pela criança ou pelos diferentes cuidadores;

 Perturbações do desenvolvimento físico e psicológico;  Alterações graves do estado nutricional.

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Mau Trato Psicológico

O mau trato psicológico resulta da privação de um ambiente de segurança e de bem‐estar afetivo indispensável ao crescimento, desenvolvimento e comportamento equilibrados da criança/jovem. Engloba diferentes situações, desde a precariedade de cuidados ou de afeição adequados à idade e situação pessoal, até à completa rejeição afetiva, passando pela depreciação permanente da criança/jovem, com frequente repercussão negativa a nível comportamental.12

Apresentam-se, em seguida, alguns sinais, sintomas e indicadores de mau trato psicológico:  Episódios de urgência repetidos por cefaleias, dores musculares e abdominais, sem

causa orgânica aparente;

 Comportamentos agressivos e/ou automutilação;

 Excessiva ansiedade ou dificuldade nas relações afetivas interpessoais;  Perturbações do comportamento alimentar;

 Alterações do controlo dos esfíncteres (enurese, encoprese);  Choro incontrolável no primeiro ano de vida;

 Comportamento ou ideação suicida.

Abuso Sexual

O abuso sexual corresponde ao envolvimento de uma criança ou adolescente em atividades cuja finalidade visa a satisfação sexual de um adulto ou outra pessoa mais velha. Baseia‐se numa relação de poder ou de autoridade e consubstancia‐se em práticas que a criança/adolescente, em função do estádio de desenvolvimento não tem capacidade para compreender que delas é vítima, nem capacidade para nomear a ação em si. Por outro lado não se encontra estruturalmente preparada para o ato, nem se encontra capaz de dar o seu consentimento livre e esclarecido.13

Apresentam-se, em seguida, alguns sinais, sintomas e indicadores de abuso sexual:  Lesões externas nos órgãos genitais;

12Ibidem, p. 8 13Ibidem, p. 9.

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 Presença de esperma no corpo da criança/jovem;

 Lassidão anormal do esfíncter anal ou do hímen, fissuras anais;  Leucorreia persistente ou recorrente;

 Prurido, dor ou edema na região vaginal ou anal;  Lesões no pénis ou região escrotal;

 Equimoses e/ou petéquias na mucosa oral e/ou laceração do freio dos lábios;  Laceração do hímen;

 Infeções de transmissão sexual;  Gravidez.

De destacar, relativamente ao abuso sexual, os cinco conceitos, com base nas Diretrizes da União Europeia para o combate à exploração sexual de crianças e à pornografia infantil preconizados na Decisão-Quadro do Conselho de 22 de Dezembro de 2003, relativamente à luta contra a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil:

1. Exploração sexual:

 Envolvimento em atividades sexuais com uma criança com idade inferior à do consentimento;

 Envolvimento em atividades sexuais com uma criança com idade superior à do consentimento, em que é feito uso da coação, força ou ameaças; é usado dinheiro ou outra forma de remuneração como forma de pagamento, ou o abuso é feito com base numa posição de confiança, autoridade ou influência do abusador;

2. Prostituição Infantil:

 Coação ou recrutamento de uma criança para a prática da prostituição, obtendo o adulto dividendos disso.

3. Pornografia Infantil:

 Designação do material pornográfico que descreve ou representa uma criança real (ou não existente) envolvida numa conduta sexual explícita.

4. Turismo Sexual

 Envolvimento em atividades sexuais com uma criança com idade inferior à do consentimento noutro país que não seja o da origem do agressor;

Referências

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