SENTENÇA
Processo Digital nº: 1080759-32.2017.8.26.0100
Classe - Assunto Procedimento Comum - Rescisão do contrato e devolução do dinheiro Requerente: Carlos Gonçalves Braga e outro
Requerido: Gt 13 Empreendimentos Imobiliários Ltda.
Juiz(a) de Direito: Dr(a). Rodolfo César Milano
Vistos.
Trata-se de "ação de rescisão contratual cumulada com restituição de valores e pedido de antecipação de tutela" proposta por CARLOS GONÇALVES BRAGA e
MICHELLE APARECIDA ANTONIO em face de GT 13 EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA, pela qual relatam que firmaram com a requerida contrato de compromisso de compra e venda para aquisição de imóvel no empreendimento unidade imobiliária n° 157 – bloco 2, 'Carolina Village', pelo valor de R$271.935,05 (duzentos e setenta e um mil, novecentos e trinta e cinto reais e cinco centavos), dos quais quitaram R$ 35.040,37 (trinta e cinco mil, quarenta reais e trinta e sete centavos). Alegam que não conseguem mais arcar com os pagamentos devidos, não havendo mais interesse na manutenção da avença. Com isso, notificaram a requerida, que permaneceu silente acerca da rescisão e da restituição dos valores. Requerem a declaração de rescisão do contrato, com a devolução 90% do valor pago.
Juntaram documentos às págs. 18/74.
A decisão inicial de págs. 75/80 deferiu o pedido de tutela antecipada para determinar que a requerida se abstenha de efetuar qualquer cobrança de parcelas do contrato e de promover a inscrição do nome da autora nos órgãos de proteção ao crédito.
Devidamente citada, a parte requerida contestou a ação às págs. 97/105. Argui que no ato da contratação, os autores ajustaram e consentiram que, em caso de rescisão contratual a devolução de valores se daria conforme a cláusula 5.3.1, "b", do contrato, a qual prevê que, em
caso de rescisão contratual, provocada pela autora, que a devolução será feita na ordem de 20% do valor pago. Alega que os autores pagaram R$ 35.040,37 (trinta e cinco mil, quarenta reais e trinta e sete centavos), devendo receber a quantia de R$ 28.032,29 (vinte e oito mil, trinta e dois reais e vinte a nove centavos). Aduz que o termo inicial da contagem de juros deverá ser determinado para que se iniciem somente após o trânsito em julgado. Sustenta, em linhas gerais, a improcedência da ação, eis que a rescisão ocorreu por culpa exclusiva da parte autora, legalidade das cláusulas combatidas, observando-se o e princípio pacta sunt servanda.
Documentos às págs.106/157.
Réplica às fls. 160/171, repisando in totum os termos da inicial.
Facultada a especificação de provas e questionadas sobre o interesse em audiência de conciliação (págs. 172/173), as partes manifestaram-se às págs. 175 e 176/177, pelo julgamento antecipado da lide.
É o relatório.
Fundamento e Decido
O feito comporta julgamento no estado em que se encontra, uma vez que a matéria alegada nos autos é exclusivamente de direito, dispensando a produção de provas, nos termos do disposto no art. 355, inciso I, do Código de Processo Civil.
Saliento, inicialmente, que a presente lide encontra-se afeta ao microssistema consumerista devido à clara existência de relação de consumo entre as partes. Conforme o exposto na inicial e nos documentos, ficou comprovada a hipossuficiência dos autores em tal relação de consumo, sendo cabível a inversão do ônus da prova, conforme art. 6°, VIII do Código de Defesa do Consumidor.
No mérito a ação é procedente.
Dos autos extrai-se que as partes firmam com a requerida contrato de compromisso de compra e venda para aquisição de imóvel no empreendimento unidade imobiliária n° 157 – bloco 2, 'Carolina Village', pelo valor de R$271.935,05 (duzentos e setenta e um mil, novecentos e trinta e cinto reais e cinco centavos), dos quais quitaram R$ 35.040,37 (trinta e cinco mil, quarenta reais e trinta e sete centavos).
a vendedora deduzirá os valores referentes ao sinal pago, despesas de corretagem, despesas com campanhas de vendas no percentual de 5%, com administração do contrato no percentual de 5%, 7,38% dos valores pagos, em razão das despesas tributárias, e 10% sobre os valore pagos, a título de multa penal (cláusula 5.3.1 págs. 51/52).
Em considerações iniciais, este Juízo tem conhecimento de que os contratos foram elaborados para vigerem em sua integralidade durante o tempo, o que, por outro lado, não impede que um dos contratantes, no caso os compradores, se utilizem do instituto jurídico da rescisão, o que, reunido com os demais fatos, demonstram a legalidade deste pedido.
De outra banda, também é de conhecimento deste Juízo que o término precipitado do contrato, ou seja, antes de seu curso natural, gera prejuízos a incorporadora imobiliária, que terá que empreender esforços, tempo e dinheiro para alterações formais de documentos e para a nova venda do apartamento.
E, no presente caso, por oportuno, a rescisão do contrato é pedido não resistido pela parte requerida, tanto é que, na contestação, não negou a possibilidade de término do contrato. Aqui, cabe sublinhar que, além de restar pedido incontroverso nos autos, está abalizada a questão da legalidade da rescisão do contrato por parte dos compradores.
Controvérsia existe com relação à porcentagem que a requerida tem direito de reter, a fim de não amargar prejuízos administrativos com o desfazimento do negócio, ante a pretensão da autora de ver restituído 90% do montante dispendido para a aquisição do bem, além dos valores pagos supostamente a título de corretagem.
De uma análise mais detida dos autos, constata-se, neste tocante, que assiste razão à parte autora. Isto porque, a retenção de patamar superior a 10% dos valores pagos se mostra excessiva e desarrazoada ao caso concreto, haja vista o eventual baixo inadimplemento por parte da parte autora, não demonstrado nos autos, bem como a ausência de comprovação, por parte da requerida, de gastos que tivessem o condão de justificar uma retenção em porcentagem superior, o que, por outro lado, torna de rigor a pretensão da compradora em restituição de 90% dos valores pagos, suficiente para eventual cobertura de prejuízos amargados com a rescisão contratual.
Ademais, com a rescisão do negócio e a retomada do imóvel, a ré poderá divulgar o bem no mercado e vendê-lo a novos interessados, o que, alinhado com o entendimento firmado supra, impõe a lógica conclusão que a retenção de até 10% pago é suficiente e proporcional para
abarcar danos suportados pelo fim do contrato.
Ressalta-se, inclusive, que o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo e o Colendo Superior Tribunal de Justiça possuem julgados nesse sentido:
“COMPROMISSO DE VENDA E COMPRA DE BEM IMÓVEL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C.C. RESTITUIÇÃO DE VALORES. Desistência do negócio operada a pedido do adquirente. Necessidade, na espécie, de devolução de parte dos valores solvidos pelo comprador. Restituição parcelada do montante. Impossibilidade, segundo o enunciado pela Súmula nº 02 deste Tribunal de Justiça. Retenção, ainda, do equivalente a 20% do percentual quitado para fazer frente às despesas resultantes do desfazimento contratual. Montante, na espécie, que se afigura excessivo. Redução da cláusula de retenção para o equivalente a 10% do saldo liquidado. Montante alinhado aos prejuízos sofridos pela vendedora. Precedentes. SENTENÇA EM PARTE REFORMADA. APELO PARCIALMENTE PROVIDO.” (TJ-SP - APL: 40055348720138260554 SP, Relator: Donegá Morandini, Data de Julgamento: 20/10/2014, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 20/10/2014).
“RESCISÃO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA C.C. RESTITUIÇÃO DE VALORES. PEDIDO DO PROMITENTE COMPRADOR COM BASE NA INSUPORTABILIDADE DO PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES. CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO IMPEDE A DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS PAGAS, SOB PENA DE OFENSA AO ART. 53 DO CDC. HIPÓTESE EM QUE NÃO HOUVE USO DO IMÓVEL. RETENÇÃO EM PERCENTUAL ÚNICO DE 10% DOS VALORES PAGOS PARA DESPESAS GERAIS COM O NEGÓCIO. DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS QUE DEVE SER IMEDIATA E DE UMA SÓ VEZ, SOB PENA DE ONEROSIDADE EXCESSIVA DO CONSUMIDOR. INTELIGÊNCIA DO ART. 51, IV, § Io, III, DO CDC. ENTENDIMENTOS PACIFICADOS POR SÚMULAS DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA. CORREÇÃO MONETÁRIA A SER CONTADA A PARTIR DE CADA DESEMBOLSO E JUROS DE MORA DESDE A CITAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS ARBITRADOS EM CONSONÂNCIA COM O XRj. 20, § 3º DO CPC -SENTENÇA REFORJMADA - AÇÃO PROCEDENTE. RECURSO PROVIDO.” (TJ-SP - APL: 9164063792006826 SP 9164063-79.2006.8.26.0000, Relator: Neves Amorim, Data de Julgamento: 17/05/2011, 2ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 30/05/2011).
“CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RESCISÃO. DEVOLUÇÃO DE PARCELAS PAGAS. PROPORCIONALIDADE. CC ART. 924. I- A jurisprudência deste Superior
Tribunal de Justiça está hoje pacificada no sentido de que, em caso de extinção do contrato de promessa de compra e venda, inclusive por inadimplência justificada do devedor, o contrato pode prever a perda de parte das prestações pagas, a título de indenização da promitente vendedora com as despesas decorrentes do próprio negócio, tendo sido estipulado, para a maioria dos casos, o quantitativo de 10% (dez por cento) das prestações pagas como sendo o percentual adequado para esse fim. II - É tranquilo, também, o entendimento no sentido de que, se o contrato estipula quantia maior, cabe ao juiz, no uso do permissivo do art. 924 do Código Civil, fazer a necessária adequação. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ, Ag no REsp 244.625- SP, 3ª Turma, Rel. Min. Castro Filho, j. 09.10.01). “Súmula 543-STJ: Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento.”.
Em razão destes fundamentos, cabível a pretensão da autora de retenção de 10% do valor total pago, sendo nula, nos termos dos artigos 39, inciso V, e 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor, a cláusula 5.3.1 (págs. 51/52), nos termos expostos. Há clara abusividade de cláusula contratual, colocando o consumidor em situação de desvantagem exorbitante, configurando enriquecimento sem causa da requerida, tendo-se que o imóvel será novamente posto em mercado.
Confira-se precedente do E. Tribunal de Justiça de São Paulo:
"Compromisso de compra e venda - Reparação de danos patrimoniais - Procedência (declarada a nulidade de cláusula contratual e do valor constante do distrato, determinada a devolução de 90% dos valores pagos pelo autor) - Admissibilidade - Compromisso de compra e venda de imóvel firmado entre as partes - Posterior distrato Estipulação de devolução de 20% dos valores pagos - Penalidade imposta que se mostra abusiva - Cabível a retenção de 10% dos valores pagos a título de indenização pelo desfazimento do negócio e das despesas suportadas pela ré com a administração do empreendimento (e, bem assim, a restituição de 90% do montante pago pelo comprador, a ser feita em uma única parcela, tal qual determinado pela r. sentença) Precedentes - Sentença mantida - Recurso desprovido" (Apelação nº 1105501-29.2014.8.26.0100, 8ª Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador Salles Rossi, j. 24.02.2016, v.u.).
Nesta sequência, destaco que os valores deverão ser devolvidos em parcela única, em consonância com a Súmula nº 2 do Tribunal de Justiça de São Paulo, nesses termos: “A devolução das quantias pagas em contrato de compromisso de compra e venda de imóvel deve ser feita de uma só vez, não se sujeitando à forma de parcelamento prevista para a aquisição”.
Em face do exposto, JULGO PROCEDENTE a demanda para declarar resolvido o compromisso de compra e venda, bem como para condenar a ré a restituir à autora a importância correspondente a 90% (noventa por cento) do montante pago, com correção monetária desde a data de cada desembolso (pelos índices divulgados pelo TJSP até a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, e após pelos índices do CNJ, ou equivalente) e juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a contar do trânsito em julgado, capitalizados de forma simples, mensalmente. Em razão da sucumbência, condeno a ré ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.
Publique-se. Intime-se.
São Paulo, 18 de abril de 2018.
DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE NOS TERMOS DA LEI 11.419/2006, CONFORME IMPRESSÃO À MARGEM DIREITA