Alterações Metabólicas em
Cães e Gatos Enfermos
Profa. Dra. Márcia de O. S. Gomes
Docente do Departamento de Clínica Médica Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP
marciadeosg@usp.br Abril - 2017
Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP Clínica das Doenças Nutricionais e Metabólicas
VCM 515
Panorama
1. Má nutrição e a importância de nutrir
2. Alterações metabólicas em cães e gatos
enfermos
3. Avaliação nutricional do paciente
4. Condutas nutricionais coadjuvantes à terapia
–Aspectos nutricionais do alimento –Suporte intensivo (GAGNE; WAKSHLAG, 2015)
A importância de nutrir
Entende-se como má nutrição o consumo insuficiente, desbalanceado ou excessivo de calorias eoutros nutrientes que leva ao comprometimento físico e mental do animal Entende-se como desnutrição o consumo insuficiente de calorias, proteínas e outros nutrientes necessários para o metabolismo tecidual normal, que prejudica diretamente o
manejo médico ou cirúrgico do paciente
A importância de nutrir
(HAND et al., 2000; REMILLARD et al., 2001; BATTAGLIA, 2001)
Preocupação inicial em nutrição clínica:
Zerar ou tornar positivo o balanço proteico-energético Impedir ou minimizar o catabolismo orgânico Administração de nutrientes específicos
BALANÇO NITROGENADO NEGATIVO
A importância de nutrir
Menor consumo Aumento na demandaConsequências da nutrição adequada
• Regularização da função imune;• Melhor resposta à terapia com fármacos; • Menor risco de complicações;
• Maior chance de recuperação; • Aumento da taxa de sobrevivência.
Apesar destes benefícios, a nutrição nestes pacientes é frequentemente ignorada, sendo mantido o foco apenas sobre os
tratamentos com fármacos e/ou cirúrgicos.
(Remillard et al., 2001; Villet et al., 2005; Carciofi et al., 2006; Delaney et al., 2006)
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 100 0 a 33% 34 a 66% 67 a 100% O u tc o m e (% )
Caloric Intake (% MER)
62,9% 89,1% 94,3% INGESTÃO CALÓRICA x ALTA HOSPITALAR ECC (BCS) ED (PSS) Consumo (intake) Tipo de suporte Alta ou Óbito
Efeito de um programa nutricional
sobre a alta hospitalar
Alta hospitalar é uma variável dependentegravidade da doença consumo calorias
Não podemos controlar a gravidade da doença ao internar um paciente, mas podemos intervir proativamente em seu
balanço calórico (nutrição intensiva)
Não se deve esperar que o animal melhore para
que o apetite retorne e este volte a se alimentar,
mas sim alimentá-lo para que este se sinta
melhor e se recupere mais rápido!
Buscar uma mudança de paradigma
O suporte nutricional é tão vital como
qualquer outra terapia.
ALTERAÇÕES METABÓLICAS
NO ANIMAL ENFERMO
Reservas energéticas
•
Carboidratos
–Glicogênio hepático e muscular –Estoque limitado (24 horas?)
•
Proteínas
–Não há reserva efetiva de proteína –Funcionais
•
Lipídeos
–Tecido adiposo –Estoque ilimitado
• Síntese de Glicogênio • Síntese proteica • Gasto energético (Incremento calórico) • Lipólise • Oxidação de lipídeos
Ingestão de alimentos
Consumo calórico abaixo das necessidades energéticas Consumo das reservas de glicogênio hepático e muscular Mobilização proteínas muscularesFigura 1. Consumo energético endógeno em cães e gatos hígidos e enfermos em estado de desnutrição. Linha de tempo Resposta adaptativa do organismo Redução catabolismo proteico Oxidação de gorduras como fonte primária de energia Não há resposta adaptativa Persistência do catabolismo proteico Aumento da lipólise 24 horas (?) 72 a 96 horas Sobrevida por até 2 meses se hidratado Sobrevida por até 10 dias se hidratado
(Adaptado de Parker; Freeman, 2013)
Consequência do consumo calórico insuficiente em animais saudáveis e enfermos ou feridos
< 72horas
insulina e glucagon glicogenólise e lipólise Atende necessidades iniciais de glicose pelo SN (Glicerol+AG) Atende necessidades dos tecidosMetabolismo Energético
> 72horas
insulina e glicogênio gliconeogênese TMB Demanda de glicose(SN se adapta a usar cetonas)
Metabolismo Energético
Adaptação do organismo
Incremento
calórico (MM e atividade) Gasto E
Resposta adaptativa resulta em redução da velocidade do catabolismo proteíco e conservação da massa
muscular e maior dependência da lipólise
> 72horas
insulina e glicogênio gliconeogênese TMB Resistência insulínicaMetabolismo Energético
Adaptação do organismo HiperglicemiaResposta adaptativa é sobreposta pelos efeitos neuroendócrinos e citocinas relacionados a doença
Catabolismo proteico Taxa metabólica basal
manutenção desnutrição
simples desnutriçãocomplicada
metabolismo basal
Desnutrição “estresse”
Figura 2. Alterações observada na taxa metabólica basal e catabolismo proteico em animais hígidos e enfermos em estado de desnutrição.
Menor conversão de T4 a T3 Insulina Hipometa-bolismo SNS e mediadores inflamatórios Hipermeta -bolismo
Consequência do catabolismo proteico
•
Fraqueza
•
Comprometimento imune
•
Cicatrização alterada
•
Alteração na morfologia intestinal
•
Pior prognóstico
• Estado de hipermetabolismo
•Ativação neuroendócrina e de mediadores inflamatórios
•Mediado pelo sistema nervoso simpático •Resposta ao estresse
Alterações metabólicas do paciente
ENFERMO
TNF-alfa
- Caquexina - Promove lipólise, glicogenólise e mobilização de outros substratos EIL-1
- Induz à saciedade - Efeitos do TNF-alfa, masem alguns aspectos são menos potentes
IL-6
- Semelhante, mas menos potente que IL-1
- [ ]associadas com perda de peso em algumas neoplasias
INF-gama
- Potencializa o efeito do TNF-alfa
- Inibe lipase lipoproteica
Citocinas pró-inflamatórias
E qual o papel do intestino ?
Extrair
Liberar
Regular
Proteger
Funções do intestino
O trato digestório participa da proteção orgânica
–Digerindo e absorvendo nutrientes essenciais
• Fornecendo barreira física ou defesas imunológicas contra microrganismos, toxinas e substâncias indesejáveis
Cólon
- Agregados Linfóides - Lâmina Própria
Tecido linfoide associado ao intestino (TLAI ou GALT)
Intestino Delgado - Placas de Peyer - Lâmina Própria - Epitélio
O intestino é o maior órgão linfoide do corpo
25% mucosa e submucosa 80% células imunosecretoras
Funções do intestino
“PRÓPRIO”. .
.
Patógenos REAÇÃO IMUNOLÓGICA “ESTRANHO” Intestin al cells.
Nutrientes DESENVOLVIMENTO IMUNOLÓGICO..
• O intestino reconhece o conteúdo intestinal como “PRÓPRIO” vs. “ESTRANHO”
• Estimulação do TLAI permite reações sistêmicas a patógenos invasores
Função imunológica do intestino
Funções do intestino
TGI contem os tecidos mais metabolicamente ativos
< 6 % do PC
20% gasto E
Funções do intestino
•
Mucosa intestinal possui elevada taxa de
multiplicação e renovação celular
•
A cada 3 a 5 dias ocorre a renovação das
células do ID
≈ 50% das proteínas ingeridas
> 90% do aspartato, glutamato e glutamina
Funções do intestino
70% NE colonócitos 50% NE enterócitos Obtenção de EFunções do intestino
Translocação bacteriana(Sandler; Douek, 2012 - Nature Reviews Microbiology)
Doença Desnutrição Atrofia TLAI e mucosa Atrofia e falha da barreira Bacteremia e endotoxemia Indivíduo hígido Higidez comprometida
Funções do intestino
Necessários para manutenção da
homeostase e proteção do
organismo, sendo metabolicamente
ativos e altamente sensíveis à
disponibilidade de nutrientes
essenciais
Funções do intestino
1. Será que meu paciente precisa de suporte
nutricional agora?
2. Qual é o suporte mais indicado?
Suporte Nutricional
AVALIAÇÃO NUTRICIONAL
DO PACIENTE
Associação Mundial de Medicina Veterinária de Pequenos Animais
Criado em 2010 o Comitê Mundial de Nutrição (The Global Nutrition Committee)
http://www.wsava.org/guidelines/global-nutrition-guidelines
Diretrizes para Avaliação Nutricional (2011)
1. Temperatura 2. Pulso 3. Respiração 4. Avaliação da dor 5. Avaliação nutricional
Avaliação nutricional tem papel fundamental para o cuidado ótimo do paciente e deve deve fazer
parte da avaliação de rotina
Associação Mundial de Medicina Veterinária de Pequenos Animais
1ª Etapa: Avaliação de triagem
- Inquérito nutricional - Exame físico
- Avaliar fatores de risco nutricional
Ausência de fatores de risco
Término da
avaliação 2ª Etapa: Avaliação aprofundada Presença de fatores de risco
Avaliação física
1) Peso corporal – balança de boa qualidade
2) Escore de condição corporal
4) Avaliação da pele e pelagem
Aspecto nutricional
3) Escore de massa muscular
5) Escore de fezes
Fonte: HVGLN / FCAV - Unesp Fonte: HVGLN / FCAV - Unesp
Fonte: HVGLN / FCAV - Unesp Fonte: HVGLN / FCAV - Unesp
Costelas Vértebras lombares Ossos da pélvis Curvatura abdominal Cintura Gordura aparente
Condição corporal
(Laflamme, 1997) (Mawby et al., 2006)Condição corporal
Condição corporal
1 - caquético
Costelas, vértebras lombares e ossos pélvicos facilmente visíveis. Não há gordura palpável. Afundamento da cintura e abdômen.
5 - ideal
Costela palpável, sem excesso de tecido adiposo. Presença de cintura após as costelas. Afundamento do abdômen.
9 - obeso Costelas palpáveis com dificuldade, recobertas por excesso de tecido adiposo. Depósitos de gordura sobre a região lombar e base da cauda. Não existe cintura, o abdômen
está distendido.
Condição corporal
Cada ponto no escore de 1 a 9 representa 8% a 10% de desvio do peso corporal.
Cão com EC 3 tem que ganhar de 8 a 20% de peso Cão com EC 8 deve perder de 24% a 30% de peso
Cada ponto no ECC equivale aproximadamente 10 a 15% de alteração na composição de gordura corporal
Sistema envolve
avaliação visual e palpação
avaliação visual e palpação
Sistema envolve
Porcentagem de massa gorda
em diferentes raças (ECC 5 de 9)
Condição corporal
ECC ≥ 5: Maiores taxas de sobrevivência
ECC 1 a 3 ECC: sinaliza os pacientes que
necessitam de suporte nutricional mais
intensivo e que não podem permanecer em
anorexia
Pior prognóstico e maior morbidade!
Escore de Massa Muscular (EMM)
Escore 3
Escore 2
Escore 1
Escore 0
Escore de Massa Muscular (EMM)
Massa muscular normal, sem perdaPerda muscular leve
Perda muscular moderada
Perda muscular acentuada
Perda de tecido
muscular
Condição corporal
Avaliação da pele e pêlos
A avaliação da pele pode sugerir ao clínico a competência nutricional e a saúde geral do animal
• Aspecto da pelagem • Descamação • Característica da
cobertura pilosa • Textura dos pêlos
Escore de Fezes
5 = fezes bem formadas, duras e secas 0 = fezes líquidas 1 = fezes pastosas e sem forma2 = fezes macias, mal formadas e que assumem o formato do recipiente de colheita 3= fezes macias, formadas e úmidas, que marcam o piso 4 = fezes bem formadas consistentes que não marcam o piso
(Carciofi et al., 2008)
1. Será que meu paciente precisa de suporte
nutricional agora?
2. Qual é o suporte mais indicado?
Quando intervir?
• Baixo consumo há 5 dias ou anorexia há 3 dias
• Perda de peso maior que 10% (< 3 meses)
• Perda aguda de peso maior que 5%
• Condição nutricional pobre
• Aumento das perdas de nutrientes
• Aumento das necessidades
• Uso de drogas que promovam catabolismo ou
anorexia
Identificar presença de fator de risco nutricional
(Armstrong, 1988)
CONDUTAS NUTRICIONAIS
ADJUVANTES A TERAPIA
Alterações Metabólicas
• Animais doentes (hipermetabólicos):Acentuado aumento da secreção de catecolaminas; glicocorticóides (cortisol); glucagon (glicólise)
= ANTAGONIZAM EFEITO DA INSULINA
Hiperglicemia, uso proteínas e gorduras
• Severidade das alterações catabólicas depende do tipo e estágio de doença;
• Suporte nutricional de acordo com o tipo e estágio da doença.
•
Alta proteína
Alta demanda metabólica
•
Alta gordura
Palatabilidade, densidade energética
•
Baixo carboidrato
Hiperglicemia, resistência insulínica
O que é satisfatório para um paciente pode
não ser para outro (comorbidades)
Características do alimento
Recomendações PB CHO EE FB MM EM
Cães e gatos >32% < 25% > 18% < 2,0 % < 7,5 % >4,2 kcal/g
Alimento superpremium
para filhotes
Recomendações Nutricionais
Guia prático para seleção de alimentos para suportenutricional de pacientes felinos hospitalizados 1
aTentativa = Ingestão Voluntária
Estimulantes de apetite (palatabilizantes)
Alimentação assistida
Via de administração
Animal EstressadoTroca de ambiente
Pessoas estranhas
Convívio com outros animais
Manutenção
Gatos
NEM (kcal/dia) = 100 x (kg)0,67 (ECC 1 a 5)
NEM (kcal/dia) = 130 x (kg)0,4 (ECC 6 a 9)
Cães NEM (kcal/dia) = 95 a 130 x (kg)0,75
Necessidade Energética
NEM (kcal/dia) = 100 (6)0,67 = 100 (3,32) = 332 kcal/dia NEM gato= 100 (peso kg)0,67NEM obeso = 130 (peso kg)0,4
NEM (kcal/dia) = 130 (6)0,4
= 130 (2,04) = 265,2 kcal/dia
Necessidade Energética
Tipo Kcal/dia
Cão adulto jovem e ativo 140 x (PC)0,75
Dogue Alemão ativo 200 x (PC)0,75
Cão adulto ativo* 130 x (PC)0,75
Terriers ativos 180 x (PC)0,75
Cães inativos* 95 x (PC)0,75
Idosos ativos e Terra-nova 105 x (PC)0,75 (NRC, 2006)
Necessidade Energética
Quantidade
de Alimento
=
N E M /dia E M /g alimento Cão, 10 kg, 7 anos NEM = 95 x (10)0,75= 540 kcal/diaQuantidade
de Alimento
=
540 kcal/dia2 kcal/g=
270 g/diaCálculo da necessidade energética
Repouso
e
NER (kcal/dia) = 70 x (kg) 0,75
1. animais criticamente doentes 2. para nutrição intensiva
Corresponde de 65% a 70% das necessidades de EM 35-50% manutenção celular
(transp ions, turnover protéico e lipídico) 35-50% funções de suporte
(circulação, respiração, trabalho hepático e renal função nervosa)
Varia com idade, peso corporal, raça, espécie, sexo, status fisiológico, temperatura ambiente.
Taxa Metabólica Basal
Necessidade Hídrica
Verificar consumo de água Corrigir eventual desidratação Via de administração:
enteral e parenteral