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SABERES DO CAMPO PRESENTES EM UMA HORTA CIRCULAR: UMA PESQUISA ETNOMATEMÁTICA.

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO

MARCELA CONCEIÇÃO DA CRUZ

SABERES DO CAMPO PRESENTES EM UMA HORTA CIRCULAR: UMA PESQUISA ETNOMATEMÁTICA.

NITERÓI, RJ 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - UFF PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO

MARCELA CONCEIÇÃO DA CRUZ

SABERES DO CAMPO PRESENTES EM UMA HORTA CIRCULAR: UMA PESQUISA ETNOMATEMÁTICA.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense - UFF, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação, sob a orientação da Profª. Drª Maria Cecilia Fantinato.

NITERÓI, RJ 2017

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Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá

C957 Cruz, Marcela Conceição da.

Saberes do campo presentes em uma horta circular: uma pesquisa etnomatemática / Marcela Conceição da Cruz. – 2017.

82 f. ; il.

Orientadora: Maria Cecilia Fantinato.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Educação, 2017.

Bibliografia: f. 79-82.

1. Etnomatemática. 2. Produtor rural. 3. Saberes informais. 4. Horta circular. I. Fantinato, Maria Cecília. II. Universidade Federal

Fluminense. Faculdade de Educação. III. Título.

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MARCELA CONCEIÇÃO DA CRUZ

SABERES DO CAMPO PRESENTES EM UMA HORTA CIRCULAR: uma pesquisa etnomatemática.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense - UFF, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação, sob a orientação da Profª. Drª Maria Cecilia Fantinato.

Linha de Pesquisa: DDSE

Aprovado em ___ de _______ de 2017.

COMISSÃO EXAMINADORA

______________________________________ Prof.ª Drª. Maria Cecilia Fantinato

Orientadora

_______________________________________ Prof.ª Drª. Hustana Vargas

_______________________________________ Prof.º Dr. Márcio D’Olne Campos

_______________________________________ Prof.º Dr. José Ricardo e Souza Mafra

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DEDICATÓRIA

Dedico esta dissertação às pessoas mais importantes da minha vida, Ao meu adorado filho Leandro e ao meu companheiro Atila pelo incentivo e apoio

que foram imprescindíveis nessa conquista; Aos meus pais, Creusa e Elzo, a quem sou grata pelos ensinamentos e exemplos

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AGRADECIMENTOS

Chegar até aqui não foi fácil, mas as dificuldades e incertezas não me fizeram desistir, pois, Deus sempre esteve presente em meu coração.

Com certeza muitas pessoas contribuíram para que essa pesquisa fosse possível, direta ou indiretamente, na qual tenho carinho imenso e agradeço de coração.

A minha fonte de inspiração sempre foi o meu filho Leandro, que com seu jeito doce e carinhoso, faz eu me sentir uma mãe especial, passamos por muitas dificuldades juntos e, apesar da sua inocência de criança, em momentos que pensei em desistir ele me surpreende e canta para mim uma música do Engenheiros do Havaí, que um trecho diz assim, “eu não vim até aqui...pra desistir agora”;

Meu agradecimento especial, ao meu companheiro Atila, que foi a pessoa que mais incentivou o meu crescimento profissional, por me apoiar de todas as formas possíveis, por dividir comigo os momentos de angústia e de alegria, em especial na fase final dessa pesquisa, pelo cuidado que tem com nossa família, onde precisei passar dias sem sair da frente do computador e ele cuidou com muito carinho de mim e do nosso menino. O seu apoio foi essencial nessa conquista meu amor... A minha orientadora, que é também amiga, Maria Cecilia Fantinato, pela oportunidade, pela confiança na minha capacidade como pesquisadora, por me ouvir nos momentos de dificuldades, por me receber em sua casa até aos domingos para darmos continuidade a pesquisa. Além da paciência e dos ensinamentos que contribuíram imensamente ao longo desses dois anos de estudo;

Ao professor, José Ricardo Mafra, pelas consideráveis contribuições e incentivos para que essa pesquisa se concretizassem;

Ao professor Marcio D’Olne Campos, por ter me ensinado sobre a postura do pesquisador em se familiarizar com o estranho e por acreditar na minha pesquisa; À professora Hustana Vargas, por contribuir com seus ensinamentos na disciplina de Métodos quantitativos para pesquisas em educação, por sua doçura e incentivo na minha caminhada como pesquisadora;

À Coordenação de aperfeiçoamento de pessoal de nível superior (capes), pela apoio financeiro com uma bolsa de estudo de Mestrado, o que possibilitou uma imersão total na academia e na pesquisa;

Aos meus pais, irmãos e sobrinhos, que mesmo distantes demonstraram apoio e afeto;

Aos meus sogros e compadres pelo apoio e incentivo;

Aos meus amigos do Grupo de pesquisas em etnomatemática da UFF, pelo grande aprendizado e os debates maravilhosos que enriqueceram a construção dessa pesquisa;

Aos sujeitos desse estudo, que abriram as portas de suas casas para nos receber, pois, sem essa ajuda esse sonho não seria possível;

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Aos meus professores da academia que contribuíram de maneira significativa na minha formação como pessoa e como pesquisadora;

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RESUMO

Nesta dissertação de mestrado pretendemos apresentar um estudo sobre os saberes informais e da cultura de produtores rurais, utilizando como suporte o referencial teórico da etnomatemática. O texto discute a temática da valorização de saberes de agricultores e suas ideias de natureza matemática envolvidas no manejo de hortas circulares. Procuramos evidenciar os saberes e a culturas de duas famílias de agricultores, buscando compreender outras formas de pensamento que não estejam atrelados com a disciplina matemática. Nosso referencial teórico está apoiado nas pesquisas em etnomatemática, tendo como base, principalmente, as ideias dos autores, D’AMBROSIO, FERREIRA, GERDES E FANTINATO. Elencamos como objetivo geral investigar de que maneira as ideias de natureza matemática são

trabalhadas e processadas nas atividades de construção e manejo de hortas circulares, no município de Alegre/ES, pelo viés da etnomatemática. Nosso trajeto

metodológico está amparado nos pressupostos da pesquisa qualitativa com técnicas etnográficas. Para tal, fizemos visitas em propriedades rurais, onde realizamos algumas observações, registramos com fotografias e filmagens e anotamos no diário de campo. Com um viés antropológico tentamos contemplar os processos de construção de conhecimento em contextos informais, valorizando a interação dos sujeitos com seu próprio meio e suas práticas. Por fim, analisamos e discutimos os dados observados durante a visita ao campo, destacando os saberes dos agricultores pesquisados, a maneira de analisar e explicar as ideias de natureza matemática, em particular, comparar, medir, fazer estimativas e organização do tempo.

Palavras - chave: Etnomatemática. Produtores Rurais. Saberes informais. Horta

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ABSTRACT

In this dissertation we intend to present a study on the informal knowledge and culture of rural producers, using as support the theoretical reference of ethnomathematics. The text discusses the thematic of the valorization of knowledge of farmers and their ideas of mathematical nature involved in the management of circular gardens. We seek to evidence the knowledge and cultures of two families of farmers, seeking to understand other forms of thinking that are not tied to the discipline of mathematics. Our theoretical framework is based on research in ethnomathematics, mainly based on the ideas of the authors, D'AMBROSIO, FERREIRA, GERDES AND FANTINATO. We aim to investigate how the ideas of mathematical nature are developed and processed in the construction and management of circular gardens, in the city of Alegre / ES, by the ethnomathematics perspective. Our methodological path is supported by the presuppositions of qualitative research with ethnographic techniques. To do so, we visited rural properties, where we made some observations, photografic and film recorded and took notes in the field diary. With an anthropological perspective we tried to contemplate the processes of knowledge construction in informal contexts, valuing the interaction of the subjects with their own environment and their practices. Finally, we analyze and discussed the data observed during the visit to the field, highlighting the knowledge of the researched farmers, how they analyze and explain the ideas of mathematical nature, in particular, how they compare, measure, estimate and

organize the time.

Keywords: Ethnomathematics. Farmers. Informal knowledge. Circular vegetable garden.

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SIGLAS

CCA Centro de Ciências Agrárias

FBB Fundação Banco do Brasil

FETAES Federação do Trabalhadores na agricultura do Espérito Santo

GETUFF Grupo de Estudos em Etnomatemática da UFF

IBGE Instituto de Geografia e Estatísticas

IFES Instituto Federal do Espírito Santo

IMC Indice de Massa corporal

MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

OBMEP Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas

PAIS Produção Agroecológica Integrada e Sustentável

PIBID Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à docência

PIC Projeto de Iniciação Científica

REUNI Reestruturação e Expanção das Universidades Federais

SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micros e pequenas empresas

SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

UFES Universidade Federal do Espírito Santo

UFF Universidade Federal Fluminense

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Horta Mandalla ... 32

Figura 2: Horta PAIS ... 34

Figura 3: Sítio em Araraí - Alegre/ES ... 44

Figura 4: Poleiro do Galinheiro ... 46

Figura 5: Feijão de Porco ... 48

Figura 6: Esquema da Horta PAIS ... 54

Figura 7: Horta no início da construção ... 55

Figura 8: Horta esquemática ... 55

Figura 9: Polígonos Regulares de 3 a 12 lados ... 57

Figura 10: Visão geral do galinheiro. ... 57

Figura 11: Bandeja de semeadura ... 58

Figura 12: Ferramenta de trabalho do agricultor e canteiro com mudas ... 61

Figura 13: Canteiro da horta de Araraí – Alegre/ES. ... 63

Figura 14: Adubação de canteiro ... 66

Figura 15: Colheita de Hortaliças ... 67

Figura 16: Moinho de milho e caixa que representa uma quarta ... 69

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 11

1.1TRAJETÓRIA ACADÊMICA: DO INÍCIO DE TUDO AO PROBLEMA DE PESQUISA ... 11

1.2OBJETIVOS E QUESTÕES DA PESQUISA ... 16

2ETNOMATEMÁTICA: PANORAMA HISTÓRICO E INTERSEÇÕES COM A PESQUISA ... 18

2.1ETNOMATEMÁTICA: PANORAMA HISTÓRICO ... 18

2.2 PESQUISAS EM ETNOMATEMÁTICA SOBRE SABERES DE PRODUTORES RURAIS ... 23

3 O PERCURSO DA PESQUISA ... 27

3.1PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ... 27

3.2OS SUJEITOS E O LOCAL DA PESQUISA ... 30

3.2.1 O contexto da pesquisa ... 30

A cidade de Alegre/ES ... 30

A horta circular ... 31

Como surgiu a horta com o formato circular?... 31

Como foi o percurso de caracterização da horta? ... 31

O que é o PAIS? ... 34

3.3 A ESCOLHA DAS PROPRIEDADES RURAIS ... 37

3.3.1 Sítio em Rive, Alegre – ES ... 39

Rotina de trabalho ... 41

Trajetória escolar ... 41

3.3.2. Sítio em Araraí, Alegre – ES ... 43

Rotina de trabalho ... 45

Trajetória escolar ... 46

O Lado Espiritual ... 47

O Uso Do Feijão De Porco Para Afastar Pragas ... 48

A influência das fases da lua para a plantação ... 49

Descobrindo o uso do termo “pela égua” pelos agricultores. ... 50

4 INVESTIGAÇÕES EM UMA HORTA CIRCULAR ... 53

4.1CONSTRUINDOAHORTA ... 54

4.2O FORMATO DO GALINHEIRO ... 56

4.3PARTICULARIDADES DE CADA AGRICULTOR NO DESEMPENHO DA MESMA ATIVIDADE ... 58

4.3.1 Preparando as Mudas ... 58

4.3.2 Preparando os Canteiros para receber as mudas ... 60

4.4OPROCESSODEADUBAÇÃOEACOLHEITAPARAAFEIRA ... 64

4.5UNIDADE DE MEDIDA PRÓPRIA: A TROCA DO MILHO PELO FUBÁ ... 68

4.6PRODUZINDO BANANA PASSAS ... 72

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 76

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1 INTRODUÇÃO

Nesta dissertação de mestrado, intitulada “Saberes do campo presentes em

uma horta circular: uma pesquisa etnomatemática”, pretendemos trazer

elementos que fazem parte da rotina do homem do campo. O texto discute a temática da valorização de saberes de agricultores e suas ideias de natureza matemática envolvidas no manejo de hortas circulares. Para tal, foram feitas visitas em propriedades rurais, amparados nos pressupostos da pesquisa etnográfica, utilizando registros em diário de campo, observação, fotos, filmagens e entrevistas enfatizando o aspecto qualitativo da pesquisa.

Com uma perspectiva antropológica buscaremos contemplar os processos de construção de conhecimento em contextos informais, visando contribuir para as reflexões acerca do ensino da matemática pela perspectiva da etnomatemática, que pode apontar convergências e interligar diferentes áreas de conhecimento e saberes socioculturais, pois reconhecemos que os saberes culturais fazem parte do contexto educativo.

Na próxima seção (1.1),falaremos um pouco sobre a trajetória acadêmica da mestranda, as motivações para desenvolver esse estudo e o encontro com a etnomatemática. Na seção 1.2, será exposto o objeto dessa pesquisa e as questões problematizadoras.

1.1 Trajetória acadêmica: do início de tudo ao problema de pesquisa

No ano de 2009 foi que tudo começou. Eu já estava com vinte e cinco anos e considerava um pouco tarde para iniciar uma graduação, mesmo assim queria ter uma profissão e apostei em me qualificar. Antes disso já havia iniciado outra graduação em Fisioterapia, mas tive de interromper por ter sido mãe aos vinte anos de idade. Durante cinco anos dediquei-me a cuidar do meu filho, com a ajuda da minha mãe. Nesse período também fiz um curso pelo SENAC – RJ de técnica em segurança do trabalho, área na qual trabalhei, mas não tive muita aptidão. Por estar um período sem trabalho comecei a ajudar as professoras na escolinha onde meu filho estudava, e aos poucos fui me envolvendo muito com as atividades da escola.

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Com um filho crescendo e precisando de mim, me perguntava qual referência seria para ele. Foi então que pensei em me qualificar e tentar o vestibular para licenciatura em matemática.

Pesquisei algumas universidades fora do estado do Rio de Janeiro, como Minas Gerais e Espírito Santo, na esperança de um novo recomeço. Estava me preparando para o Enem, que aconteceria no final do ano de 2009, quando, em julho do mesmo ano, a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) fez um processo seletivo no qual me inscrevi e fui aprovada, para o campus de Alegre/ES. No Espírito Santo a universidade está distribuída em 3(três) campi, na Capital (Vitória), no Norte (São Mateus) e no Sul (Alegre). No campus do Sul estavam concentrados os cursos de agrárias inseridos no centro de ciências agrárias - CCA, mas no ano de 2009 a universidade aderiu ao REUNI, e este campus passou a oferecer 9(nove) cursos a mais dos quais já oferecia, incluindo entre esses a licenciatura em matemática. Como Alegre é uma cidade pequena, com cerca de 30 mil habitantes (IBGE), custo de vida baixo (não necessitava pegar ônibus para ir à universidade), decidi apostar nessa oportunidade e mudei-me para lá com meu filho.

O início na minha graduação foi bastante difícil, estava há muito tempo fora da academia, e tive que me esforçar muito para conseguir dar conta das disciplinas e concluir o curso no tempo previsto, quatro anos e meio. Durante esse tempo aprendi muita coisa, mas foi com o PIBID que tive a oportunidade de ter uma vivência mais aprofundada com as questões da Educação. Entrei para o projeto em 2011 e permaneci nele até o final da minha graduação em 2014. Nesse período acompanhei de perto as dificuldades dos alunos nas aulas de matemática, tanto no ensino fundamental como no ensino médio e, por outro lado, a dificuldade dos professores também em ensinar. Muitos professores reclamavam da falta de interesse dos alunos, outros achavam que lhes faltavam qualificação, pois estavam a muito tempo sem fazer um “curso”. Com o auxílio de professores da universidade procuramos levar para a escola alternativas que buscassem o envolvimento dos alunos nas aulas de matemática, como por exemplo, confeccionamos material didático, fizemos jogos envolvendo os conteúdos estudados, tivemos aulas de reforço, trabalhamos temas do dia a dia como índice de massa corporal (IMC) e construção de gráficos. Essas atividades movimentaram a vida dos estudantes e professores e foi para mim um trabalho bastante gratificante.

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Ainda na graduação fui aluna de iniciação científica, atuando como monitora do PIC – OBMEP, durante dois anos. Neste projeto, os alunos medalhistas ou que receberam menção honrosa nas da Olimpíada brasileira de Matemática das escolas públicas (OBMEP), eram chamados para fazerem um curso de matemática com encontros mensais durante um ano, sob a orientação de professores universitários. Essa experiência foi encantadora, eu ficava fascinada com as estratégias matemáticas que os alunos utilizavam para resolver os problemas apresentados durante esse curso, pois muitos conteúdos nunca tinham sido estudados por eles, eles recebiam o material, estudavam em casa, e nos encontros tirávamos as dúvidas e os instigávamos a ir sempre além com novos desafios.

Após ter vivido essa experiência, passei a observar com mais profundidade as habilidades matemáticas dos alunos, tanto no PIBID quanto no PIC-OBMEP, valorizando suas técnicas para resolução de problemas. Comecei a me perguntar: como pessoas com mais idade, que não tiveram oportunidade de estudar ou estudaram pouco, desenvolviam estratégias matemáticas para lidar com suas atividades cotidianas? Será que existe um conhecimento matemático vinculado às práticas cotidianas desse indivíduo? Encontrei na etnomatemática uma inspiração para as interrogações que começavam a surgir.

O primeiro contato com a etnomatemática foi numa disciplina da graduação chamada de instrumentação para o ensino da matemática VI, por volta do ano de 2012, onde o professor nos apresentou alguns trabalhos na área e as questões trazidas pelo pesquisador Ubiratan D’Ambrósio, considerado o pai da etnomatemática no Brasil.

Nessa época, via a etnomatemática como uma subárea da Educação Matemática que se interessava em estudar apenas a matemática praticada por grupos culturais, como indígenas, quilombolas, agricultores, entre outros, como podemos observar nesse discurso de D’Ambrósio “a etnomatemática é a matemática praticada por grupos culturais, tais como comunidades urbanas e rurais, [...] sociedades indígenas e tantos outros grupos que se identificam por objetivos e tradições comuns aos grupos” (D’AMBRÓSIO, 2015, p.9).

Essa foi minha primeira impressão sobre a etnomatemática, como estudante de graduação do curso de matemática. Entretanto, procurando entender melhor o

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conceito de etnomatemática, compreendo que essa é uma visão muito simplista da área. Percebo que a etnomatemática transcende a disciplina matemática, está muito além de perceber apenas a matemática de grupos culturais, como confirma Bill Barton,

A etnomatemática não consiste apenas nas ideias matemáticas de outras culturas, nem é a representação dessas ideias pela matemática. Esses constructos podem ser parte da etnomatemática, mas não sua essência. A etnomatemática é uma tentativa de descrever e entender as formas pelas quais ideias, chamadas pelos etnomatemáticos de matemática, são compreendidas, articuladas e utilizadas por outras pessoas que não compartilham da mesma concepção de ‘matemática’. Ela tenta descrever o mundo matemático do etnomatemático na perspectiva do outro. (BARTON, 2004, p. 59)

Nesse outro discurso de D’Ambrosio, suas ideias se aproximam mais do que hoje entendo como etnomatemática.

a etnomatemática tem como objetivo maior dar sentido a modos de saber e de fazer das várias culturas e reconhecer como e porque grupos de indivíduos, organizados como famílias, comunidades, profissões, tribos, nações e povos, executam suas práticas de natureza Matemática, tais como contar, medir, comparar, classificar. [...] Isso exemplifica um método de trabalho em etnomatemática, que é a observação de práticas de grupos culturais diferenciados, seguido de análise do que fazem e o porquê eles fazem. Isso depende muito, além da observação, de uma análise do discurso. (D’AMBROSIO, 2008, p.7-8)

A partir daí comecei a perceber que a etnomatemática poderia me ajudar a pensar nas questões da valorização dos saberes matemáticos de indivíduos com pouca escolaridade, ou até que tivessem estudado matemática na escola, mas que tinham suas “maneiras” de contar, calcular e medir.

Tendo em vista que essa disciplina é ministrada nos últimos anos do curso de licenciatura ponderei em fazer meu trabalho de curso nessa área. Ainda, em paralelo às minhas atividades acadêmicas, participava de um grupo de agroecologia dentro da universidade e, constantemente visitava propriedades rurais. Essa proximidade com agricultores me ajudou a definir o grupo a ser pesquisado. Então, realizei meu trabalho de conclusão de curso na área de etnomatemática.

Neste trabalho, investiguei se havia alguma aproximação entre os conhecimentos matemáticos presentes numa horta circular, com os conteúdos matemáticos abordados em livros didáticos dos Anos Finais do Ensino Fundamental. Tive nessa pesquisa, o objetivo de trazer reflexões a cerca de uma alternativa de cunho pedagógico, que pudesse facilitar a aprendizagem da disciplina de

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matemática nas escolas. Levantei algumas sugestões que relacionavam o contexto social do aluno que mora no campo, com o que ele aprende na escola. O trabalho desenvolvido me motivou a dar continuidade aos estudos em etnomatemática, e a me aprofundar no saber-fazer do homem do campo.

Logo após concluir a graduação pensei em ingressar imediatamente no mestrado, mas devido a atividades de greve só me formei no mês de abril de 2014, quando então resolvi tentar o mestrado no fim daquele ano. Durante esse período de transição trabalhei como professora substituta na UFES, no mesmo campus que me formei, lecionando por dois semestres.

Quando fui me candidatar ao mestrado pensei em dois programas. O Mestrado em ensino de Matemática da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, e o Mestrado em Educação da Universidade Federal Fluminense – UFF. Fui aprovada nos dois e tive de escolher. O mestrado da UFRJ me traria a possibilidade de pesquisar o uso de tecnologias no Ensino Superior, tema que tive um pouco de contato quando lecionei na UFES. Já no mestrado da UFF, tinha o conhecimento que havia um Grupo de pesquisas em etnomatemática – GETUFF, coordenado pela professora Maria Cecilia Fantinato, e também teria a oportunidade de dar continuidade a um projeto de pesquisa já iniciado no final da graduação. Por outro lado, poderia aprofundar meus conhecimentos sobre a etnomatemática, tema que já havia me seduzido desde a graduação. Decisão tomada! Optei pelo Mestrado em Educação na UFF.

Assim que começaram as atividades do mestrado comecei a participar das reuniões do GETUFF e junto da professora Maria Cecilia Fantinato fomos fazendo alguns ajustes na proposta de pesquisa que enviei ao programa. Nesse sentido, considero que as discussões, leituras e reflexões realizadas no GETUFF, contribuíram muitíssimo para o amadurecimento do meu objeto de estudo e no desenvolvimento dessa dissertação de mestrado.

Os encontros semanais com o grupo de pesquisa geraram muitos frutos e minha pergunta de investigação começou a se fortalecer. Conseguimos, eu e minha orientadora, definir que faríamos uma investigação com uma perspectiva mais etnográfica e antropológica, pois esse tipo de pesquisa nos permitiria maior imersão no campo e contato mais aprofundado com os pesquisados. Mafra e Fantinato

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(2016) ressaltam que as primeiras pesquisas em etnomatemática tinham como base a etnografia:

A maior parte das pesquisas e estudos iniciais relacionados com a Etnomatemática aproxima-se da etnografia e abordam saberes e fazeres de grupos culturais identificáveis, independente da natureza local, temporal ou geográfica, capaz de caracterizá-los. [...] em que pese os distintos caminhos epistemológicos e distintas bases teóricas as quais o Programa possa vir a se organizar, os estudos de natureza etnográfica de diferentes grupos socioculturais firmaram-se e consolidaram-se como característicos e singulares para a dinâmica de difusão dos trabalhos e pesquisas elaboradas. ( MAFRA & FANTINATO, 2016, p.181)

Concordamos que investigaríamos saberes de natureza matemática, práticas locais, assim como aprendizagens informais com características social e antropológica, de duas famílias de agricultores que cultivam em suas respectivas propriedades hortas, cujo formato é circular.

Neste sentido, esse estudo visa conhecer e compreender os saberes e fazeres envolvidos na cultura, nas tradições e nas atividades de trabalho do homem do campo, que manuseia uma “horta circular”. Além disso, procuramos entender as ideias de natureza matemática e os saberes informais pela perspectiva da etomatemática.

1.2 Objetivos e questões da pesquisa

Pensando numa orientação para concretizar essa pesquisa, elencamos como objetivo geral investigar de que maneira as ideias de natureza matemática são

trabalhadas e processadas nas atividades de construção e manejo de hortas circulares, no município de Alegre/ES, através do programa de etnomatemática.

Tendo em vista alcançar este objetivo, traçamos como objetivos específicos,

examinar e discutir as estratégias matemáticas dos produtores na horta; considerar o saber local e as práticas repassadas de geração para geração que ainda são presentes; comparar diferentes formas de unidades de medidas; manipular operações matemáticas e cálculo mental; e, conhecer outras formas de pensar matematicamente.

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Dessa forma, buscaremos acompanhar a rotina de trabalho na horta circular de duas famílias de agricultores. Estaremos interessadas também em compreender como foi feita a construção da horta, bem como observar o modo de lidar com os saberes matemáticos envolvidos ali, para que possamos compreender melhor suas maneiras de “matematizar”, ou seja, a capacidade de um indivíduo em dominar operações, formas e noções geométricas (D’Ambrosio, 1986). Pois, como escreveu Freire (2011, p.11), “Todo aprendizado deve encontrar-se intimamente associado à tomada de consciência da situação real vivida pelo educando”, palavras que fazem muito sentindo do que esperamos com essa pesquisa.

No próximo capítulo, apresentamos as perspectivas da etnomatemática como uma vertente em Educação Matemática, buscando trazer outras formas de pensar e refletir sobre a natureza do pensamento matemático. Pretendemos discutir as relações da etnomatemática com os saberes informais, propondo salientar os saberes dos sujeitos que moram no campo. Abordaremos também algumas pesquisas que apresentam alguma interseção com esta investigação.

No capítulo três, relatamos os caminhos metodológicos e a influência da pesquisa etnográfica em etnomatemática e suas relações com a antropologia. Destacamos ainda, os instrumentos de coleta de dados e os caminhos que nos ajudaram a responder a nossa questão inquietadora. Na segunda seção, caracterizamos a cidade onde ocorre a pesquisa, o perfil dos sujeitos e sua rotina de trabalho. Dentro do contexto da pesquisa, vamos descrever detalhadamente o projeto da circular, quando surgiu e quem foram seus idealizadores. Mais adiante falaremos sobre a escolha das propriedades rurais e o perfil de cada uma.

No capítulo quatro, analisamos e discutimos os dados observados durante a visita ao campo, destacando a valorização dos saberes dos agricultores pesquisados, a maneira de analisar e explicar as ideias de natureza matemática, em particular, comparar, medir, fazer estimativas e organização do tempo. Por outro lado, destacamos os saberes adquiridos com a prática no campo e aqueles saberes que permanecem de outras gerações.

Por fim, trazemos algumas considerações que esse estudo nos proporcionou, assim como pode contribuir como instrumento de reflexão para estudantes e pesquisadores da área de etnomatemática.

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2 ETNOMATEMÁTICA: PANORAMA HISTÓRICO E INTERSEÇÕES COM A PESQUISA

Trataremos aqui, das relações da etnomatemática com nosso objeto de estudo, considerando que essa proposta pode contribuir na investigação das tradições do campo, nas práticas do grupo pesquisado e no resgate às raízes culturais do agricultor.

Comentaremos também sobre algumas pesquisas na área de etnomatemática cujos objetos de estudos envolvem o meio rural e agricultores. Buscaremos nessas pesquisas, experiências que possam contribuir nas reflexões e na análise de dados desse estudo.

2.1 Etnomatemática: panorama histórico

“Sem dúvida, a Etnomatemática é que possibilita a nossa libertação das verdades matemáticas universais e que respeita o aprendizado não acadêmico do cidadão”. (FERREIRA, 1993, p. 18, apud FANTINATO, 2004, p.6)

A etnomatemática é um campo de estudo na área da Educação Matemática que vem se consolidando ao longo das últimas décadas. A partir de 1970 começaram a surgir pesquisas em várias partes do mundo envolvendo as diversas formas de matematizar de grupos culturais distintos (Gerdes, 2007).

Em estudos de Knijnik (1996), encontramos que o termo etnomatemática foi usado de maneira independente pela matemática Marcia Ascher e o antropólogo Robert Ascher (1986) em um artigo intitulado “Ethnomatematics”, onde apresentam sua concepção de etnomatemática como "(...) o estudo das idéias matemáticas dos povos 'não-alfabetizados'” (ASCHER & ASHER, 1986, apud KNIJNIK, 1996, p. 85),

Antes mesmo da publicação desse artigo com o antropólogo Robert Ascher, a pesquisadora Márcia Ascher diz, em março de 1986, que desconhece os trabalhos de D’Ambrosio e afirma que,

(...) o significado dado por D'Ambrósio ao termo pode abranger o nosso. De qualquer modo, nossos objetivos são os mesmos: ampliar a visão da Matemática para incluir mais do que aquilo que tem sido produzido pelos profissionais do ocidente. (ASCHER, 1986, p.2, apud KNIJNIK, 1996, p.84) Mais tarde, em 1991, publica um livro onde esclarece o que considera etnomatemática e defende que sua finalidade é aumentar a compreensão sobre

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diversas culturas. As primeiras frases do seu livro são: “Vamos dar um passo em direção a uma visão global, multicultural da matemática, para fazer isso, nós introduziremos as ideias matemáticas de pessoas que têm sido geralmente excluídas de discussões sobre matemática” (ASCHER, 1991, p.1, apud BARTON, 2004, p. 44).

Os autores ponderam que algumas ideias matemáticas geradas por povos não alfabetizados podem ser tão complexas quanto as da matemática ocidental, e que os saberes matemáticos estão presentes em todas as culturas, apresentando-se sob diferentes formas.

A perspectiva de Ascher, para nós, está mais relacionada ao reconhecimento das diversas culturas pelo mundo, das ideias matemáticas presentes em outros contextos, mostrando que saber matemática não é apenas um privilégio de poucos. Seu interesse vai além da disciplina matemática, o que vai de encontro com nosso pensamento e também converge com as ideias de D’Ambrósio.

Mesmo Ascher tendo utilizado o termo etnomatemática em suas pesquisas, foi o brasileiro Ubiratan D’Ambrosio o primeiro pesquisador a utilizar o termo etnomatemática em pesquisas que destacam o pensamento matemático em diferentes contextos culturais, como podemos constatar nas próprias palavras de D’Ambrósio, “[...] o termo etnomatemática foi por nós introduzido [...] em 1975 e desde então vem sendo utilizado por inúmeros pesquisadores em todo o mundo” (D’AMBRÓSIO, 1990, p. 81).

Contudo, o termo etnomatemática foi utilizado formalmente por Ubiratan D’Ambrosio em 1984 no Quinto Congresso Internacional de Educação Matemática (ICME-5), onde o pesquisador apresenta estudos que relacionam a matemática aos contextos culturais e sociais de grupos diferenciados. Entretanto, muitos antropólogos, matemáticos, psicólogos e educadores já investigavam e valorizavam os saberes de natureza matemática de grupos socioculturais. Podemos dizer que, Wilder, White, Fettweis, Luquet e Raum podem ser apontados como precursores da etnomatemática (Gerdes, 2007).

De acordo com Paulus Gerdes, a etnomatemática pode ser definida como “a antropologia cultural da matemática e da educação matemática” (GERDES, 2007, p.

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1). O autor reforça que ela se situa no encontro da matemática com a antropologia cultural. Ao fazer um panorama geral do aparecimento da etnomatemática, Gerdes cita a concepção do antropólogo White nas relações da matemática com a cultura:

A matemática não teve origem em Euclides e Pitágoras – nem sequer no antigo Egito ou na Mesopotâmia, mas, na concepção de White, “a matemática é o desenvolvimento do pensamento que se iniciou com a origem do homem e da cultura, há muitos milhões de anos” (WHITE, 1956, p. 2361, apud GERDES, 2007, p.2).

Em consonância com sua perspectiva, podemos compatibilizar formas culturais, ou seja, compartilhar a transmissão de conhecimento em distintos sistemas culturais. Reforçando essa postura, D’Ambrosio (2016), nos explica que,

O programa etnomatemática procura entender como grupos culturalmente diferenciados usam estratégias de natureza matemática, como comparar, classificar, ordenar, quantificar e medir, com a finalidade de lidar com situações e problemas encontrados em seu cotidiano (D’Ambrósio, 2016, p. 7, apud Mattos, 2016).

Citada como um Programa de Pesquisa, a etnomatemática não se limita à matemática, pois procura entender como as culturas mais diversas expõem suas razões e explicações provenientes da realidade que os cerca, ou seja, “procura analisar as raízes socioculturais do conhecimento matemático” (D’AMBROSIO, 2009, p. 23). Na tentativa de explicar seu pensamento, D´Ambrosio escreveu o seguinte:

O Programa Etnomatemática, cujo objetivo maior é analisar as raízes socioculturais do conhecimento matemático, revela uma grande preocupação com a dimensão política ao estudar a História e a Filosofia da Matemática e as implicações pedagógicas (D’AMBROSIO, 2009, p. 23). Nas décadas de 1980/90, percebeu-se uma crescente tomada de consciência, por parte dos matemáticos, quanto aos aspectos sociais e culturais da Matemática e da educação matemática (Gerdes, 2007). Assim, na conferência de abertura do ICME-6, em 1988, Bienvenido Nebres, comenta que, em relação aos desafios da educação matemática é preciso juntar esforços para discutir as conexões entre a etnomatemática e a matemática escolar em busca de estabelecer vínculos mais estreitos entre ambas. (NEBRES, 1988, p.15, apud KNIJNIK, 1996, p. 72).

Desde então, a etnomatemática vem ganhando visibilidade no mundo inteiro. Vale realçar ainda que, os trabalhos produzidos por pesquisadores no Brasil vêm se destacando internacionalmente (D’AMBROSIO, 2008).

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Em se tratando de trabalhar com o programa Etnomatemática, o essencial é “a capacidade de observar e analisar as práticas de comunidades e populações diferenciadas, seguido de análise do que fazem e o porquê eles fazem. Isso depende muito, além da observação, de uma análise do discurso”. (D'AMBROSIO, 2008, p.8)

Ao criar o termo etnomatemática D’Ambrosio vê a necessidade de esclarecer a etimologia da palavra, segundo ele, definição de etnomatemática é muito difícil, por isso o uso uma explicação de caráter etimológico.

[...] como um motivador para nossa postura teórica, utilizamos como ponto de partida a sua etimologia: etno é hoje aceito como algo muito amplo, referente ao contexto cultural, e portanto inclui considerações como linguagem, jargão, códigos de comportamento, mitos e símbolos; matema é uma raiz difícil, que vai na direção de explicar, de conhecer, de entender; e tica vem sem dúvida de techne, que é a mesma raiz de arte e de técnica. Assim, poderíamos dizer que etnomatemática é a arte ou técnica de explicar, de conhecer, de entender nos diversos contextos culturais. (D´AMBROSIO,1990, p. 5-6)

Por outro lado, destacamos o pesquisador Eduardo Sebastiani Ferreira, que foi pioneiro no Brasil nas pesquisas de campo da etnomatemática, caracterizando-a como a “matemática incorporada na cultura do povo” (GERDES, 2007, p.7). O educador busca na etnografia um caminho para realizar suas pesquisas, enfatizando que para ele a etnomatemática é um método de ensinar matemática: “a etnomatemática passou a ser, para mim, um novo método de se ensinar matemática – chamei-a de Matemática Materna” (FERREIRA, 1997, p. 16). Seus principais trabalhos foram desenvolvidos em comunidades indígenas do Alto Xingu e do Amazonas, com enfoque nas conexões entre a “matemática do branco” e a “matemática-materna” contribuindo para o aprofundamento teórico das questões relativas à Educação Indígena (KNIJNIK, 2012).

Ferreira (1997) também destaca a matemática como produto cultural,

Através do conceito de etnomatemática chama-se a atenção para o fato de que a matemática, com suas técnicas e verdades, constitui um produto cultural, salienta-se que cada povo – cultura e cada subcultura – desenvolve a sua própria matemática – em certa medida – específica. (FERREIRA, 1997, p.16)

Os indivíduos que desenvolvem sua matemática, motivados pelo ambiente que o cercam, sejam eles, o campo, um canteiro de obras, uma tribo indígena,

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comunidades quilombolas, entre outras, estão reconhecendo sua própria maneira de comparar, medir, contar, para lidar com os problemas encontrados em seu cotidiano. Wanderleia Costa (2003), explica que,

Para a Etnomatemática, todos os saberes matemáticos possuem igual valor. Não sendo de relativismo extremo, todos os saberes matemáticos são legítimos, não existe a pretensão de, por exemplo, exaltar conhecimentos particulares substituindo a matemática acadêmica pela matemática popular. Também não se pretende legitimar os conhecimentos matemáticos gerados no cotidiano dos grupos socioculturalmente dominados fazendo-os passar pelo filtro da matemática acadêmica, como ocorreria se a Etnomatemática fosse legitimista. (COSTA, 2003, p. 6)

No âmbito internacional, Paulus Gerdes examinou elementos da cultura de Moçambique e encontrou elementos da matemática na produção cultural dos povos africanos. Após a independência do país, em meados de 1970, ele se uniu a outros professores para fundar o projeto “Etnomatemática em Moçambique”. Esse projeto foi essencial para os estudantes perceberem como os conhecimentos adquiridos por eles vinculados à matemática, poderiam ser produtivos para melhorar as condições de vida da população moçambicana (GERDES, 2013). Ele defendia que havia um forte saber matemático na mente das pessoas que confeccionavam cestos moldados à palha, em chapéus, funis e outros artefatos.

Mas a extensa obra produzida por Gerdes não se limita ao saber matemático presente em artefatos culturais. Dedicou-se também às práticas pedagógicas envolvendo aplicações da Matemática à agricultura e à veterinária, como por exemplo, o cálculo das quantidades necessárias de adubo para diferentes culturas e o ensino do cálculo na dosagem de medicação para o gado doente feito através de estimativas, “a partir da ‘identificação’ do corpo do animal com um cilindro, cuja base é determinada na parte maior do ventre do animal e cuja altura é o comprimento de seu corpo” (KNIJNIK, 1996, p. 84).

É neste sentido que é possível compreender a relevância dada ao pensamento etnomatemático no que se refere à recuperação da cultura, das histórias vividas por aqueles que não constituem os setores hegemônicos da sociedade (D’AMBROSIO, 2015). Em particular destacando sua forma de contar, estimar, raciocinar, ou seja, lidar matematicamente com o mundo, ressaltando o conhecimento que já vem acumulado pelo indivíduo e explorando-o com o objetivo

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de produzir conhecimento, compreender o mundo e dar significado às experiências da vida cotidiana de outros povos (KNIJNIK, 1996).

D’Ambrosio (2010) percebe que as mudanças que vêm acontecendo, os objetivos alcançados com a educação matemática, levam em consideração a experiência de vida do indivíduo, a sua história e principalmente a sua cultura. Daí a importância de se conhecer e apreciar a matemática trabalhada de forma implícita em diversos grupos sociais, reconhecendo a cultura como um meio acadêmico. Valorizando esse pensamento, Freire (2011) nos diz que “[...] ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”.

Nesta perspectiva, D’Ambrósio (2001) discute que “o essencial da etnomatemática é incorporar a matemática do momento cultural (...) como parte do imaginário e da curiosidade popular” (D’Ambrósio, 2001, p.44).

Com esse ponto de vista, procuramos buscar na etnomatemática um caminho para amparar nossa pesquisa, pois encontramos nessa tendência da área de Educação Matemática conceitos que vão de encontro ao nosso objeto de estudo. Apresentaremos agora alguns trabalhos de pesquisadores brasileiros na área da etnomatemática com os olhares voltados para o homem do campo e o manejo de hortas.

2.2 Pesquisas em etnomatemática sobre saberes de produtores rurais

Como fonte de informação averiguei estudos em etnomatemática que pudessem trazer algumas reflexões sobre a aquisição do conhecimento matemático, evidenciando as dificuldades e as habilidades envolvidas no desempenho das tarefas de agricultores e saberes informais, por outro lado, verifiquei uma escassez de trabalhos na área de Etnomatemática que têm como campo de pesquisa a área rural, em particular pesquisas envolvendo a agricultura familiar e o manejo de hortas circulares.

Para chegar a esse diagnóstico utilizamos como fonte de consulta o banco de teses da CAPES, artigos publicados na SciELO e anais de várias edições do

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Congresso Brasileiro de Etnomatemática, na qual destacamos algumas pesquisas que apresentam alguma interseção com o tema desta proposta.

Um dos primeiros trabalhos na área da etnomatemática, orientado por Ubiratan D’Ambrósio foi o de José Carlos Borsato, no ano de 1984. Nessa época nem se usava ainda, de maneira formal, o termo etnomatemática (D’AMBROSIO, 2015). O trabalho consiste na construção de hortas urbanas junto dos alunos de uma escola em Ponta Grossa – RS. Os alunos também puderam contar com a participação de alguns pais. Esse estudo mostrou que é possível integrar o currículo escolar em torno de um trabalho comunitário e motivar alunos de uma escola inteira com um projeto para a melhoria do processo ensino/aprendizagem, e também sensibilizar a comunidade em torno de uma causa comum (BORSATO, 1984).

Outra pesquisa na área da etnomatemática, que tem como objeto de pesquisa produtores rurais que cultivam hortas é a de Francisco Bandeira (2002). O estudo analisa os aspectos do conhecimento matemático de horticultores de uma comunidade rural chamada de Gramorezinho, localizada em Natal – RN. O autor teve como objetivo investigar as ideias matemáticas presentes nas atividades diárias do cultivo de hortaliças durante 3 (três) meses e analisá-las do ponto de vista da etnomatemática. A pesquisa teve abordagem qualitativa com técnicas da etnografia envolvendo 10 (dez) agricultores. O pesquisador encontrou na comunidade um conhecimento matemático específico daquele grupo, o que chamou de “etnoconhecimento baseado na elaboração do saber-fazer diário com o manuseio das hortaliças” (BANDEIRA, 2002, p. vi)

D’Ambrósio (1990), ressalta que o Programa Etnomatemática pode ser uma alternativa de se trabalhar conceitos matemáticos aproximando-os de situações cotidianas, ou que dizem respeito às experiências de um grupo quanto à resolução de problemas. Foi o que percebeu o pesquisador Bandeira em seu estudo, ele reparou que para facilitar o trabalho no dia a dia, os agricultores contavam e separavam as hortaliças de 5 em 5, pois facilitava a venda dos produtos no Ceasa.

Ele relata que, quando iam comercializar as hortaliças, os compradores do Ceasa compravam em lotes de cinco, então, para simplificar a contagem, já separavam esses alimentos em grupos de cinco na hora da colheita.

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Já Getúlio Silva (2012), discutiu em sua dissertação estratégias matemáticas utilizadas por trabalhadores rurais, de um assentamento localizado em Santa Inês, na Bahia. Usou como base a pesquisa etnográfica e esteve com a comunidade por um período de seis meses. Durante esse período, Silva verificou que na comunidade existem medidas utilizadas pelos sujeitos que não pertencem ao sistema métrico decimal, na qual chamou de ”medidas de sobrevivência”, tais como, palmos passos e tarefas, utilizadas nas lavouras de mandioca, abacaxi e maracujá. Também observou procedimentos de cálculo que seguem o algoritmo ensinado na escola, embora os agricultores afirmem nunca ter ido à escola. Alguns de seus pesquisados relatam que aprenderam a fazer conta na prática, no ideal da vida, como eles mesmos relatam: “as contas? Assim, [...] o ideal da vida mesmo! O ideal da vida. No ideal da vida a gente aprende tudo, né.” (SILVA, 2012, p. 124). Destacamos o comentário de Mendes & Lucena (2013) em relação à educação matemática.

Quando se trata das matemáticas, tida como um fenômeno internacional cultural, acreditamos que não existe nenhuma razão pela qual a educação matemática deva ser igual em todas as sociedades, mesmo sabendo que, em nível sociocultural as matemáticas são mediatizadas por diversas instituições da sociedade e que, por sua vez, estas estão submetidas a forças políticas e ideológicas de cada sociedade. (MENDES E LUCENA, 2013, p. 30)

Alexandrina Monteiro, (1998) em sua tese, cujos sujeitos eram trabalhadores rurais de assentamentos, levanta a discussão de saberes e tomada de decisões de uma conversa entre os pesquisados na preparação de adubo para plantas. Quando pergunta a um de seus pesquisados como efetuou uma conta de multiplicação, o mesmo responde imediatamente: “na prática”. Em outro momento a autora cita o uso de aproximações no preparo da mistura de adubo com terra para serem armazenadas em copinhos. Para encher 6000 copinhos de terra com adubo e agricultor diz que: “pra 6000 copinho vai ter mais ou menos 2000kg de terra, um

saco e meio de 4/14/8 (tipo de adubo)” (MONTEIRO, 1998, p. 103).

Em seus resultados, a autora constata que medidas exatas não são tão consideradas para o tipo de trabalho daquela comunidade, e o uso de aproximações é bem aceito. Tal fato pode ser observado nesse trecho de sua tese: “assim, em sua prática diária eles trabalham estimando medidas, despreocupados com trabalhos rigorosos: o mais ou menos é o suficiente (MONTEIRO, 1998, p. 104).

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Andreia Strapasson (2012) investigou a relação da linguagem matemática de um grupo de alunos do oitavo ano do ensino fundamental de uma escola no interior gaúcho, com a linguagem da cultura camponesa, presente na comunidade desses alunos. Como integrantes da comunidade, a pesquisadora convidou os pais dos alunos, que foram entrevistados e responderam junto de seus filhos a algumas questões envolvendo cálculo de áreas, porcentagens e quantidades aproximadas de mudas para a plantação de fumo. Para isso, utilizou como percurso metodológico a pesquisa qualitativa com técnicas oriundas da etnografia, baseando-se no diário de campo da professora, que é a própria pesquisadora. Os resultados desta prática investigativa indicam que os alunos se expressam por meio de regras próprias da cultura camponesa, quando resolvem questões vinculadas à sua forma de vida. Entretanto, ao resolverem as mesmas questões no ambiente escolar, valem-se das regras usualmente utilizadas na matemática escolar.

Ubiratan D’Ambrosio, em seu livro, Da realidade à ação (1986), cita como exemplo uma pessoa que domine números, operações formas e noções geométricas, quando se depara com uma abordagem completamente nova e formal dos mesmos fatos e necessidades, desenvolvem um bloqueio psicológico, criando uma barreira entre os diferentes modos de pensamento numérico e geométrico. Este autor ainda nos lembra que, para se trabalhar a Etnomatemática como uma ação pedagógica, é essencial “[...] libertar-se do padrão e procurar entender, dentro do contexto cultural do aluno, seus processos de pensamento e seus modos de explicar, de entender e de se desempenhar na sua realidade” (D’AMBROSIO, 2012, p. 11).

Os resultados dessas pesquisas apontam alguns aspectos em comum, que vêm de encontro com nossa pesquisa. Para esses autores, valorizar os saberes locais e o conhecimento matemático envolvidos em suas práticas, reconhecer sua realidade vivida e os problemas do seu dia a dia, auxiliam nas relações entre as concepções da etnomatemática e da vida no campo, colocando os saberes matemáticos e as práticas sociais como elo dessa relação.

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3 O PERCURSO DA PESQUISA

Neste capítulo vamos apresentar os caminhos metodológicos da pesquisa de campo, o porquê da escolha do tipo de pesquisa, vamos descrever o campo de investigação, o perfil dos sujeitos, como fizemos para conseguir responder a pergunta central que despertou nossas inquietações e mostrar como foi o contexto desse estudo. Vamos explicitar os motivos que nos levaram a escolha da região e suas características.

3.1 Procedimentos Metodológicos

Esta pesquisa está baseada nos pressupostos da pesquisa qualitativa com características etnográficas, visto que será desenvolvida na propriedade de dois agricultores. Para D’Ambrosio (1996), a pesquisa qualitativa é muitas vezes considerada como etnográfica, pois a investigação é focalizada no indivíduo, enfatizando o ambiente sociocultural.

A escolha por esse caminho metodológico deu-se em função da necessidade de aprofundar o conhecimento das atividades matemáticas inseridas no campo e lançar um olhar sobre os costumes e a cultura desses produtores. Em busca de respostas para a compreensão desses saberes, buscamos inspirações nas características da perspectiva etnográfica apontadas por Ferreira (1997), Campos (2002), Geertz (1989).

Ferreira (1997) afirma que o envolvimento do pesquisador com a comunidade a ser pesquisada “deve ser o mais completo possível, onde a comunidade escolhida deve ser o local onde o etnógrafo passa a maior parte do seu tempo de pesquisa” (FERREIRA, 1997, p.30).

Em sintonia com o pensamento de Ferreira, Rosana Guber (2005, p.128), esclarece que, “la estadía prolongada permite no sólo ser testigo sino también visualizar cómo se articulan diversas actividades en un contexto, cómo se reiteran pautas en distintos momentos y frecuencias”.

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A necessidade de pensar sobre o homem do campo, a sua identidade e também a valorização do seu conhecimento, nos levou a refletir sobre como nos aproximar do pesquisado de maneira a conseguir compreender seu modo de viver.

Fantinato (2004) reflete sobre essa aproximação,

Como retratar o ponto de vista de outro grupo social se não há um convívio intenso com esse grupo no seu contexto de vida? Como tentar se aproximar desse universo estranho sem efetuar um mergulho físico e emocional nesse novo ambiente? (FANTINATO, 2004, p. 44).

No perfil da pesquisa etnográfica, é interessante que o etnógrafo reflita sobre a sua maneira de investigar o sujeito no campo de pesquisa, procurar ter um diálogo com alteridade, deixar de lado suas opiniões formadas e tradições e estar aberto a conhecer e registrar todas as impressões que tiver, ao chegar na comunidade pesquisada.

Márcio Campos (2002) faz algumas recomendações ao etnógrafo,

Uma das recomendações básicas para o etnógrafo no trabalho de campo é compreender o ‘outro’ numa relação constante de transformações cíclicas ‘do estranho em familiar’ e do ‘familiar em estranho’. Para isso – ao menos no que o consciente permite – é necessário que durante os momentos de estranhamento nas leituras do mundo do ‘outro’, esforcemo-nos ao máximo em eliminar nossas bagagens disciplinares e pré-conceitos. (CAMPOS, 2002, p. 47)

Percebemos que etnografia e a etnomatemática estabelecem um diálogo, quando se trata da leitura de um novo ambiente, a identidade de um grupo, ao descrever detalhadamente as pluralidades encontradas, onde a ideia é repassar em

palavras as imagens observadas, a realidade vivida, os encantos, as diferentes

maneiras de viver e as estranhezas do ponto de vista do observador.

No texto de Ferreira (1997) pode-se destacar que o principal objetivo deve ser deixar que os fatos falem por si mesmos, e que devem ser imediatamente anotados, antes que o estranho se torne familiar e deixe de ser percebido pelo pesquisador em campo.

Para o pesquisador é muitos difícil “livrar-se” dos vícios construídos em seu território, o que muitas vezes pode prejudicar a investigação dificultando a proximidade entre pesquisador e pesquisado. Conquistar a confiança do pesquisado, deixá-lo à vontade é primordial para não haver perdas no contexto do entrevistado, pois o conhecimento do pesquisador/entrevistador “nunca deve

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aparecer, porque o que interessa é o conhecimento do outro” (FERREIRA, 1997, 38).

Os estudos de Geertz (1989) apontam que fazer etnografia é observar e interpretar culturas, o que requer observação prolongada do que não está explícito na vida social como crenças, sentimentos, e costumes locais (GEERTZ, 1989).

É talvez nesse sentido que a pesquisa etnográfica mais se aproxima do pensamento etnomatemático, pois possibilita a compreensão de um determinado grupo, sob o ponto de vista dos que estão inseridos nesse grupo, sua multiplicidade e em particular sobre os sujeitos dessa pesquisa, famílias que vivem no campo. Além de proporcionar uma convivência cotidiana com esses agricultores, as ferramentas que são utilizadas para efetuar tarefas diárias.

Os procedimentos metodológicos desta pesquisa incluem: realização de entrevistas com produtores rurais que construíram hortas circulares, diário de campo, fotografias, filmagens e a observação participante. André (2008) nos esclarece que,

A observação é chamada de participante porque se admite que o pesquisador tem sempre um grau de interação com a situação estudada, afetando-a e sendo por ela afetado. Isso implica uma atitude de constante vigilância, por parte do pesquisador, para não impor seus pontos de visa, crenças e preconceitos. Antes, vai exigir um esforço deliberado para colocar-se no lugar do outro, e tentar ver e sentir, segundo a ótica, as categorias de pensamento e a lógica do outro. A observação participante e as entrevistas aprofundadas são, assim, os meios mais eficazes para que o pesquisador se aproxime dos sistemas de representação, classificação e organização do universo estudado (ANDRÉ, 2008, p. 26).

Na elaboração da entrevista semiestruturada, procuramos trabalhar com o diálogo e com perguntas abertas, ou seja, “[...] aquelas em que o entrevistado responde com suas próprias palavras” (CHIZZOTTI, 1995, p.55).

Buscamos o contato direto com os sujeitos, onde os diálogos e a observação foram essenciais na compreensão do outro. Tais procedimentos envolvem elementos da pesquisa etnográfica, tendo em vista a busca por uma descrição densa dos assuntos relacionados na investigação (Geertz, 2008).

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3.2 Os Sujeitos e o Local da pesquisa

Os sujeitos que fazem parte desse estudo são duas famílias de produtores rurais que cultivam em suas propriedades hortas circulares. Essas propriedades estão localizadas na cidade de Alegre, que fica ao Sul do estado do Espírito Santo. Vale destacar que os pesquisados residem em distritos diferentes. Adiante vamos descrever um pouco as características do local de nossa pesquisa.

3.2.1 O contexto da pesquisa

A cidade de Alegre/ES

A cidade de Alegre fica localizada no Sul do Espírito Santo, possui sete distritos e atualmente uma população de aproximadamente 32.205 habitantes, distribuídos numa uma área total de 772,000 km2 (Censo IBGE, 2015). Por fazer parte de um dos onze municípios da Região do Caparaó, é bastante visitada por turistas, tendo como destaque o Parque Estadual da Cachoeira da Fumaça.

Apesar de pequena, a cidade vem se tornando cada vez mais um centro qualificado de ensino, pesquisa e extensão do Estado, pois possui duas instituições federais, a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e um Instituto Federal do Espírito Santo (IFES), atraindo estudantes de todo o Estado1.

Nos últimos anos, a cidade de Alegre/ES vem desenvolvendo um trabalho de organização social junto à agricultura familiar do município. As atividades que são desenvolvidas por produtores rurais são diversas, tais como plantações de banana, goiaba, mandioca, café, arroz, açaí, verduras e também produtos transformados como geleias, queijo, manteiga e pães. A fim de incentivar a agricultura familiar, duas vezes na semana acontece uma feira agrícola, onde produtores rurais da região podem comercializar seus produtos (INCAPER, 2013).

Uma característica marcante de Alegre/ES é o fato do campo e da cidade se misturarem. Apesar de ter como referência boas instituições de ensino e receber muitos alunos da capital, moradores do campo se fazem presentes o tempo todo.

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Para a realização da pesquisa visitamos duas propriedades no município de Alegre/ES. A cidade possui propriedades rurais que dispõem de hortas cuja característica é circular e seis assentamentos em comunidades rurais, das quais dois deles possuem a horta circular (INCAPER, 2013). Esses locais possibilitarão o desenvolvimento do nosso estudo, onde poderemos conhecer mais de perto a cultura do campo e os saberes matemáticos existentes em suas práticas.

A horta circular

Antes de descrevermos a pesquisa, consideramos interessante falar um pouco de como surgiu o modelo de horta que nos chamou atenção. Quem foram seus idealizadores e como surgiu a ideia de fazer uma horta circular, distinta do modelo tradicional, que em geral é retangular.

Como surgiu a horta com o formato circular?

A horta na qual vamos pesquisar trata-se de um projeto social idealizado pelo Engenheiro Agrônomo Aly N´diaye. Formado pela Universidade Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ, o agrônomo de origem Senegalesa, criou raízes no Brasil e foi morar em Brejal, município de Petrópolis/RJ. Juntou-se a um grupo de pequenos produtores rurais que optaram por fazer uma agricultura sustentável, ou seja, sem uso de produtos tóxicos e com a preocupação de preservar o meio ambiente (FBB, 2014).

No local, viviam aproximadamente trinta famílias, que já estavam envolvidas com agricultura orgânica. Convivendo com essas famílias, o engenheiro percebeu que eles gastavam muito tempo para cuidar da propriedade, pois a horta era de um lado, o galinheiro do outro e o gado ficava em outro lugar, distante. Era tudo separado. Esses fatores levaram Aly N’diaye a pensar numa maneira de aproximar tudo isso, visando dentre outros objetivos, maximizar o aproveitamento do terreno e

minimizar o tempo gasto de trabalho. (Revista SEBRAE Agronegócios – nº 7

dezembro de 2007).

Como foi o percurso de caracterização da horta?

O agrônomo que idealizou esse tipo de horta relata que até chegar a esse formato foram pesquisados vários projetos. Um dos sistemas que serviu de

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influência para a construção da horta foi o Projeto Mandalla, ilustrado na figura 1. (N’DIAYE, 2007, p. 29)

Figura 1: Horta Mandalla

Fonte:http://maonaterra.blogspot.com.br/2008/07/horta-mandala.html. Acesso em 17/maio/2016.

O termo mandalla é de origem indiana e representa um desenho composto de figuras geométricas concêntricas, motivo pelo qual inspirou o nome da horta. O Projeto Mandalla surgiu na Paraíba, nordeste do Brasil, região de muita seca, o que dificulta a permanência de plantações fora da época de chuvas. Pensando em melhorar a qualidade de vida de pequenos agricultores, o administrador de empresas Willy Pessoa Rodrigues, criou o projeto no ano de 2003. Segundo Willy, “a base filosófica da Mandalla é que a família rural produza sua própria alimentação com qualidade, produtividade, responsabilidade social e exercício da cidadania2.”

Em entrevista ao programa da Rede Globo, Globo Rural, exibido em outubro de 2006, o administrador explica que,

A horta Mandalla é uma reprodução do nosso sistema solar, onde os planetas giram ao redor do sol. Na horta funciona assim: no centro representando o sol, fica um reservatório de água, ao redor dele círculos concêntricos, onde as estruturas internas são chamadas de anéis em que são produzidas as culturas.(Entrevista, Globo Rural, em 31/10/2006) O Projeto concebe a criação de animais de pequeno porte, além de legumes, tubérculos, cereais, frutas, hortaliças, plantas ornamentais e medicinais. A sua lógica

2

PROJETO MANDALLA. Disponível em: https://www.epochtimes.com.br/sistema-mandalla-projeto-auto-sustentavel-promissor-para-brasil/. Acesso em 23/04/2016).

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é interessante pelo fato de se poder cultivar numa área bem pequena e com poucos recursos. O tanque de água localizada no centro favorece a criação de peixes e também de patos e/ou marrecos, onde as fezes desses animais servem também de alimento para os peixes e, a partir desse centro é bombeada a água para a irrigação dos canteiros3.

Vale destacar que os principais lemas da horta Mandalla são: usar o mínimo de energia, para a máxima produção; promover o envolvimento de toda a comunidade; não se perder nada tudo se aproveitar; e trabalhar com a natureza e não contra ela.

Buscando inspiração para desenvolver seu projeto, o Engenheiro Agrônomo Aly N´diaye ressalta que “queria pensar um desenho que permitisse a máxima reciclagem de nutrientes dentro do sistema como um todo”. (Revista SEBRAE Agronegócios – nº 7, p.28). Enfatiza ter estudado alternativas que integrassem cultivos agrícolas e criações visando à reciclagem de nutrientes, por isso a semelhança com o Projeto Mandalla. Por outro lado, destaca algumas diferenças em seu projeto, como por exemplo, a construção do galinheiro no centro, um quintal com árvores frutíferas e nativas e o sistema de irrigação por gotejamento, que traz uma economia significativa de água, se comparado ao sistema mais tradicional utilizado na agricultura, que é na forma de aspersão, causando muito desperdício.

O principal objetivo desse projeto é a segurança alimentar, pelo fato de não se fazer o uso de agrotóxicos nas culturas e buscar-se a melhoria das condições de vida dos pequenos produtores rurais, pois a família passa a se alimentar melhor e a vender o que sobra em feiras locais, podendo com isso até ampliar o plantio e aumentar o rendimento familiar. A figura 2 ilustra o projeto, que teve o apoio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) e da Fundação Banco do Brasil (FETAES, 2010).

3

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Figura 2: Horta PAIS

Fonte: http://www.fetaes.org.br/main.asp?link=indep&id=37. Acesso em 18/maio/2016.

O que é o PAIS?

O PAIS é um projeto de horta, cuja sigla significa, Produção Agroecológica Integrada Sustentável (PAIS). Tal projeto, a partir de 2005, teve apoio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), da Fundação Banco do Brasil (FBB) e está amparado pelo Ministério da Integração Nacional (FBB, 2014, apud SANTOS, 2014).

O SEBRAE percebe a horta PAIS como uma tecnologia social, pois considera “uma alternativa de trabalho e renda para a agricultura familiar, que pode ser usada por todo produtor rural que queira melhorar a qualidade da produção. Isso porque possibilita o cultivo de alimentos mais saudáveis. Tanto para o consumo próprio quanto para a comercialização” (SEBRAE, 2008, p. 6).

A sigla PAIS contempla os ideais do projeto;

É agroecológica4 porque dispensa o uso de ações danosas ao meio ambiente, como o emprego de agrotóxicos (adubo e veneno), queimadas e desmatamentos; É integrada porque alia a criação de animais com a

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produção vegetal e ainda utiliza insumos da propriedade em todo o processo produtivo; É sustentável porque preserva a qualidade do solo e das fontes de água, incentiva o associativismo dos produtores e aponta novos canais de comercialização dos produtos, permitindo boas colheitas agora e no futuro (SEBRAE, 2008, p.6).

As primeiras unidades PAIS contemplavam apenas o processo produtivo de uma horta com três anéis de cultivo, com pequeno excedente de produção, focado na inclusão social da família atendida e no autoconsumo de alimentos saudáveis. Com o apoio do SEBRAE e da FBB, o projeto vem expandindo o número de anéis de cultivo, visando à comercialização, e também está sendo aplicado em vários pontos do país.

O público que pode ser contemplado foi estabelecido por intermédio do Edital Nº 11/2008, e são os seguintes: agricultores de baixa renda; assentados em projetos de reforma agrária; produtores de áreas remanescentes de quilombo; e participantes de programas sociais do governo federal. No entanto a Cartilha PAIS anuncia que “agricultores selecionados para aplicar a Tecnologia Social PAIS em suas propriedades precisam fazer um curso de capacitação de quatro dias” (SEBRAE, 2008, p. 7). O curso é dividido em dois módulos, onde são necessários três dias para as aulas práticas e um dia para as aulas teóricas.

Três anos após a criação do projeto, em 2008, havia 1.080 famílias participando da implantação da Tecnologia Social PAIS, e estavam distribuídas em 36 municípios de 12 estados (SEBRAE 2008). Já em 2015, este número era bem maior, 12 mil unidades. Esta ampliação foi possível graças ao convênio da Fundação Banco do Brasil (FBB) com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O investimento nos últimos dez anos foi de R$ 136 milhões de reais, “as famílias recebem assistência técnica, um kit com sementes, sistema de irrigação e outros materiais para a produção orgânica” (FBB, 2016). A boa notícia é que, a FBB assinou um novo convênio, no final de 2015, para implantar mais 550 unidades da horta PAIS, em quatro municípios: Belo Horizonte – MG, Catalão – GO, Eldorado – SP e Erechim – RS. Por meio da agricultura sustentável, os projetos pretendem gerar trabalho, renda e melhorar a alimentação de cerca de 550 famílias camponesas atingidas por barragens (FBB, 2016).

Referências

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