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7 ª edição revista e atualizada

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Academic year: 2021

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2021

7

ª edição

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UM OLHAR NO TEMPO

Sumário: 3.1. No passado – 3.2. Um novo tempo – 3.3. Sem

mais tempo.

3.1. NO PASSADO

Desde que o mundo é mundo humano, a mulher sempre foi dis-criminada, desprezada, humilhada, coisificada, objetivizada, moneta-rizada.1 Ainda assim, a violência de que as mulheres são vítimas no

reduto doméstico, nunca mereceu a devida atenção da sociedade. A ideia sacralizada da família e a inviolabilidade do domicílio sempre serviram de justificativa para barrar qualquer tentativa de coibir o que acontecia entre quatro paredes. Como eram situações que ocorriam no interior do “lar, doce lar”, ninguém interferia. Afinal, “em briga de marido e mulher, ninguém bota a colher!”.

A Constituição da República de modo enfático consagra o princí-pio da igualdade, e explicitamente ressalta a igualdade entre homens e mulheres (CR, art. 5.º, I), inclusive no âmbito das relações familiares (CR, art. 226, § 5.º). Do mesmo modo, impõe ao Estado o dever de assegurar assistência à família e criar mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações (CR, art. 226, § 8.º). No entanto, ao prever o julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo de maneira sumária por juizados especiais, mediante procedimento oral e sumaríssimo, admi-tindo a transação penal e a aplicação de medidas despenalizadoras (CR, art. 98, I), olvidou-se de excluir a violência doméstica.

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A LEI MARIA DA PENHA NA JUSTIÇA • Maria Berenice Dias

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Também não fez qualquer ressalva a Lei 9.099/95 – Lei dos Juizados

Especiais, editada para dar efetividade ao comando constitucional.

Con-clusão: a violência doméstica entrou na vala dos delitos menores, em que há a possibilidade de a pena ser aplicada mesmo antes do oferecimento da denúncia, sem discussão da culpabilidade. No conceito de delito de

menor lesividade, não se comporta a violência sofrida pela mulher no

ambiente doméstico. São assim considerados os crimes cuja pena prevista é de até dois anos (Lei 9.099/95, art. 61). Ora, a grande maioria dos de-litos cometidos contra mulheres – lesão corporal leve, ameaça, injúria e calúnia – se enquadra nesta categoria. Assim, os crimes contra a integri-dade física e psicológica, bem como contra a digniintegri-dade feminina, eram encaminhados para os Juizados Especiais Criminais – JECRIMs. O preço foi caro para as mulheres, pois significou grave retrocesso no combate à violência doméstica.2 Em sede de agressão doméstica, a aplicação da Lei

dos Juizados Especiais é desastrosa.

Na ânsia de agilizar, esqueceu o legislador que não é possível con-dicionar a ação penal à iniciativa da vítima quando existe uma relação

hierarquizada de poder entre agressor e agredido. Não há como exigir

que o mais vulnerável formalize queixa contra o seu agressor. Esse dese-quilíbrio ocorre no âmbito das relações familiares, já que, em sua maciça maioria, a violência é perpetrada por maridos, companheiros ou pais, contra mulheres, crianças e idosos. É secular a discriminação que coloca a mulher em posição de inferioridade e subordinação frente ao homem.3

A desproporção, quer física, quer de valoração social, que ainda existe entre os gêneros masculino e feminino não pode ser desconsiderada. Deste modo, nas relações familiares, a violação da integridade física e psicológica da mulher nunca poderia ser classificada como de pequeno potencial ofensivo. A submissão que lhe é imposta e o sentimento de menos valia a deixam cheia de medo e vergonha. Aliás, este é o motivo de não denunciar a primeira agressão.

Ainda que o Código Penal reconheça como circunstância agravante as agressões praticadas contra pais, filhos, irmãos ou cônjuges, crianças,

2. Maria Celina Bodin de Moraes, Vulnerabilidades nas relações de família, 318. 3. Janice Martignago e Zelei Crispim da Rosa, A violência contra a mulher no âmbito

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Cap. 3 • Um olhar no tempo 31

maiores de 60 anos, enfermos e mulheres grávidas (CP, art. 61, II, e e h), tal não abarca a complexidade da violência doméstica em seus diversos aspectos e tipos de relações interpessoais.4

O propósito de celeridade pretendido pela Lei 9.099/95 era comple-tamente frustrado em sede de violência doméstica. A autoridade policial limitava-se a lavrar termo circunstanciado e encaminhá-lo ao Juizado Especial Criminal.

Deste modo, é injustificável a falta de percepção do legislador de que a violência intrafamiliar merecia um tratamento diferenciado. É evidente o descaso ao se exigir a representação no delito de lesões corporais, sem ressalvar a violência contra a mulher, sabidamente a prática delitiva que mais ocorre no ambiente doméstico. A vítima, ao fazer a queixa, nem sempre quer separar-se do agressor. Também não quer que ele seja preso. Somente deseja que a agressão cesse. Ela vai à polícia em busca de um aliado, pois todas as tentativas que fez não lograram êxito. A mulher, quando procura socorro, já está cansada de apanhar e se vê impotente.

De todo inadequado o tratamento dispensado à mulher que se dirigia à delegacia de polícia na busca de socorro. Ouvida no balcão, na presença de quem lá estivesse, muitas vezes acabava sendo ridicularizada e até ques-tionada sobre o que ela tinha feito para dar ensejo à reação do agressor. Ou seja, a vítima era culpabilizada pela violência; era revitimizada.

Para atender esta realidade é que foram criadas as Delegacias da

Mulher. A primeira foi implantada em São Paulo, no ano de 1985. Esses

espaços desempenham importante papel, pois o atendimento especiali-zado, feito quase sempre por mulheres, estimula as vítimas a denunciar os maus tratos sofridos, muitas vezes, ao longo de anos.

Mas a Lei dos Juizados Especiais esvaziou as Delegacias da Mulher, que passaram tão só a lavrar termos circunstanciados e encaminhá-los a juízo. Antes, o fato de os agressores serem chamados perante a autoridade policial tinha função intimidatória de caráter pedagógico.

O efeito negativo refletiu-se também no âmbito dos Juizados Es-peciais. A audiência preliminar, em média, era designada para meses

4. Iáris Ramalho Cortês e Myllena Calasans de Matos, Lei Maria da Penha: do papel para a vida.

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depois, período durante o qual o agressor ou ameaçava ou cortejava a vítima para ela “retirar a queixa”. Na audiência, a conciliação, mais do que proposta, era imposta pelo juiz, ensejando simples composição de danos. Não obtido acordo, a vítima tinha o direito de representar. No entanto, esta manifestação era feita na presença do agressor, o que constrangia a vítima. Assim ocorria o arquivamento de 70% dos processos. Mesmo quando feita a representação, o Ministério Público podia, sem a parti-cipação da ofendida, transacionar com o pagamento de cestas básicas. Aceita a proposta, o crime desaparecia: não ensejava reincidência, não constava da certidão de antecedentes e nem tinha efeitos civis.

De um modo geral, ao agressor era aplicada multa ou pena restritiva de direitos, como o pagamento de uma cesta básica. Portanto, era barato bater na mulher. Quem acabava prejudicada era a própria vítima. Como não era ela a beneficiária das cestas básicas, o seu valor reduzia a capaci-dade econômica do agressor, o que vinha em prejuízo dos filhos do casal. Até o advento da Lei Maria da Penha, os avanços legais foram tímidos.

A Lei 10.455/2002 deu nova redação ao parágrafo único do art. 69 da Lei 9.099/1995, criando medida cautelar, de natureza penal, ao admitir a possibilidade de o juiz decretar o afastamento do agressor do lar conjugal na hipótese de violência doméstica.

Já a Lei 10.886/2004, acrescentou um subtipo à lesão corporal leve, decorrente de violência doméstica, aumentando a pena mínima de três para seis meses de detenção (CP, art. 129, § 9.º). Foi a Lei Maria da Penha que alterou a pena para três meses a três anos de detenção.

No entanto, nenhuma das mudanças empolgou! A violência do-méstica continuou acumulando estatísticas funestas. Isso porque o pro-cedimento continuava a tramitar no Juizado Especial Criminal, sujeito à aplicação dos institutos despenalizadores da Lei 9.099/1995.5 As

alte-rações legislativas foram praticamente inócuas. Como crime de menor potencial ofensivo, ficava dispensado o flagrante se o autor se comprome-tesse a comparecer em juízo. Além disso, era possível a transação penal,

5. Marcelo Lessa Bastos, Violência doméstica e familiar contra a mulher – Lei “Maria da Penha”: alguns comentários, 1.

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Cap. 3 • Um olhar no tempo 33

a concessão de sursis processual (Lei 9.099/95, art. 89), a aplicação das penas restritivas de direitos, e, se a lesão fosse leve, a ação dependia de representação da vítima (Lei 9.099/1995, art. 88).6

Ainda que, com a criação das Delegacias da Mulher e dos Juizados Especiais, tenha havido aumento expressivo no número de registros po-liciais de lesões corporais e ameaças, 70% dos casos julgados envolviam violência cometida pelo homem contra a mulher, o que demonstrava a banalização da violência doméstica, não havendo solução satisfatória para o conflito.7

Apesar de expressivos os números da violência intrafamiliar domés-tica, não se encontrava explicação para o baixo índice de condenações. A justificativa sempre foi a preservação da família. As absolvições, sistema-ticamente levadas a efeito para garantir a harmonia familiar, acabavam tendo efeito contrário: consagravam a impunidade e condenavam a violência doméstica à invisibilidade.

Os alarmantes níveis de violência começaram a assustar e desper-taram a atenção. Tudo isso, é claro, não chegou ao fim com a Lei Maria da Penha. No entanto, sua enorme repercussão tem construído uma nova cultura: de que a mulher não pode ser considerada propriedade do homem; que ele não tem o direito de dispor do seu corpo, da sua saúde e até da sua vida.

3.2. UM NOVO TEMPO

Em 22 de setembro de 2006, entrou em vigor a Lei 11.340, de 07.08.2006, que se popularizou pelo nome de Maria da Penha. É conside-rada pelo Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher, uma das três melhores leis do mundo. As mulheres veem a Lei Maria da Penha como um verdadeiro instrumento de cidadania, que surgiu no ordenamento jurídico-constitucional como uma dádiva.8

6. Damásio de Jesus, Violência doméstica: novos tipos penais criados pela Lei 10.886, de 17 de junho de 2004.

7. Elisa Girotti Celmer e Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, Violência de gênero, produ-ção legislativa e discurso punitivo: uma análise da Lei 11.340/06, 15.

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TRATADOS INTERNACIONAIS

Sumário: 4.1. Compromissos internacionais: 4.1.1. Convenção

sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW); 4.1.2. Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher – 4.2. A força dos tratados.

4.1. COMPROMISSOS INTERNACIONAIS

Proclama a Constituição da República (art. 226): A família, base da

so-ciedade, tem especial proteção do Estado. E promete (art. 226, § 8.º): O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

A Lei Maria da Penha veio atender esse compromisso constitucional. No entanto, chama a atenção o fato de, na sua ementa, fazer menção não só à norma constitucional, mas também à Convenção sobre a Eli-minação de Todas as Formas de DiscriEli-minação contra as Mulheres e à Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.

Esse tipo de referência é pouco usual, mas lá está porque a Lei Maria da Penha foi editada para atender às diversas recomendações da Comis-são Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, ao Estado Brasileiro, responsabilizando-o por negligência,

omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres brasileiras.

Basta ver os sucessivos eventos realizados em âmbito internacional voltados à tutela dos direitos da população feminina, e que marcam importantes avanços.

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4.1.1. Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW)

A ONU traz garantias de proteção à mulher mediante acordos in-ternacionais. Foi realizada no México a I Conferência Mundial sobre

a Mulher, proclamando o ano de 1975 como o Ano Internacional da Mulher e de 1975 a 1985 a Década das Nações Unidas para a Mulher.

Da Conferência resultou a CEDAW – Convention on the Elimination of

all forms of Discrimination Against Women. Em português, Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres,1 ou simplesmente Convenção da Mulher. O documento foi

adotado pela Assembleia Geral da ONU, em 18 de dezembro de 1979, entrando em vigor em 03 de setembro de 1981.

A Convenção se fundamenta em dois princípios, na eliminação da discriminação e promoção da igualdade de gênero. Embora não trate diretamente o tema da violência contra a mulher, o documento reconhe-ce que as Mulheres sofrem abusos (crimes sexuais) e outras formas de violência que precisam ser combatidas.2 Prevê a possibilidade de ações afirmativas abarcando áreas como trabalho, saúde, educação, direitos

civis e políticos, estereótipos sexuais, prostituição e família. Esse foi o primeiro instrumento internacional que dispôs amplamente sobre os direitos humanos da mulher. Tem dois propósitos: promover os direitos da mulher na busca da igualdade de gênero e reprimir quaisquer discri-minações contra ela.3

Embora a Convenção não aborde especificamente a violência de gênero, em seu preâmbulo, reconhece que para alcançar a plena igualdade entre homens e mulheres é necessário modificar os papéis tradicionais atribuídos tanto na família como na sociedade. Esses papéis são marcados por estereótipos que prescrevem o que devem fazer e como devem se comportar nos diferentes espaços sociais. reconheceu sua ligação com a discriminação e com questões mais amplas de desigualdade de gênero. É o primeiro documento internacional a reconhecer as ligações entre os

1. Texto no Anexo 2.

2. Denis Castro, Violência contra a mulher e os instrumentos internacionais..., 11. 3. Silvia Pimentel, O monitoramento do Comitê CEDAW e a violência contra a mulher, 58.

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Cap. 4 • Tratados internacionais 45

estereótipos de gênero e os papéis estereotipados de homens e mulheres e a desigualdade de gênero que produz a discriminação. E apresenta al-gumas recomendações, dentre elas a de que os Estados devem estabelecer legislação especial sobre violência doméstica e familiar contra a mulher. 4

Essa Convenção serve de parâmetro mínimo às ações estatais para promover os direitos humanos das mulheres. Os Estados têm o dever de eliminar a discriminação contra a mulher por meio da adoção de medidas legais, políticas e programáticas.5

Em 1980, aconteceu em Copenhague, Dinamarca, a II Conferência

Mundial sobre a Mulher, que avaliou o Plano elaborado pela primeira

conferência e incorporou outras preocupações, como a questão do em-prego, saúde e educação das mulheres.

A III Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em Nairóbi, no Quênia, no ano de 1985, teve por objetivo avaliar os resultados da Década das Nações Unidas para a Mulher.

Mas foi a Conferência de Direitos Humanos das Nações Unidas, realizada em Viena, Áustria, no ano de 1993, que definiu formalmente a violência contra a mulher como violação aos direitos humanos.

4.1.2. Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher

A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar

a Violência Doméstica – conhecida como Convenção de Belém do Pará6 – foi adotada pela Assembleia Geral da Organização dos Estados

Americanos – OEA, em 1994. O documento conceitua a violência contra a mulher como (art. 1.º): qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que

cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada. Esta definição ampliou

o campo de proteção às mulheres vítimas de violência, estendendo do ambiente público até o domínio privado.7

4. Leila Linhares Barsted, Lei e realidade social: igualdade x desigualdade, 44. 5. Silvia Pimentel, O monitoramento do Comitê CEDAW e a violência contra a mulher, 59. 6. Íntegra no Anexo 2.

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Neste documento a violência contra a mulher é tratada como grave problema de saúde pública. A Convenção foi ratificada pelo Brasil, em 27 de novembro de 1995, aprovada pelo Congresso Nacional (Decreto Legislativo 107/95) e promulgada pelo Presidente da República no ano seguinte (Decreto 1.973/96).

Embora a Declaração, como instrumento jurídico internacional, não tenha força vinculante no sentido de impor obrigações aos Estados, estes, pelo fato de estarem inseridos no sistema internacional de proteção aos direitos humanos, como é o caso do Brasil, tem a o dever de cumprir o que foi acordado e aprovado pela ONU.8 A Declaração e Plataforma de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvi-mento, foi levado a efeito no Cairo, em 1994.

Da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, que se realizou em Pequim, na China, no ano de 1995, resultou a Plataforma de Ações que afirma a necessidade de se adotar um modelo de desenvolvimento centrado nas pessoas e não nos bens.

Apesar de todos esses avanços no plano internacional, somente em 1.º de fevereiro de 1984 o Brasil subscreveu a Convenção sobre a Eliminação

de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres. Sinaliza Flávia

Piovesan que foi a partir do processo de democratização que o país revelou

a consciência ética contemporânea, compartilhada pelos Estados, na medida em que traduzem o consenso internacional acerca de parâmetros protetivos mínimos relativos aos direitos humanos: o “mínimo ético irredutível”.9

Ainda assim, foram feitas reservas na parte relativa ao Direito das Famílias. Levou 10 anos para que as reservas fossem retiradas. Em 1994 a Convenção foi ratificada em sua integralidade. Depois de aprovada pelo Congresso Nacional (Decreto Legislativo 26/94), somente em 2002 foi promulgada pelo Presidente da República (Decreto 4.377/02). Neste ano é que foi encaminhado ao comitê da convenção o primeiro relatório de ações brasileiras referente aos anos de 1985, 1989, 1993, 1997 e 2001.

Apesar disso a lei de combate à violência doméstica contra a mu-lher só chegou em 2006, cumprindo assim o Brasil os compromissos

8. Idem, 17.

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Cap. 4 • Tratados internacionais 47

assumidos internacionalmente. Apesar da demora na sua elaboração, foi assim saudada por Sílvia Pimentel: o Brasil está de parabéns, pois se trata

de instrumento legal bastante cuidadoso, detalhado e abrangente, que repre-senta o esforço de contextualização das duas paradigmáticas convenções.10

Outra não podia ser a reação. Não é fácil vencer uma violência há muito arraigada na cultura e que não conhece fronteiras de classe social, raça, cor, constituindo o mais democrático de todos os fenômenos so-ciais.11 E o que fazer para driblar essa realidade? Optou o legislador pelo

uso do Direito, com seu reconhecido poder contrafático, apostando em que, longe de ser mero consectário dos costumes de uma sociedade, o Direito pode ser um instrumento de transformação da realidade, prenhe de desigualdades e injustiças.12

4.2. A FORÇA DOS TRATADOS

Os direitos enunciados em tratados e convenções internacionais têm aplicabilidade imediata e natureza constitucional (CR, art. 5.º, §§ 1.º e 2.º). Os atos, tratados, convenções ou pactos internacionais aprovados pelo Legislativo e promulgados pelo Executivo – inclusive quando pre-veem normas sobre direitos fundamentais – ingressam no ordenamen-to jurídico como leis ordinárias, incorporando-se ao sistema jurídico

infraconstitucional.

A Constituição da República não tem regra expressa que recepcione automaticamente um tratado internacional ao direito interno. Como ad-verte Ingo Sarlet, depende de procedimento formal incorporatório, o qual resulta da interação entre ato do Poder Executivo e do Poder Legislativo, que tem a atribuição de aprovar sua celebração (CR, arts. 84, VIII e 49, I).13

O Congresso Nacional aprova os tratados e atos internacionais mediante a edição de decreto legislativo, que dispensa sanção ou pro-mulgação por parte do Executivo. Este ato, além de significar a aprovação

10. Silvia Pimentel, O monitoramento do Comitê CEDAW e a violência contra a mulher, 64. 11. Carmen Hein de Campos, Justiça consensual, violência doméstica e direitos

huma-nos, 48.

12. Pedro Rui da Fontoura Porto, Violência doméstica e familiar contra a mulher, 19. 13. Ingo Wolfgang Sarlet, A eficácia dos direitos fundamentais, 140.

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