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A IMAGEM DA SUBJETIVIDADE E AS VIRTUALIDADES HETERONÍMICAS NO PENSAMENTO DA COMUNICAÇÃO 1

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A IMAGEM DA SUBJETIVIDADE E AS VIRTUALIDADES

HETERONÍMICAS NO PENSAMENTO DA COMUNICAÇÃO

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Rodrigo Fonseca e Rodrigues2

Resumo: A proposta deste texto é sugerir uma experimentação especulativa concernente à imagem conceitual de idéias como subjetividade, experiência subjetiva e subjetivação construídas pelas correntes dominantes do pensamento da comunicação social. Partindo-se de um estudo apreensivo da gênese do pensamento que se dedica a questionar os processos de subjetivação implicados nos planos atuais da comunicação, serão aventadas as virtualidades do exercício de despersonalização criado pela heteronímia de Fernando Pessoa, e da invenção do "personagem conceitual", pensado juntamente por Gilles Deleuze e Félix Guattari. Na via destas propostas poderia se desdobrar o investimento de um ethos experimental de criação de uma micro-política afirmativa da sociabilidade pautada na despersonalização da imagem identitária do eu e da experiência subjetiva implicadas aos processos comunicacionais contemporâneos.

Palavras-Chave: Pensamento. Subjetivação. Heteronímia.

Os estudos em comunicação sabidamente se construíram, em seu processo histórico, por meio de conteúdos e métodos emprestados de ciências cujos eixos epistemológicos, uma vez circunscritos a premissas que se fiam somente nos sistemas discursivos e em regimes de significação, se imbricam para abarcar manifestações objetivadas pela representação de um "sujeito da comunicação". A respeito desta questão apontamos que há, em todos os planos sociais, muitíssimos fluxos coletivos a-subjetivos e pré-lingüísticos que ditam os nossos ritmos subjetivos: semióticos, científicos, estéticos, de opinião, de consumo, de redes de computadores etc. Tais fluxos são constantemente modulados em função de uma axiomática e as práticas coletivas de comunicação participam ostensivamente destes processos de subjetivação.

Mas seria efetivamente possível desarmar este arquétipo de modos de pensamento que embasam os estudos sobre subjetividade, experiência e comunicação? Se partirmos do

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Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho “Epistemologia da Comunicação”, do XVII Encontro da Compós, na UNIP, São Paulo, SP, em junho de 2008.

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princípio de que pensar criativamente é desfazer as relações estabelecidas entre seres e experimentar outros pontos de partida imaginativos, seria necessário problematizar diferentemente tais concepções, questionando a própria imagem conceitual do pensamento que a elas se dedica. Para além de investir apenas em discussões sobre os corpos teóricos e os pressupostos metodológicos da comunicação circunscritos por cruzamentos entre as ciências humanísticas, é necessário agenciar conceitualmente outras durações e ritmos nem sempre comunicáveis que se co-implicam tanto na experiência comunicativa como no seu pensamento. A pesquisa em comunicação precisa, portanto, contemplar frontalmente as virtualidades não manifestas que constroem os eventos afetivos da existência social, isto é, os devires que serão “atualizados” pela percepção e pelos regimes de enunciação.

Para explorar as possibilidades de se acolher uma experimentação que conceba diferentemente a imagem do sujeito no pensamento da comunicação, é preciso antes abordar o escopo de conceitos fundamentais que erigem a própria gênese imagética do pensamento. Em seu livro Diferença e Repetição, Gilles Deleuze (1988) aponta que o pensamento tem, por sua própria genética, uma imagem. Pensa-se imaginando múltiplos elementos isolados, finitos e que vão adquirindo contornos calculáveis, formas identificáveis e durações mensuráveis, articulados em sistemas. O que o nosso pensamento tradicional pressupõe como condição primeira é a imagem de um sujeito perspectivado, imobilizado por uma lógica de binarizações articuláveis, de subdivisões e de compartimentações hierárquicas entre objetos também dotados de identidade. Ora, isso significa que, quando percebemos e pensamos o mundo, quase sempre nos valemos de imagens mentais - as afecções - que possuem forma, espessura, medida, substancialidade, volume, mobilidade etc. Para Deleuze, o pensamento deveria se investir de poderes libertários para despir-se de suas imagens abstratas. Afinal, há inomináveis movimentos ínfimos dos quais se elevam eventos impensáveis à realidade meramente recognitiva do pensar. Em suma: enquanto o pensamento transcendente escreve sobre coisas, objetos, signos ou fenômenos, o pensamento a favor da imanência pretende conceber imagens que nos remetam ao problema dos fluxos intensivos, dos ritmos e afetos incomunicáveis.

Propõe-se que é preciso repensar uma outra a imagem da experiência subjetiva que trespasse transversalmente a composição dos saberes da comunicação e conceba outras forças não

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representáveis, outros ritmos perplicados aos processos de subjetivação. Por tal razão, cabe antes re-imaginar o pensamento como uma "transdução" ( que modula a natureza de uma força e lhe dá outros ritmos ) entre conceitos, imagens, memórias, regimes sígnicos e virtualidades a-sígnicas. Seria preciso, por fim, repensar o pensamento da comunicação para além dos processos semióticos,porque são os encontros com devires incomunicáveis que nos afetam e nos “forçam” a pensar diferentemente.

No que diz respeito à produção histórica da identidade subjetiva não podemos nos esquivar de questões que se reportam aos processos coletivos de subjetivação. Faz-se necessário recordar as idéias antecipatórias de David Hume, que sinalizou com perspicácia a questão do que se entende por "identidade subjetiva", em suas correspondências com a percepção, com a memória, com a sensação, com a imaginação e com as operações da consciência. Na Seção VI do Tratado sobre a Natureza Humana, Hume (2000) afirma que a identidade atribuída à subjetividade é apenas fictícia, que é um produto de certas dificuldades antes gramaticais do que filosóficas. O autor procura demonstrar, por uma via original, como as nossas noções de "identidade pessoal" decorrem, integralmente, de um progresso suave e ininterrupto dos fluxos sensoriais e da memória perceptiva. De acordo com Hume, em contrapartida ao que diz a metafísica, somos algo como um feixe ou uma coleção de diferentes percepções que se sucedem umas às outras com uma rapidez inconcebível, em perpétuo fluxo. São as memórias que dão liga à realidade e a dramatizam, mas elas nos fazem acreditar que somos um receptáculo perene pelo qual as imagens vêm e se vão.

Nos seus textos especulativos sobre a poética, Fernando Pessoa ( 1998: 439 ) nos dizia, a respeito da produção histórica da consciência, que esta se conformou em nossa cultura ocidental por obra da antiga ficção teológica cristã, cujo princípio afirma que a alma de cada um é una e indivisível. Isso implica que estamos, há séculos, confinados nos altos muros individualizados que a consciência ergueu para circunscrever a imagem essencialista de um eu. A explicação da conformação coletiva da imagem do sujeito é que como hospedeiro de uma vida "interior" e com estados sentimentais caracterizados, o eu se presta melhor às exigências da vida social. A consciência, assinala Pessoa, surge na condição de um disfarce que serve apenas para um fim: o de amortecer os obscuros movimentos da inconsciência. Ora, a personalidade de cada um de nós é composta do cruzamento social com as

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personalidades dos outros, da imersão coletiva em correntes e direções sociais, além de modos de fixação dos nossos vínculos hereditários. O poeta afirma que a solução inicial para ultrapassar esses limites só advirá quando lograrmos dissipar essa ficção grosseira de que somos personalidades indivisíveis. Para o pensamento de Pessoa, o mundo empírico, como realidade da percepção e da consciência subjetiva, também se encontraria envolvido em determinações imperceptíveis. Para mergulhar nessa realidade, Pessoa propunha um esforço de um experimentação imaginativa que se aninhasse nas distâncias imanentes entre a vida e o pensamento, entre a sensação e a consciência, entre si e os outros. ( PESSOA: 1998, 121 )

Era crucial para Fernando Pessoa, como base de toda a sua criação poética, que ele antes de tudo dissolvesse a imagem do eu, que o esvaziasse da sua falsa unidade identitária. Para tanto ele precisaria se re-imaginar como “personagem meta-consciente”, se compondo não somente por meio de percepções recognitivas, mas por sensações inventadas pelo pensamento. Por isto se conclui que o heterônimo não tem uma identidade inteiramente fixa, mas apenas um contorno, cheio de virtualidades. Porque, tal como um "personagem virtual atualizado", ele contém, em si, outros personagens virtuais: "...eu sou virtualmente múltiplo...". ( PESSOA: 2004, 61 ) Os heterônimos, diz o poeta, têm uma face sedentária, voltada para o tempo mensurado, e uma outra, nômade, que é a sua face inapreensível e inovadora. Num gesto especular de heteronomia, se acoplam um eu, como um vetor humano, e um outro, trans-humano, capaz de devires inesperados.

A intrigante concepção de Pessoa acerca da imagem da personalidade nos aponta como esta precisa ser recriada por experimentações de um exercício de despersonalização imaginativa. Esta idéia é aqui re-endereçada aos nossos questionamentos, a partir da possibilidade da ficção experimental de um heterônimo no pensamento da comunicação. A concepção de uma necessária des-subjetivação do eu pode alcançar aqui, mais do que um princípio epistemológico, a dimensão de uma micro-política, de uma ética não só do pensamento, mas de um paradigma da existência. Os heterônimos de Pessoa foram inspirar Gilles Deleuze e Félix Guattari, que criaram a imagem de um "personagem conceitual", de um heterônimo no pensamento, tal como uma presença virtual de outro pensador no pensador. Criar um personagem para pensar é, portanto, adotar as diversas posturas que o pensador assume e que se tornam, através dele, puras determinações. O personagem só passa a viver quando nasce

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no pensador uma terceira pessoa que o destitui do poder de dizer: "eu". (DELEUZE, 1990). Ele será uma individuação pré-subjetiva, imaginada, experimentalmente, pelo pensador. Por meio desta composição impessoal de ritmos e de sensações, um eu-outrem paradoxal e ubíquo irá se realizar para pensar.

Por isso os autores rogam que não nos pensemos mais como pessoas constituídas na experiência, mas antes como um centro de indeterminação ou um contemplador indefinido que já não quer uma consciência subjetiva. Em síntese: não sou um eu que pensa, mas sim tal ou tal personagem que "se pensa em mim". Precisamente como personagem efêmero, porém criativo, nascido de sínteses de tempos ou de sensações inventadas, é que ele deve se individuar, transmutando-se num personagem heteronímico que seria um consolidado contingente de sensações heterogêneas, isto é, uma perseverança rítmicade modulações que já estão em marcha num embate incógnito com forças do futuro iminente. Isto significa que as potencialidades da comunicação podem ser diferentemente apreendidas e recriadas quando são catalisadas por um personagem de pensamento e de sensação que fizermos de nós. A idéia de Deleuze e Guattari nos vem agora a propósito para a defesa de uma necessária despersonalização do vivido, ocupando-se de priorizar não estados vivíveis, mas devires: aquilo que estamos em vias de deixar de ser e, ao mesmo tempo, os novos acontecimentos em que estamos a nos tornar. E também Michel Foucault (1985, 188 ) se afina com os autores ao dizer que não estamos mais nos tomando como sujeitos, mas como uma série de acontecimentos pré-individuais. Os nomes próprios, por sua vez, muito antes de designarem pessoas, designam uma entidade "individuada" por devires impessoais. A imagem do personagem não se refere agora ao indivíduo: o sujeito não é mais um eu unívoco, mas um personagem "equívoco".

A questão que habita este ponto de nossa trilha de indagações é a de um potencial paradigmático da heteronímia que ultrapassa a lógica da comunicação, seja no plano do imaginário social, seja no plano das significações partilhadas ou das produções midiáticas. Existiríamos, portanto, não como um eu, mas como forças, afetos, ritmos, momentos, lugares, atmosferas: uma população de micro-eventos, uma multiplicidade de singularidades pré-individuais, que cada um de nós souber se tornar. Tal como Foucault e Deleuze nos convocam, é preciso investir em uma ética de libertação pessoal, uma atividade de

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resistência, uma experimentação vital, exercida sobre nós, sobre o nosso corpo. É tal micro-política que investe na invenção de novas formas de vida, criando outras estratégias de subjetivação - ou de “des-subjetivação” - para que se possa escapar ao aprisionamento em que o presente nos confina. O indivíduo precisa se abrir às multiplicidades que o atravessam, num severo exercício de despersonalização: é assim que ele vai adquirir o seu verdadeiro nome próprio.

O problema da subjetividade contemporânea talvez aponte para este exercício de invenção de um personagem conceitual imaginado como um heterônimo, como um eu que se despoje dos limites da subjetividade unívoca e re-instaure a pragmática de uma existência virtualmente experimental e inventiva. É preciso investir nessas virtualidades pré-subjetivas, ilocutórias e incorpóreas, tendo em vista a prática um ethos paradigmático, como uma micropolítica afirmativa, pautada na despersonalização da egocêntrica imagem identitária do eu e da suposta experiência subjetiva individualizada. Seriam ínfimas ações imanentes à prática comunicativa pelas quais o desejo de intensificar as potências existenciais poderia contagiar em outrem uma vontade de resistir ao assédio dos processos hegemônicos de subjetivação, o que nos levaria a re-imaginar potencialidades insistentes para além do sujeito e talvez ultrapassar criativamente as cadências axiomáticas da comunicação midiática.

Referências

BERGSON, Henry. Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. Trad, Luiz Orlandi e Roberto Machado. Rio de Janeiro: Graal, 1988.

______ .& GATTARI, Felix. O que é a filosofia? São Paulo: Ed. 34, 1997.

DIAS, Souza. Lógica do Acontecimento: Deleuze e a filosofia. Porto: Ed. Afrontamentos, 1995.

GIL, José. Diferença e negação na poesia de Fernando Pessoa. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2000.

GUATTARI, Félix. Da produção da subjetividade. In: Imagem máquina: a era das tecnologias do virtual. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1993.

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HUME, David. Tratado da natureza humana. Livro I, Parte IV, Seção VI. São Paulo: Ed. UNESP, 2000.

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