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Os trabalhos não remunerados das mulheres rurais no Brasil: um estudo a partir dos dados da PNAD Contínua - 2018

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – CCSA

DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL – DESSO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL – PPGSS DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

RAQUEL VIANA

OS TRABALHOS NÃO REMUNERADOS DAS MULHERES RURAIS NO BRASIL: UM ESTUDO A PARTIR DOS DADOS DA PNAD CONTÍNUA – 2018

NATAL/RN JULHO/2019

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RAQUEL VIANA

OS TRABALHOS NÃO REMUNERADOS DAS MULHERES RURAIS NO BRASIL: UM ESTUDO A PARTIR DOS DADOS DA PNAD CONTÍNUA – 2018

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social – PPGSS no Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN para fins de conclusão do curso de Mestrado e obtenção do título de Mestre em Serviço Social.

Orientador: Prof. Dr. Henrique André Ramos Wellen.

NATAL/RN JULHO/2019

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RAQUEL VIANA

OS TRABALHOS NÃO REMUNERADOS DAS MULHERES RURAIS NO BRASIL: UM ESTUDO A PARTIR DOS DADOS DA PNAD CONTÍNUA – 2018

Dissertação de Mestrado avaliada em: ______ /______/________

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________ Prof. Dr. Henrique André Ramos Wellen – UFRN

(Orientador - Presidente)

_________________________________________________ Profa. Dra. Silvana Mara de M. dos Santos – UFRN

(Membra Titular)

_________________________________________________ Profa. Dra. Andréa Lorena Butto Zarzar – UFRPE

(Membra Titular Externo)

_________________________________________________ Eliana Andrade da Silva – UFRN

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DEDICATÓRIA

Dedico À Olga, minha mãe.

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AGRADECIMENTOS

Foram muitas as pessoas que de diferentes formas contribuíram para essa conquista. Agradeço ao Professor Dr. Henrique André Wellen, meu orientador, pelo apoio intelectual, inventivo e solidariedade diante dos meus diversos momentos de dificuldades. Muito obrigada por tudo.

Às Professoras Doutoras Andréa Butto e Silvana Mara por terem aceitado meu convite em participar desde a banca de qualificação, pelas contribuições, incentivo e extrema solidariedade.

A UFRN e ao Programa de Pós-Graduação de Serviço Social e a todas/os suas/es trabalhadoras e trabalhadores, em especial a querida Lucinha, sempre disposta a ajudar.

Às queridas companheiras, da minha turma de mestrado, ―senhoras‖ Angélica, Helenita, Rosângela, Giliane, Lívia, Naiara, agradeço pelos momentos de partilha, alegria e solidariedade coletiva.

À Raquel Cardoso e Joilma cuja relação ultrapassou os limites do mestrado e entrou na minha vida para sempre. Muito obrigada pela partilha e solidariedade, o choro, o riso, as conversas no WhatsApp madrugada afora. Sem o apoio e amor de vocês eu não teria conseguido.

Ao meu querido amigo/irmão Tibério Oliveira pela sua generosidade, apoio e partilha em toda a minha caminhada do mestrado e nos bons e também difíceis momentos da vida em Brasília e Natal.

Às Professoras do PPGSS-UFRN, Carla Montefusco, Andréa Lima, Silvana Mara, Rita de Lourdes e professor Henrique Wellen pela partilha dos seus conhecimentos e pelo compromisso com o Serviço Social crítico e engajado nas lutas em defesa da classe trabalhadora.

Aos meus amigos/as Bernardo Lucas, Valdemarín Coelho e Léo, Tatiana Raulino e André Menezes por terem me acolhido de modo tão carinhoso e solidário em suas casas toda vez que eu busquei um refúgio tranquilo para escrever.

À toda minha família que desde sempre me incentivou e apoiou em minha trajetória. Minha mãe querida agradeço pelo amor, carinho e por estimular desde cedo em mim o gosto pela leitura, pelo conhecimento e o querer saber. Aos meus irmãos e irmãs: Everardo, André, Maninho, Victor, Naide, Sílvia e Gláucia, pelo apoio e amor de sempre. Às minhas sobrinhas/os queridas Ana Carolina, Tereza Raquel, Vitória, Domênica, Nara, Sharona, Kézia

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e Caleb pela esperança que fazem renascer em mim. Às minhas cunhadas queridas Isabel e Estela pelo carinho de sempre.

À/ao queridíssima/o amiga/o Elaene Rodrigues (Lalá) e Afonso Sousa por suas amizades tão preciosas, o apoio e a solidariedade em todos os momentos.

À mana Antônia Mendes pelo reencontro cheio de carinho e solidariedade feminista de sempre.

Às professoras Marlene Teixeira, Cristina Nobre e Karla Hora pelas contribuições e inventivo.

Às queridíssimas Solange e Ana Lúcia, minhas companheiras de todas as lutas.

Às minhas amigas do cerrado, Caroline Albuquerque e Adriana Margutti (Bolacha) pelo apoio e solidariedade de sempre.

À minha amiga Marialda Moura pelo carinho e boas gargalhadas sempre que nos encontramos.

Ao meu querido Mendes Silva agradeço pelo Abstract, apoio e o incentivo. Ao querido Franzé Moreira, pela sua generosidade e por me carregar de vez em quando a partilhar momentos tão divertidos que ajudavam a espairecer;

À querida Mariana Castro que me ajudou desde o início dessa caminhada.

À Soninha Gomes, Wládia Fernandes, Tadeu Lima, Euvaldo, Neudina e Luiza pela força, generosidade, apoio e solidariedade.

À Cláudia que de forma tão solidária me acolheu e cuidou das minhas dores nos momentos mais difíceis. Sem o seu apoio eu não teria conseguido. Muito obrigada!

À Leninha, Cacá, Isabelle Azevedo e Pedro pela acolhida e bons momentos durante minha morada em Natal.

À companheira Luizianne Lins e companheiro Ronivaldo Maia pela solidariedade, carinho e apoio de sempre.

A CAPES pelo apoio financeiro.

Às minhas aguerridas companheiras da Marcha Mundial das Mulheres com as quais tenho aprendido e compartilhado durante todos esses anos a luta cotidiana contra as estruturas do patriarcado, do capitalismo e do racismo. ―Companheiras! Sozinha eu ando bem, mas com vocês ando melhor‖!

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RESUMO

Este estudo teve como objetivo analisar as particularidades dos trabalhos produtivo e reprodutivo não remunerados das mulheres no meio rural brasileiro. A totalidade de trabalhos que estas mulheres realizam de forma gratuita, tanto na esfera da produção quanto da reprodução/doméstica. Os pressupostos teóricos se referenciam na tradição marxista em diálogo com as elaborações no campo do feminismo materialista e da economia feminista. Refletiu-se sobre a consubstancialidade das relações sociais de sexo, raça e classe, a divisão sexual do trabalho, o trabalho doméstico e de cuidados como base de sustentação da subordinação e exploração das mulheres na sociedade capitalista-patriarcal-racista. A base empírica do nosso estudo foram os microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD Contínua, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE referente ao ano de 2018. Caracterizaram-se as diferentes formas de trabalhos realizados pelas mulheres rurais com ênfase nas variáveis cor ou raça. O resultado evidenciou que homens e mulheres participam do trabalho reprodutivo/doméstico, mas as mulheres continuam como responsáveis majoritárias por esse tipo de trabalho. Características como

regularidade e eventualidade diferenciam o trabalho reprodutivo/doméstico de mulheres e

homens, respectivamente. A participação dos homens obedece a uma hierarquia nos tipos e lugar em que as tarefas são realizadas. Portanto, realizam tarefas mais do espaço público e mantém distanciamento daquelas consideradas ―femininas‖. O trabalho das mulheres não reconhece fronteiras geográficas e é realizado seja em espaços públicos ou privados e na casa de parentes. Assim, o estudo mostrou que os homens, detém certa liberdade, convertida em privilégio que concede a eles o direito de escolher que tipo de atividade deseja realizar. No trabalho para o próprio consumo, revelou-se dinâmica uma pouco diferente. Nele as mulheres avançam mais na realização das atividades consideradas ―masculinas‖, mas no geral, permanece a desigualdade, na medida em que as horas que elas dedicam ao conjunto dos trabalhos não remunerados (reprodutivo e produtivo) é superior a dos homens. A maioria dos que realizam trabalhos não remunerados no meio rural são negros (pretos e pardos) com evidente divisão sexual e racial do trabalho. A condição das mulheres rurais em trabalhos duplamente não remunerados nos desafiam a aprofundar a reflexão sobre o processo de subordinação e exploração que estas vivenciam em seus cotidianos.

Palavras-Chaves: Trabalho não remunerado. Divisão sexual do trabalho. Mulheres rurais. Dominação. Exploração.

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ABSTRACT

This study aimed to analyze the particularities of the unpaid productive and reproductive work of women in rural Brazil. The totality of work that these women do free of charge, both in the sphere of production and reproduction / domestic. Theoretical assumptions are referenced in the Marxist tradition in dialogue with the elaborations in the field of materialist feminism and feminist economics. It reflected on the consubstantiality of social relations of sex, race and class, the sexual division of labor, domestic and care work as a basis for sustaining the subordination and exploitation of women in the capitalist-patriarchal-racist society. The empirical basis of our study was the microdata from the National Household Sample Survey - Continuous PNAD, conducted by the Brazilian Institute of Geography and Statistics - IBGE in 2018. We characterized the different forms of work performed by rural women with an emphasis on color or race variables. The result evidenced that men and women participate in reproductive / domestic work, but women remain the majority responsible for this type of work. Respectively, characteristics such as regularity and eventuality differentiate the reproductive / domestic work of women and men, respectively. The participation of men follows a hierarchy in the types and places where tasks are performed. Therefore, they perform more tasks in the public space and keep their distance from those considered ―female‖. Women's work does not recognize geographical boundaries and is executed either in public or private spaces and in the homes of relatives. Thus, the study showed that men, have a certain freedom, converted into a privilege that gives them the right to choose what type of activity they want to do. Thus, the study revealed that men, have a certain freedom, converted into a privilege that gives them the right to choose what type of activity they want to execute. In the work for own consumption, dynamics were a little different. In it, women make more progress in activities considered ―masculine‖, but in general, inequality remains, as the hours they dedicate to all unpaid jobs are higher than that of men. Most of those who perform unpaid work in rural areas are black (black and brown) with an evident sexual and racial division of labor. The condition of rural women in doubly unpaid jobs challenges us to deepen the reflection on the process of subordination and exploitation that they experience in their daily lives.

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Taxa de realização de afazeres domésticos, por sexo (%) ... 78

Gráfico 2 – Taxa de realização de afazeres domésticos por sexo, segundo nível de instrução (%) ... 79

Gráfico 3 – Taxa de realização de afazeres por sexo e grupos de idade (%) ... 80

Gráfico 4 – Taxa de realização de afazeres por cor ou raça (%) ... 81

Gráfico 5 – Taxa de realização de cuidados de pessoas, por sexo (%) ... 82

Gráfico 6 – Taxa de realização de cuidados de pessoas, por sexo e cor ou raça (%) ... 83

Gráfico 7 – Taxa de realização de cuidados, por sexo e grupo de idade (%) ... 84

Gráfico 8 – Taxa de realização de cuidados, por sexo, segundo o tipo de cuidado (%) ... 85

Gráfico 9 – Pessoas que realizaram cuidados de moradores, segundo o grupo de idade da pessoa que recebeu o cuidado ... 86

Gráfico 10 – Taxa de realização de trabalho para o próprio consumo, por sexo (%) ... 88

Gráfico 11 – Taxa de realização de trabalho para o próprio consumo, por sexo e grupo de idade (%) ... 89

Gráfico 12 – Taxa de realização de trabalho para o próprio consumo, por sexo e nível de instrução ... 90

Gráfico 13 – Pessoas que realizaram trabalho sem remuneração, por sexo, segundo o grupo de idade (%) ... 93

Gráfico 14 – Pessoas que trabalharam sem remuneração, por sexo e nível de instrução ... 94

Gráfico 15 – Taxa de realização de trabalho sem remuneração e outras formas de trabalho (%) ... 95

Gráfico 16 – Média de horas efetivamente trabalhadas em cuidados de pessoas e afazeres domésticos, segundo o sexo (%) ... 96

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Taxa de realização de afazeres por sexo e tipo de afazer (%) ... 78 Tabela 2 – Taxa de realização de afazeres, por sexo e condição no domicílio (%) ... 81 Tabela 3 – Taxa de realização de cuidado, segundo o sexo e condição no domicílio ... 87 Tabela 4 – Taxa de realização de trabalho para o próprio consumo, por sexo e condição

no domicílio (%) ... 90 Tabela 5 – Pessoas que realizaram atividade de produção para o próprio consumo, por

sexo, segundo o tipo de produção (%) ... 91 Tabela 6 – Média de horas semanais efetivamente trabalhadas na produção para o

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LISTA DE ABREVIATURAS & SIGLAS

CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CUT Central Única dos Trabalhadores

DESER Departamento Sindical de Estudos Rurais DPMR Diretoria de Políticas para as Mulheres Rurais

ENPESS Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

MEC Ministério da Educação MMM Marcha Mundial das Mulheres ONU Organização das Nações Unidas

PNAD-C Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua PPGSS Programa de Pós-Graduação de Serviço Social

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 14

2 RELAÇÕES SOCIAIS DE SEXO, RAÇA E CLASSE: UMA ANÁLISE FEMINISTA MATERIALISTA. ... 25

2.1 Apontamentos sobre a consubstancialidade das relações sociais de sexo, raça e classe ... 25

2.2 As relações sociais de dominação, explororação e apropriação das mulheres ... 31

2.3 Patriarcado, racismo, capitalismo e suas imbricações ... 36

3 DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO, TRABALHO DOMÉSTICO E DE CUIDADOS ... 49

3.1 Fundamentos teórico-analíticos da divisão sexual do trabalho ... 49

3.2 O trabalho doméstico e de cuidados ... 59

4 OS TRABALHOS NÃO REMUNERADOS DAS MULHERES RURAIS NO BRASIL ... 77

4.1 Trabalho reprodutivo: afazeres domésticos e cuidados de pessoas. ... 77

4.1.1 Os afazeres domésticos ... 77

4.1.2 Trabalho de cuidados de pessoas ... 82

4.2 Trabalho na produção para o próprio consumo ... 87

4.3 Trabalho em ocupação não remunerada em ajuda a membro da família ou parente. ... 92

4.4 O tempo dos trabalhos não remunerados das mulheres. ... 95

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 99

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1 INTRODUÇÃO

Esta dissertação versa sobre os trabalhos não remunerados – produtivo e reprodutivo/doméstico – das mulheres no meio rural brasileiro, a partir da análise dos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, realizada em 2018.

Estes trabalhos não remunerados, no contexto rural, são compreendidos como os que as mulheres realizam nas esferas da produção e reprodução de forma gratuita, ou seja, pelos quais elas não recebem remuneração monetária, pois geralmente são considerados como naturais/obrigação (no caso do trabalho reprodutivo/doméstico) e ―ajuda‖ e/ou complemento ao trabalho dos homens/marido (no caso do trabalho produtivo).

Na produção consideramos um conjunto de atividades realizadas no âmbito da agropecuária, que podem ser: a produção e colheita de alimentos nos roçados e/ou nos quintais, a criação e cuidados com os animais, dentre outras, além da produção para o próprio consumo. Na reprodução são considerados dois tipos principais de atividades: a) os chamados afazeres domésticos, a exemplo das atividades que se seguem: preparar e servir alimentos, lavar e passar roupa, lavar louça, limpar e arrumar a casa, cuidar de animais domésticos, limpar os quintais, etc., e b) os cuidados com pessoas (crianças, idosos, doentes, com deficiência) que incluem atividades do tipo: alimentar, vestir, dar banhos, buscar cuidados médicos, levar na escola, etc.

Convém registrar a relação desta pesquisadora com a referida temática e cujas reflexões acumuladas nesse processo movem a proposta deste estudo. Minha aproximação e consequente interesse por esse tema comportam três dimensões, a meu ver, indissociáveis: trajetória acadêmica, militância política feminista e exercício profissional.

Iniciei meus estudos sobre as mulheres ainda na graduação de Serviço Social. No Trabalho de Conclusão de Curso – TCC (2001)1 desenvolvi pesquisa sobre violência doméstica que demonstrou a intrínseca relação entre esta problemática e a questão do trabalho, na medida em que a dependência financeira se revelou na referida pesquisa um dos principais determinantes para a permanência das mulheres em situações de violência.

1 VIANA, Raquel. Delegacia de Defesa da mulher: seu significado para as mulheres vítimas de violência.

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Na militância feminista, mais especificamente na Marcha Mundial das Mulheres2 onde atuo desde 2000, o tema do trabalho remunerado e não remunerado das mulheres tem grande centralidade, vinculado ao debate sobre autonomia econômica, à economia feminista e à divisão sexual do trabalho no contexto da sociedade capitalista/patriarcal/racista e isso contribuiu para meu crescente interesse por esse tema.

No exercício profissional, resgato aqui, a experiência em Organizações Não-governamentais feministas3 (1998-2002) que proporcionou meu primeiro encontro com as mulheres rurais. No Centro Feminista 8 de Março colaborei como pesquisadora na produção de um diagnóstico sobre as relações de gênero no Território de Apodi/RN4 (2002) que trouxe informações de grande importância. Neste diagnóstico o trabalho foi tema recorrente no rol de problemáticas vivenciadas pelas mulheres de assentamentos e comunidades rurais e deixou perceptível a insistência das desigualdades entre mulheres e homens, expressas na divisão sexual do trabalho, na invisibilidade e desvalorização do trabalho realizado por estas mulheres, tanto na produção quanto na reprodução.

No período de 2013-2016, o trabalho como consultora na Diretoria de Políticas para as Mulheres5 – DPMR marcou meu reencontro com as mulheres rurais. Dentre as diversas atribuições, a análise do acesso das mulheres às políticas públicas6 executadas pelo governo federal, consolidou meu entendimento sobre a centralidade do trabalho das mulheres no contexto rural, em particular, da agricultura familiar, evidenciado nas dificuldades por elas enfrentadas como a inserção desigual nos espaços produtivos e de comercialização, por exemplo, em que geralmente o resultado do seu trabalho não é reconhecido. Estas questões, em última instância, passam pela forma como o trabalho está organizado no meio rural,

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Movimento social feminista de abrangência internacional que surgiu no ano 2000, com uma campanha pelo fim da pobreza e a violência sexista e que mobilizou milhares de mulheres em todo o mundo. Tem sua origem no Canadá, quando mulheres realizaram uma marcha pelo Quebec, em 1995, pedindo ―Pão e Rosas‖, uma crítica ao sistema capitalista e à retirada dos direitos das mulheres. Atualmente a MMM existe em mais de 170 países. No Brasil, tem forte enraizamento e participação ativa de mulheres urbanas e rurais. https://marchamulheres.wordpress.com/

3 Casa Lilás/CE (1998-2000) e Centro Feminista 8 de Março/RN (2001-2002).

4 MOURA, C. D. M e MONTEIRO, J. Relações de Gênero no Semiárido: diagnóstico do Território de Apodi.

Cadernos 8 de Março, n. 6, 2003.

5 A Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais é o organismo vinculado ao Ministério do Desenvolvimento

Agrário (MDA) responsável pela implementação de políticas públicas voltadas às mulheres rurais, dentre elas a Política de ATER para Mulheres. Teve início em 2003 ainda como um Programa de Igualdade de Gênero, Raça e Etnias (PPIGRE), em 2005 passa a ser uma Assessoria de Gênero, Raça e Etnia (AEGRE) e somente em 2010 é elevada ao status de Diretoria. A partir de 2016 com governo Temer tem seu status rebaixado e passa a ser uma Coordenação que acumula ações dirigidas às mulheres, juventude rural e quilombolas.

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Essas análises compunham os conteúdos de diversos Documentos Técnicos (produtos) que abordavam a organização produtiva das mulheres rurais e seu acesso às políticas de Comercialização e Assistência Técnica, sempre embasados pelo debate teórico acerca do trabalho e da divisão sexual do trabalho no meio rural.

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fortemente marcado pela divisão sexual do trabalho, determinando o lugar de homens e mulheres na produção e reprodução.

Ingressar no mestrado do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFRN (2017) significou oportunidade e expectativa de aprofundar as discussões sobre a temática. Foi então nesse processo que me deparei com o dado inquietador da existência de expressiva parcela de mulheres exercendo atividades sem remuneração no meio rural. Mais que isso, percebi que existem aspectos relativos à essa questão ainda pouco problematizados, especialmente pela academia. Dentre esses aspectos cito o fato destes trabalhos não remunerados abarcarem não somente o trabalho reprodutivo/doméstico, tradicionalmente realizado gratuitamente pelas mulheres, mas também, algumas atividades inseridas na esfera da produção.

O trabalho das mulheres ocupa lugar central no conjunto dos debates do feminismo desde os anos de 1960 e foi nas palavras de Bruschini (1994) ―...a porta de entrada dos estudos sobre mulher na academia brasileira‖ (BRUSCHINI, 1994, p. 17). Foram produzidos importantes estudos abordando esta temática, a exemplo de SAFFIOTI (1969), BLAY (1978), SARTI (1985), dentre outras.

Em um primeiro momento as preocupações destes estudos centraram-se na participação das mulheres no mercado de trabalho, enfatizando assim, o trabalho remunerado considerado pelo feminismo como fundamental para o processo de emancipação da mulher e da sua condição de subordinação no interior da família (BRUSCHINI, 1994).

Conforme os debates avançavam outras dimensões foram incorporadas, como a inserção das mulheres no espaço da reprodução, quando o trabalho doméstico ganha centralidade e cujas perspectivas de análises buscavam romper com as dicotomias entre essas duas esferas, produtiva e reprodutiva.

Nessa trajetória, portanto, as discussões sobre a temática prosseguiram rumo às análises da relação entre trabalho remunerado e não remunerado e de como as mulheres trabalhadoras, principalmente as assalariadas eram penalizadas, na medida em que necessitavam atender às imposições e exigências advindas das duas esferas, da produção e da reprodução. Ressalte-se que a entrada das mulheres no mercado de trabalho não significou sua desresponsabilização pelo trabalho doméstico, muito menos uma melhor divisão destas tarefas no interior da família, ao contrário, pesou-lhes sobre os ombros extensiva e intensiva jornada de trabalho.

No contexto rural, especificamente, as reflexões sobre esse tema do mesmo modo remontam os anos de 1970 e desde o início vieram associadas à denúncia, por parte do

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feminismo, da invisibilidade do trabalho realizado pelas mulheres, principalmente o doméstico (reprodutivo) e de como esse processo encobria a participação e contribuição das mulheres para o desenvolvimento da agricultura e manutenção de suas famílias (MELO; SABATTO, 2007).

Alguns importantes eventos7

impulsionaram os estudos sobre o trabalho das mulheres no meio rural com repercussões na academia. Nesses eventos o trabalho das mulheres rurais foi abordado sob diferentes aspectos, desde a produção cientifica existente sobre o tema, a problemática do trabalho assalariado e familiar, a preocupação com a metodologia adotada pelos institutos de pesquisa, em particular da América Latina e que na visão de muitas/as das/os estudiosas/os presentes favoreciam a invisibilidade do trabalho realizado pelas mulheres, principalmente o doméstico; e por fim, o trabalho não remunerado (produtivo) também foi objeto de debate (MELO; SABATTO, 2007, p. 4-7).

Sabe-se que em relação ao trabalho reprodutivo/doméstico são as mulheres as responsáveis quase que exclusivamente por realizá-los e de forma gratuita. Isso acontece tanto no meio urbano quanto no rural. É comum a quase todas elas.

Quanto ao trabalho da chamada esfera produtiva há uma diferença. As mulheres urbanas, na sua maioria, o realizam de forma remunerada, ou seja, elas geralmente recebem um salário ou algum outro tipo de pagamento por este trabalho. No campo encontram-se duas situações. Há mulheres que exercem atividades remuneradas monetariamente, assalariadas ou não e de outro lado, mulheres que trabalham, mas que não auferem renda alguma, ou quando obtém, em geral, essa renda não é contabilizada ou visibilizada como parte daquela que contribui para o sustento de suas famílias. A intenção não foi realizar um estudo comparativo entre urbanas e rurais, mas usamos esse dado para ilustrar algumas das diferenças que marcam o trabalho das mulheres no meio rural.

Há um contingente expressivo de mulheres rurais cuja inserção no trabalho produtivo e reprodutivo tem como elemento comum a não remuneração. E foi essa constatação que deu origem as questões que guiaram este estudo.

Partimos do entendimento de que produção e reprodução estão intrinsecamente relacionadas, ou melhor, elas são indissociáveis. Daí a necessidade e a opção de problematizar a não remuneração do conjunto dos trabalhos das mulheres, nas suas duas dimensões, produtiva e reprodutiva, portanto.

7 O primeiro deles foi o seminário ―Mulheres na força de trabalho na América Latina7‖, que aconteceu no Rio

de Janeiro em 1978. O segundo, a conferência ―Mulheres, Agricultura e Modernização Rural na América Latina7‖ realizado em São Paulo em 1983. O terceiro evento foi o seminário ―Mulher Rural: identidades na pesquisa e na luta política7‖ que aconteceu no Rio de Janeiro, em 1987.

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As mulheres rurais enfrentam uma sobreposição e sobrecarga de tarefas no seu cotidiano. No caso específico a que nos referimos neste estudo, ou seja, aquelas mulheres que trabalham duplamente de forma não remunerada, essa problemática parecia-nos envolver outro tipo de conflito. Não se trataria somente em sobreposição de trabalho remunerado produtivo e trabalho não remunerado reprodutivo/doméstico, como acontece em geral com as mulheres urbanas, mas neste caso, o conflito seria entre trabalhos duplamente sem remuneração (produtivo e reprodutivo).

Embora a temática do trabalho das mulheres rurais tenha paulatinamente conquistado um lugar importante nas reflexões do feminismo e na academia, conforme já destacado, este aspecto da não remuneração também do trabalho produtivo, em particular, parece que ainda é pouco explorado. Portanto, esta questão permanece enquanto um desafio teórico contemporâneo.

Desta incursão esboçamos nossa questão central de estudo: quais as particularidades destes trabalhos não remunerados – produtivo e reprodutivo realizado pelas mulheres no meio rural brasileiro?

Dela desdobrou-se outro conjunto de questionamentos: Como se dá a inserção produtiva e reprodutiva das mulheres rurais? Quais são as atividades que compõem esses trabalhos – produtivo e reprodutivo, não remunerados? Quais são as suas principais características? Qual a dinâmica que os conformam? Quais são as inter-relações e interdependências que os perpassam? Quem são essas mulheres que realizam trabalhos sem remuneração no meio rural brasileiro?

Assim, esse estudo teve como objetivo analisar as particularidades dos trabalhos produtivo e reprodutivo não remunerados das mulheres no meio rural brasileiro e sua relação com o processo de dominação/exploração destas mulheres.

Para isso, definimos três objetivos específicos:

1) Analisar a inserção produtiva e reprodutiva das mulheres no meio rural, sob a perspectiva da divisão sexual do trabalho;

2) Identificar as principais características dos trabalhos não remunerados realizados pelas mulheres rurais e;

3) Apreender a relação entre trabalhos não remunerados, dominação e exploração das mulheres rurais.

Esse conjunto de indagações por se constituírem desafios teóricos, expressam a relevância social e acadêmica deste estudo. Sua importância acadêmica, de modo mais geral,

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está na visibilidade que pode conceder ao debate sobre o trabalho das mulheres rurais neste espaço.

Por essas razões, considero importante pesquisar mais essa temática, mas não só. Acrescento também o fato de que no Serviço Social, por exemplo, ainda há pouca produção no que se refere especificamente à problemática das mulheres no meio rural, e de forma particular, sobre o trabalho destas mulheres, embora seja evidente o processo de incorporação gradativa dos debates teóricos no campo das relações de sexo/gênero, bem como do feminismo no interior da profissão o que por si só já é alvissareiro.

Um levantamento8 realizado por esta pesquisadora, de teses e dissertação sobre mulheres rurais nos cursos de pós-graduação em serviços social (1994-2017), a partir do banco da CAPES/MEC, identificou neste período 13 estudos sobre as mulheres rurais, sendo 11 (mestrado) e 02 (doutorado) e apenas 1 deles abordou o tema do trabalho. No âmbito da UFRN, das 141 dissertações defendidas no período de 2007-2017, apenas 2 abordaram o tema ―mulher rural‖, uma delas com foco na luta pela terra9

e a outra no crédito fundiário10. Os demais estudos sobre gênero estão na sua maioria centrados no tema da violência (8) e apenas (3) abordaram a questão do trabalho das mulheres, mas no contexto urbano e da profissão de serviço social.

Destacamos ainda outro levantamento que fiz a partir de Porto11 (2015) que analisou trabalhos, na modalidade pôster e comunicação oral, publicados nos Encontros Nacionais de Pesquisadores em Serviço Social - ENPESS, no período de 2000 a 2012. Dos trabalhos apresentados nesse período (3.508) os temas mulheres e gênero aparecem com (267) trabalhos, ou seja, 8,7% dentre as temáticas. Destes 267, 13,88% foi na área temática trabalho. A autora fez referência a apenas 2 estudos sobre ―mulheres rurais/trabalhadoras rurais‖

8

Neste levantamento foram usados os seguintes descritores: mulheres rurais, trabalhadoras rurais, camponesas e trabalho feminino rural. Os dados foram dos sítios eletrônicos: http://catalogodeteses.capes.gov.br/catalogo-teses/#!/; https://repositorio.ufrn.br/jspui/handle/123456789/17885

A pesquisa foi realizada em 13/05/2018.

No site da CAPES/MEC o período foi delimitado por esta pesquisadora. Já no site da UFRN a busca foi em todo período disponibilizado pela instituição.

9 BARROS, Ilena Felipe. A inserção das mulheres na luta pela terra: movimento de participação e/ou

submissão. 2005. Dissertação (Mestrado em Serviço Social, Formação Profissional, Trabalho e Proteção Social; Serviço Social, Cultura e Relações) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2005. Disponível em: http://repositorio.ufrn.br:8080/jspui/handle/123456789/17902

10 DIAS, Lenilze Cristina da Silva. Reforma agrária de mercado: uma análise da participação dos trabalhadores e

das trabalhadoras rurais no Programa Nacional de Crédito Fundiário em Touros/RN. 2017. 209f. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Centro de Ciências Sociais Aplicadas, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2017. Disponível em: https://repositorio.ufrn.br/jspui/handle/123456789/24856

11 PORTO, Tainá de Sá. Gênero e serviço social: análise dos trabalhos apresentados nos encontros nacionais de

pesquisadores em serviços social no período de 2002-2012. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) Universidade Federal do Pará – Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, Belém, 2015. Disponível em: http://repositorio.ufpa.br/jspui/handle/2011/7465

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(ENPESS/2000). Esses dados reforçam a importância de aprofundar as análises sobre a temática do trabalho das mulheres rurais

Este estudo também é relevante para o Serviço Social, em particular, por três razões principais. A primeira pela centralidade que tem o debate sobre o trabalho no âmbito de suas preocupações teóricas e de como a profissão tem incorporado outras dimensões a esse debate o que possibilita combiná-lo com as análises sobre o trabalho das mulheres, especificamente, e por outro lado, aproximá-las cada vez mais de uma perspectiva teórica feminista.

A segunda é o fato deste estudo referir-se às mulheres rurais, considerável parcela da população rural (47,9%) ainda submetida às brutais desigualdades que estruturam esse espaço, expressos na divisão sexual do trabalho, na invisibilidade do seu trabalho, pelo restrito acesso à terra e aos meios necessários à sobrevivência, às situações de violência patriarcal, mas também do latifúndio e do agronegócio que avança sobre seus territórios e suas vidas. Ao mesmo tempo, por essas mulheres, constituírem-se como sujeitos políticos, cuja resistência às opressões e exploração, capacidade organizativa e lutas diárias, despertam vivo encantamento. Elementos que o conecta ao Projeto Ético Político da profissão que, por sua vez ao vincular a intervenção profissional a um novo projeto societário transformador, nas palavras de Netto12 (1999) ―... propõe a construção de uma nova ordem social, sem dominação e ou/exploração de classe, etnia e gênero‖ (NETTO, 1999, p. 15).

A terceira razão é que as problemáticas presentes no meio rural, incluindo o trabalho das mulheres, enquanto expressões da questão social, impõe desafios importantes para o exercício profissional da/o assistente social, exigindo desta/e apurado conhecimento sobre essas realidades.

De igual modo que ele possa apontar elementos que auxiliem no exercício profissional das/os assistentes sociais, em especial as/os que atuam no meio rural, seja diretamente compondo equipes de assistência técnica e extensão rural, seja na elaboração e/ou execução de programas e políticas sociais que tem como público as mulheres rurais. E ainda, que fortaleça na categoria o compromisso político com a luta pelo fim das opressões e explorações, coerente assim, com a direção social da profissão.

No âmbito do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFRN, espera-se que o estudo contribua para suscitar novos interesses, reflexões e o desafio de ampliar as análises sobre os trabalhos das mulheres no meio rural brasileiro.

12

A construção do projeto ético-político do Serviço Social. In: Serviço Social e Saúde: Formação e Trabalho Profissional. 4ª edição, Cortez Editora. Disponível em: http://www.poteresocial.com.br/livro-servico-social-e-saude-para-download/ Acesso em: 28/06/2018.

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Espera-se aportar contribuições aos debates que já vem sendo realizados no interior do feminismo e igualmente no movimento de mulheres rurais, em especial por tocar uma questão que lhes é de grande interesse podendo trazer elementos que subsidiem suas reflexões.

De igual modo, que esse estudo possa contribuir para o acúmulo teórico sobre o tema no âmbito da academia, em especial no Serviço Social, bem como dar maior visibilidade social e política ao trabalho das mulheres rurais.

Por fim, reforço a ideia de que o estudo aqui realizado não partiu do zero, mas ao contrário, fundamentou-se na trajetória dos debates e relevantes estudos do feminismo e da academia e buscou, assim, referenciar-se nessas contribuições.

Metodologia

Do ponto de vista da metodologia, nossa pesquisa trilhou o seguinte caminho. Partimos em um primeiro momento do debate teórico sobre a consubstancialidade e coextensividade das relações sociais - sexo, raça e classe – e da divisão sexual do trabalho como determinantes da inserção produtiva e reprodutiva das mulheres. Buscamos retomar a trajetória do tema trabalho produtivo e reprodutivo das mulheres, circunscrita no campo do feminismo materialista e da economia feminista.

Quanto ao levantamento dos dados usados na análise, e que dão fundamento empírico ao nosso estudo, conforme já mencionado, são oriundos da base de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua – PNAD Contínua, relativo ao ano de 2018.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua – PNAD Contínua realizada pelo IBGE tem abrangência nacional13 e o objetivo de produzir informações de modo contínuo relativas às características demográficas e de educação da população e sobre sua inserção no mercado de trabalho formal e informal, outros temas específicos, utilizando diversas variáveis e indicadores.

A PNAD existe desde 1967 e já passou por diversas reformulações quanto aos conceitos utilizados, metodologia, abrangência e temas abordados. Dentre essas mudanças destacamos a de 2001 que incluiu informações sobre ―afazeres domésticos‖, embora anteriormente já levantassem alguns itens sobre uso do tempo. Em 2012 o IBGE substituiu a PNAD Anual pela PNAD Contínua que passa a disponibilizar informações periódicas e a

13 As Pnads até o ano de 2003 não abrangiam a zona rural da Região Norte, somente o fazendo a partir de 2004

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compor o Sistema Integrado de Pesquisas Domiciliares – SIPD14. A PNAD Contínua manteve os conteúdos da antiga PNAD, mas com algumas mudanças na sua metodologia15.

A partir do ano de 2016 a PNAD Contínua começou a investigar sobre ―Outras formas de trabalho‖. Essas ―outras formas de trabalho‖ definidas pelo IBGE incluem: a) Trabalho nos afazeres domésticos; b) Trabalho sem remuneração no cuidado de pessoas; c) Trabalho voluntário e; d) Trabalho para o próprio consumo.

Além dessas formas de trabalho a PNAD Contínua investiga sobre ―Trabalho em ocupação‖ que pode ser remunerado (dinheiro, produtos, mercadorias ou benefícios) na produção de bens e serviço; ou sem remuneração direta ao trabalhador, realizado em ajuda à atividade econômica de membros do domicílio ou parente que reside em outro domicílio, que recebe em conjunto a remuneração pelo trabalho (IBGE, 2018).

No caso específico do nosso estudo, os dados referem-se apenas ao rural. Foram extraídos os microdados da PNAD Contínua realizada durante todo o ano de 2018, dividida em cinco visitas. Para este estudo, utilizamos 111 variáveis. Os microdados foram extraídos por meio do programa estatístico R e utilizado o RStudio (software livre de ambiente de desenvolvimento integrado para R, uma linguagem de programação para gráficos e cálculos estatísticos) para as primeiras análises gráficas e de correlação. Dos 438.592 questionários, 120.177 são exclusivos do meio rural. Após a extração dos dados procedemos à categorização e análise das informações.

Para a formação da nossa amostra, consideramos as mulheres e homens rurais: 1) em idade de trabalhar – a partir dos 14 anos - conforme definição do IBGE; 2) que declararam exercer trabalho sem remuneração durante pelo menos uma hora na semana de referência que inclui: a) aquelas que trabalharam em ajuda à atividade econômica de membro do domicílio ou parente; b) no trabalho sem remuneração no cuidado de pessoas; d) em afazeres domésticos e; e) na produção para o próprio consumo.

Os dados foram selecionados de acordo com os nossos objetivos. A nós interessava caracterizar a dinâmica desses trabalhos não remunerados realizados por mulheres e homens - na produção e na reprodução - como caminho para identificar as expressões da divisão sexual do trabalho. Era importante, portanto, saber os tipos de atividades em que homens e mulheres estavam envolvidos, o tempo que cada um dedicava aos trabalhos na produção e na

14 Além da PNAD Contínua é composto pela Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) e a Pesquisa de Orçamentos

Familiares (POF).

15

A PNAD Contínua passa a utilizar um esquema de rotação de domicílios, inexistente na PNAD anterior e pelo qual o domicilio selecionado é visitado cinco vezes durante cinco trimestres consecutivamente. Nele há uma sobreposição de 80% dos domicílios e, 20% de um trimestre para o mesmo trimestre de ano seguinte.

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reprodução – domésticos e de cuidados e cruzar com algumas variáveis para perceber as relações existentes, por exemplo, de cor ou raça, de idade, de nível de instrução, de condição no domicílio, dentre outras.

Registrem-se aqui as dificuldades encontradas especificamente nesta etapa de coleta dos dados. O IBGE possui uma plataforma eletrônica na qual consta sua base de dados, dentre outras informações produzidas e acessível ao público. Pelo Sistema IBGE de Recuperação Automática – SIDRA é possível acessar as informações no formato de tabelas estatísticas. Entretanto, para informações mais detalhadas somente é possível por meio da extração dos microdados, também disponibilizados pelo IBGE, mas que exige conhecimento em estatística e acesso a programas e software específicos. Isso nos tomou um tempo considerável, alguns contatos com o IBGE para tirar dúvidas não somente sobre o acesso aos microdados, mas também à própria sistemática da PNAD.

Em princípio pretendíamos analisar os dados referentes ao período de 2004 a 2017, mas diante das dificuldades e do tempo que avançava, mas também em virtude de mudanças ocorridas na própria metodologia da PNAD, conforme já nos reportamos anteriormente decidimos por redefinir nosso caminho.

Posteriormente, verificamos que a partir de 2016 o IBGE passou a levantar informações específicas sobre outras formas de trabalho: afazeres domésticos, cuidados de pessoas e trabalho para o próprio consumo o que não acontecia com as PNAD anteriores, pelo menos neste formato. Avaliamos que essas informações seriam fundamentais para o propósito do nosso estudo e decidimos por analisar além do trabalho em ocupação não remunerado já levantado pelo IBGE, agregar as informações referentes às outras formas de trabalho, mas apenas aquelas relativas ao ano de 2018.

Nossa dissertação está estruturada da seguinte forma: além desta introdução que inclui a metodologia, temos três capítulos temáticos e as considerações finais.

No primeiro capítulo – Relações sociais de sexo, raça e classe: uma análise feminista materialista - buscamos explicitar nosso referencial teórico ancorado nas elaborações do feminismo materialista e da economia feminista. Em diálogo com várias teóricas feministas refletimos sobre as relações de sexo, enquanto relações sociais que estão imbricadas com o conjunto de outras relações, de raça e classe; a atualidade do patriarcado e sua articulação com o racismo e o capitalismo e com a divisão sexual do trabalho como bases de sustentação da dominação e exploração das mulheres.

No segundo capítulo - Divisão sexual do trabalho, trabalho doméstico e de cuidados – discorremos sobre o trabalho das mulheres e a indissociabilidade da esfera

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produtiva e reprodutiva. Buscamos captar as principais questões teóricas do feminismo, explicitando as convergências e divergências que marcam os debates no campo do trabalho das mulheres. Refletimos sobre o trabalho doméstico, enquanto forma particular do trabalho reprodutivo e sua articulação com o trabalho de cuidados.

O terceiro capítulo – Os trabalhos não remunerados das mulheres rurais no Brasil - dedicamos à apresentação e análise dos dados levantados a partir da PNAD sobre as diferentes formas de trabalhos não remunerados realizados por mulheres e homens no meio rural. Em nossa análise buscamos apreender as características e dinâmicas desses trabalhos de modo que nos possibilitasse identificar como mulheres e homens transitam nas esferas da produção e reprodução.

Nas considerações finais buscamos uma síntese dos resultados, ou melhor, de aproximações do nosso objeto de estudo e que emergiram a partir do processo de pesquisa e análise refletida e crítica dos dados. Mais que respostas, apresentamos questões suscitadas ao longo do processo.

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2 RELAÇÕES SOCIAIS DE SEXO, RAÇA E CLASSE: UMA ANÁLISE FEMINISTA MATERIALISTA

Este capítulo trata do referencial teórico que orienta nossas reflexões e análises nesse estudo. Nele apresentamos uma síntese das principais elaborações do feminismo materialista que abarcam o debate sobre as relações sociais de sexo, classe e raça. Buscamos discutir a imbricação e indissociabilidade dessas relações no contexto da sociedade capitalista-patriarcal- racista, a partir da perspectiva da consubstancialidade e coextensividade.

2.1 Apontamentos sobre a consubstancialidade das relações sociais de sexo, raça e classe

De acordo com Anne-Marie Devreux (2005) e Kergoat (2003) as relações sociais de sexo são também relações sociais. O uso do termo relação social tem aqui igual sentido que o marxista, ou seja, ―uma oposição estrutural de duas classes com interesses antagônicos‖ (DEVREUX, 2005, p. 256).

Baseada em Godelier (1984), Kergoat (2003) define a relação social como sendo ―... uma tensão que atravessa o campo social. Não é alguma coisa passível de reificação. Essa

tensão produz certos fenômenos sociais e, em torno do que neles está em jogo, se constituem grupos de interesses antagônicos‖ (KERGOAT, 2003, p. 58).

Ainda segundo Kergoat, o mais importante na noção de relação social, enquanto antagonismo ―é a dinâmica que ela reintroduz, visto que isso significa introduzir contradição, o antagonismo entre grupos sociais no centro da análise‖ (KERGOAT, 1986, p. 82).

Afirmar que as relações sociais de sexo são antagônicas significa reconhecer que a classe de sexo – o grupo social de homens e o grupo social de mulheres - vivem sob o confronto explícito ou implícito de interesses. De um lado, eles buscam manter seus privilégios constituídos no âmbito da sociedade capitalista/racista/patriarcal e de outro, as mulheres, que tentam romper as amarras da exploração/subordinação a que estão submetidas

Kergoat adverte sobre as controvérsias acerca do conteúdo do termo ―relações sociais de sexo‖ e informa que na língua francesa o termo relação é expresso de duas formas, e com distintos significados: rapport e relations. Cada uma delas abarca dois níveis de apreensão da

sexuation do social (tonar o social sexuado). O termo rapport social remete às relações mais

amplas e estruturais entre grupos sociais que possuem interesses antagônicos, em particular, em torno da divisão sexual do trabalho; já o termo relations sociales refere-se às relações concretas, individuais e cotidianas (KERGOAT, 2003, p. 59).

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A noção de rapport social refere-se às tensões, principalmente em torno da divisão sexual do trabalho, de onde se originam os grupos sociais com interesses contrários (KERGOAT, 2003, p. 59). As rapports sociaux de sexe, referem-se ao grupo social homens e mulheres ―os quais não são em nada passíveis de serem confundidos com a dupla categorização biologizante machos-fêmeas‖ (KERGOAT, 2003, p. 58).

Assim apreendidas as relações entre as classes de sexos, suas condições de vida e existência, constituem-se como um produto histórico, uma construção social. Esta afirmação corresponde à direção teórica profundamente antinaturalista do feminismo materialista que se nega a pensar homens e mulheres como grupo ―natural‖ ou ―biológico‖.

Sob esta perspectiva, Curiel e Falquet (2014) afirmam que homens e mulheres não têm uma ―essência‖, ―natureza‖ ou ―identidade‖ específica. Destarte homens e mulheres são definidos por uma ―relação social [rapport], material, concreta e histórica [...] que é uma relação de classe, ligada ao sistema de produção, ao trabalho e à exploração de uma classe por outra‖ (CURIEL; FALQUET, 2014, p. 15).

As autoras confrontam, assim, as concepções que buscam explicar as origens das desigualdades entre mulheres e homens na biologia. Para o feminismo materialista nada de natural há na sociedade e, em conseguinte, nas relações sociais de sexo e, assim, como as relações sociais de classe e de raça, a elas imbricadas, são resultado de processos históricos e sociais, ainda que mediadas pela cultura e a ideologia. Isso não significa que o feminismo materialista negue as dimensões simbólica e ideológico-cultural que também estruturam as relações sociais de sexo.

Contudo, consideramos pertinente a argumentação de Curiel e Falquet de que ―A dimensão ideológico-cultural existe e é importante, mas como explica magistralmente Colette Guillaumin, não é mais que a outra face da relação material concreta‖ (CURIEL; FALQUET, 2014, p. 15). Divergem, então, das abordagens que, baseadas na ideia de homens e mulheres como grupo natural e não um produto social, privilegiam as análises que buscam explicar as relações sociais de sexo e as desigualdades única ou prioritariamente a partir de aspectos simbólicos e/ou ideológicos-culturais, desconsiderando ou minimizando sua dimensão material.

Como bem defende Kergoat (2003) as relações sociais de sexo têm uma base material, assentada na divisão sexual do trabalho que ―são duas expressões indissociáveis e que formam epistemologicamente um sistema; a divisão sexual do trabalho tem o status de enjeu das relações sociais de sexo‖ (KERGOAT, 2003, p. 58). É em torno dessa divisão, portanto, que os grupos de homens e mulheres estão em permanente ―tensão‖ e disputa.

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Essa relação social possui outras características singulares: pode ser localizada em todas as sociedades já conhecidas, estrutura o conjunto do campo social e transversaliza a totalidade desse campo, em suma, é um ―paradigma das relações de dominação‖ (KERGOAT, 2003, p. 59).

Em síntese, Kergoat (2003) nos apresenta as principais dimensões que caracterizam as relações sociais de sexo:

(...) a relação entre os grupos assim definidos é antagônica; as diferenças constatadas entre as práticas dos homens e das mulheres são construções sociais, e não provenientes de uma causalidade biológica; essa construção social tem uma

base material e não é unicamente ideológica – em outros termos, a ―mudança de

mentalidades‖ jamais acontecerá espontaneamente se estiver desconectada da divisão de trabalho concreta – podemos fazer uma abordagem histórica e periodizá-la; essas relações sociais se baseiam antes de tudo em uma relação hierárquica

entre os sexos, trata-se de uma relação de poder, de dominação (KERGOAT,

2003, p. 58-59, grifos nossos).

Devreux, por sua vez, expõe a diferença no uso do conceito de relação social de sexo no plural e no singular. No pensamento feminista francês, esse termo surgiu no plural para falar do seu caráter variável, das múltiplas formas que assumem essas relações, tanto materiais quanto simbólicas, e não restritas a uma só esfera ou, ainda, às relações homem/mulher, na esfera conjugal. ―Assim apreendidas, as relações sociais de sexo recobrem todos os fenômenos de opressão, de exploração e de subordinação das mulheres aos homens‖ (DEVREUX, 2005, p. 565).

Assim é possível apreender as diversas ordens e expressões das desigualdades a que as mulheres do campo e da cidade estão submetidas, sejam as violências, o racismo, as condições de pobreza, o desemprego e trabalhos precários, dentre outras.

No singular, esse conceito sintetiza, do ponto de vista teórico, os diversos aspectos da dominação masculina e também ―uma representação científica que traduz a unicidade da lógica da organização do social que constitui essa dominação das mulheres pelos homens e a irredutibilidade dessa dominação a outra relação social‖ (DEVREUX, 2005, p. 565).

Devreux (2005) oferece outros importantes elementos para pensar as relações sociais de sexo e assim apreender sua complexidade. A autora organiza sua análise a partir da elaboração de subcategorias e da relação sistêmica entre as atividades das relações sociais de sexo e suas propriedades formais.

As primeiras são as modalidades de ações pelas quais essas relações se exprimem: a divisão sexual do trabalho, a divisão sexual do poder e a categorização do sexo - ou da divisão das categorias do pensamento sobre os sexos. As segundas, as

propriedades, são características formais sob as quais essas relações aparecem no

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a esfera do trabalho produtivo, da família, da escola, do político, etc. Trata-se do caráter transversal (a transversalidade), do caráter dinâmico e do caráter antagônico das relações sociais de sexo... (DEVREUX, 2005, p. 566, grifos nossos).

Existem, pois, três modalidades, por meio das quais, de modo simultâneo e conjunto, as relações sociais de sexo são expressas, quais sejam: a) a divisão sexual do trabalho, b) a divisão sexual do poder e c) a categorização do sexo. Estas são ―(...) modalidades de divisão e de hierarquização dos homens e das mulheres, de sua atividade de trabalho, de seu poder e dos valores ligados a ambos (...)‖ (DEVREUX, 2005, p. 567).

Cabe-nos explicar que não aprofundaremos aqui o conceito de divisão sexual do trabalho, visto que sobre ele nos deteremos mais detalhadamente no segundo capítulo desta dissertação. Entretanto, adiantamos algumas formulações importantes, na medida em que elas - relações sociais de sexo e divisão sexual do trabalho são ―indissociáveis‖ (KERGOAT, 2009).

Em resumo, a divisão sexual do trabalho, enquanto modalidade de expressão das relações sociais de sexo, não se reduz a esta última. Ela é uma divisão social e remete à separação do trabalho, bem como do emprego entre mulheres e homens. Ela perpassa toda a sociedade abarcando a um só tempo as esferas da produção e da reprodução, conferindo o lugar e responsabilidade da primeira aos homens e da segunda às mulheres (DEVREUX, 2005).

A divisão sexual do trabalho nos permite apreender as práticas de trabalho de homens e mulheres e explicar, por exemplo, o fato das mulheres realizarem majoritariamente o trabalho doméstico e de cuidados, e estarem submetidas a relações de trabalho mais precarizadas e a baixos salários em comparação aos homens.

A modalidade divisão social do poder, segundo Devreux (2005) é ―transversal‖ e igualmente à divisão sexual do trabalho e à categorização, compõe as relações sociais de sexo referindo-se às desigualdades na repartição do poder entre mulheres e homens. A ideia da repartição desigual de poder como resultante de diferenciações naturais e biológicas de homens e mulheres foi refutada pelas pesquisas feministas. Estudos na esfera da política e da violência, por exemplo, mostraram como essa desigual divisão do poder, sustentada pela divisão sexual do trabalho e pela categorização oferece os meios pelos quais os homens conseguem exercer poder e controle sobre as funções produtiva e reprodutiva, no trabalho e na família, respectivamente (DEVREUX, 2005, p. 568).

A terceira modalidade de que nos fala Devreux (2005) é a da categorização, que se refere a como a sociedade é sexuada por meio da repartição das pessoas em duas categorias de

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sexo entre ―homens‖ e ―mulheres‖ e da oposição entre ―masculino‖ e ―feminino‖. A categorização, por meio das relações sociais de sexo, organiza um sistema de classificação hierárquica, de atributos, valores e normas para mulheres e homens. É ela, portanto, quem define o que é ou não é ser homem ou mulher, trabalho e não trabalho, produtivo e não produtivo e o que para homens e mulheres é tolerável socialmente.

Podemos afirmar com base no pensamento da autora que essas três modalidades apresentadas operam em movimento simultâneo e de retroalimentação e que em conjunto dão materialidade às relações sociais de sexo.

Vimos até aqui que as relações sociais de sexo são abordadas sob diversas perspectivas: como indissociáveis da divisão sexual do trabalho (KERGOAT, 2003) e a partir de mediações que incluem, além da divisão sexual do trabalho, a divisão sexual do poder e a categorização (DEVREUX, 2005).Temos ainda as relações sociais de sexo enquanto relações de apropriação privada e coletiva, da classe dos homens sobre a classe das mulheres, perspectiva formulada pela socióloga francesa Colette Guillaumin (2014) como veremos a seguir.

Guillaumin (2014) parte da crítica à ideologia naturalista. Essa ideologia define as mulheres a partir de aspectos meramente biológicos, como se estas possuíssem uma ―essência‖ ou ―natureza‖ razão da sua subordinação. Para a autora é essa ideia da existência de uma ―natureza‖ feminina que sustenta, do ponto de vista ideológico, a subordinação das mulheres e legitima o processo de apropriação destas pelos homens.

Essa ideologia naturalista está assentada naquilo que ela chama de sexagem. De acordo com Curiel e Falquet (2014) a autora adota esse termo como forma de estabelecer uma similaridade com outros tipos de relações como a ―servage‖ (servidão) e a ―esclavage‖ (escravidão) (CURIEL; FALQUET, 2014, p. 17).

As relações de sexagem se estabelecem por meio de duas modalidades de apropriação: a apropriação individual ou privada, que ocorre por meio do contrato de casamento, e a apropriação coletiva, pela qual os homens dispõem sobre o conjunto das mulheres (GUILLAUMIN, 2014, p. 35).

Ainda de acordo com Guillaumin, a apropriação se expressa por três formas particulares: a) a apropriação do tempo; b) a apropriação dos produtos do corpo; c) a obrigação sexual; d) o encargo físico dos membros inválidos do grupo (e dos membros válidos do sexo macho) (idem).

O tempo das mulheres é explicitamente apropriado no ―contrato de casamento‖, pela ausência de mediação ou limitação desse tempo e que se estende a todos os membros do

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grupo de mulheres (irmãs, filhas, avós, etc.). O trabalho reprodutivo – doméstico e de cuidados – realizado majoritariamente pelas mulheres é uma expressão desse tipo de apropriação e que desenvolveremos melhor no capítulo seguinte, pois nos será bastante útil na análise do trabalho das mulheres rurais.

A apropriação dos produtos do corpo das mulheres tem a ver com sua impossibilidade de determinarem livremente sobre sua reprodução. Em outras palavras, sua autonomia para decidir sobre ter ou não ter filhos/as ou ainda, quantos filhos/as ter. Como enfatiza Guillaumin (2014), ―a prova sempre atual da apropriação dos produtos é que, no casamento, o número de

filhos não é submetido a contrato, não é fixado, nem submetido à aprovação da esposa‖

(GUILLAUMIN, 2014, 36).

Por último, a obrigação sexual tem a ver com o uso sexual das mulheres, pode ocorrer tanto de forma monetária - na prostituição -, quanto não monetário - no âmbito do casamento. Para Guillaumin (2014) a diferença entre essas duas formas de obrigação sexual - prostituição e casamento - é que na primeira a venda está limitada ao uso físico do corpo, enquanto que na segunda esse uso físico é estendido, ultrapassando todas as formas de utilização da relação sexual.

Importante destacar quanto às formas de apropriação apresentadas pela autora. Ainda que concordemos com as análises de Guillaumin acerca do processo de apropriação das mulheres pelos homens é necessário contextualizar e apreender suas expressões na contemporaneidade.

Sabe-se que um número considerável de mulheres ainda enfrenta restrições quanto à autonomia de decidir sobre sua vida reprodutiva e/ou viver sua sexualidade livremente. São mulheres cuja autonomia sobre seu planejamento reprodutivo é impossibilitada, seja pelas restrições ao acesso a contraceptivos, seja pelas imposições diretas de seus maridos/companheiros que se recusam ou as impedem de usá-los. Sem esquecer das violências sexuais que ainda marcam a vida de muitas mulheres.

Entretanto, também é verdade que, em consequência das lutas travadas pelos movimentos feministas no campo dos direitos sexuais e reprodutivos, criaram-se algumas condições que possibilitam às mulheres o mínimo de autonomia. Isso não significa que seja uma autonomia plena, irrestrita, mas ainda condicionada pelas imposições da sociedade fortemente marcada pelo patriarcado e pelas desigualdades nas relações sociais de sexo. A própria luta pela legalização e descriminalização do aborto que continua como uma das mais fundamentais bandeiras dos movimentos feministas expressa bem as contradições presentes nesse processo de ―apropriação‖ das mulheres sobre seus próprios corpos e de si mesmas.

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Considero que as análises sobre as relações socais de sexo empreendidas por Kergoat (2003), Devreaux (2005) e Guilaumim (2014), principalmente, nos ajudam também a apreender as expressões contemporâneas do processo de exploração e apropriação das mulheres. Ao mesmo tempo em que possibilita distinguir entre ―discursos triunfalistas‖ segundo os quais, todas as mulheres finalmente conquistaram condições de igualdade em relação aos homens; e aqueles que não somente denunciam a permanência das desigualdades das relações sociais de sexo cada vez mais combinadas com o racismo e o capitalismo, mas, sobretudo, que compõem processos de luta dos movimentos feministas.

2.2 As relações sociais de dominação, explororação e apropriação das mulheres

A problemática do entrecruzamento das relações sociais não é uma novidade no campo dos estudos feministas e vincula-se a perspectivas que buscam explicar as desigualdades entre mulheres e homens a partir da análise de sexo, raça, classe e também sexualidade, seja como ―simbiose‖ ou ―nó‖ (Safiotti, 1992; 2004), ―consubstancialidade e coextensividade‖ (Kergoat, 2002; 2003; 2010) ou ainda como ―interseccionalidade‖ (Krenshaw, 2002).

Na França, desde os anos de 1960 e 1970, Danièle Kergoat já propunha a ideia de trabalhar, de forma articulada, as relações sociais de sexo e classe, numa perspectiva materialista, histórica e dinâmica, por meio dos conceitos de consubstancialidade e coextensividade, com o propósito de ―compreender de maneira não mecânica as práticas sociais de homens e mulheres diante da divisão social do trabalho em sua tripla dimensão: de classe, de gênero e de origem (Norte/Sul)‖ (KERGOAT, 2010, p. 93). Apenas posteriormente Kergoat viria a sistematizar e incorporar a dimensão de raça a esses conceitos.

No Brasil, Heleieth Saffioti (2004) usou a metáfora do ―nó‖ para teorizar sobre a indissociabilidade das relações de gênero, classe e raça, como parte do sistema de exploração/dominação, o patriarcado.

A esse respeito, cabe registrar que o debate sobre o modo como as relações sociais de sexo, raça e classe se expressam na dinâmica da totalidade social é atravessado por tensões no campo do feminismo. Referimo-nos mais especificamente às perspectivas de

interseccionalidade (Crenshaw, 2002) e consubstancialidade (KERGOAT, 2010).

A primeira perspectiva tem origem na área jurídica e analisa os efeitos das desigualdades de classe, raça e gênero sobre os direitos dos indivíduos ou grupos. A segunda,

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vinculada ao marxismo, aborda conjuntamente as relações de sexo, raça e classe a partir das relações sociais.

Este debate não é recente, mas tem se intensificado nos últimos anos e ganhou centralidade nos discursos teóricos do meio acadêmico e nos movimentos feministas. Destarte, consideramos importante fazer alguns apontamentos para explicitar em qual perspectiva nos situamos. Discorreremos primeiramente sobre o conceito de interseccionalidade e mais adiante retomaremos as análises de Kergaot sobre consubstancialidade.

O conceito de interseccionalidade tem suas origens no movimento Black Feminism dos anos de 1970 que desferiu contundente crítica ao movimento feminista ―branco, de classe média, heteronormativo‖ (HIRATA, 2014, p. 64) e foi sistematizado posteriormente pela jurista afro-americana Kimberlé W. Crenshaw para designar ―a interdependência das relações de poder de raça, sexo e classe‖ (HIRATA, 2014, p. 62).

Para Crenshaw,

A interseccionalidade é uma conceituação do problema que busca capturar as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da subordinação. Ela trata especificamente da forma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as posições relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras (CRENSHAW, 2002, p. 117).

Kergoat (2010) retoma as definições de Kimberlé Crenshaw sobre interseccionalidade, a partir do artigo ―Mapping the margins‖ [―Mapeamento das margens‖], que busca ―(...) apreender a variedade das interações das relações de gênero e de ―raça‖, o mais próximo possível da realidade concreta das mulheres afro-americanas‖. Esse pensamento a partir de cartografias naturaliza as categorias de análise (KERGOAT, 2010, p. 97-98). De acordo com a autora, essa crítica já havia sido feita por Elsa Dorlin16 (2005):

[…] a definição [de Crenshaw] das relações sociais como setores de intervenção implica que as mulheres […] que enfrentam mais do que uma discriminação se acham em setores isolados. […] O conceito de interseccionalidade e, de maneira geral, a ideia de intersecção, dificulta pensar uma relação de dominação móvel e historicamente determinada […]. Em outros termos, a interseccionalidade é um instrumento de análise que coloca as relações em posições fixas, que divide as mobilizações em setores, exatamente da mesma maneira pela qual o discurso dominante naturaliza e enquadra os sujeitos em identidades previamente definidas (DORLIN, 2005 apud KERGOAT, 2010, p. 98).

16DORLIN, Elsa. ―De l‘usage épisté- mologique et politique des catégories de ‗sexe‘ et de ‗race‘ dans les études

Referências

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