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Artropatia Periférica Associada à Doença Inflamatória Intestinal

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VI CURSO PRÉ -CONGRESSO DO GEDIIB

CAPÍTULO

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Artropatia Periférica

Associada à Doença

Inflamatória Intestinal

Guilherme Grossi Lopes Cançado

Maria de Lourdes de Abreu Ferrari

Introdução

Doença inflamatória intestinal (DII) é um termo amplo, emprega-do para designar emprega-doença de Crohn (DC), retocolite ulcerativa (RCU) e colite indeterminada, afecções caracterizadas por inflamação crônica de caráter recorrente que acometem o trato gastrointestinal. Essas doenças diferem entre si não só pela localização e comprometimento das camadas do intestino, mas também pela sua fisiopatogenia, ain-da não completamente esclareciain-da. O curso clínico, cujas principais manifestações são diarreia, dor abdominal e sangramento intestinal, caracteriza-se por períodos de remissão e exacerbação. As manifesta-ções extraintestinais (MEI), tais como articulares, cutâneas, oculares, hepatobiliares e vasculares, são frequentes e, por vezes, mais inca-pacitantes que a própria doença, com prevalência estimada em 6% a 47%. Essas manifestações podem preceder, acompanhar ou suceder a doença intestinal, associando-se ou não a atividade da doença1.

Os sintomas articulares constituem a MEI mais comum da DC e RCU, acometendo cerca de 14% a 44% dos pacientes, principalmen-te aqueles com acometimento colônico exprincipalmen-tenso2. A artrite associada

a DII foi descrita pela primeira vez por Bargen em 1929, porém so-mente a partir da década de 50 foi classificada como uma entidade distinta da artrite reumatóide e, em seguida, incluída no espectro das espondiloartropatias3,4. Dois grandes padrões de acometimento

articular são reconhecidos na DC e na RCU: a forma periférica,

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bém chamada de artrite enteropática e a forma axial, caracterizada por sacroiliíte com ou sem espondilite5. A artrite periférica ocorre em

2,8% a 31% dos casos, sendo mais comum na DC (10% a 20%) do que na RCU (2% a 7%)2. Recentemente, Vavricka et al.

demonstra-ram que 70% dos pacientes com MEI tinham artrite periférica, sendo esta geralmente a primeira MEI a se desenvolver em 65% dos casos. Nesta mesma coorte, a artrite antecedeu os sintomas intestinais em 19,7% dos indivíduos, estando também associada ao maior risco de desenvolvimento de outras manifestações extraintestinais6.

Orchard e colaboradores, em 1998, sugeriram que a artrite perifé-rica poderia ser subdividida em dois grupos de características e evo-lução distintos, classificação esta que ainda é atualmente adotada: tipo I, oligoartrite assimétrica; tipo II, poliartrite simétrica7. A artrite

do tipo I acomete menos de cinco articulações (pauciarticular), tem caráter agudo e autolimitado, envolvimento assimétrico e migratório, dura menos de dez semanas e acompanha a atividade inflamatória do intestino. Já a artrite do tipo II acomete cinco ou mais articulações (poliarticular), com sintomas que duram meses ou anos, envolvimen-to geralmente simétrico e não reflete a atividade da doença intestinal. A artrite do tipo I frequentemente se associa a outras MEIs, principal-mente à uveíte e ao eritema nodoso, enquanto na artrite do tipo II essa coexistência é rara, exceto pela uveíte. A artrite periférica pode ser crônica e erosiva em 10% dos pacientes e cerca de um quarto dos pacientes apresentam envolvimento axial associado8.

Quadro 1: Características da artrite enteropática tipo I e tipo II

Característica Tipo I Tipo II Número de articulações <5 articulações ≥5 articulações Simetria Geralmente assimétrico Geralmente simétrico Duração Agudo, auto-limitado

(6-10 semanas Meses a anos Perfil articular Geralmente grandes

articulações Geralmente pequenas articulações Articulação mais acometida Joelho Metacarpofalangianas Associação com atividade de doença Sim Não

Associação com outras

manifestações extra-intestinais Frequente Rara, exceto uveíte Associação com HLA HLA-B27, HLA-B35, DR103 HLA-B44

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A íntima relação entre articulação e intestino tem sido descrita em diferentes doenças intestinais. As manifestações articulares são observadas na doença celíaca, na doença de Whipple, após a rea-lização de bypass intestinal e principalmente nas DII. A existência de uma etiologia compartilhada do eixo articulação-intestino tem sido reforçada pela observação de que aproximadamente 70% dos pacientes com espondiloartropatias têm acometimento do trato gas-trointestinal, e que 7% destes irão desenvolver DII. Porém, o meca-nismo patogênico dessa associação permanece por ser elucidado9.

Acredita-se no envolvimento de fatores comuns, como mutações dos genes NOD2, que podem representar o elo de ligação entre a ar-ticulação e intestino, bem como na já comprovada associação com antígenos de histocompatibilidade, presentes tanto nas DII quan-to nas espondiloartropatias. A presença de linfóciquan-tos ativados no intestino de pacientes com DII, que se ligam aos vasos sinoviais inflamados, por meio de diferentes moléculas de adesão e seus re-ceptores, destacando-se a VAP-1, têm sido apontada como um dos principais mecanismos para se explicar essa associação. Mecanis-mos envolvendo outras proteínas, como a proteína transmembrana CD163, expressa por macrófagos, que está aumentada tanto na DC, quanto no líquido sinovial e na mucosa intestinal não-inflamada de pacientes com espondiloartropatias, também tem sido estudados. O aumento da permeabilidade intestinal, além da resposta contra microorganismos possivelmente via mimetismo molecular são me-canismos patogênicos comuns as duas entidades9.

Avaliação clínico-laboratorial

O diagnóstico diferencial das manifestações osteoarticulares agudas nos pacientes com DII é amplo e necessita de investigação e terapêutica apropriada. Deve-se considerar, inicialmente, que o comprometimento articular decorra de manifestação extraintestinal da própria doença, embora seja importante a distinção com outras entidades como artrite séptica, artrite por cristais e osteonecrose asséptica por corticosteróides. Ao se avaliar o paciente com DII que apresente sintomas articulares periféricos, deve-se caracterizar a duração dos sintomas, presença de dor, edema e calor articulares, existência de rigidez e limitação do movimento e número de

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articula-VI CURSO PRÉ -CONGRESSO DO GEDIIB

ções acometidas. A atividade da doença intestinal deve ser determi-nada, uma vez que a artrite pode acompanhá-la. Além disso, deve-se sempre atentar para o diagnóstico diferencial com artrite séptica em pacientes submetidos à imunossupressão, mesmo na ausência de febre, uma vez que estes podem manifestar quadros infecciosos de maneira atípica.

Não existe um marcador laboratorial diagnóstico da artrite perifé-rica associada a DII, sendo o diagnóstico eminentemente clínico10.

As provas de atividade inflamatória, como proteína C reativa, veloci-dade de hemossedimentação, contagem de leucócitos e plaquetas, podem se elevar devido a atividade da doença inflamatória intestinal ou mesmo serem normais na artrite ativa, devendo ser interpretados com cautela e no contexto individual do paciente. A pesquisa do fator reumatóide e do fator anti-nuclear (FAN) geralmente são negativas. Exames de imagem podem auxiliar no diagnóstico diferencial com outras artropatias, mas pouco acrescentam na artrite periférica re-lacionada a DII. Já a punção do líquido sinovial se torna necessária quando há suspeita clínica de artrite infecciosa ou por cristais. Nas artrites enteropáticas geralmente o líquido é inflamatório (5.000-12.000 leucócitos/mm3), mas estéril. A freqüência de HLA-B27 é

baixa e mais freqüente no envolvimento axial do que periférico. De fato, em estudo desenvolvido no Brasil por Lanna et al., este antíge-no estava presente em apenas 5,6% dos pacientes com DC e RCU2.

Por outro lado, Orchard et al. observaram associação dos haplótipos HLA-B27, HLA-B35 e HLA-DR0103 com a artrite tipo I em 27, 32, 33% dos casos, respectivamente, e de HLA-B44 em 62% dos pa-cientes com artrite do tipo II7.

Tratamento

O tratamento da artrite periférica associada a DII deve ser individualizado conforme a gravidade e características do quadro clínico. De maneira geral, o tratamento da doença inflamatória in-testinal deve ser a primeira medida a ser instituída, principalmen-te na artriprincipalmen-te do tipo I. Repouso, analgésicos comuns, fisioprincipalmen-terapia e injeções intra-articulares de glicocorticóides podem ser suficientes na resolução de quadros oligoartrites leves. Anti-inflamatórios não--esteroidais (AINE) podem ser utilizados em pacientes com doença

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intestinal controlada, porém sempre de forma cautelosa e limitados ao menor tempo (idealmente < 2 semanas) e dose possíveis. O uso de AINEs convencionais está relacionado a alto risco de dano na mu-cosa gastrointestinal, incluindo úlceras, erosões e, ainda, complica-ções como sangramento gastrointestinal, perfuração e obstrução. O provável mecanismo para tal toxicidade é a inibição da atividade da isoforma COX-1, que produz as prostaglandinas citoprotetoras PGE2 e PGI2. Somente dois ensaios clínicos randomizados avaliaram a segurança do uso de AINEs seletivos em paciente com DII até o momento. Apesar de se tratarem de estudos pequenos e de curta duração, etoricoxibe e celecoxibe parecem seguros no controle de sintomas articulares de pacientes com DII em remissão11,12.

Des-sa maneira, pode-se considerar o uso AINEs inibidores seletivos da COX-2 para artrites leves ou mesmo como terapia de ponte para sali-citatos, imunossupressores ou antagonistas de TNF-alfa em artrites refratárias, avaliando sempre o risco-benefício do seu emprego no contexto da doença intestinal.

O uso de salicilatos, principalmente sulfassalazina, é útil no ma-nejo do quadro articular, principalmente na RCU, devido aos seus efeitos anti-inflamatórios e moduladores da doença intestinal. Dessa forma, a sulfassalazina é indicada no controle da artrite periférica, particularmente de pacientes com DII em atividade leve a moderada. Metotrexato, azatioprina, 6-mercaptopurina, ciclosporina e lefluno-mida podem ter efeito benéfico no controle da artrite periférica, em-bora não existam ensaios clínicos randomizados sobre sua eficácia. Embora o metotrexato apresente melhores resultados na DC, Peluso

et al. demonstram que essa medicação, na dose de 20mg/semana,

pode ser utilizada no controle da artralgia em pacientes com RCU14.

Além disso, a prednisona, em baixas doses, é freqüentemente em-pregada para alívio dos sintomas articulares, contribuindo também para melhora do quadro intestinal. Em pacientes com RCU, a procto-colectomia parece reduzir a incidência de artrite periférica do tipo I. Por outro lado, alguns relatos de caso descreveram o aparecimento de artrite «de novo” após a cirurgia, especialmente em pacientes com anastomose ileo-anal e bolsite15.

Os antagonistas de TNF-alfa apresentam bons resultados no con-trole de manifestações articulares, tanto axiais como periféricas, de

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pacientes com DII. No início dos anos 2000, diversos autores de-monstraram a eficácia do uso de infliximabe na dose de 5mg/Kg no tratamento da artrite periférica de pacientes refratários a outras terapias16. De maneira semelhante, o estudo CARE revelou uma

re-dução de 75% nos sintomas articulares de pacientes com DC tra-tados com adalimumabe. Embora não existam estudos específicos em RCU, os antagonistas de TNF-alfa estão, atualmente, indicados na terapêutica de pacientes com DII em atividade moderada a grave com sintomas poliarticulares refratários.

Conclusão

Os sintomas articulares constituem a manifestação extra-intesti-nal mais comum das doenças inflamatórias intestinais. Dois padrões de acometimento articular - periférico e axial - são freqüentemente descritos, sendo que os sintomas gastrointestinais geralmente pre-cedem ou coincidem com as manifestações reumatológicas. O trata-mento deve ser individualizado conforme o quadro clínico e forma de apresentação, sendo importante o diagnóstico diferencial com ar-trites infecciosas, principalmente em pacientes imunossuprimidos.

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