UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO
PRÓ REITORIA DE PESQUISA E PÓS GRADUAÇÃO
COORDENAÇÃO DE PÓS GRADUAÇÃO
CURSO DE PÓS GRADUAÇÃO “LATO SENSU” EM CLÍNICA MÉDICA DE PEQUENOS ANIMAIS
DOENÇA INTESTINAL INFLAMATÓRIA FELINA
Bernardo Mourão Octaviani Bernis
BERNARDO MOURÃO OCTAVIANI BERNIS Aluno do Curso de Especialização “Lato Sensu”
em Clínica Médica em Pequenos Animais
DOENÇA INTESTINAL INFLAMATÓRIA FELINA
Trabalho monográfico do curso de pós-graduação “Lato Sensu” em Clínica Médica em Pequenos Animais apresentado à UCB como requisito parcial para a obtenção de título de Especialista em Clínica Médica em Pequenos Animais, sob a orientação do Prof/ Prof.a:
RESUMO
A Doença Intestinal Inflamatória Felina é freqüentemente diagnosticada, porém sua etiologia ainda não é totalmente compreendida. É caracterizada por sinais gastrintestinais inespecíficos, como diarréia, perda de peso, anorexia e, principalmente, vômito. Ocorre um infiltrado de células inflamatórias na mucosa e submucosa dos intestinos, sendo que o diagnóstico mais freqüente em felinos é o de enterite ou colite linfoplasmocitária, dado o grande número de linfócitos e plasmócitos que invade a mucosa intestinal. É um diagnóstico de exclusão, devendo-se descartar todas as outras causas potenciais de êmese e/ou diarréia nos gatos.O diagnóstico definitivo é somente confirmado através de histopatologia, obtido por meio de biópsia da mucosa intestinal, por endoscopia ou laparotomia. Para tanto, é fundamental a utilização das técnicas adequadas para coleta de amostras excelentes, além da presença de um experiente patologista. Deve-se ressaltar a dificuldade na diferenciação histológica entre DIIF e linfossarcoma (linfoma), principalmente quando esta está em sua fase inicial. O tratamento deve associar a terapia farmacológica à dietética. As drogas mais comumente utilizadas são as antiinflamatórias e imunossupressoras, principalmente os corticóides. Já a terapia dietética depende da localização da lesão, e dietas hipoalergênicas ou com alto teor de fibras têm mostrado resultados muito favoráveis, assim como a suplementação parenteral de cobalamina. O prognóstico é bastante variável, e o proprietário deve ser informado de que a resposta terapêutica não significa a cura do animal, e que recidivas são comuns.
Palavras chave: diarréia, gastroenterite, gato
ABSTRACT
intestinal mucosa, through endoscopy or laparotomy. Appropriate techniques to obtain excellent samples are essential in the process of diagnosing the disease. In addition, it is desirable the presence of an expertise pathologist to succeed. The difficulty in discerning histologically IBD and lymphosarcoma (lymphoma) must be high-lighted mostly when lymphosarcoma is in its early phase. The treatment must associate pharmacological therapy and dietary therapy. The most commonly used drugs are anti-inflammatories drugs, immunosuppressive agents (mainly corticoids). The dietary therapy depends on the site of the injury. Positive results are being observed when feeding with hypoallergenic diets or high fiber diets. Cobalamin parenteral supplementation is showing favorable results as well. The prognosis is variable, and the owner must be warned that the therapeutic answer does not mean the complete healing of the animal, and that new episodes are common.
SUMÁRIO Resumo ...3 Índice de quadros ...6 Capítulos 1) Introdução ...7 2) Revisão de literatura ...10 2.1) Epidemiologia ...10 2.2) Etiopatogenia ...11 2.3) Sinais Clínicos ...15 2.4) Diagnóstico ...18
ÍNDICE DE QUADROS
1. Fatores para diferenciar a origem da diarréia ...19
2. Diagnóstico diferencial para felinos com suspeita de DIIF ...23 a 31
3. Comparação anatomopatológica entre enterite linfocítica e linfossarcoma intestinal...41
4. Fármacos mais freqüentemente utilizados no tratamento de DIIF...49
1) INTRODUÇÃO
Inflamação idiopática do trato gastrintestinal felino tem sido reconhecida desde 1970, quando foram descritos casos de colite ulcerativa e histiocitária em felinos. No entanto, foi em meados de 1980 que os termos doença intestinal inflamatória
linfocitária e plasmocitária começaram a ser utilizados pela comunidade científica veterinária.
Doença Intestinal Inflamatória Felina (DIIF) é caracterizada pelo acúmulo de células inflamatórias dentro do trato gastrointestinal, em uma resposta excessiva e não
controlada a uma estimulação antigênica normal, e deve ser diferenciada do processo inflamatório normal em conseqüência à exposição excessiva a antígenos. Na presença de determinado estímulo antigênico, inicia-se uma resposta inflamatória que, processando-se sem controle, perpetua-se e amplifica a lesão inicial. A
extensão desses processos é variável, podendo envolver o intestino delgado e, além dele, o estômago e o cólon. O resultado é uma infiltração de células inflamatórias: linfócitos, eosinófilos, plasmócitos, macrófagos, neutrófilos ou uma combinação destas.
considerados na Gastrenterologia Veterinária como um dos mais importantes grupos nosológicos em gatos na última década.
Devido à inespecificidade dos sintomas e do quadro clínico apresentados pelo paciente, o exame físico, na maioria das vezes, não traz grandes informações. Endoscopia e biópsia da mucosa do trato gastrointestinal são normalmente os métodos preferidos para se obter um diagnóstico definitivo de DIIF. Para tanto, é
fundamental a utilização das técnicas adequadas e a presença de um experiente patologista. Todavia esse diagnóstico não pode ser baseado apenas na presença de células inflamatórias dentro do trato gastrointestinal, visto que este é um diagnóstico de exclusão, devendo-se descartar todas as outras etiologias potenciais que causam
êmese e/ou diarréia, incluindo parasitas, bactérias, fungos, vírus, protozoários, neoplasias, patologias extra intestinais como pancreatite, nefropatias ou hepatopatias , intolerância dietética e alergia alimentar.
O tratamento é realizado de acordo com a severidade da doença, mas é usualmente
baseado na antibioticoterapia, administração de drogas antiinflamatórias e imunossupressoras e na modificação da dieta, aspecto comprovadamente importante para a remissão e controle da doença.
2) REVISÃO DE LITERATURA
2.1) EPIDEMIOLOGIA
A doença intestinal inflamatória felina é observada, principalmente, em animais de meia
idade (cinco a oito anos) e pacientes geriátricos. Porém, há descrições em um pequeno número de pacientes com idade inferior a dois anos. Esta doença acontece em gatos tão jovens quanto seis meses, e 23% dos animais afetados apresentaram menos de um ano de idade em alguns estudos. Não existe predisposição racial óbvia para DIIF, apesar de alguns
2.2) ETIOPATOGENIA
A etiologia da DIIF ainda não foi totalmente elucidada. Sua origem é complexa e não completamente compreendida, mas acredita-se que seja uma resposta apropriada a um estímulo anormal e persistente, devido a uma alteração estrutural do intestino ou causado
por agente específico dentro do lúmen, ou uma resposta imunológica exacerbada e prolongada a um estímulo normal (JUNIOR, 2003; KRECIC, 2001; WILLARD, 1999). Há um grande número de antígenos aos quais o trato gastrintestinal é exposto diariamente, podendo desencadear reações inflamatórias locais. Dentre as várias causas
dessa inflamação podemos incluir parasitas, bactérias, fungos, vírus, protozoários, neoplasias, doenças extra-intestinais (como pancreatite, nefropatias, hepatopatias), hipertireoidismo (tireotoxicose), intolerância dietética e alergia alimentar.
A resposta a esses estímulos antigênicos ocorre mediante um influxo de células
inflamatórias (linfócitos, eosinófilos, plasmócitos, macrófagos, neutrófilos ou uma combinação destas) na mucosa, cuja gravidade e extensão podem variar consideravelmente, o que explica a diversidade de manifestações clínicas. As camadas muscular e serosa não apresentam envolvimento significativo, na maioria das vezes
Há fortes indícios de que seja uma afecção mediada pelo próprio sistema imune, que se torna o mediador e perpetuador dos danos teciduais observados nestes pacientes. Esta
afirmativa tem como base a falta de detecção de agentes infecciosos na etiologia desses processos, bem como uma boa resposta terapêutica às drogas antiinflamatórias e imunossupressoras (ZORAN, 2000; JUNIOR, 2003).
Mudanças na mucosa podem participar na resposta imune aberrante associada com a
DIIF e fatores genéticos podem afetar a composição da mucosa. Genes aberrantes podem codificar um produto regulador da resposta imune que contribui para a alteração estrutural do trato gastrintestinal. Esses produtos podem torná-lo mais susceptível ao ataque por infecções, toxinas ou reações auto imunes (KRECIC, 2001).
Esta doença, portanto, parece ser resultado de interações do sistema imune da mucosa, fatores genéticos individuais e fatores ambientais como, por exemplo, a microbiota entérica (JUNIOR, 2003).
Ela é caracterizada pela localização no trato gastrintestinal (estômago, intestino delgado
ou cólon) e o tipo celular predominante. Pode haver mais de uma linhagem celular em predomínio, o que permite uma classificação mista (JUNIOR, 2003).
A classificação mais comum é colite linfocítica plasmocitária e gastroenterite linfocítica
O segundo tipo mais importante de DIIF em gatos é a enterite eosinofílica. Nestes animais, as células inflamatórias localizadas dentro da lâmina própria do intestino são os
eosinófilos. Especula-se que isso pode ser resultado de reação imunológica a parasitas ou a dieta. Os gatos que apresentam DIIF eosinofílica sempre demonstram eosinofilia sistêmica (SIMPSON, 2003; ZORAN, 2000).
A síndrome hipereosinofílica é uma enfermidade rara em gatos, e designa uma situação
hematológica inespecífica que se caracteriza por eosinofilia acentuada persistente. Essa condição sangüínea acarreta em doença sistêmica concomitante e está associada a parasitismo, doenças fúngicas, reações de hipersensibilidade e neoplasias (FIGHERA, R. A., 2004).
Outras formas descritas em gatos incluem enterocolite eosinofílica, que não são tão comuns, enterite ou colite supurativa ou neutrofílica, que são raras e apontam para uma etiologia infecciosa que deveria ser investigada. E ainda enterite ou colite granulomatosas, comuns na infecção por Coronavírus. São observados infiltrados inflamatórios difusos na
mucosa de todo o trato gastrintestinal, ou acometendo porções específicas dos mesmos (JUNIOR, 2003).
Qualquer região do trato gastrintestinal, desde o estômago até o intestino grosso, pode
pela produção de mediadores inflamatórios como as prostaglandinas e leucotrienos. Como resultado haverá alterações na absorção da mucosa, secreção, permeabilidade e
motilidade intestinal (JERGENS, 2002; ROCCABIANCA, 2000).
Pesquisadores identificaram um desequilíbrio no perfil normal de citocinas em pacientes afetados com DIIF e especulam que este desequilíbrio pode contribuir com a patologia da mesma. A motilidade intestinal seria afetada por doença inflamatória, uma vez que
citocinas liberadas dos imunócitos poderiam alterar a função neural ou do músculo liso entérico, resultando em motilidade anormal (KRECIC, 2001).
Há perda de integridade da mucosa, alteração de sua permeabilidade, entrada de microorganismos da microbiota entérica e antígenos (proteínas da dieta), estimulando e
2.3) SINAIS CLÍNICOS
Os sinais clínicos mais comuns da DIIF são diarréia, perda de peso, anorexia e, principalmente, vômito. Este parece ser o sintoma mais consistente desta afecção.
Freqüentemente, os gatos não são avaliados até que a sintomatologia se torne freqüente e
severa. Apesar de alguns pacientes apresentarem início súbito dos sintomas, os quadros eméticos são normalmente intermitentes, com evolução de semanas, meses ou anos, sendo muitas vezes tratados como distúrbios gástricos (ex: ingestão de pêlos) e pancreáticos, quando na verdade a doença primária é intestinal. É importante observar que
não há correlação entre vômito e o momento da ingestão de alimento e/ou água (KRECIC, 2001; JUNIOR, 2003; SIMPSON, 2003).
A localização da doença é acompanhada pela avaliação da sintomatologia clínica. Evidências de vômito, perda de peso e diarréia aquosa são freqüentemente atribuídas à
doença do trato gastrointestinal alto, e evidências de hematoquezia, fezes mucóides, tenesmo e freqüência aumentada de defecação são normalmente atribuídas à doença do trato gastrointestinal baixo. No entanto, a sintomatologia clínica não é sempre específica ao local de comprometimento e alguns gatos apresentam envolvimento simultâneo de intestino
A diarréia, segundo sintoma mais comum da doença, parece ser menos comum em doença puramente do intestino delgado, mas parece ser relativamente comum em gatos com
doença do intestino grosso. Ela ocorre, freqüentemente, em fases mais tardias da doença, podendo manifestar-se de forma aguda ou crônica, sendo esta intermitente ou até intratável. Pode ocorrer ausência de resposta total ou temporária ao tratamento instituído (SIMPSON, 2003).
Indivíduos que apresentam processos crônicos normalmente manifestam diarréia em associação a eventos de estresse, como a introdução de novo animal no ambiente, cio, acasalamento, mudança de lar, doenças intercorrentes (SIMPSON, 2003; JUNIOR, 2003). A razão pela qual a diarréia não é o sinal mais consistente em gatos com DIIF
provavelmente está relacionada com a habilidade do mesmo em conservar água nos rins e cólon. O que produz a diarréia é o excesso de água nas fezes, e gatos são marcadamente capazes de conservar essa água (WILLARD, 1999).
O apetite nesses pacientes é bem variável. Pode não haver nenhum tipo de alteração,
porém extremos podem ser observados, como anorexia ou polifagia. Freqüentemente há períodos de inapetência/hiporexia, vômitos e apatia intercalando com períodos de normalidade onde o proprietário pode observar melhora na ingestão do alimento nos dias
em que o animal não vomita e está mais ativo (TAMS, 1993; JUNIOR, 2003).
Outros sintomas observados são: flatulência, borborigmos, fezes fétidas, hematêmese (quando houver lesões ulcerativas no estômago e/ou duodeno), halitose, poliúria, polidipsia, mudanças de comportamento (defecação em locais não usuais, ansiedade, excitação,
2.4) DIAGNÓSTICO
2.4.1) Histórico e exame clínico
O diagnóstico da DIIF é auxiliado pelo histórico, exame clínico detalhado e exames laboratoriais, sendo necessário antes descartar todas as patologias que causam diarréia
crônica. Todavia, o diagnóstico definitivo é somente confirmado através de histopatologia, obtido por meio de biópsia da mucosa intestinal (WILLARD, 1999).
O histórico e o exame clínico são úteis para determinar se o vômito e a diarréia são primários do trato gastrointestinal ou secundários a doenças extra intestinais (MARKS,
2000).
O histórico pode auxiliar identificando alguns fatores predisponentes, tais como a dieta, fatores ambientais, exposição a parasitas, agentes infecciosos, drogas, toxinas, etc. Ele
deve conter informações importantes como o tempo de duração dos sinais clínicos, a dieta do paciente (e possíveis alterações nesta), descrição das características das fezes (cor, volume, presença de muco ou sangue,etc), freqüência de defecação, freqüência dos vômitos (e se estes estão ou não relacionados à ingestão de alimentos), perda de peso,
É importante buscar a diferenciação entre diarréia de intestino delgado e intestino grosso,conforme demonstrado no quadro 1, pois os seus diagnósticos e tratamentos são
diferentes.
Quadro 1: Fatores para diferenciar a origem da diarréia
Característica Diarréia de intestino
delgado
Diarréia de intestino grosso
Freqüência 2-3 vezes o normal > 5 vezes o normal
Volume Aumentado Normal a reduzido
Tipo de sangue Melena Hematoquezia
Muco Ausente +/- Presente
Esteatorréia Possível (má absorção e má digestão)
Ausente
Alimento não digerido Possível (má absorção e má digestão)
Ausente
Coloração Variável (amarronzada,
amarelada, esverdeada)
Raramente muda
Disquezia Ausente Presente (cólon e reto)
Tenesmo Ausente Freqüentemente presente
Urgência Normal a levemente
aumentada
Aumentada (tenesmo)
Perda de peso Possível (má absorção e má digestão)
O exame físico pode auxiliar a eliminar doenças que se assemelham a DIIF. Um animal com DIIF pode apresentar febre, desidratação, perda de peso, em virtude das alterações
absortivas, redução na absorção de alimentos e aumento na exsudação entérica, fraqueza ou depressão, alterações de pelagem, anemia devido a uma perda de sangue pelas fezes e efusões ou edemas, devido a hipoalbuminemia (Fig.1 e 2). Um minucioso exame da região cervical permite detectar aumentos de volume nos lobos tireoideanos, uma vez que
a tireotoxicose pode acarretar em enteropatias (JUNIOR, 2003; MARKS, 2000).
Figura 2: Mesmo animal, apresentando alterações de pelagem, devido à síndrome de má absorção.
A palpação abdominal pode revelar anormalidades como alças intestinais espessadas e firmes, muitas vezes apresentando sensibilidade variável, principalmente nos casos mais graves. Não raramente, há conteúdo líquido e gás no intestino. Na enterite eosinofílica a
2.4.2) Diagnóstico diferencial
O diagnóstico de doença intestinal inflamatória é de exclusão, havendo necessidade de se fazer o diagnóstico diferencial (quadro 2). A realização de exames laboratoriais se faz necessária. Hemograma completo, bioquímica sérica, urinálise, dosagens de hormônios
tireoideanos, sorologia para FIV e FeLV, coproparasitológico e citologia fecal são normalmente realizados, de acordo com a sintomatologia apresentada pelo paciente (WILLARD, 1999; JUNIOR, 2003; ZORAN, 2000).
O papel da dieta como causa de doença gastrointestinal não é bem entendida. Existem
duas formas reconhecidas de dieta associada com doença gastrointestinal que podem clinicamente remeter a Doença Intestinal Inflamatória Felina: intolerância alimentar e alergia (hipersensibilidade) alimentar.
A intolerância alimentar é uma reação adversa ao alimento, aditivos do alimento ou
ingredientes do alimento, sem a presença do sistema imune. A alergia (ou hipersensibilidade) dietética é uma reação imunológica aos componentes do alimento, usualmente glicoproteínas e proteínas.
A incidência de ambas condições é desconhecida, mas intolerância dietética é
são hipoalergênicas ou contêm menos componentes comumente associados com reações adversas (GUILFORD, 2001; ZORAN, 2000).
A intervenção dietética no manejo das doenças gastrointestinais será discutida posteriormente.
Quadro 2: Diagnóstico diferencial para felinos com suspeita de DIIF
Diagnóstico Diferencial
Patologia Patogenia / Sinais Clínicos
Diagnóstico
Parasitismo Infecção por
Nematóides e
Cestóides
Infecção subclínica ou sinais inespecíficos, tais como pelagem sem brilho, baixo ganho de peso ou gastroenterite.
Exame parasitológico de fezes
Giardíase Aparecimento de fezes
pastosas, fétidas ou diarréicas (diarréia de intestino delgado); pode haver síndrome da má absorção, esteatorréia e melena; outros sinais
incluem vômitos,
desidratação,flatulência.
Exame de
Criptosporidiose Animais
imunossuprimidos por drogas ou por infecção por FIV/FeLV têm maior chance de desenvolver a doença clínica e apresentar diarréia persistente
(principalmente de intestino delgado, mas descreve-se também a
de intestino
grosso),vômitos e perda de peso
Identificação de oocistos nas fezes por
técnicas de concentração (centrifugação em sulfato de zinco), coloração de esfregaço de fezes ou ensaios com anticorpos imunofluorescentes.
Toxoplasmose Sinais gastrointestinais como anorexia, perda de peso, vômitos e diarréia podem acontecer em gatos filhotes, gatos jovens e adultos imunossuprimidos. Além disso, podem ocorrer pneumonia, uveíte, encefalite, miosite, hepatite e pancreatite.
Infecções Helicobacteriose Vômito, devido à gastrite, é o principal sinal clínico
dessa bactéria.
Ocasionalmente podem ocorrer diarréia, dor abdominal, e perda de peso.
Difícil. Enviar amostras para cultura, examinar espécimes citológicos de suco gástrico ou
claps, exames
histopatológicos
(obtidos por endoscopia e biópsia gástrica) ou PCR
Clostridiose São habitantes normais do trato gastrointestinal e não são patogênicos, a não ser que condições gastrointestinais se tornem favoráveis para a formação de esporos e
produção de
enterotoxinas. Podem levar a um quadro de diarréia de intestino grosso com muco fecal, quantidades pequenas de sangue fresco, fezes escassas e pequenas, tenesmo e aumento na freqüência de defecação. Não há um exame específico em gatos. Pode-se procurar esporos em fezes coradas (mais de cinco esporos por campo de imersão em óleo em grande aumento -anormal); ou usando ensaio humano para exame de fezes, à
procura de
Campilobacteriose Filhotes entre seis e
doze semanas
freqüentemente
desenvolvem doença
intestinal aguda
caracterizada por fezes amolecidas ou mucóides, chegando à diarréia aquosa, profusa e sanguinolenta e, com freqüência, acompanhada de tenesmo.Podem
apresentar, ainda, febre, anorexia e vômitos. Adultos geralmente são assintomáticos.
O diagnóstico definitivo é baseado na cultura de fezes.
Salmonelose Sinais clínicos que
ocorrem em 50% dos casos incluem severa gastroenterite com vômitos, hipersalivação, dor abdominal, diarréia com sangue, depressão,
febre, anorexia,
desidratação e perda de peso. A mortalidade pode ser alta em filhotes.
Tricomoníase Diarréia crônica de intestino grosso, com aumento na freqüência de defecação, fezes fétidas, de consistência semi formada a líquida, ocasionalmente
contendo sangue e muco.
Mais comum em filhotes e gatos jovens.
Exame direto por
microscopia de
amostras de fezes (pesquisa de trofozoítos de T.foetus; cuidado para não confundir com Giárdia sp.).
Em caso de resultado negativo, pode-se realizar cultura de fezes para o protozoário; outra opção é o exame de PCR.
Infecção por FIV/ FeLV Os sinais clínicos de infecção do trato gastrointestinal (inespecíficos) estão associados às co-infecções ou à ação direta dos vírus nos enterócitos. Dentre eles podemos citar anorexia, emagrecimento
progressivo, vômitos e diarréia persistente de intestino delgado.
Todos os animais devem ser sempre testados para FIV e FeLV.
Sorologia: ELISA (mais utilizado),
Peritonite Infecciosa Felina
A Peritonite Infecciosa Felina também deve ser considerada em gatos
com doença
gastrointestinal,
especialmente aqueles de raça pura, criado em gatis e apresentando perda de peso, vômito, diarréia crônica e desidratação. O seu diagnóstico definitivo só é possível por exame histopatológico, post mortem ou ocasionalmente por meio de biópsia; PCR sérico não tem a
capacidade de
distinguir entre PIF e Coronavírus entérico felino. Alterações Metabólicas Hipertireoidismo Sintomas gastrointestinais de animais com hipertireoidismo incluem anorexia, perda de peso, vômito e diarréia crônica de intestino delgado (aumento de volume das fezes, freqüência de defecação leve a moderadamente aumentada); síndrome de má absorção pode também ocorrer. Ao exame físico é possível palpar a glândula tireóide aumentada em 85-90% dos gatos afetados.
O diagnóstico
confirmativo é obtido pela medição do nível de T4 total, que estará elevado em cerca de
90% dos gatos
Hipoadrenocorticismo Alguns sinais gastrointestinais podem estar presentes, como anorexia, perda de peso, vômito e desidratação. Diarréia é menos freqüente. A confirmação diagnóstica é obtida pelo teste de estimulação pelo ACTH.
Pancreatite Pode apresentar
vômitos, perda de peso, polifagia e diarréia crônica intermitente. Esta pode se apresentar em grande volume, de consistência entre pastosa e fluida, de cor
amarela pálido;
esteatorréia com
alimento semi digerido e de aroma fétido também pode ocorrer.
Difícil, uma vez que níveis de enzimas pancreáticas podem estar normais, pois elevações de amilase e lípase estão pobremente correlacionadas com inflamação pancreática em gatos. O exame ultra-sonográfico de abdome pode ser muito útil. Hipersensibilidade
alimentar (base imunológica)
Além dos sinais
gastrointestinais como vômitos e diarréia de intestino delgado, podem ocorrer anormalidades dermatológicas.
Neoplasias Linfossarcomas (Linfomas)
Perda de peso,
inapetência progressiva, e diarréia crônica de intestino delgado são comuns, podendo causar
síndrome de má
absorção e esteatorréia . Melena pode ocorrer, assim como episódios de vômito.
Formas focais podem levar a obstruções.
A confirmação
diagnóstica ocorre
através de
histopatologia, obtida por meio de biópsia do trato gastrointestinal (presença de linfócitos neoplásicos). Outros Supercrescimento Bacteriano no Intestino Delgado Presença de diarréia de intestino delgado (volume de fezes maior que o normal, sem presença de muco ou
sangue, não há
Quadros obstrutivos, alterações funcionais nas alças intestinais.
Obstruções parciais e desordens de motilidade podem levar o animal a apresentar quadro de diarréia de intestino delgado.
Radiografias
2.4.3) Exames laboratoriais
Anormalidades do hemograma não são específicas para DIIF. Pode haver anemia discreta, geralmente arregenerativa, associada ou não a leucocitose sem desvio à esquerda, o que sugere processo inflamatório crônico ativo, ou ainda, leucogramas de
estresse. Animais com síndrome hipereosinofílica geralmente apresentam eosinofilia variável (KRECIC, 2001; JUNIOR, 2003; TAMS, 1993).
Hiperproteinemia e hipoproteinemia têm sido notadas em gatos com DIIF. Hiperproteinemia é observada em pacientes que apresentam aumento da fração de
globulinas em decorrência de infecção pelo vírus da Peritonite Infecciosa Felina ou devido ao processo inflamatório crônico existente, devido à ativação inespecífica de células B. Hipoproteinemia, devido a hipoalbuminemia, apesar de rara em gatos, pode ocorrer, sugerindo maior gravidade do quadro. Razões para hipoalbuminemia e hipoproteinemia
incluem diminuição da absorção e excessiva perda de proteína pela mucosa inflamada, redução na ingestão de proteína devido à anorexia, e perda sanguínea devido a ulcerações do trato gastrointestinal. Hipoalbuminemia com concentração globulínica normal ou aumentada deve ser distinguida de nefropatias com perdas protéicas e doença
Enzimas hepáticas aumentadas (ALT e AST, principalmente) podem ocorrer em caso de comprometimento hepatobiliar, uma vez que a tríade doença intestinal inflamatória/
pancreatite/ colangiohepatite não é rara de se observar em felinos. Inflamação intestinal severa em paciente com DIIF pode aumentar a permeabilidade da mucosa intestinal, permitindo a entrada de vários antígenos (incluindo bactérias) na circulação portal , ganhando acesso direto ao fígado. Além disso, os patógenos podem ascender no sistema
biliar e alcançar o fígado e o pâncreas, causando inflamação. Desta forma, gatos com colangite/ colangiohepatite supurativa devem ser avaliados para DIIF, e gatos que estão sendo tratados para DIIF sem resposta devem ser avaliados para doenças hepáticas (WILLARD, 1999).
Em relação à pancreatite, os níveis de enzimas pancreáticas podem estar normais, pois elevações de amilase e lípase estão pobremente correlacionadas com inflamação pancreática em gatos; no entanto, os níveis de amilase podem estar aumentados em caso de doença gastrointestinal primária.
Dosagem de uréia e creatinina, além da urinálise, devem ser realizadas para se descartar alguma alteração renal, que também poderia levar a quadro gastroentérico inespecífico. Pacientes apresentando quadros catabólicos crônicos em decorrência de hiporexia ou
anorexia prolongadas, devem ser avaliados quanto à presença de lipidose hepática secundária (JUNIOR, 2003; KRECIC, 2001).
Estudos recentes têm mostrado claramente que gatos apresentando doenças do trato gastrointestinal severas ou crônicas apresentam deficiência de cobalamina. É uma
vitamina hidrossolúvel que possui importante papel em processos bioquímicos e reações celulares, incluindo reparo epitelial do trato gastrointestinal. Ela tem sido utilizada como um marcador diagnóstico para doenças gastrointestinais e demonstrado que a sua deficiência pode contribuir para o aparecimento de sinais clínicos e manifestações da
doença gastrointestinal em alguns pacientes. Estudos com cobalamina marcada radioativamente em gatos têm demonstrado que a meia vida deste composto é significativamente reduzida em casos de doença do trato digestivo. Nos gatos, a absorção de cobalamina ocorre apenas no íleo. Deficiência dietética é rara e aparentemente só
acontece em animais recebendo alimento caseiro, e/ou em dietas exclusivamente vegetarianas. Desta forma, um reduzido nível sanguíneo de cobalamina em qualquer paciente será provavelmente um reflexo de baixa disponibilidade do mesmo no íleo, que pode ser resultado de três mecanismos: disponibilidade reduzida de fator intrínseco
(devido a uma insuficiência pancreática exócrina), doença de mucosa (ex: DIIF) ou competição bacteriana (ex: supercrescimento bacteriano no intestino delgado).
A deficiência é documentada pela análise sérica dos níveis de cobalamina e a utilidade
máxima do diagnóstico na sua mensuração é obtida pela medição desta vitamina em combinação com outros compostos, como o folato, ácidos biliares não conjugados e tripsina imunoreativa.
Recomenda-se que todos os gatos com histórias crônicas de doença gastrointestinal
2.4.4) Diagnóstico por imagem
A avaliação radiográfica do trato gastrointestinal, mediante exames contrastados com sulfato de bário, não é específica para Doença Intestinal Inflamatória Felina, e não é muito útil no seu diagnóstico. Ela pode permitir a identificação de alterações no diâmetro das
alças intestinais (maior que um centímetro), devido ao espessamento das paredes intestinais; nodulações que sugiram linfonodopatia mesentérica; irregularidades da mucosa intestinal; retardo no trânsito do bário (duração maior que sessenta minutos). Portanto, tal exame, se realizado corretamente, é de valia para descartar processos
obstrutivos e alterações de motilidade (JUNIOR, 2003; KRECIC, 2001; WILLARD, 1999). A ultra-sonografia é uma técnica que tem se mostrado bastante útil para detectar várias alterações em felinos com DIIF, sendo muito sensível para determinar a gravidade de alguns processos. É um procedimento relativamente rápido e fácil, porém é extremamente
dependente do examinador, uma vez que operadores não treinados podem facilmente perder lesões importantes ou errar a interpretação daquelas encontradas. Os achados ultra-sonográficos mais consistentes são: ecogenicidade alterada do padrão hiperecóico das camadas serosa e submucosa e hipoecóico das camadas muscular e mucosa;
intestinal; ecogenicidade alterada e aumentos de volume dos linfonodos mesentéricos. Ela também é útil para revelar a presença de massas e para avaliação de outros órgãos,
como fígado e pâncreas, devido a um eventual envolvimento destes nessa patologia. Outro benefício dessa técnica de imagem é determinar a escolha do melhor método para obtenção de biópsias: laparotomia ou endoscopia. Ela ajuda o clínico a determinar se há lesões que estão fora do alcance do endoscópio, o que faria da laparotomia o melhor
2.4.5) Biópsia intestinal e histopatologia
O diagnóstico definitivo só pode ser determinado por meio de biópsia da mucosa intestinal, assim como a gravidade do quadro e o prognóstico. O procedimento só é recomendado após a total eliminação dos possíveis diagnósticos diferenciais (JUNIOR,
2003).
A obtenção dos fragmentos de biópsia pode ser realizada por endoscopia ou laparotomia. A endoscopia é menos invasiva, rápida, permite exame direto da mucosa intestinal e indica locais para a realização da biópsia. Ela também tem a vantagem de permitir a
colheita de um maior número de amostras, até que pelo menos cinco a oito amostras excelentes sejam obtidas. É o método preferido para biópsias de cólon. Dentre as suas limitações podemos destacar o fato de o endoscópio não alcançar certas regiões, impedindo, desta forma, que a biópsia seja realizada no jejuno e íleo.As amostras obtidas
por esta técnica freqüentemente na são suficientes para fechar o diagnóstico, em virtude da superficialidade com que são coletadas.
Através da laparotomia exploratória abdominal devem ser retirados, no mínimo, três fragmentos intestinais, de duodeno, jejuno e íleo. Caso haja comprometimento de
Biópsia de cólon deve ser evitada por essa técnica (JUNIOR, 2003; KRECIC, 2001; MARKS, 2000; WILLARD, 1999).
Infelizmente, é particularmente fácil de se obter amostras pobres do intestino delgado e não passíveis de diagnóstico. Este problema não ocorre somente com amostras obtidas via endoscopia (conforme dito anteriormente), mas também com aquelas de tecido muito espessado, obtidas via laparotomia. Amostras consideradas excelentes são aquelas que
envolvem toda a mucosa da ponta das vilosidades intestinais e não estão repletas de artefatos devido ao esmagamento (WILLARD, 1999).
A doença intestinal inflamatória crônica é diagnosticada e classificada segundo o infiltrado celular predominante na mucosa e sua localização no trato gastrointestinal. Pode haver
mais de uma linhagem celular em predomínio, o que permite uma classificação mista. O diagnóstico mais freqüente em felinos é o de enterite ou colite linfoplasmocitária, dado o grande número de linfócitos e plasmócitos que invade a mucosa. Estes dois tipos celulares sempre estão presentes na mucosa intestinal de animais normais; desta forma,
o patologista deve determinar se aquelas ali presentes estão em número normal ou aumentado. Infelizmente não há um critério geral para realizar essa determinação, fazendo com que diferentes patologistas possam descrever a mesma seção do intestino
de forma distinta (KRECIC, 2001; WILLARD, 1999).
Outras alterações encontradas no exame histopatológico são: número aumentado de células inflamatórias na lâmina própria, número aumentado de linfócitos intraepiteliais,
estrutura alterada da mucosa como fusões das vilosidades ou atrofia, edema e fibrose. A submucosa não é freqüentemente afetada nesta patologia, exceto em casos agressivos como enterites eosinofílica e granulomatosa (KRECIC, 2001).
A histopatologia também se presta a determinar a gravidade das lesões através da
intensidade do infiltrado celular, tipo de epitélio do segmento envolvido, arquitetura das vilosidades/criptas/glândulas, além de outras alterações inflamatórias observadas no tecido.
Normalmente, DIIF suave se refere ao aumento do infiltrado inflamatório sem haver
distorção da arquitetura; a moderada se refere ao aumento do infiltrado inflamatório com separação e distorção das glândulas ou criptas, e leve aglutinação das vilosidades; e a grave está relacionada a um aumento do infiltrado inflamatório com necrose epitelial multifocal marcada pela separação das glândulas ou criptas, fibrose, fusão e junção das
vilosidades (JUNIOR, 2003; KRECIC, 2001).
Uma das dificuldades para os patologistas é a distinção entre DIIF e linfossarcoma (ou linfoma) em estágio inicial. Este pode ser identificado com acurácia quando há presença
de infiltrado monomórfico linfocítico significativo e presença de células mitóticas, mas o diagnóstico é mais difícil quando essas mudanças não são tão óbvias. No início da doença, os linfossarcomas podem se apresentar como infiltrados inflamatórios que se estendem por todas as camadas (e não restritos à mucosa) podendo, portanto, mimetizar
Quadro 3: Comparação anatomopatológica entre enterite linfocítica e linfossarcoma intestinal
Enterite Linfocítica Linfossarcoma Intestinal Lesões Macroscópicas Espessamento de alças NDN ou + NDN ou + Envolvimento de outros órgãos NDN NDN ou + Características histológicas
População celular Heterogênea Homogênea
Infiltração na lâmina própria
NDN ou + NDN ou +
Infiltrados na sub mucosa NDN ou + NDN ou +
Infiltrados na muscular NDN NDN ou +
Infiltrados na serosa NDN NDN ou +
Envolvimento de outros órgãos
NDN NDN ou +
Fonte: JUNIOR, A. R. Doença Intestinal Inflamatória Crônica. In: JUSTEN, H. Coletâneas em Medicina e Cirurgia Felina, 1.ed., Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: LF Livros de Veterinária, 2003. Cap.12, p.155-164.
A progressão do processo inflamatório ao linfossarcoma tem sido uma preocupação de ocorrência potencial em casos de DIIF severa. Ainda na foi comprovada essa associação,
assim como ocorre nos homens com relação à Doença de Crohn. Imunohistoquímica é a melhor maneira de distinguir as duas síndromes por separar populações de linfócitos usando os antígenos de superfície. No entanto, estes testes são caros e não são universalmente disponíveis. Desta forma, se o patologista não conseguir distinguí-las e o
teste de imunohistoquímica não é disponível, deve-se tratar o paciente para a DIIF e observar sua resposta a longo prazo. Enquanto o prognóstico para controle de DIIF pode ser favorável através de tratamento farmacológico e dietético adequados, linfossarcoma intestinal geralmente é uma doença fatal (KRECIC, 2001; RAGAINI, 2003; WILLARD,
2.5) TRATAMENTO
A terapêutica da DIIF inclui o controle dietético, a suplementação com fibras e a administração de drogas antiinflamatórias e imunossupressoras. É extremamente importante que o manejo clínico desse paciente seja esquematizado individualmente, com
base na correlação entre sinais clínicos, achados laboratoriais, alterações histológicas, resposta à terapia escolhida, bem como gravidade e variedade dos efeitos colaterais das drogas, aceitabilidade das mesmas pelo paciente, cooperação e disponibilidade do proprietário e custos gerais do tratamento. Animais jovens, com idade inferior a cinco anos,
requerem menor tempo de tratamento, uma vez que pacientes mais velhos tendem a apresentar quadros de maior cronicidade (JUNIOR, 2003; WILLARD, 1999).
2.5.2) Tratamento farmacológico
Os principais fármacos utilizados no tratamento e controle dos pacientes felinos com DIIF estão demonstrados no quadro 4.
suspeita, deve-se realizar sorologia para detecção de FIV e FeLV, assim como titulação de IgM para Toxoplasmose. Além disso, não se deve iniciar sua instituição previamente à
biópsia, pois pode conduzir o clínico a alguns erros de abordagem. O primeiro deles se refere ao fato de que os linfomas alimentares são sensíveis aos corticóides e caso sua administração seja precoce, pode ocorrer uma resistência tumoral a uma das principais drogas incluídas em seu protocolo terapêutico. O outro grande problema é a ação
orexígena proporcionada pelos corticóides, melhorando o apetite e assim acarretando na melhora sintomática do mesmo, ainda que os sintomas não sejam causados pela doença inflamatória, levando a um erro de diagnóstico (JUNIOR, 2003; WILLARD, 1999).
Para aqueles pacientes que apresentam processos inflamatórios discretos a moderados,
com sinais clínicos brandos, a prednisolona oral é a droga inicial de escolha. A maioria dos gatos inicia uma resposta dentro de uma a duas semanas após a administração da droga. Havendo melhora total dos sintomas, mantém-se a mesma dose por mais duas a quatro semanas, quando se realiza uma redução gradual da dose (25% da mesma, a cada quinze
dias) até total suspensão da medicação, podendo levar meses para ocorrer. Não existem dados mostrando qual o tempo ótimo para usar a dose inicial de prednisolona antes de diminuí-la. No entanto, se esta diminuição ocorrer muito rapidamente, pode-se observar
reincidência dos sinais clínicos, dificultando sua interpretação (JERGENS, 2002; JUNIOR, 2003; WILLARD, 1999).
Se o animal com DIIF não responder à prednisolona, pode-se mudar para outro tipo de esteróide ou então, associar a outras drogas. A dexametasona é uma opção, apresentando
Uma droga relativamente nova que tem apresentado ótimos resultados é a budesonida. É um corticóide de pobre absorção sistêmica, com maior ação local intestinal, causando
menor supressão do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal. Ela vem sendo usada principalmente naqueles pacientes que apresentam diabetes ou que desenvolvem efeitos colaterais do corticóide, na dose de 1 mg/dia,VO. É utilizada com freqüência na Doença de Crohn em humanos (WILLARD, 1999).
Nos casos brandos, em que o proprietário é inábil para administração oral da medicação, sugere-se a administração de acetato de metil-prednisolona, quinzenalmente, durante seis semanas, alterando, então, para administrações mensais da droga até remissão completa do quadro (JERGENS, 2002; TA Em gatos mais seriamente debilitados, gatos que não
respondem à associação de prednisolona com metronidazol ou ainda aqueles com infiltrados inflamatórios muito intensos associados a sinais clínicos severos, a associação com outras drogas supressoras do sistema imunológico, como a azatioprina ,o clorambucil e a ciclosporina, deve ser considerada (WILLARD, 1999).
A azatioprina é um agente imunossupressor muito potente e os efeitos benéficos de seu uso são observados três a cinco semanas após o início do tratamento. Caso não haja melhora neste período, recomenda-se aumentar a dosagem de 0,3 mg/kg para 0,4 ou 0,5
clorambucil, pois ele parece causar menos efeitos adversos, tendo praticamente a mesma eficácia. Pode ser administrado em doses diárias de 2 mg/m², via oral, a cada 24 horas. A
ciclosporina, utilizada via oral, na dosagem de 10 mg/kg, a cada 12 horas, também apresenta efeito imunossupressor nesses pacientes(CRISTAL,1998; JUNIOR, 2003; WILLARD, 1999).
MS, 1993).
O metronidazol é um antibiótico específico para bactérias anaeróbicas e protozoários, além de apresentar efeito imunomodulador. Em alguns animais com doença inflamatória, pode ser efetivo quando utilizado como único agente. Na dosagem de 10 a 15 mg/kg, a cada doze horas, VO, durante um a dois meses, raramente observam-se efeitos colaterais
relacionados a neurotoxicidade. Sua associação com prednisolona é indicada para controlar melhor os sintomas e impedir a progressão da doença. O proprietário deve ser alertado de que a sialorréia é um evento comumente associado à administração dessa droga em felinos, em decorrência de seu gosto metálico (JUNIOR, 2003; SIMPSON, 2003; ZORAN,
2000; WILLARD, 1999).
Em caso de enterite eosinofílica, apesar de clinicamente mais agressiva, os pacientes respondem bem à terapia dietética hipoalergênica associada à prednisolona em doses
imunossupressoras. Administração profilática de um anti-helmíntico deve ser realizada. Já a síndrome hipereosinofílica (infiltração eosinofílica multivisceral) responde pobremente ao tratamento padrão, apresentando prognóstico desfavorável. Nestes casos, sugere-se iniciar um tratamento agressivo precoce, com doses altas de prednisolona (3-4 mg/kg), durante
Os processos supurativos ou neutrofílicos são bastante raros, porém deve-se investigar a sua etiologia para realização de antibioticoterapia específica. Os antibióticos mais utilizados
nestes casos são: metronidazol, tilosina, clindamicina, tetraciclina e ampicilina. Tal manifestação apresenta prognóstico reservado a desfavorável (JUNIOR, 2003; KRECIC, 2001; SIMPSON, 2003; TAMS, 1993).
Pacientes com DIIF localizadas no intestino grosso normalmente respondem bem à terapia
dietética associada ao metronidazol, sem adição de prednisolona. Casos refratários requerem associação com corticóides (WILLARD, 1999).
Alguns animais podem necessitar de drogas como a sulfasalazina ou a mesalazina, que são derivadas do ácido acetilsalicílico. Essas drogas apresentam efeito antiinflamatório bastante
potente em decorrência da inibição dos leucotrienos, com a vantagem de serem específicos para afecções no intestino grosso, por sua degradação exclusiva pela microbiota local. Deve-se ter cuidado com relação à intoxicação devida ao salicilato. Seu uso é seguro em gatos em baixas dosagens, conforme demonstrado no quadro 4. Seus efeitos colaterais
incluem anorexia, vômito, anemia e ceratoconjuntivite seca (JERGENS, 2002; JUNIOR, 2003; ZORAN, 2000).
Nos casos de tríade felina, onde o pâncreas, o intestino e o fígado estão envolvidos no
O ácido ursodeoxicólico (10-15mg/Kg, 24h, VO) é utilizado como agente hepatoprotetor, porém pode reduzir a inflamação associada à DII através da redução da produção de
Quadro 4: Fármacos mais freqüentemente utilizados no tratamento de DIIF
Fármaco Dosagem Via de
administração
Posologia
Prednisolona 2-4 mg/kg Via Oral A cada 24 horas; ou
1/2 dose a cada 12 horas.
Dexametasona 0,22-0,5 mg/kg Via Oral A cada 24 horas
Budesonida 1 mg/gato Via Oral A cada 24 horas
Acetato de metil-prednisolona
20 mg/gato Subcutâneo,
Intramuscular
A cada 15 dias
Azatioprina 0,3 mg/kg Via Oral A cada 48 horas
Clorambucil 2 mg/m2 Via Oral A cada 24 horas
Ciclosporina 10 mg/kg Via Oral A cada 12 horas
Sulfasalazina 10-20 mg/kg Via Oral A cada 12 ou 24
horas
Mesalazina 5-10 mg/kg Via Oral A cada 12 ou 24
horas
Metronidazol 10-20 mg/kg Via Oral A cada 8 ou 12 horas
Tilosina 40-80 mg/kg Via Oral A cada 24 horas
Psyllium 2 colheres de chá Via Oral A cada 8 ou 12 horas
2.5.2) Tratamento dietético
A terapia dietética é um aspecto de suma importância no manejo da doença inflamatória
intestinal felina e depende, primariamente, da localização da lesão.
Animais com quadros de enterite requerem dietas hipoalergênicas ou de eliminação. Seu objetivo, além da oferta de nutrientes, é a redução na carga de alérgenos no alimento (componentes nutricionais ou aditivos), a fim de minimizar a estimulação antigênica nas
alças intestinais já inflamadas. Para tanto, há necessidade de um alimento de alta digestibilidade e com baixo teor de resíduos, que, em geral, são formulados com base em uma única fonte protéica, para reduzir efeitos osmolares e aumentar a disponibilidade dos nutrientes, e carboidratos isentos de glúten. Muitas das dietas hipoalergênicas disponíveis
comercialmente não apresentam baixos níveis de gordura e podem não ser ideais em gatos que apresentem úlceras ou doenças intestinais com perdas protéicas. Dietas contendo proteínas hidrolisadas são relativamente novas na terapia dietética nos casos de doenças
maximizar a disponibilidade das proteínas da dieta enquanto minimiza-se o esforço digestivo (JERGENS, 2002; JUNIOR, 2003; ZORAN, 2002).
Toda dieta de eliminação deve ser prescrita levando em consideração todas as outras às quais o paciente já tenha sido exposto, a melhor aceitação do animal e a vontade do dono em participar da triagem de alimentos. O paciente pode ser submetido a dietas caseiras ou comerciais. Para manejos longos, recomenda-se utilizar as dietas comerciais no intuito de
reduzir desbalanços nutricionais.
Dietas caseiras de eliminação devem ser formuladas pelo médico veterinário e devem ser constituídas por uma fonte protéica nova, de alta digestibilidade, como carnes de carneiro, cabrito, coelho ou frango; carboidrato livre de glúten, como arroz, batata e/ou macarrão,
com adição de óleo vegetal. Além disso, deve conter vitaminas do complexo B, vitamina K, fosfato dicálcico, taurina (200 a 500 mg por refeição) (JERGENS, 2002; JUNIOR, 2003; SIMPSON, 1998; WILLARD, 2001; ZORAN, 2002).
Nos casos de colite, os gatos apresentam boa resposta terapêutica à administração de
fibras insolúveis, tais como trigo, celulose e lignina, e solúveis, como psyllium. O papel das fibras na dieta é a normalização da motilidade e do tempo de trânsito intestinal, minimizando a exposição das células absortivas às toxinas luminais e aos mediadores
(duas colheres de chá por refeição) ou farelo de aveia (uma colher de chá por refeição) (JUNIOR, 2003; ZORAN, 2002).
Para que se obtenha sucesso no tratamento dietético, o paciente deve ser submetido a uma dieta específica, sem a oferta de qualquer outro item alimentar, por um período mínimo de seis a nove semanas, para se verificar os resultados. O alto custo das rações é mais um complicador para esses casos, enquanto que dietas caseiras, além de não serem
adequadamente balanceadas, levam a um trabalho adicional por parte dos proprietários. (JERGENS, 2002; JUNIOR, 2003).
Muitas formas alternativas de terapias nutricionais têm sido utilizadas, incluindo alimentos funcionais (prebióticos e probióticos) e nutracêuticos. Prebióticos são substâncias dietéticas
que promovem a saúde de bactérias benéficas nos intestinos e detêm o crescimento de bactérias patogênicas como E.coli, Salmonella e Campylobacter spp. Dentre eles podemos citar os frutooligossacarídeos (FOS), mannan-oligossacarídeos (MOS), amido resistente e arabinogalactose (AG). Estudos em humanos ressaltam seus efeitos benéficos em casos de
diarréias infecciosas, através de estimulação da imunidade local (IgA) e pela ação neutralizante sobre bactérias patogênicas, porém ainda não existem testes comprovando sua eficácia na medicina veterinária. Probióticos são ingredientes alimentares microbianos
vivos destinados para promover aumento do equilíbrio da microbiota intestinal. Os benefícios propostos incluem competição contra espécies de bactérias patogênicas, redução da translocação bacteriana e produção de produtos antimicrobianos. Em humanos, utilizam-se organismos não patogênicos como Bifidobacterium ou Lactobacillus, ou até
observados em humanos, caso as concentrações e espécies de microorganismos usados nos produtos forem apropriados à espécie (ZORAN, 2002).
Como a deficiência de cobalamina é normalmente secundária à redução na capacidade absortiva da mesma, o uso de sua suplementação na dieta é ineficiente na restauração de seus estoques corpóreos. Por isso, a via de escolha utilizada é a parenteral, na dosagem de 250µg /gato, sendo uma dose semanal por seis semanas, em seguida uma dose a cada
duas semanas por seis meses, e então uma dose mensal. A maioria das preparações de cobalamina é de 1 mg/ml; formulações de complexo B e multi-vitamínicos injetáveis possuem níveis bem menores. Espera-se que o paciente necessite de suplementação com cobalamina regularmente, e a freqüência necessária é observada através de medições
regulares das concentrações séricas desta vitamina, a não ser que a doença intestinal seja totalmente resolvida. (RUAX, 2002). Da mesma forma, a deficiência de folato pode ocorrer e sua suplementação também é necessária. Ele deve ser dado via oral, na dose de 0,5 a 1mg/gato, a cada 24 horas, durante um mês (SCHERK, 2001).
Em relação aos nutracêuticos, os compostos mais conhecidos são os ácidos graxos ômega 3 e ômega 6, vitamina C e vitamina E. A suplementação com ácidos graxos ômega 3 tem sido defendida como um tratamento auxiliar no controle da inflamação da DIIF, todavia não
de competirem com o ácido aracdônico e seus metabolismos originarem prostaglandinas e leucotrienos menos agressivos ao organismo (ZORAN, 2002).
A suplementação com vitamina E parece causar efeito positivo na imunidade celular mediada e promover efeitos antioxidantes no trato gastrointestinal. Além disso, animais com doenças severas do trato gastrointestinal apresentam baixa absorção de vitaminas lipossolúveis, resultando numa deficiência das mesmas. A suplementação de 250 UI/kg de
2.6) PROGNÓSTICO
O prognóstico é bastante variável, apresentando baixas taxas de mortalidade e altas taxas de morbidade. Em geral, há uma boa resposta às terapias instituídas, com controle da enfermidade em 80% dos casos. Após completar a terapia medicamentosa, a maioria dos
3) CONCLUSÃO
.Freqüentemente, um animal com DIIF não responde de forma satisfatória ao tratamento
instituído, então, o clínico deve se questionar se o diagnóstico está correto, se o diagnóstico está certo, mas a terapia pode estar errada ou mesmo se o diagnóstico e a terapia estão corretos, porém o proprietário não está seguindo-os corretamente.
É de suma importância ressaltar que somente através de histopatologia, obtida por meio de biópsia da mucosa intestinal, que se obtém o diagnóstico definitivo, assim como a classificação e a gravidade do quadro. Infiltrados linfocíticos severos podem vir a ser, na verdade, lesões pré linfomatosas. Animais que falham na resposta à terapia farmacológica
e dietética ou então só respondem por poucas semanas ou meses podem apresentar um linfossarcoma alimentar, devendo ser submetidos à quimioterapia (JUNIOR, 2003; WILLARD, 1999; ZORAN, 2000).
Deve-se sempre informar aos proprietários sobre todos os possíveis riscos envolvidos para
4) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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