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GRAMATIZAÇÃO E MEMÓRIA: UM ESTUDO DO PORTUGUÊS BRASILEIRO

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Academic year: 2021

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GRAMATIZAÇÃO E MEMÓRIA: UM ESTUDO DO PORTUGUÊS BRASILEIRO

Glauce Amanda Pagan Prof. Drª Mariângela Peccioli Galli Joanilho (Orientadora)

RESUMO

Este estudo objetiva analisar a designação “língua brasileira” comparando-a com comparando-as designcomparando-ações que o português europeu recebeu no Brcomparando-asil, viscomparando-ando às transformações em que a língua, por meio da fala e do contexto gramatical, sofreu desde que foi transportada para o território brasileiro. A questão principal consiste em estabelecer uma compreensão de parte das regularidades e das diferenças entre ambas as línguas, o que leva à construção das identidades diferentes para seus falantes. Nesse momento, estamos trabalhando com um corpus constituído a partir de dados coletados em jornais brasileiros, datados dos anos 1960 do século XX e de periódicos atuais, comparando-os com o que se prescreve em gramáticas de autores brasileiros e portugueses da mesma época, para, em seguida, compará-los com análises sobre o assunto, produzidas anteriormente. Assim, a finalidade desta pesquisa é disseminar a ideia de que a língua brasileira não é um legado de Portugal, isto é, não mantém unidade como português, pois ao longo de sua historicização em outro espaço, transformou-se, tanto no âmbito lexical quanto no sintático, as diferenças ultrapassam o sotaque e a língua cria nova identidade. Esta pesquisa vincula-se ao projeto “Nação, Ciência e Raça no Brasil”, coordenado pela Drª Mariângela Peccioli Galli Joanilho.

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Introdução

Propõe-se com esta pesquisa motivar as discussões acerca da realidade da designação língua portuguesa, uma vez que esta foi transportada ao território brasileiro e ao longo de sua historicização adquiriu outra identidade. Sendo assim, a grande questão concentra-se em compreender se a língua é a mesma ou se podemos dividi-la em: português europeu e brasileiro, considerando construções possíveis na fala e escrita.

Os contextos questionados – fala e escrita – dividem-se; afinal, a língua permite aos seus falantes construções diferenciadas que fogem aos padrões formais, isso facilita, de acordo com cada contexto, a criação de novas identidades através da fala. Entretanto a língua escrita exige certos padrões, conquanto há inovações que chegam à escrita por meio da fala. 1. Procedimentos metodológicos

A partir da leitura de periódicos atuais, foram observadas as diferenças mais significativas entre o português europeu e brasileiro, com o intuito de analisar construções encontradas no quotidiano dos falantes brasileiros, não comuns ou inexistentes em Portugal. Tais questões foram levantadas após um estudo diacrônico da língua no Brasil, com a finalidade de um melhor entendimento histórico da mesma.

Com relação à língua escrita, foram analisados jornais datados dos anos de 1960, e atuais, comparando-os pudemos observar diferenciações produzidas em um curto período de tempo.

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2. Breve histórico do Português brasileiro.

Sabe-se que o Brasil pode ser considerado um país multilíngue, devido à grande diversidade de sotaques proporcionados pela diversidade de outras línguas, as quais confundiram-se com a língua portuguesa recém chegada no país no ano de 1500 e estes fatores propiciaram mudanças tanto lexicais quanto gramaticais.

Com a chegada dos portugueses no Brasil houve um primeiro contato desta língua com as línguas indígenas. Importaram, depois, da África muitos escravos, sendo assim, a base da população brasileira era constituída do português europeu, do índio e do negro.

Eduardo Guimarães (2005) divide a história da língua portuguesa no Brasil em quatro períodos: o primeiro inicia-se com o começo da colonização e estende-se até a saída dos holandeses do Brasil (1654). Nesse momento o português convive com as línguas indígenas diversas, com o Tupi (falado pela maioria dos habitantes) e com o holandês. O segundo período tem início com a saída dos holandeses do Brasil – a partir deste momento a relação passa a ser entre o português, as línguas indígenas e as africanas. O terceiro, inicia-se com a vinda da família real (1808), nesse período chega ao Rio de Janeiro 15 mil portugueses, há ainda a criação da imprensa no Brasil e fundação da biblioteca nacional. O quarto período começa em 1826. Nesse ano foi decidido que os diplomas dos médicos deveriam ser redigidos em “linguagem brasileira”, ainda no quarto período, no qual o português já estava definido como língua oficial do país, inicia-se o processo de imigração, com a vinda de alemães (1818), este processo se concretiza nos fins do século XIX e inicio do século XX (1880-1930), quando entram no país falantes de italiano, japonês, coreano, holandês, inglês, alemão.

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Todos estes fatores aliados ao fato de que os portugueses que aqui chegaram, vieram de todas as partes de Portugal e, segundo Guimarães (idem), trouxeram consigo dialetos diferentes, contribuíram para que a língua aqui falada se tornasse diferente da falada em Portugal. A esse respeito, Orlandi (2005) questiona: “falamos língua portuguesa ou língua brasileira?”.

3. Português Europeu e Brasileiro: principais diferenças.

A língua portuguesa brasileira distingue-se da europeia inicialmente pelo fator fonológico. Há alguns indicadores, segundo Pagotto (2005), para isto: a realização das vogais pré-tônicas (em Portugal a tendência consiste em reduzir as vogais pré-tônicas, no Brasil a pronúncia delas é clara); a realização de /t/, /d/ diante de [i] (em grande parte do Brasil há a realização africada [tt], o que não ocorre em Portugal); a realização da consoante fricativa /s/ em final de sílaba (em alguns lugares do Brasil há a palatalização de /s/); a realização de /l/ em final de silaba (consiste na pronuncia do [l] velarizado, quando no fim de palavras, isso ocorre em Portugal, no Brasil a pronuncia ocorre como uma semivogal [w]).

Entretanto, as diferenças ultrapassam o nível de fonologia, assim a língua brasileira apresenta variações também sintáticas, sendo algumas delas ditas por Guimarães (2005) citando Galves, de cunho pronominal, já que os pronomes átonos (me, te, se, lhe, o, a, etc.) para a linguagem brasileira encontram-se em colocações proclíticas, de forma que não é possível encontrar este tipo de construção em Portugal, como se segue no exemplo: Maria se levantou, muito comum no Brasil.

Galves (2002) diferencia a construção brasileira da portuguesa, uma vez que, segundo a autora, a principal característica sintática do português brasileiro é que trata-se de uma língua de “tópicos”, diferentemente de

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A característica consiste em uma retomada em algumas construções que muda o sintagma da frase: no Brasil há SN[SN V (SN), em Portugal há, SN[ V (SN). Há na construção brasileira o seguinte método: José, ele esteve em casa; na portuguesa: José esteve em casa.

Houve na primeira frase a introdução do sujeito por meio da nomeação, em seguida o pronome ele (substituindo o sujeito) que retoma José, nesta frase observa-se a construção através de tópico, uma vez que José é o tópico e sobre isso se vai dizer algo.

A característica de linguagem através de tópicos pode ser explicada, segundo Guimarães (idem), por meio de alguns aspectos próprios da língua: a) uso do pronome ele como objeto (em Portugal essa construção é inexistente); b) ele como sujeito; c) ele como objeto de preposição. Para Guimarães este funcionamento ocorre no Brasil devido a predominância de relativas que retomam a um nome principal. Contrapondo-se a este fato, em Portugal a forma mais utilizada pode ser observada nos seguintes exemplos: O André, de quem eu gosto é mais bonito.

Segundo Tarallo (1996) tais diferenças instalaram-se no Brasil desde 1880 e aprofundaram-se a partir dessa data. Há ainda outro fator considerado por Galves presente no português do Brasil: o funcionamento do pronome se, para a autora nesta língua o pronome pode não aparecer em frases com o verbo nas formas finitas (tempo) contrapondo-se ao português europeu. Por exemplo: esta calça lava facilmente, José não matriculou ainda; em Portugal seria. Esta calça lava-se facilmente, José não se matriculou ainda.

Estes exemplos mostram que as diferenças entre as línguas são maiores do que imaginamos, uma vez que a estrutura transformou-se,

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enunciados não comuns ou inexistentes em Portugal são comuns no uso brasileiro.

4. Influências Indígena e Africana

A nação brasileira, devido à diversidade de outras culturas postas em contato, transformou a língua portuguesa, sendo as mais significativas para tal transformação, as línguas indígenas (Tupi) e africanas.

É do Tupi que provêm palavras como: capim, cupim, mingau, guri, caatinga, curumim, cunha, moqueca, entre outras. Com relação à flora destacam-se: abacaxi, buriti, carnaúba, mandacaru, mandioca, sapé, taquara; nomes de frutas: pitanga, maracujá, jabuticaba, caju, etc. Quanto à fauna tem-se: capivara, quati, tatu, sagui, sucuri, etc.

O vocabulário africano acrescenta à língua brasileira palavras como: vatapá, abará, acará, acarajé, caçula, moleque, cafuné, molambo, etc.

A partir destes exemplos, é possível observar o quanto a linguagem brasileira acrescentou novas palavras ao vocabulário português, e mais uma vez contribuiu para todos aqueles que constroem suas identidades com base nesta língua.

5. Análise de Dados

Para analisarmos a língua que integra os dois países em questão, é necessário avaliar, além da fala, as construções com as quais os falantes dessas línguas convivem enquanto linguagem escrita. Com o objetivo que verificar se houve uma evolução, ou não com relação as construções da língua brasileira em um curto espaço de tempo (1960-2010). Para isso

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“O texto de Fernando Worm, como é obvio, despertou a atenção de todos quantos o leram. “Freud de Joelhos”, com sua atualidade deverá ser o centro de apaixonados debates nos círculos intelectuais. Sabe-se que a peça do autor gaúcho já divide as opiniões: uns amplamente favoráveis à sua encenação, enquanto outros advertem para o escândalo que o espetáculo causará nos meios religiosos.

De qualquer forma, o certo é que, “Freud de Joelhos” está sendo estudado, com interesse, por um grupo teatral local. Única dificuldade maior para uma encenação imediata: o número de atores requerido pelo texto. Por outro lado, um conhecido empresário local viajará, na próxima semana para Guanabara e São Paulo, levando um exemplar do texto, a fim de consultar diversos diretores teatrais, sobre a possibilidade de iniciar, de imediato, os ensaios da peça Worm”.

(Jornal, O Correio do Povo, caderno de sábado, 30 de setembro de 1967). A notícia acima, retirada do jornal “O Correio do Povo”, editado em 1967 nos mostra poucas diferenças em relação ao português europeu, uma vez que nesse contexto havia a necessidade de uma escrita mais clássica voltada para esse meios de comunicação visto que as primeiras transformações se deram por meio da fala. Em uma análise é possível observar que nesse período as construções ainda se aproximam da européia, por exemplo, “despertou a atenção de todos quanto o leram”. A terminação nesta frase contrapõem-se às construções citadas no início deste artigo com relação ao pronome ele, como também se observa neste outro exemplo: “ Porém sua mãe, que enviuvara em 1827” (Correio do Povo, 1867). Aqui é possível observar uso do pretérito mais que prefeito (enviuvara), pouquíssimo utilizado atualmente, já que é encontrado em textos com linguagem mais clássica.

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Confrontando estes modelos de construção presente em jornais de 1960, é possível citar os jornais atuais, os quais apresentam linguagem mais informal que tornam a leitura mais leve, que aproxima-se do modelo falado. Por exemplo:

““ O melhor filme atual” diz em off a voz de Jean Luc Godard no final do trailer de “Acossado”.”

(Jornal Folha de São Paulo, sábado, 26 de junho de 2010).

No enunciado acima é possível observar alguns traços presente na linguagem brasileira que a afasta da européia:

“diz em Off” – utiliza uma terminação estrangeira para se referir que a pessoa descrita disse algo fora da entrevista, usando mais o estrangeirismo.

“no final do Trailer” – “no final” poderia ser substituído por “ao final” para uma linguagem mais clássica. Mais uma vez aparece uma palavra estrangeira “trailer”

A evolução da língua portuguesa no Brasil se faz presente nos jornais descritos acima. Em um curto espaço de tempo (1960 – 2010) é possível observar que a língua dos meios de comunicação aproximou-se do leitor brasileiro. Vale ressaltar que a sociedade leitora para qual a informação está direcionada também se expandiu, devido ao reconhecimento da importância da leitura para a evolução social e individual.

Enquanto nos anos de 1960 a linguagem presente era mais “clássica”, mais próxima de construções européias portuguesas, e, portanto, voltadas para pessoas que, na época, teriam maiores condições

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e até certo ponto comercial, voltada para vendas afim de que todos os brasileiros tenham acesso.

Considerações Finais

A partir dos dados coletados neste início de pesquisa, foi possível observar que as línguas brasileira e português europeu enquanto línguas escritas têm, na maioria das construções, a mesma base estrutural. Há diferenças no caso, por exemplo, do uso do pronome se: João se levantou (português brasileiro); João levantou-se (português europeu), a primeira construção não existe em Portugal. Entretanto, com relação à escrita, tais diferenças não são tamanhas a ponto de se considerar línguas distintas.

Mesmo assim, foi possível observar uma diferença: com relação à escrita, houve uma evolução voltada para os meios de comunicação que, atualmente, prezam por uma escrita que se aproxime de seus leitores, assim se distanciam da linguagem clássica portuguesa muito comum em jornais antigos.

Confrontando com este fato há a língua falada, com pronúncias diferentes, discursos diferentes e até palavras com as quais o português europeu não mantém contato como é o caso daquelas nomeadas através de línguas indígenas e/ou africanas. Sobre esta questão é possível observar que a população brasileira criou nova identidade para esta língua e com esta língua, as transformações ocorridas, o contato com outras línguas, todos estes fatores proporcionaram para a língua portuguesa novo aspecto e no caso da fala, nova estrutura (linguagem através de tópicos, por exemplo.)

A pesquisa nos permitiu verificar portanto que as designações língua brasileira e língua portuguesa podem ser utilizadas ao tratarmos da linguagem enquanto fala; que não são, por um lado, um legado de

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Portugal, visto que, adquiriram ao longo do tempo, em territórios diferentes, discursos que ultrapassaram a dimensão sotaque. Contudo, as duas línguas fazem parte do mesmo contexto estrutural quando relacionado com a escrita pelo fato desta ainda exigir unidade portuguesa.

Referências

GALVES, Charlotte: Ensaio Sobre as Gramáticas do Português. Campinas, Editora da Unicamp, 2001.

GUIMARÃES, Eduardo (org.); PAGOTTO, Emílio Gozze; ORLANDI, Eni P.; Línguas do Brasil. São Paulo: SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência). 2005.

TARALLO, Fernando: Diagnosticando uma Gramática Brasileira: o Português d’aquém e d’além mar ao final do século XIX. Campinas, Pontes,1996.

TESSYER, Paul; trad. Celso Cunha: História da Língua Portuguesa. Editora. Livraria Sá da Costa. Lisboa. 1994.

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