• Nenhum resultado encontrado

Corte interamericana de direitos humanos e o caso Gomes Lund e outros versus Brasil: a decisão do Supremo Tribunal Federal em manter a "Lei da Anistia"

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Corte interamericana de direitos humanos e o caso Gomes Lund e outros versus Brasil: a decisão do Supremo Tribunal Federal em manter a "Lei da Anistia""

Copied!
56
0
0

Texto

(1)

GRANDE DO SUL

VALDEMAR SCHMITT

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS E O CASO GOMES LUND E OUTROS VERSUS BRASIL: A DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

EM MANTER A “LEI DA ANISTIA”

Três Passos (RS) 2019.

(2)

VALDEMAR SCHMITT

CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS E O CASO GOMES LUND E OUTROS VERSUS BRASIL: A DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

EM MANTER A “LEI DA ANISTIA”

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso - TCC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS- Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientador (a): MSc. Marcelo Loeblein dos Santos

Três Passos (RS) 2019

(3)

Dedico este trabalho à minha família, pelo incentivo, apoio e confiança em mim depositados durante toda a minha jornada.

(4)

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, à minha família, por ter me apoiado durante toda a minha trajetória acadêmica e profissional.

À minha namorada Thayná, que vem

acompanhando minha jornada há mais de quatro anos, me ajudando com seu apoio, companheirismo e amor.

A meu orientador, por ter tido a paciência e a compreensão que eu necessitava para realizar este trabalho e, principalmente, por ter me guiado durante todo o processo, sempre acreditando em mim e me apoiando.

Por fim, e com carinho especial, à Paulo Cesar Martins Pinto, Gabriela Bazanella de Oliveira, Débora Silveira Schneider, Rodrigo dos Santos Ribeiro e Bruno Bonamente, excelentes operadores do Direito que conheci durante meus 5 anos de estágios, na Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul e no Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, pessoas que me motivaram e me motivam a ser alguém melhor que “meu eu de ontem” todos os dias. Sem o aprendizado e apoio que me foi disponibilizado por vocês, tenho certeza que não teria traçado este caminho.

(5)

“Look in the doubt we’ve wallowed. Look at the leaders we followed. Look at the lies we’ve swallowed. And I don’t want to hear no more!” Civil War – Guns N’ Roses

(6)

O presente trabalho de conclusão de curso tem por objetivo discutir a aplicabilidade da sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund e Outros versus Brasil (Guerrilha do Araguaia), baseando-se na doutrina do controle de convencionalidade, em face ao julgamento de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 153) pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que posicionou-se no sentido de que a Lei nº 6.689 de 1979 (Lei da Anistia) foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988. A pesquisa será do tipo exploratória. Utilizará no seu delineamento a coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede de computadores. Na sua realização será utilizado o método de abordagem hipotético-dedutivo.

Palavras-Chave: Guerrilha do Araguaia. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Controle de Convencionalidade. STF. ADPF 153.

(7)

This conclusion of course work aims to define the applicability of the sentence handed down by the Inter-American Court of Human Rights in the case Gomes Lund and Others

versus Brazil (Araguaia’s Guerrilla), based on the Conventionality Control doctrine, in the

face of the ruling on the Arguição de Descumprimento de Preceito Federal (ADPF nº153) by the Federal Supreme Court (STF), which has ruled that the Law nº 6,689 of 1979 (Amnesty Law) was received by the Federal Constitution of 1988. As regards the general objectives, the research will be exploratory. It uses in its design the collection of data in bibliographic sources available in physical media and in the network of computers. In its realization will be used the hypothetic-deductive approach method.

Keywords: Araguaia’s Guerrilla. Interamerican Court of Human Rights. Conventionality Control. STF. ADPF 153.

(8)

INTRODUÇÃO...8

1 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS ... 10

1.1 Resgate histórico acerca dos Direitos Humanos e da criação da Corte... 10

1.2 Organização e funcionamento da Comissão e da Corte Interamericana de Direitos Humanos ... 13

1.3 Controle de Convencionalidade de Tratados Internacionais ratificados pelo Brasil e a recepção do Pacto de São José da Costa Rica ... 16

1.4 Executividade e força vinculativa das decisões proferidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos sob o controle de convencionalidade ... 19

2 RECEPÇÃO E EXECUTIVIDADE DA SENTENÇA PROFERIDA PELA CIDH NO CASO GOMES LUND E OUTROS VERSUS BRASIL ... 22

2.1 Caso Gomes Lund e Outros versus Brasil ... 22

2.2 Sentença proferida pela CIDH. ... 26

2.3 Aplicabilidade da Sentença em conformidade com o controle de convencionalidade. ... 39

2.4 Revogabilidade da Lei da Anistia face a decisão da corte. ... 42

CONCLUSÃO ... 49

(9)

INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta um estudo acerca da decisão proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (também conhecida como “CIDH”) ao julgar o caso Gomes Lund e Outros versus Brasil – Guerrilha do Araguaia, a fim de efetuar uma investigação em busca da aplicabilidade e executividade do decisum no Brasil, sob a ótica da doutrina do Controle de Convencionalidade. Essa busca é necessária face à Lei da Anistia, promulgada no Estado ao fim do período conhecido como o “Regime Militar” brasileiro, ao passo em que esta impede que sejam procedidas às investigações acerca dos diversos desaparecimentos e mortes, políticas, ocorridas durante a ditadura militar brasileira. Também se vislumbra a necessidade do enfrentamento da questão aqui ventilada em razão do posicionamento adotado pelo STF quando do julgamento da ADPF nº 153, no qual a corte entendeu ter sido a Lei da Anistia recebida pela Constituição Federal de 1988.

A monografia terá como objetivo definir a aplicabilidade da sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund e Outros versus Brasil (Guerrilha do Araguaia), baseando-se na doutrina do controle de convencionalidade, em face ao julgamento de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 153) pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que posicionou-se no sentido de que a Lei nº 6.689 de 1979 (Lei da Anistia) foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988.

O problema central da pesquisa está na necessidade de se definir a aplicabilidade da sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso abordado, bem como seu poder vinculativo no sentido de possibilitar a mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal quanto à Lei da Anistia e a necessidade de se executar o julgado da

(10)

Corte Interamericana de Direitos Humanos uma vez que o Brasil é signatário do Pacto de São José da Costa Rica.

Para o desenvolvimento deste trabalho será realizada a coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede de computadores, utilizando-se o método de abordagem hipotético-dedutivo, analisando-se também as propostas legislativas em andamento, a fim de enriquecer a coleta de informações e permitir um aprofundamento no estudo do Controle de Convencionalidade, nos entendimentos nacionais e internacionais acerca das normas de Direitos Humanos e sua propriedade jus cogens, bem como enfrentar a dicotomia existente entre essas normas e a soberania do Estado.

Inicialmente, no primeiro capítulo, abordar-se-á acerca da história dos Direitos Humanos, da criação dos Sistemas Regionais de Proteção e, em especial à criação do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, buscando abordar a criação e funcionamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos e, por fim, apresentar, em termos gerais, a doutrina do controle de convencionalidade e no que essa repercute nos tratados internacionais firmados pelo Brasil, em especial quanto à execução das sentenças proferidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

No segundo capítulo analisar-se-á mais profundamente possibilidade de execução da sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Neste sentido, passa-se a analisar a conjectura histórica do Caso Gomes Lund e Outros versus Brasil, buscando explicar o que foi a Guerrilha do Araguaia, o que buscavam os guerrilheiros, quais foram as ações tomadas pelo então Governo Militar, bem como quais foram os crimes contra os direitos humanos cometidos pelo Estado. Para tanto, se busca fazer uma análise minuciosa da decisão proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, trazendo à baila trechos do decisum bem como posicionamento de doutrinadores acerca da sentença ventilada. Após, se fará uma análise detida da aplicabilidade da decisão proferida sob o manto da Doutrina do Controle de Convencionalidade, perpassando pelas análises doutrinárias acerca do tema, bem como estudando o posicionamento do Supremo Tribunal Federal e da própria CIDH acerca do Controle de Convencionalidade. Discutir-se-á a revogabilidade da Lei da Anistia em face da condenação internacional sofrida pelo Estado brasileiro, oportunizando-se uma rápida explicação acerca do diploma legal, bem como uma análise doutrinária da decisão proferida pelo STF no julgamento da ADPF nº 153 avaliando-se o posicionamento dos doutrinadores a respeito do decisum proferido pela CIDH e sua executividade em solo nacional.

(11)

1 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

A Corte Interamericana de Direitos Humanos, criada em 22 de maio de 1979, em San José, Costa Rica, faz parte do Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos. Trata-se de uma instituição judiciária autônoma, cujo objetivo é a aplicação e a interpretação da Convenção Americana de Direitos Humanos.

Criada pela Convenção Americana dos Direitos do Homem, a Corte tem competência de caráter contencioso e consultivo. Tratando-se do caráter consultivo, esta presta pareceres e recomendações aos Estados signatários, quando por estes buscada ou em situações de litigiosidade. Ainda, sua competência consultiva tem como escopo elucidar a respeito do alcance e do impacto dos dispositivos da Convenção Americana, de modo a sanar eventuais dúvidas acerca das disposições do tratado.

Em seu plano contencioso, julga questões envolvendo denúncia de violações de Direitos Humanos envolvendo os Estados-Partes signatários da Convenção Americana de Direitos Humanos e que reconheçam a competência e jurisdição da Corte para o julgamento. Em que pese as violações de Direitos Humanos se darem, via de regra, em face de pessoais naturais, não é reconhecida a capacidade postulatória da(s) vítima(s), de forma que a Corte deve ser acionada ou pelos Estados-Partes ou pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Conduto, com o advento do III e IV regulamento da Corte, poderá(ão) a(s) vítima(s) ou seus familiares apresentar, de forma autônoma, suas próprias alegações e provas (durante a etapa de discussão sobre as reparações devidas) e, ainda, fazer uso da palavra em audiências públicas.

1.1 Resgate histórico acerca dos Direitos Humanos e da criação da Corte

Ainda que inerentes à condição humana, a proteção aos Direitos Humanos, na forma como a conhecemos hoje, é algo recente na história. De fato, a Declaração Universal de Direitos Humanos, firmada no ano de 1948, foi o primeiro documento internacionalmente reconhecido (com exceção de Estados governados sob a lei da Xaria) que versa sobre direitos universalmente reconhecidos aos seres humanos.

(12)

A proteção aos Direitos Humanos, é separada, para fins de estudos, em gerações (ou dimensões), de acordo com o grupo de direitos e pessoas protegidos. É aceita, hoje, a existência de ao menos três gerações de direitos Humanos, e há a discussão acerca de uma quarta, quinta e sexta gerações.

Silva (2019), menciona que a primeira geração de Direitos Humanos, teve início na Inglaterra. No ano de 1215 era selada, pelo então Rei João da Inglaterra (também conhecido como João Sem-Terra – Lockland, em Inglês)1, sob a pressão de seus barões e de uma então anunciada guerra civil, a Magna Carta, que previa direitos ao “homem-livre” face ao poder da monarquia, de forma a controlar e diminuir o poder absoluto dos reis.

Muito embora a primeira geração de Direitos Humanos tenha se iniciado na Inglaterra, Nunes (2019) assevera que foi na França, no ano de 1789, que ganhou “forma documental”, com a então proclamada Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. O documento Francês, composto por preâmbulo e dezessete artigos, não mencionava a nobreza, a igreja, a história ou a cultura francesa, apenas se ateve a descrever e declarar direitos inerentes ao homem e cidadão, bem como deveres de seus governantes. Tratava-se de um documento que quebrava com toda a tradição europeia de governo.

Neste sentido, Hunt (2009, p.132-133), afirma que:

Num único documento, portanto, os deputados franceses tentaram condensar tanto as proteções legais dos direitos individuais como um novo fundamento para a legitimidade do governo. A soberania se baseava exclusivamente na nação (artigo 32), e a “sociedade" tinha o direito de considerar que todo agente público devia prestar contas de seus atos (artigo 15). Não era feita nenhuma menção ao rei, tradição, história ou costumes franceses, nem à Igreja Católica. Os direitos eram declarados "na presença e sob os auspícios do Ser Supremo", mas por mais "sagrados" que fossem não lhes era atribuída uma origem sobrenatural. Jefferson tinha sentido a necessidade de afirmar que todos os homens eram "dotados pelo seu Criador" com direitos, mas os franceses deduziam os direitos de origens inteiramente seculares: a natureza, a razão e a sociedade. Durante os debates, Mathieu de Montmorency havia afirmado que "os direitos do homem na sociedade são eternos" e "não é necessária nenhuma sanção para reconhecê-los". O desafio à antiga ordem na Europa não poderia ter sido mais direto.

Continua o autor:

1 João, também conhecido como João Sem-Terra, foi Rei da Inglaterra do ano de 1199 até o ano de sua morte

(13)

Nenhum dos artigos da declaração especificava os direitos de grupos particulares. "Os homens", "o homem” “cada homem", I "todos os cidadãos", "cada cidadão", "a sociedade", "qualquer sociedade " eram contrastados com "ninguém", "nenhum indivíduo", "nenhum homem”. Era literalmente tudo ou nada. As classes, as 132 religiões e os sexos não apareciam na declaração. [...] O Comitê sobre a Constituição tinha se comprometido originalmente em preparar até quatro documentos diferentes sobre os direitos: (1) uma declaração dos direitos do homem; (2) dos direitos da nação; (3) dos direitos do rei; e (4) dos direitos dos cidadãos sob o governo francês. O documento adotado combinava o primeiro, o segundo e o quarto, mas sem definir as qualificações para a cidadania. Antes de passar aos aspectos específicos (os direitos do rei ou as qualificações para a cidadania), os deputados se empenharam primeiro em estabelecer princípios gerais para todo o governo. A esse respeito, o artigo 2 a é típico: "O objetivo de toda associação política é a preservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem". Os deputados queriam propor a base de toda associação política — não da monarquia, não do governo francês, mas de toda associação política.

Destarte, primeira geração de direitos humanos preocupou-se em defender as pessoas em face dos arbítrios das monarquias, garantindo-lhes direitos fundamentais voltados à liberdade e igualdade.

A segunda geração dos direitos humanos, surge com a necessidade de se valorizar a vida humana em face dos abusos praticados pelos detentores do capital na revolução industrial em razão de um liberalismo exacerbado. Tem sua base nas lutas das classes operárias por melhores condições de trabalho, moradia e vida.

É o entendimento de Silva (2018, n.p.):

A segunda geração de direitos humanos nasce das lutas sociais que buscavam uma maior salvaguarda das condições necessárias ao desenvolvimento pleno da humanidade, mas seus protagonistas foram as classes operárias, que apareceram em consequência da industrialização na Europa. Essa classe operária tinha formalmente resguardado direitos da primeira geração, mas eram explorados pelos detentores do capital, careciam de saneamento básico em suas residências, educação, atendimento médico, proteção jurídica adequada em face das péssimas condições de trabalho, de remuneração e jornada de trabalho. [...] Karl Marx e de Friederich Engels editaram o Manifesto Comunista que juntamente com outros documentos, tais como a encíclica papal Rerum Novarum de Leão XIII de 1891, a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição Alemã de 1919, fortaleceram o desenvolvimento dos ideais de universalidade e socialismo (direitos sociais) dos direitos humanos. Com essas Constituições os direitos sociais passam a ser considerados direitos fundamentais dos seres humanos.

Verifica-se, desta forma, que os Direitos Humanos da segunda geração, buscam garantir os direitos ao trabalho, à saúde, à educação, à moradia, dentre outros, buscando maior atividade do Estado para a garantia de tais direitos.

(14)

Galvão (2019) menciona que a terceira geração de Direitos Humanos, surge ao fim da segunda guerra mundial, e se configura pela ideia de fraternidade ou solidariedade. Nesta geração, pela primeira vez, os Direitos Humanos são tratados como direitos difusos ou coletivos, e não mais apenas “direitos do homem”. Nesta geração também ocorre a internacionalização dos Direitos Humanos e temos, como principal documento, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada na Organização das Nações Unidas (ONU) em 10 de dezembro de 1948.

Nesta conjectura de proteção à direitos transindividuais, surgem os chamados Sistemas Regionais de Proteção dos Direitos Humanos.

Dentre estes sistemas regionais de proteção, conforme a explicação de Saldanha (2019), encontra-se o sistema Interamericano, desenvolvido pela Organização dos Estados Americanos (OEA), é composto pela Comissão e Corte Interamericana de Direitos Humanos, responsáveis pela garantia da aplicação das disposições internacionais e nacionais que versem sobre Direitos Humanos, assegurando aos Estados signatários e aos seus cidadãos o efetivo alcance à proteção de seus direitos e garantias fundamentais.

Assim, afirma-se que a Corte Interamericana de Direitos Humanos é um dos três tribunais regionais de proteção aos Direitos Humanos (sendo os três, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos e a Corte Africana de Direitos Humanos e dos Povos).

1.2 Organização e funcionamento da Comissão e da Corte Interamericana de Direitos Humanos

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, é o órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), sendo responsável, dentre outras atribuições, por receber, analisar e julgar casos individuais ou coletivos que aleguem violações aos direitos humanos, em conformidade com os artigos 44 a 51 da Convenção Americana de Direitos Humanos.

Todas as suas atribuições são, conforme informa oficialmente em seu site a Comissão Americana de Direitos Humanos (2018, n.p.):

(15)

A Comissão tem como função principal promover a observância e a defesa dos direitos humanos, e no exercício do seu mandato:

a) Receber, analisar e investigar petições individuais que alegam violações dos direitos humanos, segundo o disposto nos artigos 44 a 51 da Convenção;

b) Observar o cumprimento geral dos direitos humanos nos Estados membros, e quando o considera conveniente, publicar as informações especiais sobre a situação em um estado específico;

[...]

f) Fazer recomendações aos Estados membros da OEA acerca da adoção de medidas para contribuir com a promoção e garantia dos direitos humanos.

g) Requerer aos Estados membros que adotem “medidas cautelares” específicas para evitar danos graves e irreparáveis aos direitos humanos em casos urgentes. Pode também solicitar que a Corte Interamericana requeira “medidas provisionais” dos Governos em casos urgentes de grave perigo às pessoas, ainda que o caso não tenha sido submetido à Corte.

h) Remeter os casos à jurisdição da Corte Interamericana e atuar frente à Corte em determinados litígios.

i) Solicitar “Opiniões Consultivas” à Corte Interamericana sobre aspectos de interpretação da Convenção Americana.

Desta forma, conforme explica Viviany Christine Rodrigues da Silva (2016), caso não seja possível a resolução conciliatória enquanto o caso estiver tramitando perante a Comissão Americana de Direitos Humanos, esta irá exarar suas razões e apresentar ao Estado envolvido recomendações a serem adotadas para evitar-se que o caso seja julgado pela Corte Interamericana (evitando-se sanções mais graves).

Pode-se afirmar que o processo de denúncia de violações de direitos humanos se trata de um procedimento bipartido de tramitação obrigatória em sua primeira fase (é impossível chegar à Corte sem a tramitação do processo perante a Comissão), de forma que, tratando-se de litígios, a Comissão vem a ser um órgão consultivo e opinativo, enquanto a Corte vem a ser o órgão de julgamento e execução.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos, conforme já discorrido, é um tribunal, tendo funções consultivas e contenciosas. A função consultiva, encontra-se regulamentada no artigo 64 da Convenção Americana de Direitos Humanos (2018, n.p.):

Artigo 64

1. Os Estados membros da Organização poderão consultar a Corte sobre a interpretação desta Convenção ou de outros tratados concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados americanos. Também poderão consultá-la, no que lhes compete, os órgãos enumerados no capítulo X da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires.

2. A Corte, a pedido de um Estado membro da Organização, poderá emitir pareceres sobre a compatibilidade entre qualquer de suas leis internas e os mencionados instrumentos internacionais.

(16)

Verifica-se que a função consultiva da Corte Interamericana de Direitos Humanos serve para esclarecer aos Estados-membros eventuais dúvidas acerca da interpretação da Convenção ou de outros tratados que versem sobre direitos humanos, bem como para auxiliá-los na elaboração da legislação interna, para que se torne compatível com os tratados internacionais que versem sobre Direitos Humanos.

Já a função jurisdicional (ou contenciosa) da Corte está prevista do artigo 61 ao 63 da Convenção Americana de Direitos Humanos (2018, n.p.):

Artigo 61

1. Somente os Estados Partes e a Comissão têm direito de submeter caso à decisão da Corte.

2. Para que a Corte possa conhecer de qualquer caso, é necessário que sejam esgotados os processos previstos nos artigos 48 a 50.

Artigo 62

1. Todo Estado Parte pode, no momento do depósito do seu instrumento de ratificação desta Convenção ou de adesão a ela, ou em qualquer momento posterior, declarar que reconhece como obrigatória, de pleno direito e sem convenção especial, a competência da Corte em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação desta Convenção.

2. A declaração pode ser feita incondicionalmente, ou sob condição de reciprocidade, por prazo determinado ou para casos específicos. Deverá ser apresentada ao Secretário-Geral da Organização, que encaminhará cópias da mesma aos outros Estados membros da Organização e ao Secretário da Corte.

3. A Corte tem competência para conhecer de qualquer caso relativo à interpretação e aplicação das disposições desta Convenção que lhe seja submetido, desde que os Estados Partes no caso tenham reconhecido ou reconheçam a referida competência, seja por declaração especial, como prevêem os incisos anteriores, seja por convenção especial.

Artigo 63

1. Quando decidir que houve violação de um direito ou liberdade protegidos nesta Convenção, a Corte determinará que se assegure ao prejudicado o gozo do seu direito ou liberdade violados. Determinará também, se isso for procedente, que sejam reparadas as conseqüências da medida ou situação que haja configurado a violação desses direitos, bem como o pagamento de indenização justa à parte lesada. 2. Em casos de extrema gravidade e urgência, e quando se fizer necessário evitar danos irreparáveis às pessoas, a Corte, nos assuntos de que estiver conhecendo, poderá tomar as medidas provisórias que considerar pertinentes. Se se tratar de assuntos que ainda não estiverem submetidos ao seu conhecimento, poderá atuar a pedido da Comissão.

A Advocacia Geral da União (2018) assevera que conforme o artigo 61, 1, da Convenção Americana de Direitos Humanos, só poderão submeter casos à Corte, os Estados Partes (como autor ou réu) e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, contudo, poderão as vítimas, seus representantes ou familiares, apresentar à Corte suas alegações e provas durante todas as etapas do procedimento.

(17)

1.3 Controle de Convencionalidade de Tratados Internacionais ratificados pelo Brasil e a recepção do Pacto de São José da Costa Rica

Os Estados signatários da Convenção Americana de Direitos Humanos, que reconheçam a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos estarão sujeitos às suas decisões, irrecorríveis, uma vez que se comprometem ao seu cumprimento.

O Estado brasileiro, por meio do Decreto nº 678 de 6 de novembro de 1992, ratificou internamente a Convenção Americana de Direitos Humanos, sendo instrumento de ratificação do tratado havia sido depositado junto da Secretaria Geral da Organização dos Estados Americanos na data de 25 de setembro de 1992.

Conforme o Decreto Legislativo nº 89, oriundo do Congresso Nacional, foi aprovada a solicitação de reconhecimento da competência obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos, nos casos relativos ao artigo 62 daquele instrumento (BRASIL, 1989).

Contudo, a aceitação da competência obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos veio a ocorrer apenas no ano de 2002, com a edição do Decreto Nº 4.463, de 8 de novembro de 2002, que assim versa (BRASIL, 2002, n.p.):

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição, e

Considerando que pelo Decreto no 678, de 6 de novembro de 1992, foi promulgada a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José), de 22 de novembro de 1969;

Considerando que o Congresso Nacional aprovou, pelo Decreto Legislativo no 89, de 3 de dezembro de 1998, solicitação de reconhecimento da competência obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção, de acordo com o previsto no art. 62 daquele instrumento;

Considerando que a Declaração de aceitação da competência obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos foi depositada junto à Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos em 10 de dezembro de 1998,

DECRETA:

Art. 1º É reconhecida como obrigatória, de pleno direito e por prazo indeterminado, a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José), de 22 de novembro de 1969, de acordo com art. 62 da citada Convenção, sob reserva de reciprocidade e para fatos posteriores a 10 de dezembro de 1998.

(18)

Ao ratificar internamente a adesão à Convenção Americana de Direitos Humanos, em 1992 e, após uma década, ratificar internamente o reconhecimento da competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, nosso Estado se comprometeu a respeitar os tratados internacionais de Direitos Humanos, bem como a executar internamente as decisões da Corte.

Entretanto, conforme o artigo 1º do Decreto nº 4.463, o reconhecimento da obrigatoriedade da competência da Corte Interamericana foi feito com reserva, de forma que nosso Estado aceita a competência da Corte, a priori, apenas nos casos de violação de Direitos Humanos ocorridos após 10 de dezembro de 1998, ou seja, após o reconhecimento da obrigatoriedade pelo Congresso Nacional.

Conforme as palavras de Husek (1995, p.58), “reserva é uma declaração unilateral do sujeito de Direito Internacional visando a excluir ou modificar para si o efeito jurídico de um ou vários dispositivos do tradado.” Nesse sentido, ainda que nosso Estado tenha ratificado internamente o reconhecimento da competência obrigatória da CIDH, os efeitos dessa ratificação foram modulados, não alcançando, a priori, eventos anteriores a 10 de dezembro de 1998.

A contraposição à reserva feita por nosso Estado é a doutrina do Controle de Convencionalidade. Conforme explicam Natividade e Silva (2017, p. 221-243)

A doutrina do controle de convencionalidade surgiu, oficialmente, na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH1), em 2006, na decisão do caso Almonacid Arellano vs. Chile. A corte determinou, na sentença, que os juízes nacionais, lato sensu, estariam obrigados a “exercer uma espécie de ‘controle de convencionalidade’ entre as normas jurídicas internas (...) e a Convenção Americana de Direitos Humanos [CADH].

A doutrina do Controle de Convencionalidade vem para adicionar outro paradigma além do limite Constitucional ao processo legislativo e judiciário. Além das disposições constitucionais de um Estado suas leis, diante do Controle de Convencionalidade, deverão adequar-se aos tratados internacionais que versem sobre Direitos Humanos, dando a estes tratados força supraconstitucional.

(19)

Neste sentido, ainda que nosso Estado, ao ratificar a Convenção Americana de Direitos Humanos, bem como reconhecer a competência obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos, tenha o feito com reserva, pela teoria do Controle de Convencionalidade na ocasião de uma lei (ordenamento jurídico interno) ferir uma disposição de sobre Direitos Humanos ou sobre a Convenção, ainda que constitucionalmente legal, à vista do tratado internacional, aquele dispositivo legal deverá ser revogado.

Porém, conforme lecionam Natividade e Silva (2017, p. 221-243):

[...] o controle de convencionalidade não pode ser imposto aos Estados-membro da CADH como estrutura de controle normativo. A razão primordial reside no fato de que essa imposição é atribuída à jurisprudência da CIDH, o que é equivocado, haja vista o caráter não vinculante das decisões da corte a Estados que não tenham sido parte no processo. Ademais, parece não existir justificação legal que fundamente o controle de convencionalidade como obrigação internacional, motivo pelo qual não pode ele ser imposto.

Quanto à possibilidade de invalidação de normas nacionais, Natividade e Silva (2017) afirmam que não é competência da CIDH, sendo que esta, sendo um tribunal, tem como dever a verificação de responsabilidade internacional do Estado sem, contudo, poder interferir na legislação interna.

Já, para Rosa (2019) a CIDH tem o entendimento de que pode exercer o controle de convencionalidade de forma prévia ou posterior. O Controle prévio, poderia se dar inclusive no exame da convencionalidade de um projeto de Lei, que fosse levado à Comissão Internacional de Direitos Humanos, a fim de se declarar sua compatibilidade ou não com o Pacto de São José da Costa Rica.

Quanto ao controle de convencionalidade posterior, explica Rosa (2019, n.p.):

Já no controle posterior, existe uma violação ao direito previsto na Convenção Americana pela mera existência da lei, o que é tratado pela ação jurisdicional da corte de maneira a determinar a retirada ou a modificação de norma do ordenamento jurídico do país, ante a inconvencionalidade dessas normas, ou também a criação de norma, como veremos

Pode-se auferir da explanação dos autores citados que, muito embora assim entendam os defensores do Controle de Constitucionalidade, a Corte Interamericana de

(20)

Direitos Humanos não pode interferir na validade das normas internas dos Estados membros, uma vez que tal atividade compete exclusivamente a cada Estado, em razão de sua soberania.

1.4 Executividade e força vinculativa das decisões proferidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos sob o controle de convencionalidade

Nosso Estado, ao ter ratificado internamente a Convenção Americana de Direitos Humanos, o caracterizou como “direito nacional de fonte internacional” criando a obrigatoriedade interna de obedecer às disposições do tratado, salvo suas reservas.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos tem seu próprio entendimento acerca do controle de convencionalidade, fixando que os Estados signatários devem expurgar de seu ordenamento jurídico as normas que vão de encontro ao entendimento da convenção.

Sobre o controle de convencionalidade, Rosa (2019, n.p., apud MAZZUOLI, 2009, p. 70-71) explica:

O controle de convencionalidade surgiu primeiramente na França, no limiar da década de 70, pela atividade decisória do Conselho Constitucional francês, que “na Decisão n. 74-54 DC, de 15 de janeiro de 1975, entendeu não ser competente para analisar a convencionalidade preventiva das leis”

[...]

Não obstante a sua origem em solo francês, o controle de convencionalidade resplandece como aparato jurídico utilizado pela Corte Interamericana para avaliar a compatibilidade das normas dos Estados em vista da Convenção Americana sobre Direitos Humanos

Quanto o posicionamento da CIDH Schäfer et al (2017, p.218) afirmam que:

A partir da década passada, a Corte IDH também passou a denominar de controle de

convencionalidade a compatibilização entre os ordenamentos nacional e

internacional a ser realizada pelos agentes estatais nacionais – em especial, os juízes – atribuindo-lhes o dever de afastar a aplicação dos dispositivos locais que venham a contrariar o corpus juris interamericano. [grifos dos autores]

Continuam os autores (p. 220)

O controle de convencionalidade autoriza que uma Corte internacional ou supranacional realize o exame de compatibilidade dos atos normativos de um país com os tratados de que ele é parte, determinando alterações no ordenamento interno, sob pena de sua responsabilização no plano internacional.

(21)

Contudo, conforme resta explicado por Schäffer et al (2017), o controle de convencionalidade interamericano encontra uma barreira jurídica não existente no sistema europeu. Isso em razão de que a Corte Europeia e seus Estados signatários, adotaram o entendimento que o Direito Comunitário se sobrepõe às leis de cada país. Tal entendimento não foi adotado, ao menos não no ato constituinte, quando da formação da CIDH ou da assinatura da Convenção Interamericana de Direitos Humanos.

Verifica-se que a Convenção Interamericana de Direitos Humanos não tem por intenção se sobrepor à soberania dos Estados signatários. Tal entendimento se aplica à Corte, em especial à luz do artigo 46.1 da referida Convenção, que preconiza a necessidade do esgotamento de todos os recursos da jurisdição interna do Estado signatário antes de ser realizada a comunicação de violação à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Vejamos (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2018, n.p.):

Artigo 46

1. Para que uma petição ou comunicação apresentada de acordo com os artigos 44 ou 45 seja admitida pela Comissão, será necessário:

a. que hajam sido interpostos e esgotados os recursos da jurisdição interna, de acordo com os princípios de direito internacional geralmente reconhecidos;

[...]

Neste sentido, o controle de convencionalidade adotado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos não foi “previsto” quando da ratificação do tratado, de modo que, em tese, cabe à cada Estado regulamentar a força executiva e vinculativa das decisões exaradas pela Corte.

Porém, consoante entendimento atual da Corte, suas decisões deverão ser executadas pelos Estados signatários, haja vista que estes, ao ratificarem os tratados, “permitiram” e “reconheceram” a jurisdição e executividade das decisões da CIDH.

Diante desses posicionamentos, a discussão alcança hoje um ponto muito relevante em nossa sociedade, uma vez que a Corte Interamericana de Direitos Humanos julgou o caso Gomes Lund e Outros versus Brasil, condenando nosso Estado e reconhecendo sua responsabilidade pelo desaparecimento forçado dos participantes da “Guerrilha do Araguaia” no período do Regime Militar.

(22)

Tal decisão entendeu que a Lei da Anistia causa um entrave aos familiares que buscam saber o que realmente aconteceu com os desaparecidos no Araguaia, bem como a aqueles que buscam a investigação e responsabilização dos agentes que ocasionaram os desaparecimentos.

Desta forma, a CIDH (2010) criticou o posicionamento dos tribunais brasileiros (mormente do STF na APDF 163) em relação à Lei da Anistia e exigiu que sejam tomadas as medidas necessárias para a investigação e responsabilização dos agentes públicos (militares) envolvidos à época.

O que se passa a discutir é a aplicabilidade de executividade dessa sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em solo nacional, haja vista que o STF (BRASIL, 2010) já se manifestou no sentido que a Constituição Federal de 1988 recebeu a Lei da Anistia.

(23)

2 RECEPÇÃO E EXECUTIVIDADE DA SENTENÇA PROFERIDA PELA CIDH NO CASO GOMES LUND E OUTROS VERSUS BRASIL

Diante da discussão acerca da executividade das sentenças proferidas pela CIDH, é necessária a discussão acerca da decisão que a Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu no caso Gomes Lund e outros versus Brasil.

Tal necessidade surge, primariamente, em razão de que o decisum interfere diretamente na soberania do nosso Estado, haja vista que em seu dispositivo, dentre outras medidas, determina a revogação de uma Lei Federal, sob a égide de que o Diploma legal é contrário às disposições internacionais de Direitos Humanos e, sobretudo, contrário à Convenção Interamericana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário.

Ademais, a discussão merece atenção em razão de que no ano de 2010, ao julgar a Alegação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 153), na data de 29 de abril de 2010, arguida pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil o Supremo Tribunal Federal, considerou constitucional a chamada Lei da Anistia, mantendo-se todas as suas disposições, o que – claramente – vai de encontro ao entendimento da CIDH.

2.1 Caso Gomes Lund e Outros versus Brasil

Entre o final da década de sessenta (início da ditadura militar) e 1975 (fim do governo Medici, início do governo Geisel) instaurou-se na região do Araguaia (divisa entre Tocantis e Pará) um movimento arquitetado e liderado por membros Partido Comunista do Brasil (PCdoB), denominado, popularmente, como “Guerrilha do Araguaia”.

Originalmente o movimento baseava-se no ideal comunista de luta popular para derrubar o sistema capitalista, como podemos ver nas palavras de Fernandes (2019, n.p.):

Os membros da Guerrilha do Araguaia eram vinculados ao PC do B (Partido Comunista do Brasil), partido revolucionário dissidente do antigo PCB (Partido Comunista Brasileiro), e seguiam a linha estratégica maoista, isto é, a linha adotada por Mao Tsé-Tung na China após a Segunda Guerra Mundial. O objetivo dessa estratégia era instaurar um estado de “guerra popular prolongada” na região Norte do Brasil e, a partir disso, tentar tomar o poder no país.

(24)

Corrêa (2019) afirma que com a evolução e crescente repressão ocasionada pelo governo militar após o golpe de 64, o movimento passou a tomar um cunho de luta contra a repressão, valendo-se do ideal de revolução para tentar derrubar o governo militar, revolução esta que teria início no campo, na forma de movimentos guerrilheiros.

No ano de 1972 a operação no Araguaia foi descoberta pelo governo que, por sua vez, iniciou medidas enérgicas para contenção e desmantelamento dos grupos momento em que, de fato, passou a se desenvolver o combate em forma de guerrilha. Os guerrilheiros, apoiados pela população local que os avisam da aproximação das forças combatentes e auxiliavam no transporte e esconderijo de armas, passaram a adotar estratégias de lutas e fugas, instruindo os participantes do movimento em utilizarem apenas rotas traçadas pela guerrilha e abandonarem locais já descobertos pelos militares.

Corrêa (2019, n.p.) explica que:

O primeiro local atacado foi o destacamento A, do qual os guerrilheiros conseguiram retirar parte do armamento antes de fugirem para a mata, graças à colaboração dos moradores que avisaram sobre a chegada da polícia. Além disso, era importante planejar ataques e fazer circular notícias sobre os acontecimentos que ocorriam no Araguaia a fim de obter apoio popular a partir da comoção pública.

A partir da receptividade da população à causa e ao preparo destes, os primeiros confrontos com a polícia foram favoráveis aos guerrilheiros e promoveu a retira das Forças Armadas da região, vista pelos guerrilheiros como estratégica, mas como uma vitória inicial.

A partir desse momento, iniciou-se a Guerra Popular. Os guerrilheiros eram aconselhados a andar apenas pelas vias abertas por eles na mata e não retornar aos locais que houvessem sido descobertos pelos militares. Além disso, eram orientados a conscientizar a população sobre as ideias das forças de oposição que ali lutavam, denominadas Forças Guerrilheiras do Araguaia.

Muito embora, conforme tenha mencionado a autora, os guerrilheiros auferiram sucesso nos primeiros combates contra as forças do governo, os militares adotaram novas táticas de combate, especializando-se nas condições geográficas da região do Araguaia, bem como infiltrando espiões dentro do movimento, visando o desmantelar de “dentro para fora”, bem como antecipar suas estratégias e encontrar seus líderes.

Nessa conjectura, desmantelando o agrupamento por meio de assassinato aos seus líderes e espionagem, na terceira ocasião o governo não só tinha amplo conhecimento das táticas, participantes e geografia local de onde se encontrava o movimento, mas também, utilizando-se de uma ampla força militar, no que foram denominadas “Operação Sucuri e

(25)

Marajora”, os militares encerraram as operações da Guerrilha do Araguaia, vindo a matar cerca de 70 guerrilheiros (os números variam de 69 a 90) Bezerra (2018, n.p) refere que “a terceira campanha é que tornou a guerrilha conhecida, entre os próprios militares, como "guerra suja" devido à desproporção de forças usadas para combater os guerrilheiros”. Nesta etapa, matou-se sem fazer distinção entre combatentes e presos, sendo que dos mortos, 61 corpos jamais foram achados.

As famílias dos guerrilheiros desaparecidos buscaram encontrar indícios de seu paradeiro, bem como buscar informações oficiais sobre o que teria acontecido com os combatentes contudo, diante da forte repressão e omissão pelo governo da época, nenhuma informação concreta foi disponibilizada.

Diante da falta de informação provida pelos órgãos governamentais e, com a promulgação da “Lei da Anistia” (Lei nº 6.683/79) que veio a “perdoar” todos os militares envolvidos nos atos governamentais que se perpetraram na época da ditadura, bem como impede que eventuais investigações em face destas pessoas sejam deflagradas, as famílias dos desaparecidos na Guerrilha do Araguaia, representadas por entidades protetoras dos Direitos Humanos, socorreram-se à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, solicitando a revogação da Lei da Anistia bem como fosse determinado ao Estado Brasileiro que investigasse sobre os desaparecidos durante o regime militar.

Do relatório da Comissão Interamericana de Diretos Humanos, pode-se observar o seguinte, (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2010, p.3):

Em 26 de março de 2009, em conformidade com o disposto nos artigos 51 e 61 da Convenção Americana, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante “Comissão Interamericana” ou “Comissão”) submeteu à Corte uma demanda contra a República Federativa do Brasil (doravante “o Estado”, “Brasil” ou “a União”), que se originou na petição apresentada, em 7 de agosto de 1995, pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e pela Human Rights Watch/Americas, em nome de pessoas desaparecidas no contexto da Guerrilha do Araguaia (doravante também denominada “Guerrilha”) e seus familiares. 2 Em 6 de março de 2001 [...]

Em seu parecer, a Comissão reconheceu o direito das famílias postulantes e expediu recomendações ao Estado Brasileiro a fim de que se adequasse quanto ao postulado, contudo, consoante se extrai do relatório da CIDH, muito embora concedidas prorrogações para o

(26)

Estado dar cumprimento às recomendações, este quedou-se inerte. Vejamos (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2010, p.3)

[...] a Comissão expediu o Relatório de Admissibilidade nº 33/013 e, em 31 de outubro de 2008, aprovou o Relatório de Mérito nº 91/08, nos termos do artigo 50 da Convenção, o qual continha determinadas recomendações ao Estado. 4 Esse relatório foi notificado ao Brasil em 21 de novembro de 2008, sendo-lhe concedido um prazo de dois meses para que informasse sobre as ações executadas com o propósito de implementar as recomendações da Comissão. A despeito de duas prorrogações concedidas ao Estado, os prazos para que apresentasse informações sobre o cumprimento das recomendações transcorreram sem que a elas fosse dada uma “implementação satisfatória”. Diante disso, a Comissão decidiu submeter o caso à jurisdição da Corte, considerando que representava “uma oportunidade importante para consolidar a jurisprudência interamericana sobre as leis de anistia com relação aos desaparecimentos forçados e à execução extrajudicial e a consequente obrigação dos Estados de dar a conhecer a verdade à sociedade e investigar, processar e punir graves violações de direitos humanos”. A Comissão também enfatizou o valor histórico do caso e a possibilidade de o Tribunal afirmar a incompatibilidade da Lei de Anistia e das leis sobre sigilo de documentos com a Convenção Americana. [...]

Diante da desídia do Estado Brasileiro em atender à recomendação expedida pela comissão, esta submeteu o caso à Corte, nos termos do artigo 61. 1 da Convenção Americana de Direitos Humanos, sob os seguintes termos (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2010, p.4):

A Comissão também submeteu o caso à Corte porque, “em virtude da Lei nº 6.683/79 […], o Estado não realizou uma investigação penal com a finalidade de julgar e punir as pessoas responsáveis pelo desaparecimento forçado de 70 vítimas e a execução extrajudicial de Maria Lúcia Petit da Silva […]; porque os recursos judiciais de natureza civil, com vistas a obter informações sobre os fatos, não foram efetivos para assegurar aos familiares dos desaparecidos e da pessoa executada o acesso a informação sobre a Guerrilha do Araguaia; porque as medidas legislativas e administrativas adotadas pelo Estado restringiram indevidamente o direito de acesso à informação pelos familiares; e porque o desaparecimento das vítimas, a execução de Maria Lúcia Petit da Silva, a impunidade dos responsáveis e a falta de acesso à justiça, à verdade e à informação afetaram negativamente a integridade pessoal dos familiares dos desaparecidos e da pessoa executada”. A Comissão solicitou ao Tribunal que declare que o Estado é responsável pela violação dos direitos estabelecidos nos artigos 3 (direito ao reconhecimento da personalidade jurídica), 4 (direito à vida), 5 (direito à integridade pessoal), 7 (direito à liberdade pessoal), 8 (garantias judiciais), 13 (liberdade de pensamento e expressão) e 25 (proteção judicial), da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em conexão com as obrigações previstas nos artigos 1.1 (obrigação geral de respeito e garantia dos direitos humanos) e 2 (dever de adotar disposições de direito interno) da mesma Convenção. Finalmente, solicitou à Corte que ordene ao Estado a adoção de determinadas medidas de reparação.

Em razão da referida submissão à Corte, o órgão passou a julgar o que veio a ser denominado de caso “Gomes Lund e Outros versus Brasil”, proferindo, na data de 24 de novembro de 2010, sentença favorável aos familiares dos desaparecidos, determinando que o

(27)

Estado Brasileiro revogue a Lei da Anistia, uma vez que manifestamente contrária às disposições internacionais sobre Direitos Humanos, às disposições da Convenção Interamericana de Direitos Humanos e demais tratados que discorrem acerca dos direitos à informação, proibição da tortura e à memória, conforme discutiremos a seguir.

2.2 Sentença proferida pela CIDH.

Na data de 24 de novembro de 2010, a Corte sentenciou o caso Gomes Lund e Outros versus Brasil. No documento, de 126 laudas, debateu-se extensamente o contexto do Estado Brasileiro quando dos acontecimentos que levaram à demanda, em especial quanto ao regime ditatorial extremado, imposto pelos militares à época.

Conforme pode-se auferir do relatório da sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (2010), o Estado brasileiro apresentou à corte três exceções preliminares, constituídas nas alegações de incompetência do tribunal em virtude do tempo; falta de interesse processual da comissão e dos representantes e falta do esgotamento de recursos internos. Posteriormente, em audiência pública, apresentou uma quarta preliminar acerca da impossibilidade da existência de uma quarta instância

Sob a incompetência temporal a CIDH (2010), informa que o Estado afirmou que ao reconhecer a competência contenciosa da corte, o fez com reserva, reconhecendo-a apenas para o fatos ocorridos após 10 de dezembro de 1998, de forma que não caberia à corte o julgamento sobre os fatos relativos à Guerrilha do Araguaia, haja vista que ocorreram entre os anos de 1964-1972.

Contudo, a corte rechaçou a arguição do Brasil, haja vista que os fatos analisados (desaparecimento forçado) se tratam de violações de caráter continuado2, de modo que embora tenham seu início em data anterior ao reconhecimento da contenciosidade da corte por parte do Estado, se perpetuam até hoje, haja vista q10ue não houve uma solução para o caso. Neste sentido, colaciona o posicionamento da CIDH (2010, p. 9-10):

O Brasil reconheceu a competência contenciosa da Corte Interamericana em 10 de dezembro de 1998 e, em sua declaração, indicou que o Tribunal teria competência para os “fatos posteriores” a esse reconhecimento. Com base no anteriormente

2 Expressão utilizada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. No ordenamento jurídico brasileiro o

(28)

exposto e no princípio de irretroatividade, a Corte não pode exercer sua competência contenciosa para aplicar a Convenção e declarar uma violação de suas normas quando os fatos alegados ou a conduta do Estado, que pudesse implicar sua responsabilidade internacional, sejam anteriores a esse reconhecimento da competência [...]

Ao contrário, em sua jurisprudência constante, este Tribunal estabeleceu que os atos de caráter contínuo ou permanente perduram durante todo o tempo em que o fato continua, mantendo-se sua falta de conformidade com a obrigação internacional. Em concordância com o exposto, a Corte recorda que o caráter contínuo ou permanente do desaparecimento forçado de pessoas foi reconhecido de maneira reiterada pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos, no qual o ato de desaparecimento e sua execução se iniciam com a privação da liberdade da pessoa e a subsequente falta de informação sobre seu destino, e permanecem até quando não se conheça o paradeiro da pessoa desaparecida e os fatos não tenham sido esclarecidos. A Corte, portanto, é competente para analisar os alegados desaparecimentos forçados das supostas vítimas a partir do reconhecimento de sua competência contenciosa efetuado pelo Brasil. [Grifou-se].

Sobre a decisão, manifestou-se Moraes (2011, p.101):

A fim de determinar se tem ou não competência para conhecer um caso, de acordo com o artigo 62.1 da Convenção Americana, a Corte levou em consideração a data de reconhecimento da competência pelo Estado, os termos em que se deu essa submissão e o princípio de irretroatividade disposto no artigo 28 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969. Nesse sentido, como o Brasil reconheceu a competência contenciosa da Corte Interamericana em 10 de dezembro de 1998 e, em sua declaração, indicou que o Tribunal teria competência para os “fatos posteriores”, ficou excluída da ingerência do Tribunal na alegada execução extrajudicial da senhora Maria Lúcia Petit da Silva, cujos restos mortais foram identificados em 1996. No entanto, em relação aos demais, considerando que os atos de caráter contínuo ou permanente perduram durante todo o tempo em que o fato continua, reconheceu sua competência para analisar os alegados desaparecimentos forçados das supostas vítimas.

É também o entendimento de Lima e Val (2017, p. 115-116):

[...] Contudo, a Corte é competente para conhecer das violações continuadas ou permanentes, mesmo quando iniciem antes do reconhecimento da competência contenciosa, desde que se estendam além desse reconhecimento. É o caso da Guerrilha do Araguaia. A demanda se refere às violações dos direitos, previstos na Convenção Americana, que persistem depois do reconhecimento de competência, em razão da natureza continuada do desaparecimento forçado.

Verifica-se o consenso dos doutrinadores com o entendimento da CIDH, sendo que, de fato, a Corte é competente para julgar o caso Gomes Lund e Outros, afastando parcialmente a preliminar arguida pelo Estado.

Quanto à falta de interesse processual, alegou o Estado que adotou as medidas necessárias para a reparação (judiciais e extrajudiciais) de modo que não se vislumbra o interesse, dos representantes e da comissão, na demanda interposta (CIDH, 2010).

(29)

Vejamos o que o relatório da Corte traz a respeito da alegação (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2010, p. 11):

O Brasil alegou que a Comissão reconheceu e valorizou as medidas de reparação adotadas pelo Estado com relação ao presente caso, mas que esse órgão afirmou, de modo genérico, que outras medidas deviam ser implementadas. A critério do Estado, em virtude do “exíguo lapso de tempo transcorrido entre a apresentação do Relatório Parcial de Cumprimento de Recomendações [com respeito ao Relatório de Mérito No. 91/08] e o envio do caso à Corte (três dias), a avaliação pela [Comissão] do cumprimento das medidas de reparação e de não repetição por ela recomendadas […] restou prejudicada”. Por outro lado, dada a informação contida no referido relatório estatal, o Brasil considerou que o envio do caso à Corte foi inoportuno e “ressalta[ou] a ausência de interesse processual a ensejar o exame de mérito do [presente] caso”.

Continua:

Em particular, o Estado destacou as medidas de reparação que adotou no presente caso, manifestando, inter alia, que: a) promulgou a Lei No. 9.140/95, mediante a qual “promoveu o reconhecimento oficial de sua responsabilidade pelas mortes e pelos desaparecimentos ocorridos durante o período do regime militar” e pagou indenizações aos familiares de 59 supostas vítimas; b) publicou, em agosto de 2007, o livro “Direito à Memória e à Verdade – Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos”, no qual estabeleceu a versão oficial sobre as violações de direitos humanos cometidas por agentes estatais, “reforçando o reconhecimento público da responsabilidade do Estado”; c) realizou “diversos atos de natureza simbólica e educativa, que promoveram o resgate da memória e da verdade dos fatos ocorridos durante o […] regime militar”; d) enviou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei No. 5.228/09 sobre o acesso à informação pública; e) impulsionou o projeto “Memórias Reveladas”, relacionado com diversas iniciativas sobre o arquivamento e a divulgação de documentos relativos ao regime militar, e f) promoveu uma campanha para a entrega de documentos que possam ajudar na localização dos desaparecidos. Adicionalmente, foram realizadas diversas iniciativas sobre a busca dos restos mortais e identificação dos desaparecidos da Guerrilha, entre outras, expedições à região do Araguaia. Com base no anteriormente exposto, o Estado concluiu que a falta de interesse processual “dos peticionários” é consequência do fato de que “as medidas já adotadas [pelo Estado], somadas às que estão em implementação, atende[em] a integralidade de [seus] pedidos”.

Diante das alegações do Estado, a Corte entendeu que se manifestou sobre duas matérias. A primeira, seria quanto à submissão do caso pela Comissão à Corte e a segunda seria relacionada às medidas de reparação adotadas pelo Brasil em relação às vítimas e familiares dos desaparecidos na Guerrilha do Araguaia.

Quanto à legitimidade da Comissão, posicionou-se a Corte da seguinte Maneira (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2010, p. 12):

(30)

[...] A segurança jurídica exige que os Estados saibam a que se ater no procedimento perante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Por conseguinte, se a Comissão concede um prazo ao Estado para que cumpra as recomendações do relatório, deve esperar que este lhe remeta a resposta no prazo fixado e avaliá-la com o objeto de decidir se submeter o caso ao conhecimento da Corte é a alternativa mais favorável à tutela dos direitos contemplados na Convenção ou se, ao contrário, as medidas adotadas pelo Estado para cumprir as recomendações da Comissão constituem uma contribuição positiva para o andamento do processo e para o cumprimento das obrigações estabelecidas na Convenção Americana. No presente caso, não se evidencia um erro ou a inobservância das normas convencionais ou regulamentares que regem o envio do caso pela Comissão a esta Corte, mas uma mera discrepância de critérios relativamente a essa ação. Com base no exposto, o Tribunal considera que a alegação do Estado não constitui uma exceção preliminar. [Grifou-se].

Já, quanto à falta de interesse processual em razão de que o Estado teria adotado medidas internas para sanar o conflito, a Corte entendeu que não se tratam de alegações preliminares, haja vista que se confundem com o mérito da demanda, de forma que foram rejeitadas as alegações do Estado, uma vez que não possuem o condão de afastar a jurisdição da corte (CIDH, 2010).

Sobre essas alegações, manifestou-se Moraes (2011, p. 101):

No que concerne ao interesse de agir, a Corte referiu que a segurança jurídica exige que os Estados saibam a que se ater no procedimento perante o Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Por conseguinte, se a Comissão concedeu um prazo ao Estado para que cumpra as recomendações do relatório, este deveria ter remetido a resposta no prazo fixado e avaliá-la com o objeto de decidir se submeter o caso ao conhecimento da Corte é a alternativa mais favorável à tutela dos direitos contemplados na Convenção.

Por oportuno, traz-se à baila o posicionamento de Lima e Val (2017, p.117):

A Corte observou que o que pode ser objeto de exceção preliminar é a omissão ou violação de todas ou de alguma etapa processual indicada nos artigos 50 e 51 da Convenção Interamericana, de modo que se provoque um desequilíbrio processual ou erro grave que afete o direito de defesa de alguma das partes no caso perante a Corte. Além disso, a Corte entendeu que as medidas adotadas para reparar as violações ou evitar sua repetição, podem ser relevantes para a análise sobre o mérito, mas não têm efeito sobre o exercício da competência da Corte para dele conhecer, desestimando a exceção preliminar.

Verifica-se, desta forma, o interesse das partes e da comissão em apresentar o caso à corte, sendo que as medidas adotadas pelo Estado devem ser discutidas no mérito da demanda.

(31)

Aufere-se quanto ao Esgotamento dos Recursos Internos, que o Estado brasileiro alegou não ter se observado um dos requisitos necessários para demandar perante a Corte, qual seja, que se esgotem todas as vias de discussão internas do Estado.

Em seu relatório, explica a Corte que (CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2010, p. 14-15):

O Estado salientou, ademais, que os representantes não haviam esgotado os seguintes recursos internos: a) a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental No. 153, mediante a qual se solicitou que a anistia concedida pela Lei de Anistia No. 6.683/79 não se estenda aos crimes comuns praticados pelos agentes de repressão contra os opositores políticos; b) a Ação Ordinária No. 82.00.024682-5, mediante a qual se solicitou a determinação do paradeiro dos desaparecidos, a localização dos restos mortais, o esclarecimento das circunstâncias da morte e a entrega do relatório oficial sobre as operações militares contra a Guerrilha do Araguaia; c) a Ação Civil Pública No. 2001.39.01.000810-5, interposta pelo Ministério Público Federal para obter do Estado todos os documentos existentes sobre ações militares das Forças Armadas contra a Guerrilha; d) a ação privada subsidiária para a persecução penal dos crimes de ação pública, e e) as iniciativas referentes à solicitação de indenizações, como a Ação Ordinária Civil de Indenização e a solicitação de reparação pecuniária, no âmbito da Lei No. 9.140/95, da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, e da Comissão de Anistia, de acordo com a Lei No. 10.559/02, entre outras medidas de reparação. [Grifou-se].

Diante das afirmações do Estado, bem como do relatório entregue pela comissão e, por fim, considerando as arguições dos representantes, decidiu a CIDH o seguinte (2010, p. 17):

O Tribunal observa do expediente do caso perante a Comissão Interamericana que esta solicitou ao Estado que indicasse, de acordo com o artigo 34 de seu Regulamento então vigente, os elementos de juízo que lhe permitissem verificar se haviam sido esgotados os recursos da jurisdição interna. Em resposta a esse pedido, o Brasil informou que: a) não se havia esgotado a Ação Ordinária, que se encontrava em etapa de conhecimento do processo, e b) existia a possibilidade para os familiares de interpor um habeas data para obter documentos e informação de órgãos públicos. Esses são os únicos questionamentos do Estado vinculados a exceções preliminares apresentados oportunamente. Ao contrário, as alegações relativas à Arguição de Descumprimento, à Ação Civil Pública, à possibilidade de interposição de uma ação penal subsidiária e às diversas iniciativas de reparação, foram expostas pelo Brasil, pela primeira vez, como parte de uma exceção preliminar por falta de esgotamento dos recursos internos em sua contestação à demanda, aproximadamente nove anos e oito meses depois de adotada a decisão de admissibilidade por parte da Comissão Interamericana, ou seja, de maneira extemporânea. Por esta razão, não corresponde admitir estes argumentos.

Continua a análise (p. 17-18):

Com base no exposto acima, o Tribunal analisará unicamente a alegação do Estado referente à falta de esgotamento dos recursos internos a respeito da Ação Ordinária.

(32)

No momento em que a Comissão emitiu o Relatório No. 33/01, em 6 de março de 2001, passados mais de 19 anos do início dessa ação, não havia uma decisão definitiva do mérito no âmbito interno. Por esse motivo, a Comissão concluiu que o atraso do processo não podia ser considerado razoável. A Comissão, por conseguinte, entendeu que não se podia exigir o requisito do esgotamento dos recursos internos e aplicou ao caso o artigo 46.2.c da Convenção. A Corte observa que não se deduz do expediente a alegada análise inadequada por parte da Comissão a respeito desta exceção. De igual maneira, durante a tramitação do caso perante a Corte, o Estado teve a oportunidade de apresentar seus argumentos de defesa quanto a todos os aspectos da demanda, apesar do que, não demonstrou prejuízo a seu direito de defesa em razão da referida atuação da Comissão. Desse modo, o Tribunal não encontra elementos para modificar, neste caso, o que foi decidido pela Comissão Interamericana. Além disso, a partir dos argumentos das partes e das provas contidas no expediente, a Corte observa que as alegações do Estado relativas à eficácia do recurso e à inexistência de um atraso injustificado na Ação Ordinária versam sobre questões relacionadas com o mérito do caso, uma vez que contradizem as alegações relacionadas com a suposta violação dos artigos 8, 13 e 25 da Convenção Americana. Com base nas considerações anteriores, o Tribunal desestima esta exceção preliminar.

Verifica-se que a CIDH (2010), em suas razões, manifestou-se, primeiramente, no sentido de que considerou extemporâneas as ações relativas à Arguição de Descumprimento, à Ação Civil Pública e à alegação da possibilidade de interposição de ação penal subsidiária, haja vista que foram apresentadas após aproximadamente 9 anos e 8 meses depois que a Comissão Interamericana admitiu a reclamação.

Nesta toada a Corte examinou apenas a questão da Ação Ordinária. Quanto à ação referida, a CIDH observou que quando da emissão de Relatório pela Comissão Interamericana, já haviam passados 19 (dezenove) anos da propositura da demanda, sem que houvesse uma real solução, de forma que a Comissão concluiu que tal demora processual não poderia ser considerada razoável, de forma que se afastaria o requisito do esgotamento das vias internas. Deste modo, não reconheceu a Corte da arguição preliminar do Estado (CIDH 2010).

Sobre o decisum, afirmam Lima e Val (2017, p. 118-119):

[...] A Corte Interamericana explicou que esse recurso não poderia ser considerado um dos que deveriam ser esgotados pelos familiares, uma vez que a ADPF não é um recurso disponível, pois além de não estar regulamentada no momento da denúncia perante a Comissão, pessoas particulares, como os familiares das vítimas, não são legitimados, já que os legitimados para interpor essa ação são os determinados pela a Constituição Federal e artigo 2o da Lei nº 9.882/99, que dispõe que os legitimados para a ADPF são os mesmos da ADIN, além disso, não constitui recurso adequado para reparar, esclarecer fatos, estabelecer as responsabilidades individuais decorrentes e determinar o paradeiro dos desaparecidos.

Referências

Documentos relacionados

No modo de corrente constante observamos problemas adicionais com estas capacitâncias: Apesar do calibrador (Fluke 5720A) indicar uma corrente fixa em sua saída, a

Ao termino da apresentação nenhuma mãe questionou, onde inclusive percebeu-se um grande desinteresse das mesmas no que se estava sendo falado, onde isso pode se dar

Em vista da necessidade de novas metodologias de ensino das lutas, o presente estudo tem como objetivo criar diretrizes para elaboração de jogos para o ensino

Valores do teste de qui-quadrado e significâncias (corrigidas pelo método de Bonferroni) para avaliação da variação do consumo das categorias de presas em cada transecto entre os

“Um Salão Profissional que reúne, em 2 dias, Oradores Internacionais e Profissionais Especializados, que debatem as Melhores Práticas e as Tendências Futuras do Marketing Relacional

Além de ser um elemento funcional propriamente dito, que proporciona o acesso aos ambientes da casa, também permite a leitura do projeto e seus espaços, especialmente em projetos com

Potencial hospedeiro de duas espécies de Murraya para Diaphorina citri Kuwayama, 1908 Hemiptera: Liviidae com vistas à produção de Tamarixia radiata Waterston, 1922

2005 ao evidenciar a opinião dos usuários e profissionais de saúde ao destacaram a comunicação entre os serviços como essencial para a continuidade da assistência e o bom