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Procede-se à análise da aplicabilidade da sentença estudada anteriormente em nosso Estado, face ao controle de convencionalidade.

Nas palavras de Natividade e Silva (2017) verifica-se que há duas vertentes acerca da doutrina do Controle de Convencionalidade. A primeira, traduz-se no controle interno do Estado (no caso do Brasil, realizado pelo STF), em que o órgão jurisdicional máximo, ou competente em matéria constitucional, irá julgar a adequação da disposição de um tratado ou, nesse caso, de uma decisão externa em face da Constituição. Já a segunda teoria é aplicada

pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em sua jurisprudência. Segundo esta, as disposições internacionais de Direitos Humanos, por se tratarem de normas jus cogens, bem como as decisões nestas baseadas, se sobrepõe ao direito interno dos Estados, principalmente daqueles que são signatários do Pacto de São José da Costa Rica e, em especial, aos que reconhecem a competência da Corte.

Por oportuno, colaciona-se o posicionamento de Moraes (2011, p. 107-108) acerca do Controle de Convencionalidade aplicado ao caso:

O controle de convencionalidade culminou no mandamento de criminalização dos desaparecimentos forçados; na conclusão de que a ausência de tipificação penal deste delito vai de encontro à Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas, a qual o Brasil deverá adotar o mais breve possível; bem como no fato de que a ausência de tipificação penal deste delito não pode impedir a punição dos autores, uma vez que já se trata de um ilícito penal devido às normas de jus cogens, que têm consolidado a ilicitude destes atos há muito tempo. Por fim, resultou na incompatibilidade entre a decisão do Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 153, uma vez que esta julgou constitucional a anistia dos agentes estatais responsáveis por graves violações aos direitos humanos durante o regime de exceção brasileiro.

Verifica-se de pronto que a doutrinadora adota o posicionamento da Corte quanto ao controle de Convencionalidade, entendendo ser necessário o Estado atender às determinações da CIDH exaradas na sentença prolatada.

Quanto aos efeitos da sentença no Brasil, Lima e Val (2017, p.128-129) analisam:

Uma das determinações da sentença foi a tipificação do crime de desaparecimento forçado. Sobre esse assunto, o Projeto de Lei 301/07 (apensado o Projeto de Lei 4.038/08) define condutas que constituem crimes internacionais, de violação do direito internacional humanitário e dos direitos humanos e estabelece normas para a cooperação judiciária com o Tribunal Penal Internacional. Essa construção legislativa corresponde, em última instância, a obrigações derivadas do Estatuto do Tribunal Penal Internacional O projeto (PL 301/2007 e o apensado PL 4.038/2008), aprovado por sua CCJC, dispõe que todo tipo de privação de liberdade é admitido como ato inicial; esse crime não se reduz a ato de Estado, estendendo-se a qualquer organização política e de seus cúmplices; a ocultação ou negativa da privação de liberdade ou de informação sobre o destino da vítima se transforma em ato secundário essencial; deixar o detido fora do amparo legal é resultado, não intenção, e tem tempo fixo de, no mínimo, quarenta e oito horas; se for superior a trinta dias, o crime tem forma qualificada, com aumento considerável de pena; quinto, esse crime é permanente até o esclarecimento da sorte ou paradeiro da vítima

Muito embora possamos ver que a decisão da Corte produz sim efeitos em nosso Estado, sua aplicabilidade encontra diversos entraves.

Segundo Lima e Val (2017, p.130, apud TRINDADE, 1999, p. 184):

O descumprimento aos ditames da sentença pelo Brasil é oriundo da falta de meios coercitivos mais eficazes para a concretização de sentenças proferidas pela Corte e isso foi salientado por Trindade (1999, p. 184), segundo quem a maioria dos Estados partes na Convenção Americana ainda não tomou providência legislativa para a execução das sentenças oriundas da Corte Interamericana de Direitos Humanos e, dessa forma, aqueles que venceram processo perante a mesma legalmente assegurada a execução da sentença no direito interno dos Estados demandados. “Cumpre remediar prontamente esta situação” Trindade (1999, p. 184).

Compartilha do entendimento, mormente na necessidade da criação de um mecanismo para a execução das sentenças proferidas pela CIDH, Oliveira (2019, n.p.):

Seria de bom alvitre a concepção de um mecanismo próprio de execução direta dos julgados da Corte Interamericana, que, dispensado de custas, possibilite a execução fácil das decisões internacionais perante os juízes nacionais, concedendo à vítima, já massacrada pela violação dos direitos humanos, prerrogativas como inexigibilidade do exequatur, a não previsão de embargos à execução, ou qualquer outro entrave processual, a fim de solucionar de forma célere a decisão emanada pela Corte.

Percebe-se que a sentença proferida pela CIDH encontra dificuldades em ser cumprida no Brasil justamente por não existir uma previsão legal de como o fazer. Nas palavras de Pereira (2009), as sentenças proferidas pela CIDH se tratam de “sentenças internacionais”, diferenciando-se das “sentenças estrangeiras”.

Quanto às propriedades e diferenças entre sentença internacional e estrangeira, menciona Pereira (2009, n.p.):

A sentença estrangeira não se confunde com a internacional, pois a primeira é prolatada pelo judiciário estrangeiro nos termos do direito estrangeiro — em cuja elaboração o Estado receptor não pode interferir —, enquanto a outra o é por um órgão cuja jurisdição foi aceita pelo Estado em que se quer fazê-la valer e é embasada em normas convencionais com as quais ele anuiu.

Aufere-se da explanação da autora que a diferença chave entre as sentenças, é que a internacional se trata de órgão do qual o Estado “escolheu” se submeter à jurisdição, enquanto a sentença estrangeira é proferida pro tribunal alienígena, do qual o Brasil não pôde interferir.

Em contrapartida à falta de recursos internos para execução das decisões da Corte, podemos nos valer dos entendimentos já fixados pelos tribunais pátrios, mormente o Supremo Tribunal Federal para tentarmos estabelecer uma base para a discussão.

Conforme relembram Leonel e Dias (2019), o STF já aplicou disposições da Convenção Interamericana de Direitos Humanos que vão de encontro à constituição, em especial quando julgou os Recursos Extraordinários nº 349703 e 466343, bem como o Habeas

Corpus nº 87585, fixando o entendimento que é ilegal a prisão civil por razão de dívidas

(salvo a oriunda de alimentos). Nesta toada, verifica-se que o Supremo Tribunal Federal deu, a partir de uma norma internacional, nova interpretação a dispositivo legal previsto na própria Constituição Federal.

A referida decisão tomada pelo tribunal pátrio encontra sua fundamentação na aplicação do princípio pro homine. Segundo Gomes (2019), o princípio pro homine preconiza que havendo discussão sobre colidência de uma norma que versa sobre Direitos Humanos e uma norma nacional, não há de se observar uma “hierarquia” entre elas, mas sim qual a mais benéfica ao agente.

Gomes (2019, n.p.) ainda explica que:

Por força do princípio interpretativo pro homine cabe enfatizar: quando se tratar de normas que asseguram um direito, vale a que mais amplia esse direito; quando, ao contrário, estamos diante de restrições ao gozo de um direito, vale a norma que faz menos restrições (em outras palavras: a que assegura de maneira mais eficaz e mais ampla o exercício de um direito). Exemplo: entre a norma da CADH que garante o duplo grau de jurisdição no âmbito criminal (art. 8º, 2, "h") e a que restringe esse direito (CPP, art. 594), vale a de maior amplitude (a CADH), consoante o que ficou proclamado no HC 88.420-PR – Primeira Turma do STF.

À luz do exposto pelos autores, cabe questionar a aplicabilidade da sentença proferida pela CIDH sob a luz da interpretação regida pelo princípio pro homine, haja vista a interpretação dada pelo STF no que concerne a revogabilidade da Lei da Anistia.

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