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Raiz: coleção de tabloides sobre culinária brasileira

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE LETRAS E ARTES

Comunicação Visual Design

TCC

RAIZ :

coleçãodetabloidessobre culináriabrasileira

Denise Cardoso da Silva

Orientadora: Nair de Paula Soares

2016.2

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DENISE CARDOSO DA SILVA

Coleção de tabloides sobre culinária brasileira

UFRJ | Centro de Letras e Artes (CLA) Escola de Belas Artes (EBA)

Departamento de Comunicação Visual | BAV

Projeto e monografia de graduação em Comunicação Visual Design | 2016.2 Orientadora : Nair de Paula Soares

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Esta monografia está em suas mãos porque recebi a ajuda de pessoas extremamente gentis e atenciosas.

Agradeço primeiramente à minha mãe, Marlene, minha pessoa favorita em todo o universo. Você me acalma e me inspira. Devo tudo o que sou a você.

Jamille, Geovanna, Antônio e Geraldo, por nossas conversas divertidas à mesa, todo amor, cuidado, paciência e carinho.

Aos amigos Carolina Couto, Talita Garcia, Gabriel Benedito, Alessandra Duruy, Ana Clara Pecis, Thais Cantelmo, Gabriel Melo, Renato Paixão, Renan Araújo, Lais Almeida e Fernanda Rodrigues. Vocês sabem o lugar que ocupam em meu coração. Obrigada por compartilharem seu tempo comigo.

À minha orientadora Nair de Paula Soares. Este trabalho não seria o mesmo sem você. Teresa Corção, por suas ideias incríveis.

Marco Cadena, por alegrar os meus dias. Kátia Manhães, por ser a minha luz. Denise, por me dar abrigo em sua livraria. Tudo deu certo, enfim!

Aos funcionários da Copy House, que deram forma aos meus pensamentos.

À direção do restaurante Saíra, que cedeu o seu delicioso espaço para que pudéssemos fotografar o projeto.

À todos os professores que entraram no meu caminho, em especial: Ary Moraes, Bárbara Emanuel, Irene Peixoto, Marcus Dohmann, Elizabeth Jacob, Julie Pires e Almir Mirabeau. Vocês me ensinaram muito mais do que eu esperava aprender. À Universidade Federal do Rio de Janeiro, por transformar a minha vida.

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RESUMO

SILVA, Denise C. RAIZ: Coleção de tabloides sobre culinária brasileira.

Rio de Janeiro, 2016. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Comunicação Visual – Design), Escola de Belas Artes, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

O presente trabalho consiste no desenvolvimento de projeto gráfico para a primeira edição de uma coleção de tabloides impressos que exploram a cultura alimentar do Brasil através da pes-quisa de ingredientes regionais, sendo a mandioca, o umbu e a carne-seca, alimentos de grande expressão nordestina, seu escopo. O objetivo é criar uma reflexão sobre os processos históri-cos, sociológicos e antropológicos que levaram à formação de uma possível culinária nacional. O projeto procura ainda, investigar as possibilidades interativas dos suportes impressos, essen-cialmente o potencial físico e discursivo dos jornais, buscando no formato tabloide a flexibili-dade inerente ao atual contexto de transformações comunicacionais e tecnológicas, produzindo questionamentos sobre os novos rumos do design editorial e da experiência do leitor no ambien-te conambien-temporâneo, cada vez mais voltado para as mídias digitais.

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ABSTRACT

SILVA, Denise C. RAIZ: Tabloid collection about brazilian culinary.

Rio de Janeiro, 2016. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Comunicação Visual – Design), Escola de Belas Artes, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

The present work consists in the development of a graphic design project for the first issue of a collection of printed tabloids that explores the brazilian culinary culture through the researe-ch of regional ingredients, being mandioca, umbu and carne-seca, foods of great northeastern expression, its scope. The objective is to create a historical, sociological and anthropological reflection about the processes that led to the formation of a possible national cuisine.

The project also seeks to investigate the interactive possibilities of printed media, essentially the fisical and discursive potential of newspapers, searching in the tabloid format the inherent flexi-bility to the current context of communicational and technological transformations, producing questions about the future of editorial design and reader‘s experience in the contemporary environment, increasingly focused on digital media.

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INTRODUÇÃO 11

CAPÍTULO I DESIGN DE JORNAIS

Breve história dos tabloides 15

Relação entre texto e imagem 22

O papel do designer 25

1.1 1.2 1.3

CAPÍTULO II REDESCOBRINDO A CULINÁRIA BRASILEIRA

O sabor dos trópicos 27

Cultura alimentar do sertão 31

Farinha, Umbu e Carne-seca 34

2.1 2.2 2.3

CAPÍTULO III PROJETO GRÁFICO

Pesquisa e produção de conteúdo 43

Nome da coleção e logotipo 50

Características editoriais 53 Elaboração de “capas” 56 Produção gráfica 57 3.1 3.2 3.3 3.4 3.5 CONCLUSÃO 83 Referências Bibliográficas 84

DESENVOLVIMENTO Metodologia Projetual 38

CAPÍTULO IV FARINHA tabloide nº1

Apresentação geral do projeto 58

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Barbaramente estéreis; maravilhosamente exuberantes...

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INTRODUÇÃO

Nunca estive no Nordeste. Muito embora minha mãe tenha nascido lá, jamais tive a oportuni-dade de sentir a rudeza das casas de pau a pique, dos mandacarus ou me embrenhar entre plan-tações de cacau. Conheço o sertão somente pela boca, através do gosto do sarapatel e da carne de sol com aipim feitos por ela. É claro que o paladar, para ser revelador de tais relações, deve ser desenvolvido com paciência, mas conviver desde cedo com sabores de traços tão distinta-mente vibrantes e pouco convencionais, certadistinta-mente apura os sentidos. As panelas, aliás, me são bastante familiares, elas me confortam desde muito cedo. Foi na cozinha que aprendi a respeitar o tempo e as proporções, a transformar os alimentos e levar alegria às pessoas da forma mais generosa. Alimentar é um ato de amor e foi a vontade de compartilhar esse afeto que deu origem e entremeou o percurso do presente trabalho acadêmico.

Comer é a necessidade mais primitiva dos seres humanos, afinal, é preciso enviar nutrientes para cerca de dez trilhões de células vivas contidas em nosso corpo, de modo a fazê-lo funcio-nar. Entretanto, no decorrer dos últimos anos, quando passei a ser influenciada pelas numerosas discussões em torno do mundo gastronômico a experimentar e revisitar sabores, percebi que o estreito vínculo das pessoas com certos alimentos relaciona-se mais intensamente com as re-ações suscitadas por eles à mesa, seja de prazer ou asco, o que transcende qualquer satisfação nutricional. Acredito na culinária como um tipo de linguagem. Por meio de texturas, aromas, formas, cores, gestos, sabores e ideias, ela tem a capacidade de expressar significados, os quais

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são representações diretas das culturas onde foram construídos. Nesse sentido, em se tratando de culinária brasileira, milhares de histórias diferentes podem ser contadas, pois a enorme di-versidade alimentar do território possibilita a criação de uma quantidade praticamente inesgo-tável de pratos, com ingredientes ainda a serem explorados ou revalorizados por seus próprios habitantes, a exemplo das farinhas de mandioca, do umbu e da carne-seca, amplamente apre-ciados pela população sertaneja, mas historicamente considerados comida de gente humilde (principalmente nos internacionalizados meios urbanos distantes das intempéries da caatinga). Esse cenário favorece, portanto, o propósito de colocá-los em evidência, libertando-os de pre-conceitos engessados pelo tempo e mostrando o relevante papel que exercem na formação da identidade gastronômica nacional, seja através do trabalho dos pequenos produtores ou dos renomados chefs de cozinha do país.

A busca por uma forma de difundir informações sobre os produtos de raíz apoiando-se em pers-pectivas sociológicas e antropológicas coincide com a minha tomada de conhecimento do for-mato tabloide durante as aulas de projeto editorial na UFRJ. Como designer, posso dizer que apesar de minhas experiências ao longo da graduação terem sido bastante diversas sinto, hoje, profunda afinidade com os suportes impressos. Para mim, a natureza tátil, o cheiro, a imensa variedade de dimensões e possibilidades de acabamentos, inerente aos papéis, proporcionam um encontro valioso com a materialidade dos artefatos e configuram um atrativo painel de recursos e ferramentas para a criativa e diversificada atuação do designer gráfico. No entanto, é imprescindível reconhecer também a importância dos meios digitais e entender como suas próprias características colaboram não só para reforçar mensagens, como vêm acompanhadas de toda uma ideologia.

O último quarto do século XX foi especialmente significativo para a introdução de novas linhas de pensamento na sociedade, pois foi ele o berço da chamada Revolução-Tecno-Científica-In-formacional, regida pela lógica das redes e dos sistemas integrados. Ao passo que a internet, os computadores pessoais, os websites interativos, os video games e os softwares gráficos se tornavam mais populares, o mundo diminuía de tamanho e encurtava distâncias. Nesse contexto de intensa proliferação dos meios comunicacionais e informativos, os jornais impressos, espe-cialmente aqueles a partir da década de 80, se viram compelidos a responder imediatamente às mudanças estruturais causadas pelo advento das referidas tecnologias e sua procedente inserção na produção editorial jornalística, encontrando alternativas que os revitalizassem e os

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permi-tissem dialogar com a recente e inquietante conjuntura promovida pelo fenômeno da globali-zação. Embora confrontada em sua dinâmica organizacional, a nova manifestação impressa da página de notícias teria a oportunidade de romper com os limites estabelecidos e experimentar uma série de revisões que a tornasse mais democrática; receptiva à variedade de mídias em que poderia, agora, ser veiculada e preocupada não só em apresentar ideias e fatos, mas em oferecer perspectiva, incluindo de fato o leitor no processo de comunicação.

Do ponto de vista prático, um dos reflexos de que seria possível conformar acessibilidade e qua-lidade gráfica em uma única publicação impressa se deu com o processo de tabloidização. Por corresponder à metade das dimensões usuais de um jornal, o tabloide sintetiza o aspecto da mo-bilidade atribuído a aparelhos eletrônicos como celulares e tablets, por exemplo e, assim, pode ser mais facilmente transportado e manuseado. Contudo, são também as condições ligadas ao tratamento do conteúdo as responsáveis pela popularização do formato no início do século XXI. Ao ter valorizada sua visualidade e suas características editoriais, a página ganha a capacidade de transmitir mensagens de maneira leve, concisa e organizada, fazendo suas informações mais assimiláveis para os leitores. Para tanto, a inclusão do Design e, consequentemente, o envolvi-mento do designer nas etapas de planejaenvolvi-mento da produção jornalística se tornaram decisivas, pois foi este profissional quem passou a articular elementos de naturezas distintas dentro das redações, contextualizando-os adequadamente para o público.

A tarefa de criar discursos visuais carrega certas responsabilidades e compromissos, mas ela só ganha sentido quando colocada à disposição das pessoas, estejam essas nas fábricas, nas lavouras ou nas cozinhas. Cada projeto gráfico editorial é conceituado a partir do recebimento e análise do seu conteúdo, formulado por distintos profissionais, como editores, redatores, fo-tógrafos, etc. que devem, por sua vez, estar conscientes da importante atuação social e cultural que representam, ao organizar e caracterizar uma edição. Fazer parte desse grupo foi o que me impulsionou a desenvolver um projeto nessa área.

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CAPÍTULO I DESIGN DE JORNAIS

1.1 Breve história dos tabloides

A trajetória do formato tabloide começa, na verdade, muito distante das re-dações de jornal brasileiras. Ela tem origem na Inglaterra, por volta de 1880, quando em meio a uma série de transformações socioeconômicas, tecnoló-gicas, científicas e políticas, dois jovens boticários americanos chamados Silas Burroughs e Henry Wellcome, decidem reconhecer a oportunidade de ampliação dos negócios proporcionada pelo crescimento da atividade in-dustrial em todo o mundo e formar uma parceria inovadora. Assim, fundam a Burroughs Wellcome & Co. companhia farmacêutica dedicada à pesquisa laboratorial, coleta de objetos históricos vinculados à medicina e, principal-mente, à venda de remédios comprimidos na forma de pequenas pastilhas, aos quais um dos sócios deu o nome de tabloids, como fica expresso em trecho traduzido do artigo publicado pelo Science Museum, de Londres:

Wellcome estava procurando por um nome forte, para que seus clientes reconhecessem seus produtos instantaneamente. Ele criou a palavra “tab-loid” para descrever um novo tipo de remédio em que o pó era comprimi-do na forma de um pequeno tablete. Isso facilitava o controle da comprimi-dosagem dos medicamentos e a pastilha era mais fácil de armazenar e de ingerir. Em 1884, Wellcome fez do “tabloid” uma marca registrada, o que signi-ficava que somente sua empresa, a Burroughs Wellcome & Co. poderia usar o termo. Disponível em <http://www.scien-cemuseum.org.uk/ broughttolife/techni- ques/tabloidmedici-nes> Acesso em: 24

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A recepção à palavra foi tão bem sucedida que todos os produtos da empre-sa pasempre-saram a ser comercializados como tabloides, até mesmo latas de chá e kits de primeiros socorros carregados por exploradores em suas viagens ao redor do globo. A partir de 1903, entretanto, as inúmeras tentativas de prote-ger a patente, impedindo que ela fosse usada para designar outros produtos, falharam e, logo, tudo o que podia ser encontrado em versões condensadas, de barras de sabão a equipamentos fotográficos, ficou conhecido dessa ma-neira, inclusive alguns tipos de jornais. Acredita-se que o termo tenha sido utilizado pela primeira vez no sentido de qualificá-los, ainda em 1901, pelo editor britânico, Alfred Harmsworth. Conforme os professores Colin Sparks e John Tulloch [em tradução livre]:

Harmsworth produziu uma versão tabloide do jornal The World em 1º de Janeiro de 1901. Para ele, tabloides não se referiam à forma do jornal, mas à sua economia no uso de palavras – parágrafos curtos e breves, simples sentenças eram a chave da técnica, com o termo em si emprestado da últil conjunção entre tablete e alcaloide feita por um fabricante de pílulas 20 anos antes. (SPARKS; TULLOCH, 2000, p.131).

As perspectivas anteriores enumeram, portanto, dois sentidos diferentes para o tabloide. O primeiro deles está ligado à sua forma concreta, mais compacta e transportável. Já a segunda, relaciona-se à apresentação de suas informações, pautada pela síntese textual. Para compreender o que repre-Burroughs

Wellco-me & Co.: frasco de remédio /

publicida-de para a maleta publicida-de primeiros socorros.

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sentam essas particularidades, dentre tantos outros meios de comunicação que compõem o sistema de mídia do período, é importante inserir o tabloide no contexto do desenvolvimento da produção jornalística moderna, o que será abordado no decorrer deste capítulo.

Segundo definição de Barbosa e Rabaça (apud: Moraes, 2015, p.13) “o jor-nal é um veículo impresso, noticioso e periódico, de tiragem regular, cons-tituído de folhas soltas (geralmente não grampeadas nem coladas) dobradas em um ou mais cadernos”. Todavia, se os jornais são produtos da cultura material, refletindo aspectos das sociedades onde são fabricados e consumi-dos, não existe uma maneira única de abordá-los. Seus traços característi-cos sofrem modificações de ordens diversas ao longo do tempo, sejam elas morfológicas, no âmbito que confere às suas estruturas físicas e mídias usa-das para veiculação de seus dados; industriais e comerciais, referindo-se às formas de reprodução e distribuição e, culturais, no que diz respeito às suas relações com o leitor e o cenário em que todas essas transições ocorrem. O jornal moderno, situado por Eric Hobsbawn em A era das revoluções na primeira metade do século XIX europeu (apud: Moraes, 2015) é, em sua essência, um objeto heterogêneo, fruto, em grande parte, da pluralida-de dos eventos inscritos na segunda Revolução Industrial. No curso pluralida-desse período, a energia elétrica foi introduzida nos centros urbanos, os motores

fragmento do pe-riódico The World, de 1901. No canto superior direito, lê-se o slogan: “The busy man’s paper”, “o jornal do homem ocupado”, em tradu-ção literal.

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movidos à gasolina aceleraram os meios de transporte e o sistema fabril baseado na divisão do trabalho aumentou a produtividade. À medida que o poder político e econômico deslocava-se da aristocracia para a burguesia capitalista, os trabalhadores deixavam as áreas rurais em favor de cortiços à periferia das cidades e o corpo científico aplicava seu conhecimento aos processos realizados nas manufaturas. A sociedade fervilhava com as novas possibilidades, o que impulsionava, por sua vez, o acesso generalizado ao conhecimento e a expansão da comunicação visual. A linotipo, máquina de composição tipográfica aperfeiçoada por Ottmar Mergenthaler em 1886, foi essencial para o aumento da capacidade de impressão e circulação de jor-nais na época, pois permitia a fundição de caracteres de chumbo em linhas inteiras de texto, como segue:

Antes da invenção do linotipo, o alto custo e o ritmo lento da composição limitavam até os maiores jornais diários a oito páginas [...] Mas a nova tecnologia provocou uma explosão inédita de material gráfico [...] desen-cadeou um surto de produção de periódicos [...] Havia uma disseminação mundial de palavras e imagens e chegava a era da comunicação em massa. (MEGGS; PURVIS, 2009, p.183-185).

Ottmar Mergenthaler faz uma demons-tração da Blower Linotype, a primeira compositora de linhas de tipos por teclado, ao editor Whitelaw Reid em 3 de julho de 1886.

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Através da citação de Meggs e Purvis é possível destacar, ainda, uma outra mudança significativa na produção jornalística do período, correspondente à introdução da fotografia na página de notícias. Até meados do século XIX, eram as xilogravuras e os entalhes feitos em lâminas metálicas que ilustra-vam os periódicos, mas com o desenvolvimento do sistema de retícula para impressão, por Stephen H. Horgan, finalmente foi possível representar as variações tonais da imagem fotográfica no suporte e incorporar mais ele-mentos visuais à dinâmica do jornal, até então, amplamente baseada em narrativas verbais. Essa preocupação com o equilíbrio e a racionalidade da página, tornou-se cada vez maior ao longo do século seguinte, bastante motivada pela inclusão do diagramador, em torno de 1950, nas etapas de construção de layout:

Segundo parâmetros gráficos do próprio veículo e a orientação editorial do editor, o profissional denominado diagramador indicava em [...] (uma fo-lha de papel do tamanho da página do jornal, dividida em colunas e linhas) o lugar de cada elemento que viria a compor a página – títulos, subtítulos, fotos, ilustrações, fios etc. [...] Os assuntos passaram a ocupar determinada posição na edição, compondo o que seriam as editorias ou seções. (MO-RAES, 2015, p.33).

Contudo, é quando a chamada Revolução Tecnológica se faz presente, que a alteração dos princípios normativos dos jornais impressos, encontra seu ápice. No último quarto do século XX, o mundo experimentou o desenvol-vimento de um sistema caracterizado pela lógica das redes, das estruturas integradas e pela penetrabilidade dos efeitos de novas matérias-primas e tecnologias, como descrito por Manuel Castells (apud: MORAES, 2015). Os estudos na área da robótica, microeletrônica e informática fizeram cres-cer o interesse pela imaterialidade das coisas, o que, entre outros fatores, levou as empresas jornalísticas a um estado de crise, agravado pelo afas-tamento de investidores que injetavam recursos financeiros na editoração dos periódicos e pela dispersão destes e do público, em direção à aurora da internet, dos computadores pessoais, websites interativos, videogames, das complexas linguagens de programação e, paralelamente, dos softwares

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grá-ficos, cujo advento modificou consideravelmente o fluxo de produção dos diários, assim como o telégrafo nos anos 1830. O imediatismo da TV e das mídias móveis alterou a relação da sociedade com as notícias, que podiam ser, agora, acompanhadas e compartilhadas em tempo real, de qualquer lu-gar do planeta, sem as limitações físicas impostas pelo uso do papel. Desse modo, parece pertinente a questão levantada por Ary Moraes (2015, p.45) “diante de tamanho aparato tecnológico-comunicacional e em disponibili-dade crescente, o que poderia ainda justificar jornais impressos na forma como eram produzidos?”. É assim que a partir da década de 1980, várias redações, tanto brasileiras, quanto estrangeiras, estabelecem uma série de reformas, visando a modificação das rotinas produtivas e gerenciais, a mo-dernização dos parques gráficos, a atualização de normas de redação e estilo visual e a abertura à participação do público, como afirma Mark Porter, ex-diretor de criação do jornal inglês The Guardian:

Muitos jornais estão agora menos preocupados com a simples reportagem e mais em fornecer histórico, perspectiva e interpretação. Em vez de ape-nas dizer aos leitores o que aconteceu, esses jornais agora têm que aju-dá-los a compreender o significado dos acontecimentos e incentivá-los a pensar. O design tem de responder a isso de várias maneiras. À medida que as matérias ficam mais longas e complexas, a racionalidade e a legibilidade dos layouts de página e da tipografia tornam-se cada vez mais importantes. (ZAPPATERRA; 2014, p.27).

As respostas adaptativas ao contexto delineado pelo fenômeno da globa-lização se deram, de fato, de diversas maneiras, mas um dos primeiros re-flexos práticos desse sistema sobre o design da página, foi o processo de

tabloidização. Com a intensa proliferação da disponibilidade dos meios

informativos, os jornais impressos tiveram de encontrar alternativas que os permitissem incorporar a diversidade de debates inerentes à nova con-juntura e, ao mesmo tempo, encontrar um caminho para diferenciar-se no mercado, atendendo às demandas ambientais ligadas ao conceito de susten-tabilidade e recuperando suas vendas entre um público ansioso por

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novida-des. À medida que os projetos de redesign efetuados em grandes empresas jornalísticas inglesas como o The Times, o Independent e o próprio The Guardian se voltam, já no início do século XXI, para a exploração de novos formatos, o tabloide ganha lugar de destaque, possibilitando que todas essas necessidades sejam supridas.

Por corresponderem à metade das dimensões usuais de um jornal (standart, no Brasil; broadsheet, na Europa) e possuírem tratamento gráfico subsi-diado pela visualidade, os tabloides representam leitura e manuseio mais confortáveis (especialmente em ambientes como vagões de trem, metrô e ônibus), o que contribui para facilitar e, até mesmo, democratizar o proces-so comunicacional. Tanto isproces-so se configura que no Brasil o formato sur-ge, principalmente, como resultado de projetos de qualificação que tinham como premissa o alcance de uma nova camada de leitores – a classe média – para quem se dirigiam as notícias centradas no cotidiano, incluídas em tabloides como o Meia-Hora, por exemplo, bastante popular na cidade do Rio de Janeiro. Nesses jornais, o uso expressivo das cores, da tipografia, das fotografias, desenhos e infográficos, dos layouts assimétricos e dos textos objetivos, eram seguidos à risca, atributos que frequentemente os associa-vam à ideia de “superficialidade”, mas se utilizados com inteligência

edi-O “The Times” adotou o formato tabloide em 2003, sendo seguido pelo “Independent” em 2004 e o “The Guar-dian” em 2006.

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torial e profissionalismo, podiam revelar uma enorme preocupação com a contextualização dos assuntos para as pessoas comuns.

Ao longo dos anos seguintes, os tabloides brasileiros adquiriram caráter mui-to próximo ao dos suplemenmui-tos e das revistas, voltando-se para a demanda de públicos especificamente determinados por pesquisas de consumo (MORA-ES; 2015) e tratando de conteúdos especializados em diferentes áreas, fossem elas ligadas à literatura, moda, arquitetura, esportes, política, economia, etc. Em pouco tempo, provavelmente, eles se transformarão em novas coisas, com novas funções. Poderão ganhar versões online (se já não as tiverem), serem reproduzidos em tecnologias móveis como celulares, notebooks e tablets ou simplesmente desaparecerem. O importante é perceber que essa história ain-da está sendo construíain-da e que, mais do que uma grafia, uma estratégia de marketing ou um formato físico, o tabloide significa uma maneira de pensar as reestruturações contínuas pelas quais a sociedade vem passando.

1.2 Relação entre texto e imagem

Como apontado anteriormente, a lógica das redes integradas reconfigurou os mais variados aspectos da sociedade em fins do século XX. Enquanto novas tecnologias eram introduzidas no cotidiano das pessoas, aprimorando sua percepção sobre o mundo, outras formas de representação da realidade, condizentes com a agitação da vida moderna, se faziam necessárias. É nesse contexto que institui-se uma crise, ligada não só à queda na circulação de periódicos, mas à eterna e conturbada dinâmica entre texto e imagem. Tradicionalmente, a divulgação da notícia está ligada à palavra. Mesmo an-tes da produção manuscrita, eram os versos e cantos dos troveiros, as fábri-cas, as praças, mercados, feiras e os sermões religiosos que conformavam o sistema de mídia informativa. Uma vez que o primeiro jornal impresso surge na Antuérpia – o Nieuwe Tijdinghen, de 1605 –, a autoridade do verbo se

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im-põe com ainda mais força, apoiada pelo uso do papel e da tinta. Conforme Roger Chartier (apud: MORAES; 2015, p.16) “em meio à quantidade de notícias disponíveis, o público valorizava as impressas, tomando-as como uma garantia da verdade”. Isso poderia, no entanto, ser utilizado como uma estratégia para a comercialização de histórias infundadas, algo desastro-so numa desastro-sociedade repleta de iletrados como a Europa dos séculos XVI e XVII. Ainda assim, foi o discurso verbal que concedeu, historicamente, aos jornais sua tão almejada credibilidade, associando-os a vocábulos como fato, qualidade e exatidão. Em sua tese de mestrado sobre retórica no De-sign Gráfico, Bárbara Emanuel explica como essas noções podem ter se estabelecido [em tradução livre]:

O jornal baseado em texto usa escrita expositiva para construir um argu-mento amplo. O leitor precisa de tempo para absorver o conteúdo e con-siderar as evidências. A predominância do texto pode conferir autoridade ao jornal e ao autor, o que faz a argumentação mais forte e o jornal mais crível. (EMANUEL; 2010, p.115).

Quando a Revolução Tecnológica e os sistemas de reprodução imagética surgem, contudo, a objetividade do texto torna-se insuficiente e ele perde sua preeminência, dando lugar ao desenvolvimento das técnicas de ilustra-ção, gravura e à experimentação da fotografia como uma forma de registro móvel. A fotojornalista alemã, Gisèle Freund descreve:

Até então o homem comum só podia visualizar os acontecimentos que ocorriam à sua volta, na sua rua, na sua cidade. Com a fotografia se abre uma janela para o mundo. O rosto dos personagens públicos, os aconteci-mentos que têm lugar em um mesmo país e além das fronteiras se tornam familiares. Ao ampliar o campo de visão, o mundo se encolhe. (apud: MO-RAES; 2015, p.29).

Na trajetória de uma cultura visualmente orientada, a produção jornalística rompe com o modelo de layout que vigorava até então, baseado em elemen-tos tipográficos e, assume significativas mudanças, aderindo à impressão

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full color e à infografia, por exemplo. Quanto ao tabloide, o formato nem

sempre representou uma alternativa confiável para a difusão de informa-ções. Alfred Harmsworth, além de ter sido a primeira pessoa a usar o termo para descrever periódicos impressos, foi fundador do Daily Mail, uma pu-blicação britânica que, até hoje, tem sua legitimidade questionada por con-ta, não só das notícias de cunho sensacionaliscon-ta, mas do uso exagerado de recursos visuais que a fazem se destacar nos pontos de venda. A populariza-ção dos “red tops” (conhecidos assim pela tarja vermelha característica que cobre o topo de suas primeiras páginas) também foi um verdadeiro choque para uma comunidade que ainda acreditava na hegemonia do texto como expressão do “bom” jornalismo. Só depois que renomados jornais de todo o mundo passaram a se apropriar do tabloide (administrando as fotografias mais criteriosamente), que as imagens foram reconhecidas como elementos narrativos importantes para a estrutura comunicacional e argumentativa do veículo.

“The Sun”, um dos tabloides mais popu-lares do Reino Unido.

Sendo assim, a essência da colaboração entre texto e imagem na página noticiosa não é nem a escrita excessiva, tampouco a profusão da gravura, mas o equilíbrio entre as duas representações de pensamento. Ambas con-tribuem para a apreensão de informações, porém, isso acontece de maneiras distintas. Segundo Roland Barthes:

Toda imagem é polissêmica e pressupõe, subjacente a seus significantes, uma “cadeia flutuante” de significados, podendo o leitor escolher alguns e

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ignorar outros. A polissemia leva a uma interrogação sobre o sentido [...] Desenvolvem-se, assim, em todas as sociedades, técnicas diversas destina-das a fixar a cadeia [...], de modo a combater o terror dos signos incertos: a mensagem linguística é uma dessas técnicas. (BARTHES; 1990, p.32-33).

Nota-se então que, enquanto a imagem costuma ser subjetiva e simbólica, o texto tende às mensagens literais e concretas, direcionando o olhar para uma resposta única. Mas esses limites são difusos e, por fim, dependem da dialética interna do jornal e da capacidade de interpretação do leitor.

1.3 O papel do designer

Diante do cenário imposto pela globalização e o advento de novos apara-tos eletrônicos não somente o jornal se modificou. O circuito de relações sociais, econômicas, políticas, industriais e comerciais em crescente expan-são, também levantou questionamentos sobre as condições profissionais, provocando, inclusive, debates sobre as atribuições do designer e a forma-ção necessária para exercê-las.

A realidade impulsionada pelo desenvolvimento dos sistemas informacio-nais, ampliou os contornos do mundo. Exposto a um grande volume de da-dos, das mais diferentes naturezas, algumas indispensáveis, outras supér-fluas, o homem moderno passou a encontrar dificuldades cada vez maiores para orientar-se na sociedade. Nesse contexto, o jornal assume, como nunca antes, o papel de filtro e o designer de notícias ganha espaço, atuando como um mediador do processo de comunicação. Ao dar forma às informações, organizando-as e apresentando-as de maneira contextualizada para os leito-res, esse profissional torna-se um facilitador da ação social, como descrito por Victor Margolin (apud: MORAES; 2015, p.92), incluindo as pessoas nos mais diversos campos de discussão, aproximando-as de conceitos ligados, ou não, ao seu repertório diário. Uma prestação de serviços se estabelece.

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Esse deslocamento em direção ao interior do planejamento jornalístico, ini-ciado com a introdução do diagramador nas etapas de construção de layout em 1950, encontra maior expressividade trinta anos depois, quando as ações do designer são reconhecidas como uma novidade promissora, capaz de aguçar a qualidade gráfica e editorial dos periódicos. Tanto que cresce a demanda por esses profissionais em projetos de redesign, visando a reestru-turação do produto e das diretrizes que lhe davam origem.

Hoje, porém, a atividade está encoberta por uma espetacularização que infe-lizmente a banaliza (sobretudo, no Brasil) e não corresponde ao verdadeiro valor social/cultural da profissão, dentro e fora das redações. É necessário, portanto, que o designer editorial amplie seus horizontes, reafirmando suas perspectivas, evidenciando sua capacidade analítica e criativa acerca da re-solução de problemas visuais. Projetar uma publicação impressa é, inques-tionavelmente, uma extensão de editá-la (ZAPPATERRA; 2014), assim, o papel do designer nunca é neutro, ele vai além da visualização do discurso, constituindo-se no pensamento em si mesmo.

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CAPÍTULO I I REDESCOBRINDO A CULINÁRIA BRASILEIRA

2.1 O sabor dos trópicos

Num país como o Brasil, cuja formação tem sido permeada por um enorme encontro de cul-turas, é natural que a culinária reflita uma diversidade pouco linear. Nos últimos quinhentos anos, milhares de contribuições das mais diferentes etnias têm constituído aquilo que enten-demos hoje por cozinha brasileira, misturando no prato as espécies alimentares provenientes de nossa terra e de outros territórios. Isso nos coloca diante de uma questão interessante: as receitas de um povo, ou seja, suas formas de aproveitar as matérias-primas, seus modos de fazer e a própria educação do paladar são produto de transações que não se restringem a di-visões regionais, tampouco às fronteiras que delimitam um país. É evidente, no entanto, que as práticas e ingredientes que se desenvolvem num lugar específico, são delineados por suas características mais expressivas – a paisagem, a língua, o tempero, a música, a religiosidade –, os quais moldam, igualmente, o nosso modo de vida e influenciam os hábitos daqueles que se dispõem a nos visitar.

A descoberta das Américas aproximou os europeus – notadamente portugueses e espanhóis – de um mundo totalmente novo, incitando seu interesse pelas riquezas da fauna e flora brasileiras, manifesto desde o primeiro contato com elas, à época das grandes rotas marítimas do século XVI. Na busca pelo monopólio do comércio de especiarias indianas, eles lideraram o

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intercâm-bio de plantas entre praticamente todos os continentes, levando e trazendo consigo frutas dos pomares fossem elas, ananases, ingás, jacas, bananas e mangas; hortas repletas de cheiros e temperos, como alho, cebola, coentro e noz-moscada, as pimentas fidalga, amarela, malagueta; verduras e legumes como maxixes, abóboras, palmitos, quiabos; raízes e tubérculos autóctones: mandioca, batata doce, cará e inhame. Uma variedade admirável de peixes, mariscos, crustáceos, carnes de todos os tipos, insetos comestíveis, aves em profusão, porcos criados no quintal. (SILVA, Paula Pinto e; Revista Nossa História, n°29, 2006).

“Uma tenda de mer-cado indiano”, 1640,

Autor desconhecido. Anteriormente atribuí-da a Albert Eckhout, a tela registra uma cena onde produtos ameri-canos se misturam aos

de outros lugares, o mercado dando senti- do às trocas culturais.

Por trás desse movimento, também exerceram seu domínio como coloniza-dores, fixando-se no litoral nordestino para acompanhar de perto a lucrativa exportação de açúcar e se embrenhando na floresta amazônica atrás das “drogas do sertão”, utilizando, para isso, a mão de obra negra e o conheci-mento indígena. Em contato com essas populações, se viram obrigados a adequar seu cardápio ao que a terra e o clima tropical ofereciam, substituin-do o que já lhes era familiar, como o sal, as amênsubstituin-doas, a manteiga, a farinha de trigo, o cordeiro e o vinho, por produtos similares, que possibilitassem sua sobrevivência entre as palmeiras. Assim adotam as farinhas – especial-mente de mandioca e de milho –, as frutas silvestres, a caça, o caldo ralo do feijão, as verduras cozidas e o peixe-boi. A despeito dessas particularidades

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apresentaram novos ingredientes aos nativos, como a galinha, o arroz e o figo, aclimatando espécies exóticas pelos quintais que aqui se encontravam.

“Encontro de índios com viajantes euro-peus”, 1827, Johann Moritz Rugendas.

Os índios, aliás, estavam longe de serem povos monocultores da mandioca. Promoveram a seleção natural e domesticaram uma infinidade de fruteiras às cabeceiras dos rios: abio, caju, cupuaçu, biribá, mapati. (DÓRIA; 2014). Os negros escravos, por sua vez, estavam submetidos aos senhores de enge-nho inclusive no paladar, e só puderam se lançar às ruas vendendo canecas de mingau de milho e tapioca para garantir o próprio sustento, com as pri-meiras perspectivas de liberdade.

À medida que os núcleos urbanos iam se formando Brasil adentro, outras culinárias estrangeiras se faziam presentes no território:

Um só exemplo bastaria: o afrancesamento da nossa culinária, que ocorreu ao longo do século XIX e XX e se tornou uma influência tão legítima como as anteriores. Na corte, nos livros de cozinha que a elite lia, nos primeiros cafés e restaurantes do Rio de Janeiro ou de Pernambuco, procurava-se respirar o clima culto que todo o mundo ocidental identificava em Paris. (DÓRIA; 2014, p.18).

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Na esteira da positiva recepção à cultura internacional, observada, ainda hoje, principalmente nas grandes metrópoles do país, onde é vertiginosa a oferta de produtos importados e a presença de redes de fast-food, surgem esforços no sentido de valorizar uma cozinha “em tudo brazileira”. Por vol-ta de 1870, é publicado o primeiro livro de receivol-tas tovol-talmente volvol-tado para a classificação da nossa biodiversidade. O Cozinheiro Nacional, de autor anônimo, pretendia-se um inventário, mas também foi capaz de levantar discussões sobre o desenraizamento da gastronomia pindorama e a divisão da sociedade em duas ementas: a popular e a burguesa. Como dois univer-sos distintos, as zonas elitizadas e o subúrbio cultivam diferentes comporta-mentos, o que se impõe também à mesa.

De um lado, o finger food, o hambúrguer gourmet, a cerveja artesanal, os doces finos, os aspargos, enfim, a referência europeia. Do outro, o pê-efe, a tradicional comida caseira, o simples arroz com feijão, ovo frito, salada, bife, a farofa e a batata-frita. Mas a escritora e apresentadora Rita Lobo des-taca: essa comida deve ser motivo de orgulho, pois quanto mais nos apro-ximamos do nosso padrão alimentar tradicional, ou seja, da dieta que leva em consideração os hábitos e alimentos amplamente disponíveis em nossa comunidade, menores as chances de sofrermos com problemas de saúde:

Quem explica são os epidemiologistas [...] Depois de décadas tentando en-tender o que os países com menores índices de obesidade têm em comum, eles chegaram a uma conclusão. No Japão, na França, na Espanha, na Sué-cia, para citar alguns, [a alimentação] é feita a partir de comida de verdade (o oposto da comida ultra processada), geralmente em casa, com alimentos fartos na região, e seguindo um padrão alimentar tradicional.

Vê-se, assim, que a cozinha brasileira é na verdade um grande mosaico ain-da em construção, mas que revela muitas nuances, as quais valem ser explo-radas e compreendidas. Nenhum gesto tem tanta implicação como comer. PINDORAMA:

nome usado pelos nativos para

descre-ver o Brasil quando do descobrimento do território pelas naus portuguesas. Em lín-gua tupi a expressão

significa “terra das palmeiras.” <http://historiado-mundo.uol.com.br/ curiosidades/nomes-do-brasil.htm> Acesso em: 5 ago. 2016 Disponível em: <http://www.panelinha. com.br/blog/ritalobo/ cozinha-pratica-vai-ter -pe-efe-pf> Acesso em:

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É uma maneira de viajar por outros lugares e culturas, de transpor estrati-ficações e preconceitos, de relacionar-se com a natureza, com a estrutura familiar e a sociedade. É uma questão econômica, fisiológica e ritualística, uma expressão de nós mesmos e da nossa história.

2.2 Cultura alimentar do sertão

A origem etimológica da palavra “sertão” costuma ser obscura, ganhan-do diferentes contornos ao longo ganhan-do tempo. Inicialmente, o termo aparece nos documentos coloniais para descrever o espaço interior contraposto ao litorâneo (NEVES, Erivaldo Fagundes; Sertões adentro; 2012, p.16), as ter-ras ignotas ainda não exploradas pela frota portuguesa que aqui aportava. Depois, com o estabelecimento de diversas regionalizações pelos poderes locais, passa a ser usada, com maior intensidade, em relação ao Nordeste, referindo-se à grandes extensões de terra que, carentes de fertilidade devido à composição do solo e ao baixo índice pluviométrico, estariam destinadas ao pastoreio, à mineração e ao povoamento esparso.

É debaixo dos lençóis da caatinga, o único bioma exclusivamente brasileiro, que os estados que se estendem desde o norte de Minas Gerais ao sul do Maranhão se tornam um só, crescendo entre árvores tortuosas, mandacarus espinhentos, vegetação rasteira e xerófila. E é nesses territórios, ocupados em períodos distintos, que se desenvolve uma das culturas alimentares mais criativas do país.

No geral, foi o homem livre e pobre, a mão de obra excedente do encerra-mento de um determinado ciclo econômico, como o do café e o da borra-cha, que estruturou a camada social sertaneja. À margem das intempéries ocasionadas pelo clima semiárido e de uma economia voltada para o mer-cado externo, que pouco dava atenção aos gêneros de subsistência, essa sociedade frequentemente se queixava de fome e sede, em razão da qual

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muitas pessoas pereciam. Em reação a esse quadro, começam a abrir currais e roças em torno de suas próprias habitações, servindo-se daquilo que a terra lhes podia ofertar: “Daí a ênfase adaptativa que privilegia os pequenos animais, o cultivo de legumes de ciclo curto, resultando numa culinária rica em formas de tratamento e aproveitamento de um número limitado de maté-rias-primas”. (DÓRIA; 2014, p.85). É assim que os nordestinos introduzem o feijão, o milho, a mandioca e até a rapadura à sua dieta. Fazem bom uso da carne e do leite de cabra, da farinha, das vísceras e pimentas, consomem frutas colhidas no pé, algo que, infelizmente, não se vê entre arranha-céus. Distante das cidades, aliás, os sertões eram vez por outra confundidos com espaços vazios e selvagens. Do pouco que as elites conheciam sobre seu cardápio, predominantemente caipira, achavam limitado, rude:

Comer o que se quer é regionalismo sórdido. Come-se o que é de bom tom comer. Manducar leitão assado, picadinho, feijoada, pamonha de milho-verde, moqueca e outros petiscos da terra é uma vergonha tão grande como pintar paisagens locais, romancear tragédias do meio, poetar sentimentos do povo. (DÓRIA; 2014, p.42).

Se essa culinária adquiriu cidadania nos grandes centros, foi muito por in-termédio dos migrantes e descendentes de nordestinos, dos restaurantes a quilo que servem comida caseira, dos cozinheiros profissionais que se de-dicam a discutir o tema e mostrar todas as possibilidades dos ingredientes agrestes. Pouco convencionais, sim. Mas saborosos e refinados, à altura dos melhores risotos de limão siciliano em existência.

Feita de grande sofisticação cultural, a cozinha sertaneja é vívida, tão inten-sa e destemida quanto seu povo:

Entre seus pratos, estão a panelada (cozido que leva mocotó, miúdos de boi, toucinho e legumes), servida com pirão escaldado, feito do próprio caldo; o sarapatel (guisado de sangue, tripas e miúdos de porco ou

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carnei-ro, bem condimentado, originado no alto Alentejo); a buchada (cozinhado de bucho, miúdos, tripas, sangue e cabeça de cabrito, carneiro, ovelha ou bode); o sarabulho (iguaria típica portuguesa, que se prepara com sangue, miúdos, gordura e pedaços de porco condimentado e ensopado, com ori-gem no Minho; o meninico (guisado preparado com vísceras de carneiro) o milho torrado e pisado no pilão (fubá); as tripas de porco torradas no espeto, para café da manhã; o amendoim cozido em paneladas; o ouricuri cozido ou seco; a coalhada escorrida com mel de abelha preta. (DÓRIA; 2014, p.87).

Este projeto se ocupa de atravessar uma pequena parte dessas exuberantes veredas gastronômicas, desvendando alguns de seus alimentos mais tradi-cionais, como será visto a seguir.

“Dobradinha”, Roberto Seba.

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2.3 Farinha, Umbu e Carne-seca

No estudo da culinária brasileira o que mais salta aos olhos é a sua diver-sidade. A imensa troca de espécies promovida pelo fenômeno da globali-zação, iniciado lá atrás, com as Grandes Navegações do século XVI, é a responsável por termos hoje, acesso a uma incrível variedade de alimentos. Por outro lado, se formos curiosos o bastante, vamos perceber o seguinte: à medida que a disponibilidade de ingredientes cresce, é provável que alguns se tornem mais legíveis do que outros, estabelecendo-se em nosso cotidia-no ou desvencilhando-se da cotidia-nossa cultura local. A historiadora Lorelai Kury propõe:

Em seus deslocamentos as plantas não permanecem as mesmas. Sua re-lação com o ambiente natural e humano aprimora ou inibe suas virtudes, aumenta ou diminui sua importância, faz com que sejam usadas de maneira habitual ou inesperada, que cresçam em florestas, jardins botânicos ou es-tufas, que sejam ingeridas, cultivadas, colhidas, desprezadas ou admiradas. (KURY; Sertões adentro. 2013, p.8).

Historicamente, as farinhas derivadas da mandioca, o fruto do umbuzeiro e as carnes curadas têm, cada um a sua maneira, estabelecido importantes relações alimentares com o povo brasileiro. É no Nordeste, entretanto, que suas características mais se evidenciam como conjunto: são apreciadas por sua praticidade, adaptação ao clima semiárido, valor nutricional e, sobretu-do, por seu sabor incomparável, reflexo de uma terra robusta e resistente, que consegue frutificar até nas condições mais adversas.

A mandioqueira (Manihot esculenta), por exemplo, é uma planta originária da América do Sul, utilizada desde muito antes da chegada dos portugueses ao território pindorama, pelos índios que aqui habitavam. A partir da “rainha do Brasil” como firmado pelo folclorista Luís da Câmara Cascudo, essa po-pulação obtinha produtos diversificados: usavam as folhas como hortaliças, do sumo da raiz extraiam bebidas fermentadas, do tubérculo em si, faziam

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uma farinha prática e rústica, que logo foi incorporada à dieta dos colonos, substituindo o pão. O ingrediente era consumido sozinho, acompanhado da carne de diferentes animais, misturada ao feijão e às verduras. Com ele se produziam beijus crocantes, pirões e as tapiocas: “deglutidas quentes e, banhadas no leite e misturadas com açúcar branco, resultavam deliciosas” (DÓRIA; 2014, p.126). Torrada nos tachos de barro e armazenada em ces-tos trançados de folhas de palmeira, também chamados paneiros (SILVA; 2014, p.80), a farinha conseguia durar por longos períodos de tempo, ofere-cendo ao povo do sertão uma alternativa para sobreviver em terras tropicais.

Com a carne aconteceu algo semelhante. O desenvolvimento da ativida-de pecuária em um ambiente assolado pela estiagem, frequentemente dava origem a um gado magro, cuja carne fresca era dura e quase apodrecida. Sem meios tecnológicos e financeiros para refrigerar seus mantimentos, os nordestinos tiveram de usar a criatividade: passaram a cortar a carne em finas mantas, salgando a proteína e deixando-a ao sol e ao vento para secar, ação facilitada também pela falta de umidade natural do sertão. Assim ela se prestava mais ao consumo e ao armazenamento, permitindo, inclusive, o povoamento da região, especialmente pelas famílias dos vaqueiros que, em suas viagens sempre levavam um farnel (embrulho em que se colocam

“Tapioca”, Pedro Martinelli.

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provisões para uma jornada, marmita) cheio de iguarias consigo: “na lida com o gado, o vaqueiro carregava o seu farnel: a paçoca de carne pilada e a farinha, os pedaços de rapadura [...] tudo preparado com antecedência.” (DÓRIA; 2014, p.84).

Produtor sulista colocando a carne no varal, Alexandre Schneider

Já o umbuzeiro – ou “árvore que dá de beber”, na língua tupi-guarani –, é ainda mais engenhoso. A própria natureza se ocupou de manter a espécie viva e a comunidade humana e animal ao redor dela saciada, pois além de gerar pequenas, arredondadas e ácidas frutas verdes, a planta consegue armazenar água em suas raízes, o que a faz sobreviver na caatinga quando a seca é muito intensa. Dizia um autor anônimo que a terra entre o rio São Francisco e o Piauí:

É sertão quase todo ainda inculto, tão árido nos meses de agosto, setembro, outubro, novembro e dezembro, quando não chove (o que frequentemente acontece) [...] e chega a faltar até a água dos viandantes; tendo já alguns acabado e outros, sustentando, a vida com o suco que extraem de umas grandes batatas criadas debaixo da terra nas raízes dos ambuzuros [imbu-zeiros].” (DÓRIA; 2014, p.83).

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Altamente apreciado no interior da Bahia, onde acontece atualmente o fes-tival do umbu, em Uauá, o fruto dá origem a sucos, cervejas, sobremesas e está sempre acompanhado do bode, no prato ou na língua, já que tanto o animal consome as frutas que caem no chão, quanto as cozinheiras prepa-ram a carne de bode para o almoço e depois se lambuzam de umbuzada, um doce típico na cidade.

“Dona Jovitinha segurando o umbu”, Caroline Leone

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DESENVOLVIMENTO Metodologia Projetual

Os capítulos anteriores discutiram as bases conceituais e teóricas utilizadas para subsidiar o projeto. Deste ponto em diante, serão abordados os aspectos práticos ligados à sua concepção, ou seja, as etapas do processo criativo.

_______________________________

Desde o início, a ideia era reconhecer a culinária como uma parte fundamental da cultura bra-sileira, registrando, de alguma forma, a diversidade de fatores naturais e humanos associados à formação da historiografia gastronômica do país. A partir daí, tanto por razões pessoais quanto gerenciais, surgiu a necessidade de evidenciar especificamente o acervo alimentar nordestino, mostrando como seus rebuscados ingredientes e práticas contribuem para o levantamento de questões significativas acerca, não só do conhecimento técnico inerente ao preparo de um prato, mas também das relações sociais que constroem a nossa cozinha.

Concomitantemente a minha investigação sobre os produtos de raiz, entre os anos de 2015 e 2016 tive a oportunidade de iniciar estágio na área de webdesign e participar de vários projetos editoriais. Foi ao longo dessa fase que descobri nos tabloides uma excelente alternativa para reunir informações a respeito da cozinha regional, tornando-as disponíveis num formato de jor-nal impresso que, embora compacto e acessível, não deixasse de oferecer discursos consistentes para seus leitores.

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Por ser altamente complexo, tratando de mais de 500 anos de acontecimen-tos, inúmeros personagens históricos e uma miríade de espécies alimenta-res, o desenvolvimento da nova publicação exigia certo nível de controle. Nesse sentido, aproveitar recursos que permitissem elaborá-la organizada-mente era fundamental para o andamento da pesquisa.

O projeto começou através da pesquisa e coleta de tabloides produzidos no Brasil. Obtive acesso a algumas edições do Suplemento Literário de Minas Gerais dos anos 90 e 2000; ao Diário da Tarde, do Instituto Moreira Salles; grandes edições de jornal como o especial para as Olimpíadas de 2016 feito pelo O Globo, materiais para divulgação de portfolio de escritório como O

que as vandas não contam, da Greco Design; tabloides vendidos em bancas

como Piauí e Bamboo e até mesmo um boletim publicado pela AdUFRJ. Com essas amostras em mãos, pude obter referências mais concretas para o meu trabalho e, assim, estudar as composições gráficas e a natureza do conteúdo presente em publicações já consolidadas no mercado. Como um todo, percebi que elas eram muito diferentes entre si, tanto em termos físi-cos, pela variedade de dimensões e acabamentos que apresentavam; quanto Tabloides coletados

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conceituais e monetários, indo de periódicos de literatura que custam R$ 3,00 até jornais de decoração de interiores que custam R$ 24,00. Detectar essa tipificação me deu um amplo espectro do quão dinâmico os tabloides poderiam ser, validando a proposta de criar uma publicação sobre gastrono-mia brasileira fora das estruturas homogêneas do livro ou do curto formato das revistas, com os quais eu mesma já estava habituada, disponibilizando-a em bancas, aeroportos, restaurantes, através de assinaturas online, etc. Outro recurso importante foi a catalogação de materiais textuais e iconográ-ficos em pastas de computador. Criar um arquivo com esses elementos em pastas separadas facilitava o acesso a eles de acordo com as necessidades de uso e permitia, ao mesmo tempo, ganhar uma visão geral do escopo da pesquisa. Fiz atualizações periódicas dessas pastas arquivando referên-cias, anotações, fotografias, artigos, receitas e, principalmente, avanços nos layouts, a fim de manter um registro das alterações que ocorriam no projeto gráfico. Simultaneamente, era imprescindível guardar cópias de todos esses dados em serviços de armazenamento na nuvem como Dropbox e Google

Drive, por exemplo, pois suas funcionalidades eram extremamente úteis

para proteger os documentos e fazer com que eles pudessem ser editados de qualquer lugar.

Pasta contendo imagens de diversos ingredientes brasi-leiros.

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O desenho também foi um dos fatores essenciais do meu processo criativo. Frequentemente eu recorria ao traço para soltar minhas ideias e tentar ela-borar versões preliminares do tabloide que possibilitassem a visualização das páginas antes da sua finalização no InDesign, software usado na edito-ração. Isso dependia, evidentemente, de conhecer a real extensão do conteú-do, mas, ilustranconteú-do, eu conseguia compreender melhor os arranjos visuais, a ocupação do espaço pela forma e a contraforma, analisar o corte entre cada seção do jornal, avaliar o ritmo de leitura, checar a imposição das folhas ao serem encadernadas, enfim, experimentar conceitos que talvez pudessem ser aproveitados no produto final.

Se por um lado meus primeiros estudos de layout eram despretensiosos, por outro, eles tinham potencial para se transformar em composições defi-nitivas. A prova que diferenciava essas duas perspectivas era a impressão e montagem de pequenos modelos tridimensionais do tabloide ou bonecas, que contribuíam largamente para a percepção do equilíbrio das manchas gráficas, das dobras entre spreads, da interação do papel com as tintas. Se houvesse uma adequação entre conceito, conteúdo e a posterior reprodução destes, no suporte, o trabalho estaria evoluindo; caso contrário, novas con-Alguns dos últimos

estudos para compo-sição de página.

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Layouts e bonecas impressos em tama-nho reduzido. siderações deveriam ser feitas no sentido de melhorar os layouts e outras

impressões teriam de ser realizadas, até que se chegasse a um resultado satisfatório. Acolher a naturalidade com que se davam tais fluxos metodo-lógicos era essencial para exercitar habilidades de investigação e fazer o projeto progredir a cada mudança.

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CAPÍTULO III PROJETO GRÁFICO

3.1 Pesquisa e produção de conteúdo

3.1.1 Conteúdotextual

A escolha de conteúdo textual para a publicação seguiu alguns critérios principais. Primeiro e, a partir de um sumário preliminar, avaliou-se a disponibilidade de textos que pudessem ofe-recer narrativas atraentes e perspectivas bem fundamentadas a respeito do tema. As reflexões adequadas à proposta do tabloide foram, então, selecionadas/adaptadas a partir de trabalhos de sociólogos, antropólogos, jornalistas, nutricionistas e cozinheiros profissionais, o que conferiu a qualidade desejada ao argumento trabalhado nas páginas. Ao mesmo tempo, era fundamen-tal que esses textos não fossem muito longos ou academicamente densos, possibilitando que o suposto leitor pudesse se envolver de alguma maneira com os artigos, tirando suas próprias conclusões sobre os mesmos. Nesse sentido, ao se estabelecer quais assuntos seriam tratados na edição “Farinha”/ tabloide nº 1 (integralmente paginada para este trabalho final), procurou-se criar alternâncias entre diversos gêneros textuais, entre passado e preprocurou-sente e entre teoria e prática, trazendo dinâmica à sua leitura e apresentando constantemente novos olhares sobre a cultura alimentar nordestina, sem deixar de passá-los, também, pelo filtro da história gastronô-mica do Brasil, como um todo.

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O sumário definitivo ficou assim definido:

• Maní

+ conheça a produção de farinha

• Navegar: entrevista com a chef Teresa Corção • A culinária imprecisa e os caldos do sertão • Receitas: farinhas da mandioca

A fim de esclarecer o fluxo de ideias que permitiu determinar o título de cada seção e a ana-tomia do jornal, deixo registradas, a seguir e, brevemente, as razões por trás das escolhas dos artigos que compõem a publicação.

Sabendo que a mandioca, planta que dá origem às farinhas descritas no projeto, possui estreita ligação com a cultura indígena, parecia justo destacar a lenda mística que fala de seu surgimento:

Segundo a lenda, Maní era uma indiazinha que morreu de repente, sem ficar doente ou sofrer. Ela foi enterrada dentro da própria oca, onde os índios da tribo iam sempre visitá-la. Até que um dia, no lugar de sua sepultura surgiu uma planta desconhecida, de raiz marrom por fora e branca por dentro, que eles colheram e cozinharam. A raiz de Maní era um presente do Deus Tupã para saciar a fome do povo e, como nasceu em uma oca, passou a se chamar “Manioca”.

Numa parte anexa à seção anterior, são explicados, através de um painel informativo, os proces-sos que levam à obtenção dos diferentes subprodutos da mandioca (tiquira, tucupi, maniva, etc.) e tipos de farinha provenientes dela (d’água, seca, “isoporzinho”, etc.). O texto introdutório, inspirado em artigos da nutricionista e pesquisadora brasileira, Neide Rigo relata:

A mandioca é o elemento que une a gastronomia do Brasil. Resistente à seca e totalmente apro-veitável, a planta dá origem a vários subprodutos, entre polvilhos, caldos e bebidas fermentadas, usados em diversos pratos ricos em carboidrato de norte a sul, de leste a oeste do país. Mas são as farinhas derivadas de seu processamento sua forma mais apreciada, correspondendo a cerca de 80% do consumo do tubérculo. Veja a seguir como é feita a produção de um dos alimentos mais versáteis da cozinha brasileira.

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No intento de participar mais ativamente da produção de conteúdo para o tabloide, realizei, no fim de 2016, uma entrevista com a chef carioca Teresa Corção, proprietária do restaurante

O Navegador, no centro do Rio, e presidente do Instituto Maniva, ONG que divulga a

impor-tância da mandioca e das casas de farinha, dos alimentos orgânicos, da relação entre agricul-tores e consumidores. As perguntas formuladas, das quais cinco foram incluídas no jornal, são as seguintes:

1. Como surgiu a ideia de fundar o Instituto Maniva?

2. Você é conhecida como exímia garimpeira de ingredientes e chegou a mapear suas descober-tas, feitas em viagens por diversas regiões brasileiras. Num país de imensa biodiversidade como o nosso, como a mandioca se tornou a sua principal inspiração?

3. Você também é ativista e acredita na gastronomia como um instrumento de transformação social. O que é o movimento Slow Food?

4. Os alimentos orgânicos ainda costumam ser caros e praticamente inacessíveis para algumas comunidades. Como acha que podemos reverter esse quadro?

5. Como chef e pesquisadora, você percebe hoje maior iniciativa dos consumidores na busca por uma alimentação mais saudável?

6. Você participa do Circuito Carioca de Feiras Orgânicas e promove o aproveitamento integral dos alimentos, inclusive daqueles que sobram nas xepas. É difícil manter uma prática sustentável dentro da cozinha?

7. Em 8 anos, cerca de 3000 crianças participaram das Oficinas de Tapioca ministradas por você em escolas públicas do Rio. Qual foi a recepção dos estudantes ao projeto?

8. Como parte de suas ações na ONG você lançou o documentário “O Professor da Farinha”, que mostra a rotina de produtores de farinha d’água em Paulo Lopes (SC) e em Bragança (PA). O trabalho do pequeno agricultor e a produção artesanal são valorizados em nosso país?

9. Além de pratos inusitados como o arroz negro de polvo com creme de brócolis, você serve em seu restaurante, O Navegador, sabores mais tradicionais, como os do pão de queijo, da carne seca com abóbora e da feijoada. É importante valorizarmos os pratos mais simples da nossa culinária? 10. Para você comida é cultura, é afeto, é memória. Por quê?

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No ensaio “A culinária imprecisa e os caldos do sertão”, o sociólogo Carlos Alberto Dória, analisa se podemos falar numa cozinha brasileira unificada e apresenta algumas características da alimentação sertaneja:

[..] Também as culinárias nacionais não se resumem a conjuntos de receitas partilhadas, pois mes-mo no interior de um país é possível ver comes-mo certas fronteiras vão se estabelecendo na alimen-tação, apesar de compartilharmos tantos outros aspectos culturais. O sabor do tucupi com jambu, prezado no Norte, não é apreciado no restante do território brasileiro; os usos do açaí são com-pletamente distintos nas refeições paraenses e naquelas dos grandes centros; às elites do Sudeste horripila comer vísceras, como fazem os nordestinos, e assim por diante. A região Nordeste, aliás, é dona de uma culinária surpreendentemente delicada, com profusão de refogados e ensopados – de frango, carneiro, cabrito e galinha d’angola – de pirões, arroz, cuscuz de milho e mandioca, tudo acompanhado do uso abundante de pimenta.

Por fim, seis receitas (duas entradas, dois pratos principais e doces) mostram a aplicação das farinhas, massas e gomas derivadas da mandioca num prato. São elas:

• Pão de tapioca com queijo • Biscoito de polvilho • Casquinha de siri

• Bacalhau com farinha d’água • Cuzcuz

E para terminar, a sobremesa. Bolo de Tapioca.

* A título de demostração, exponho também os outros sumários desenvolvidos:

• Umbu

• O sabor dos trópicos: com Beto Pimentel • A árvore que dá de beber

• Receitas: o fruto da caatinga

“Umbu”/ tabloide nº 2 “Carne-Seca”/ tabloide nº 3

• Carne seca

• Quintal caipira: com Rodrigo Oliveira • O tropeiro, a paçoca e o farnel

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3.1.1 peSQuiSa iConogRÁFiCa

As imagens, assim como os textos, eram fundamentais para inserir o leitor nos diversos cená-rios propostos pelo jornal. Assim, enquanto cada seção do tabloide trabalhava com um gênero textual específico, elas também deveriam ser constituídas por um conjunto de representações visuais distintas, capazes de refletir conceitualmente os interesses de ênfase e as necessidades de informação daquela parte. Por essa razão, a pesquisa iconográfica tornou-se bastante ex-tensa, passando por reproduções de lugares, tempos, pessoas, alimentos, ações, vestimentas, objetos e elementos naturais, feitas em variadas técnicas. No intuito de delimitá-la, passou-se a buscar nas imagens características que se mostrassem mais pregnantes no sentido de remeter a uma ideia de Brasil e, particularmente, de sertão, manifesta nas tramas dos cestos de palha, no verde das robustas folhagens pindoramas, na mistura de etnias, nos formatos e texturas dos ingredientes. Além disso, é claro, as fotografias, desenhos e gravuras selecionadas deveriam dialogar harmoniosamente com os textos de cada seção, motivando sua leitura.

A seguir, uma amostra parcial desse levantamento iconográfico, ilustrada seguindo os assuntos abordados no nº 1 do RAIZ.

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“Conheça a produção de farinha”

“Navegar: entrevista com a chef Teresa Corção”

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3.2.1 nomedaColeção

conceito

RAIZ

sf.

1. Fig. Princípio, origem.

2. Bot. Parte da planta que cresce para baixo, dentro do solo.

dicionário Aurélio

Uma grande parte da expressão conceitual dos tabloides advém dos significados enunciados pelo título para estes assumidos. É através dessas denominações básicas, cujas representa-ções gráficas são seus logotipos, que os jornais delineiam a mensagem pela qual pretendem ser reconhecidos.

A palavra RAIZ assume dois sentidos distintos no presente trabalho, ligados à sua definição:

origem faz referência às ideias de brasilidade e pertencimento, que transpassa toda a pesquisa.

Ela é, literalmente, o eixo de onde partem as características editoriais e gráficas do projeto. A ideia de estrutura subterrânea, por sua vez, lembra alguns dos próprios ingredientes brasileiros que, escondidos e inexplorados, esperam a oportunidade da sua descoberta.

3.2.2 logotipo

Na criação do logotipo, optou-se por utilizar uma tipografia já existente e, nela, fazer as inter-ferências necessários a fim de potencializar sua legibilidade e particularização.

A fonte escolhida foi a FF Karton, uma display estêncil em caixa alta, desenhada pelo tipógrafo holandês Just van Rossum, em 1992. Programador, van Rossum desenvolveu um sistema em que cada caracter pode ser enviado ao dispositivo de impressão por meio de uma sub-rotina que provoca distorções aleatórias em suas bordas.

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O objetivo é dar uma aparência low-tech à fonte tipográfica, permitindo que suas letras, algaris-mos, sinais não alfabéticos e diacríticos insinuem uma “mente própria”, ou seja, uma liberdade independente da mão do designer. O interesse nessa abordagem levou à preferência por essa fonte, pois a irregularidade e ligeira fragmentação obtida com o processo tornava a tipografia mais orgânica, adequada ao tema do projeto.

Após uma breve limpeza nas suas hastes, principalmente das letras “R” e “I”, somada a um leve ajuste ótico do seu kerning, a representação gráfica do curto e sonoro nome RAIZ adotado para a coleção, surgiu.

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Posteriormente, o logotipo foi acompanhado de uma tag-line que serviu para indicar, na capa, o conteúdo interno da nova publicação, reforçando sua postura frente ao público leitor. A frase “culinária brasileira” foi composta pela fonte neo-humanista Minion Pro, desenhada pelo ti-pógrafo americano Robert Slimbach e editada pela Adobe em 1989. Suas curvas mais suaves, utilizadas em caixa baixa, contrastam com a rusticidade da fonte do logotipo.

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3.3 Características editoriais

Tendo em vista que todo o discurso da coleção de tabloides atravessa o ambiente nordestino, era apropriado que o projeto gráfico caminhasse para soluções que traduzissem visualmente características marcantes desse meio. Assim, ao trabalhar na diagramação dos layouts, procurei resgatar minhas memórias gustativas mais peculiares e dar forma a elas através de uma espécie de metáfora: o sabor granuloso da farinha d’água, o sumo ácido e verde do umbu e a textura sal-gada da carne seca, são transferidos para a página na forma de uma paisagem, concebida espe-cialmente para valorizar a personalidade simples e a força criativa da gente que vive no campo.

composição cromática

A cor é o elemento usado para alinhavar todas as páginas. É a associação entre o verde e o amarelo que desperta, simbolicamente, a ideia de ser brasileiro e que faz referência à planta da mandioca em si. Na necessidade de aquecer ainda mais os layouts, adicionou-se o terracota, que aparece nas tábuas de madeira e nos potes de barro.

texturas

Um outro recurso amplamente explorado foi o uso de texturas. Elas mimetizam sutilmente o solo desgastado e rude do sertão nordestino, fruto das imprevisíveis dinâmicas climáticas do semiárido, que tanto influem no gosto dos alimentos. Aparecem no papel craft, aplicado em faixas utilizadas para ancorar imagens e títulos e, nas fibras do próprio papel suporte da edição.

imagens

Já que um dos maiores atributos do tabloide é a visualidade, as imagens só podiam desempe-nhar um papel fundamental na construção das composições. No geral, optou-se por trabalhar com fotografias grandes, que realmente inserissem o leitor nos contextos apresentados. Em outros momentos, no entanto, elas ocorrem recortadas, coatuando com o tradicional formato retangular. Todas tiveram seus canais de cor manipulados. Também foram utilizadas ilustrações lineares mais soltas e grafismos que entraram, por sua vez, nas editorias com mais densidade de texto, produzindo um equilíbrio entre a informação textual e a iconográfica.

Referências

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