A REVOLUçAO GALILEANA: REVOLUçAO
METODOLÓGICA OUTEÓRICA?"
MAIJRICI| CLAVIiLIN
Universùlacle tle Paris
-
SorbonneAs ¡el'lexões que se seguem partem de dois fatos:
¡:rimeiro, Galile
o
aparece mais do que nunca como o fundador da ciênciamoder-na,
ernboranâo
tenha sido
único
eut
seutempo.
Quandomorreu, em 1642,
duas grandes rnodÍfìcações haviam ocorrido na especulação racional sobre a natureza-
uma cosrnologia detipo
lieliocêntrico, com
todas as suas conseqùências, havia sidoesta-belecida
e
arnplamentejustificada;
a
primeira teoria
matemáticado movimento
de quedae do
rnovimento
dos projéteis,ou
seja, defatos físicos
relativos à mudança, l-ravia sido construída ;-
ao utesrno tempo-
e este éo
segundofato
-,
restam muitas incertezas (oures-tavam, até pouco tempo
atrás)
sobre os diversos fatores que tornaram possíveis essasconsi deráveis inovações.
A
questfo,
no entanto, é relativamente simples:deixando-se de lado a genialidade, a que procedimento, a que desenvolvimento discursivo particular deve a obra de Galileo seubrilllante
sucesso? Ou, se preferirem: qualo
procedimento, qual odesenvolvimen-to
discursivo-
todos igualmente novos-
que lhe permitiram em trés ou quatro déca-das lançar as bases da ciência moderna?A
hipótese que, ainda hoje, surge primeiramen-te aoespírito,
apesar de certas polêmicas ruidosas, é de natureza metodológica. SeGa-lileo
soube estabelecer tantos resultados deprimeiro
plano-
que, em sua rnaioria, fo-rarn integraclos à ciência clássica-
não seria porque, pela primeira vez,ele praticou ométodo por
excelência da ciência moderna: interrogação direta e dirigida da observa-ção, formulação consecutiva deprincípios c,
apartir
desses, dedução de proposições que se submetern finalmente aocontrole
da experiência?A
ci6nciatem por objeto
arealidade,
e
GaÌileo disse muitas coisas pertinentes sobre ela.Teria ele
tido
sucesso fossequal
fosse sua genialidade-
semo auxílio do
instrumento
ao clual os pes-quisadores, apartir
da geraçâ'o de Huygens e de Newton, atribuíram expressalnente seu sucesso?Tal
é a
c¡uestão àtlual
procurarei responder,utilizando
ao máximo os mais recentes trabalhos de história das ciôncias.Como suge
ri,
nâ'o é recente a idéia de r¡ue a obra galileana é primeirantente o produtode
um rnétoclo novo. Ela aparece desdeo
fìnal
do séculoXVII,
sancionadapor
[ìuy-gens e Newtorr,c
<Jesde então ela se inlpôspor
mais de dois séculos. Não somente ela possui a seu favor a plausibilidade histó¡ica como pode ainda invocar muitos textos dopróprio
Calileo, alguns deles bastante impressionantes.*
Att ig<, rc<l igido especiaì'ent e pa:m os catlernos e trad uzido por Roberto Mart ins
a
36
ll[auice
C'lavelinEm
primeiro
lugar, há esses célebrestextos
onde se recusa da forma maisnítida
oideal explicativo aristotélico.
Para Aristóteles, cor¡fô se sabe, explicarum
fenômeno natural é antes detudo
associáìo a uma causaformal
ou essência que ao mesmo tempo daráconta
de sua ttatureza e de sua razl.o de ser. Ora, Galileo denunciou incessante-¡nente a esterilidade eo
caúúer ilusório de umtal
projeto. Em prirneiro lugar, eletrans-formo
atividade puramente verbal, como enfatiza uma passagembem
c
sobre os dois nwiores sistemssdo mundo
(Dialogonpm
i
cluc
m
nclo) (Opere,v.
7,
263)t :"A
causa deste efeito é bem co-nhecida,e
todos
sabemque
é
a
gravidade", adiantao interlocutor
aristotélico;
ao que o porta-voz de Galileo responde:vóa
gÍî
ismae
foi
Porém, ainda mais fundamentalmente
o projeto
aristotélico repousa sobre uma ilu-sâ'o epistemológicacujo
mecanismofoi
minuciosamente desmontadopor
Galileo, na Terceira carta sobre as manclns solares (Opere,v.5,
187-8):Pois
ou
atingir a verdadei¡a e intrínscca essênciadas
sub
o conhecimcnto de algumas de suaspro-priedad
menos que impossÍvel, e inutilmetrtefa-tigarlte,
róximas quanto nas substâncias celestesnlais afastadas. Parece¡ne igrtorar þualnrente a essência da Te¡ra quanto da Lua, tanto a das
rios, e com o qual estamos
constante
um tal conhccinrento da água éapenas tnais ligado aos sentidos,
mas
o que nleu conlìecirnento antc-¡io¡ sobre as nuvens, Da mesmafomra
o avcrdade ira essência da Terra e do Fogo quanto a da Lua ou do Sol; o estado de beatitude é o único que nos rescrva uln conhecimento desse tipo..
lroqas as citações de (ìalileo ¡efe¡enl-se à Edizione Nazionale, enr vjnte volurncs, etiitatla por Arturo Favaro, Firenze, 1890 a 1909.A
Revoütçîo Gølileana:Røtohtfio
Metodolögícø ouTórica?
37 Tendo descobe¡to a presença dessas manchas no Sol, cuja superfície elas atravessam modificando às vezes suas formas, Galileo começou p-or traçar{hes representações grá-ficas precisas; medindo cuidadosamente seus tempos de passagem, notando seuretor-no
eventual, obteve inicialmente uma boa descrição do fenômeno. Podia entÍÍo ser dis-cutida com pertinência a questão crucial (Opere,v. 5,
ll8
ss): as manchas fazem real-mente parte da superflciedo
Sol, demodo
que este também é sede de fenômenos de geraçãoe
corrupção?Outro
exemplo:o
estudo
descritono
terceiro dia
do DirÍlogonbre
osdois
maiores sistemasdo
ru"tndo (Opere,v. 7,
433-6), tentando estabelecer:a)
queum
imã com armadura é mais potente que umimã
sem armadura;b)
em que proporçâ'o é aumentado seu poder.E
isso nã'o'étudo.
Os estudos sobre o pêndulo, asdescobertas que
os
acompanham,o
usofecundo
que Galileo soube dele f.azer pzraconfìrmar
a
tesede
que sema
ação retardadora do meio todos os corpos desceriam com a mesma velocidade (Discorsi edimostrazbne mttematiche,
in
Opete,v.
8,128-9),
não ficariam deforma
alguma deslocadoscm
um tratado de Huygens ou deNew-ton.
Citarei, sem insistir, oDiscurp
Ðbre
os corposfhttuantes
(Dßcorsointorrp
alle cose che stannoin
v
lbcqua),
de
1612, onde a Geometria está estreitamente unida à observaçâ'o, e recordarei naturalme¡rteo
célebretexto
doterceiro
dia dosD¡sa¡r,ps e demortstrações nwtenuitíßas.de
1838(Opere,v.8,212-3),
onde está descrita a ex-periência destinada a verificar alei
dos quadrados dos tempos, com oauxílio
de planos inclinados.Esses são dados
bem
reaise
compreende.se que para tantas gerações de pesquisa-dorese
filósofos
a
causaprincipal
e
sufìcienteda
revolução galfeana tenha podido seridentificada com
a
descobertado
verdadeirométodo
cientlfìco,
após séculos de c€gueira.Um texto
deCournot
(1975,
246) (eu
poderiamultiplicar
os autores e as citações) completaráa
apresentação dessa interpretaçâ'oadmitida
sem discussão por tanto tempo (e que de fato é admitida por muitos ainda hoje):A ve¡dadeira flsica [clama Cournot em 1851
]
foi fundada no dia em que Galileo, rejeitandoespeculações há tanto tempo estéreis, concebeu a idéø de não apenas intenoga¡
znltürezr
pela experiência (o que também Bacon, po¡ seu lado, propunha), mas também de precisar a forma geral a ser dada às experiências, assinalando como seu objeto imediato a medida de tudo o que podc se¡ medido nos fenômenos naturais.Serão,
contudo,
as coisastão
nítidas
quanto parecem? Pode-se realmente ver nessestextos
provas tangíveis, defìnitivas, de que o método experimentalclásico
já
atuava em Calileo e inspirava seus trabalhos? Sejamos claros. Não setrata
de negar (como o poderfamos?) rlue a observação tenha desempenhadoum
papelimportante no
desen-volvituer¡to da obra galileana,ou,
ainda mais, que Galileo tenha sabido aproveitar-se habilmente de certos dispositivos experimentais (particularmente o pêndulo)-
Galileo eraum
espírito concreto, atento aos dados da experiência, capaz de captar æ melhores ocasiões (pense-sena
construção daluneta
astronômica, em 1609, baseada em infor-mações vindasde
Flandres,e
no
uso
deslumbrante que delafoi feito).
Mas saber observar, saber raciocinara
partir
da
observação,difìcilmente
pode ser consideradouma
inovação de Galileo; ahistôria
das ciênciascita
grandes observadores que o an-tecederam (pensemosem
Tycho
Brahe,
por
exemplo)e
alguns de seus contempo-râneosnão
podem deforma
alguma ser negligenciados (penscmos,por
exem¡rlo, no38
l[aurtce
Chvelinpadre Scheiner, sobre as nranchas solares). Conceder
a
Galileoa
descoberta domé-todo
experimentale at¡ibuir
a essa descobertao
caráter revolucionário de sua obraimplica
defato muito
mais; para dizer a verdade, pelo menos duas coisas: a) que com elejá
se encontre uma prática experimental capaz de proporcionar resultados confiá-vcis;b)
queele
tivesse uma consciênciado
alcance e doslimites
da experimentaçãoe
especialmentecom
relação aosprincípios
dos quais dependem as proposições sub-metidas à confirmação. Serão essas duas condições realmente preenchidas?Quanto à primeira
-
a
experimentação galileana pode fornecer resultados confiá-veis?-
todos
estâ'o praticamentede
acordo comKoyré2.
É
verdade quea
célebreexpcriêncir
do
terceiro dia
dos Discursos(Opere,v.8,
129), de 1638-
destinada aprovar a
lei
dos
quadradosdos tempos
-
é
extremamenterudimentar.
Tomemos suæ últimas linhas:Para rnedir
o
tempo, tomamos um grande vaso cheio dãgua que prendemos no alto;porunr o¡iffcio fino praticado em seu fundo escapava um est¡eito filete de Cgua que se recolhia em unl pequeno recipiente, durante todo o tempo durante o qual a bola ¡olava no canal. As
quantidades de água assim ¡ecolhidas eram de cadavez pesadas com a ajuda de uma balança
muito sensfvcl, e as diferenças e proporções entre os pesos nos davam as diferenças e propor-ções cntre os tempos; a precisão da experiência era tal que, como disse,jamais apareceu
qualquer discordância significativa ent¡e as experiências, repetidas muitas e ¡nuitas vezes.
Como
acreditar que Galileo poderia
controlar com
precisã'oas
quantidades de água assim recolhidas sucessivamente durante a duraçãototal
da descida, durante suametade
ou
sua quarta parte? Como acreditar que,
pesando-as depois,ele
poderia observarentre
elasuma
progressâ'o equivalenteao
quadrado dos tempos sucessivos(do
tipo
l-4-9)2
Defato,
insisteKoyré,
era impossível provar qualquer coisa com umdispositivo
assim.Ora, em
nenhum momento
Galileo
demonstraespírito
crítico
com
relação
a
essa experiência marcadapela
aproximaç¿ioe
pelo
mais-ou-menos. Essaprimeira crítica
pode,por
outro lado,
ser generalizada facilmente. Podia Galileoexecutar
com
precisão aceitável alguma experiência?Como enfatiza
corretamenteKoyré,
ele
nÍio
dispunhade
qualquer aparelhosatisfatório: relógio exato,
balança sensível; nâ'o esqueçamos também que sem conhecero
valor
da constante g ele era incapazde
aplicar
asleis de
sua mecânica(KOYRÉ,
1949). Poderíamos adicionar a isso-
lastbut ttot
least-
que algumas vezes Galileo-
cegopor
seus próprios pre-conceitos-
tomou
estranhas libe¡dades com a observação. Testemunha disso é a po-lêmica sobre os cometas, de 1618, na qual vê-se que ele sustenta contra o padre Grassi, apesardos
dados observacionais, que os cometas não podem ser corpos celestes mo-vendo-se a imensas distâncias da Terra (tesejá
defendidapor Tycho
Brahe em 1577);na
realidade,Calileo
percebiamuito
bem(o
que nâ'oocorria com
o
padre Crassi)que
os cometas, colocadosno
céu, devcriam se deslocar emórbitas
"monstruosas",quer
dizor,
ovaismuito
alongadas,e
isso contrariava cornpletamente sua convicçã'o de que os únicos movimentos que convêm aos corpos celestes são de natureza circular (Opere,v.
6,238;2434;278;
300). Galileo
foi
certamenteum
grande observador;2KOyRÉ,, 1939. Consultar também:'Unc cxpérience dc mesure',
itt
Etudes rl'histoire de la pensée scientifique,Pais, PUF, 1966;cf.'Galiléeetl'expéricncede Pise',iárd.
A
Revoluçlo
Galileana: Revohtçio Metodolögica ouTæricø?
39 mas édifícil
considerar-
a menos que olvidemostodo urnlado
de sua obra-
que ele tivesse com relaçõo à observação(ou
à experiência) as exigências e os escrúpulos que acompanham o método experimental propriamente dito.Essa prirneira
crítica
-
à
qual
está esseucial¡nente ligadoo
nome deKoyré
-
não éde fo¡ma
alguma negligenciável.No
entanto ela sofre
de
urna
grave insuficiência.Ao
sustentar-
e coln
bons argumentos-
que Galileo ainda ignorava o método ex-perimental,Koyré
sugeriaao
mesmotempo
que nã'o havia propriametrte em Galileoum
"método"
determinado-
ou,
se preferirmos, uma visão coerentee
estável dascondições
que uma teoria
ou um
modelo explicativo
devem satisfazer para serem considerados verdadeiros,intrinsicamente conformes
à
¡ealidade.Galileo
teria
notnáximo
antecipado alguns aspectos dos procedimentos modernos, mas sem perceberrealmente
suas exigênciase
sem
aplicá{os
sistematicamente(e
essa interpretaçãocaridosa não
é a do
próprio Koyré,
que via em Galileo, como se sabe,um
platônicoe um apriorista).
Ora, uma
tal
conseqüência não concorda com o comportamento efetivo de Galileo, Para convencer-se disso, bastaler
atentamente suas dife¡entes obras,nas
quais seexprime
suavontade
de
estabelecera
veracidadede
suas teorias,e
da forma
maismetódica.
Koyré
mostrou que
o
procedimento que então guiava Galileonão
pode ser igualado aométodo
experimental.Ele
nãomostrou
que Galileo não obedecia aum
procedimel.rto bemdefinido,
emborairredutível ao
método experimental. Aliás,uma
segunda observaçâ'o-
nunca
feita
antes,que
eu
saiba-
deveria bastar para convencer-nos da presença deum
método demonst¡ativo nafilosofia
natural de Gali-leo e de sua irredutibilidade ao método experimental.Os clássicos
(e
Koyré,
de acordo com eles) admitiam como evidente que as expe-riências de Galileotinham por
fim
preciso (eúnico) o
estabelecimento da veracidade detal ou
qual
proposiçâ'o(por
exemplo,a
lei do
quadrado dos tempos). Ora, nada mostra melhordo
que isso comoum
preconceito pode tornar-nos cegos e impedir-nos de veraquilo
que está, no entanto, escritopreto no
branco.O
que nos dizia Galileo?Dizia ele
que a experiência do plano inclinadotem
por
únicoobjetivo
verificar alei
do
quadrado dos tempos? E,le, na realidade, dizia algo bem diferente: que essa expe-riência deve verificaro "princípio"
sobreo
qual repousa toda a teoria do movimento naturalmente acclerado--
a
saber,que
a
aceleraçãoocorre na
proporçãodireta
esimples
do
tempo (Opere,v.
8, 212);
tìa mesma forma, já noDiscurw Ðbre
os corposflutuøntes,
de I612,
tratava-sede dar,
através de experiências,uma
"verdadeirade-monstração" da
"verdadcira causa" cluefaz
que os corpos mais densosflutuem
na superfíciede urn lícluido
lnenos denso3.Tudo
sugere,portanto,
que Calileo seguiu u¡nulétodo
bemdefinido,
em suas obras defilosofia
natural, e que esse método deveser
cornpreentlidonele
próprio,
semleitura
anacrônica.E
exatamente nesse pontoque ilttervém uma
descoberta recentee
notável
da história
das ciências, de onde deco¡rerá a solução de nosso problema.3Cornprccnda-sc bcnr que, nos tjois
c¿rsos, trata-se de dcmonst¡a¡ unr princípio e não de con-clui¡ inclubitavcl¡lluntc sobre sua verissintilitutle colu base em resultados arlquiridos,
I
7
40
Maurice ClovelínTudo
começouno início
dos anos 1970.Dois
historiadores qualificados-
AfistairC.
Crombie
e
Adriano
Carugo-
iniciaram
o
estudo de
um
manuscritode
Galileoque
édito
(conhecido sob
a
siglaMS 27), intitulaclo:
Disputationesite
s
et
de
demonstratione.Após muitas tentativas
cegas, Carugoem
a fonte
desse ensaiofilosófico
dojovenr
Galileo. Trata-se de umtrataclo
de Ludovico
Carbone,Additamenta
ad
commefltariaD.
Flancesci
Tolediin
LogicamAristotelis,
datadode
1591 (Francesco deToledo
ensinavano
Collegio Romano,a
céleb¡e unive¡sidadejesuíta
deRoma,
aproximadamenteem
1580). Poroutro
lado,
o
t¡atado de Carbone erapor
sua vez diretamente inspirado pelos cursos (que ele sern dúvida assistira) deum outro
professor do Collegio Romano, Paolo dellaValle. As
citações que Carugoe
Crombie apresentam, em paralelo com as principaisvós das obras
e
ma¡uais utilizados
no
Collegio Romano, onde se ensinava entâ'o umaristotelismo
esclarecido,dominado pela
influência de
São Tomás,com
elementosde
Scotuse
de Averroes.O
célebre padre Claviusaí
ensinava Astronomia eMatemá-tica,
davaum
lugar especial às ciências mistas (,Sclentíoe mediae) e defendia uma in-tcrpretaçâ'orealista
do
conhecimentocientífico
(CARUGO e CROMBIE 1983,
19; \ryALLACE, 1981). Após esses esclarecimentos, retornemos ao MS 27,ov
seja, aoen-saio
recligidopelo
jovem
Galileos
entre
1597
e
1600 sobre as noções préviase
ademonstraçâ'o.
Nesse
texto
seencontra inicialmente
a
afirmação clara
da
doutrina
aristotélica segundoa
qual
são osprincípios
que proporcionam a ciência' Dentre os princípios, algunssão
conhecidosde forma
imediata
(embora sua origem possa ser variada-deixo
esse problema delado),
ou
seja, sem poderem ser provados(ou
sem terem desê{o). Outros princípios
podem ser provados apartir
de seus efeitos, como nasciên-cias a
posteriori
(CARUGO e CROMBIE1983,26).
O outro
grande tema desse manuscrito 27 refere-se à demonstraçãocientíftca
queCalileo
compreendiae
analisava de acordocom
a
tradição tomista,
ou
seja, levadopela
convicção de que é possfveluma
ciêtlcioda
natureza.Ele
distingue entã'o doistipos de
demonstração.A
demonstnção
pnpter
quid,
em primeiro lugar, na
quala
causae
sua conexão necessáriacom
o efeito
são conhecidas previamente,e
que conclui apriari;em
segundo lugar, ademonstrutio quia ("demonstraçâ'o c1ue", tami.rétn clramadademonstratb
signi
ou
demonstraçãopelo
signo) que,pelo contrário,
pro-cede aposteriori
a
partir
dos efeitose
que,uma
vez descobertaa
causa adequada,4Trata-se dos tcxtos publicados por lfavaro (Opere, v. 1) sol¡ os títulos Juvenilia e De motu.
tiste último ó nitidanrentc posterior aos outros
-
cf., por cx., WALLACIi 1981.5CARU(;O e C¡ombie (f 983,
p.65)
estinrarn que o MS 27 ltodc tcr sido redigido entre 16l0 el6l
6.A Revoûtçõo Galileana: Revohtçlo Maodológica ou
Teórica?
4l
permite
tambémcoucluir
deforma
necessária. Essa segunda demonstraçãoé
certa-mente
aquelaque
seencontra
na
fìlosofìa natural (CARUGO
e
CROMBIE
1983, 28-30).Consideremos
então
mais
atentamentea
demonstratio
quia.
Fotmalmente,
ela seinclui no
esquemado
modus ponenrlo ponens,o
que explica sua qualificaçâ'o dedemonstraçã-onecessária.Sejampoefeitoaexplicareøacausapercebídaepro-posta;
o
esquema dedemonstrøtb quia é então
claramente:sep
(um efcito),
então sel,
--),7
(a
causa),entlo q.
O ponto
crucial, é claro, é evidenciar uma conexÍio ne-cesstiriaentre a
causae o
efeito,
ou
seja,tal
que seo
efeito
está presentea
causa nâ'o pode estar ausentee
více-versa-
detal
modo
queo
esquemacorreto
é
final-rrrente este: sep,
então sep
?
q,entlo
q.
Galileoo
dizmuito
bem em seumanus-crito: "Quinta
cirndiçâ'o:[é
necessário] quea
regressão demonstrativa ocorra entretermos
convert{veis.Pois, se
o
efeito
possuíruma
extensão superiorà
da causa, oprimeiro
movimento progessivo
[do efeito
à
causa] será impossível"(CARUGO
eCROMBIE 1983,
31)6. Última
observação, antesde
retornar
aométodo
galileanopopriamente
dito:
nas
ciênciasonde
o
conhecimentodos princípios
se baseia nademonstratio
quia,
começa-se raciocinand,oex
suppositione,ou
seja, postulando oprincípio ou
osprincípios
capazesde dar conta
dosefeitos;
será então a colocaçloem
evidênciade
uma conexão necessáriaentre
osprincípios
(ou
causas)e
osefei-tos (e aqui
será desempenhadoo
papel
da experiência) quepermitirá
transformaras suposições iniciais em verdades.
A
partir
de agora nosso problema pode ser colocado claramente: nãoteria o
mé-todo
seguidopor
Galileo em suas obras-
e que não se pode sem contra-sensoiden-tificar
ao método
experimental clássico-
surgido simplesmenteda
concepçãoaris-totélica
e escolástica dademonstratio quio, método (estamos seguros disso atualmente) queele
se deu aot¡abalho
de estudar detalhadae
diretamente,em
torno
de 1597-1600?Tal é a
forma
soba
qual se coloca hoje, de modo pertinente,o
problema dametodologia de Galileo.
Para avaliar essa hipótese, existe
um
único meio: retornar
aostcxtos
de Galileo. Seabrimos,
por
exemplo,
o Discuno
sobreos
con)os
quefhttuam
(Opere,v.4,65)
somos informados, de modo mais
explícito,
de queo objetivo
doautoré
"introduzir
dcmonstrações verdadeiras" fundarnentadassobre
"a
causa verdadeira, intrí,rseca etotal"
da flutuação
(ls
vera, intrinsecae total
cøgione). Paraidentificar
essa "causaverdadeira", convirá "afastar, pela
experiência,todas
as outras causas que possamproduzir
o
mesrnoe[eito",
demodo
que reste apenasuma(Opere,v.4,
l9);pois
"a causa-
prossegueGalileo
-
é
aquilo cuja
presença acartetao
efeito,
cuja ausência produz a Coefeito"
(Opere,v.
4,22).
Supondo que se encont¡e uma causa dessetipo
(e
Galileo
estaria convencido de havê-la descoberto),o
esquemaformal
dademons-tatio
quio nos
assegurará imediatamentede
que dispomos deuma
"demonstração6sulrlinl'tudo por rnirn. "Rogressão dcmonst¡ativa" é uma expressâo que designa
o
conjunto doprocctlinrcrrto.Osínrbolo+
podescrlido'...levaa...',eoslmbolo .!,poroutrolado,
\
42
l4rurice
Clnvelinverdadeira" dos fcnômenos considerados. Nâ'o apenas não temos de forçar o
texto
paralá
descobrir como uma filigranao
idealdademonstratio quia,
mas nem mesmo se vê como ele poderia ser-
comPreelldido de oPassemãs agota ao
Oirilogo
sobreos
mundo e mais par-trcularmenteao quarto
dil
(Opere,v'
7,
ão da
discussâ'o do fenôrnenodæ
maiés,Galileo
tiatou
de
de
hipótese deCopér-;ì;;,
O
projeto
é
pórfeitamenteclaro: tomando
as marés comofato
a explicar,Ca-lileo
inicialmente se esforçou em estabelecer que eSSefato,
analisado. àluz
de nossos,à"¡r.*ã"t"s
mecânicos,implica
necessariamenteum duplo
movimento
do reci
e
depois sobo
Ponto de vista desse reci-às marés aparecerão infalivelmente cadato
duplo.
Sem a menor dúvida trata-se de '"ÍJli:i,
":'ol,
i
Í¿åi'å",
Íd""i'åTli
åsuspendeu
todo o
mistério
sobrea estrutura
de sua prova:"Digo portanto
que se acau;
primeira
deum
dadoefeito
é única, e se existe uma conexão firme e constanteentre
ä
causae
oefeito,
é então necessário que sempre que ocorra alteraçãofirme
e constante no efeito, haja alteração firme e constante na causa"Pode-se também
uplicut a
mesma conclusâo à famosa experiência descritano
ter-Dívursos,
de
1638,e na
qual
seviu
Poinventado
ejá
praticado com pleno
suc lembremo-nosinicialmente de
queo
veujo
objetivo imediato
era alei
do
quadra
verdade-
oú
mefhor, a
pertinê'cia
ontológica
--
de sua defìnição do movimento acelerado. Eleo
explicou muito
bem em uma carta a Pedro de Carcavy, de 5 de maio de 1637 (Opere,v.
i 7,90-l
; sublinhado pormim):
movimento é exatamente o mesmo t¡ue defini
É,
claro
queno domínio
do método experimental uma tal pretensâ'o é destituída desentido.
Em troca, toda dificuldade
deiaparecese
quisermosadmitir
que-Galileo compreendeu
o
alcanceda
verificação empreendida na perspectiva exata da demons'tratii
quia: dar
a
provade um
priicípio
através de uma conexão necessáriadevida-mente
constatadaãntre
esseprincípio
e um
efeito,
É
verdade queo
procedimentouprrr.ntn
duas diferenças em-relação aoexemplo
das marés examinado mais acima' Põrum lado,
oefeito
.¡lúo éum
fenômeno natural dado diretamente mas uma propo-sição deduzida, e que é precisamenteaquilo
que se querverificar
se é realmente ulna pìopriedaAe dése ienOmeno natural-
o
movimento dos corpos pesados para baixo. ^Em'segundolugar,
Galileo
não
rez mençãoda
conexão necessária(a
relação que,.pr.r.îø
'p
iq'i
entre
o
¡rrincípio
e oefeito
constatado; e não setrata
de forma algumade um
esquecimento:tendo
abandonadoum
discurso de causae
de efeitoA
RevohtçEo Gølilean¿: RevohtçEo Metodológica ouTæricq?
43 para uma discurso matematizado, essa conexão recíproca lhe é apartir
disso fornecida automaticamente pela reversibilidade das demonstrações ¡natcmáticas-
após chegar sinteticamentedo princípio
aoefeito
(o
teoremado
quadradodo
tempo),
pode-se retorrrarataliticamente
doefeito
aoprincípio. NlÍo
se deve,portanto,
em minhaopi-nião,
duvidar da conclusão.A
experiência dos planos inclinados, descritano
terceiro ,dia dos Discarsos, situa-se em umcontexto
sempre fundamentalmenteidêntico
ao da demonstratioquia.
A, originalídade deGalileo
consistiu em transportar esseprocedi
merìto ao novodomínio
que acabara decriar
e,portanto,
em crer-
como se acredi-tava tradicionalmente paraa
demonstraçâ'o aposteríori
dos princípios-
que ela lhepermitiria
estabelecera
plena
verdadede
suaprópria
teoria.
Somente uma iluslfo repetida pôde fazer verpor tanto
tempo, nesse caminho surpreendente,o
paradigrna do método experimental.Iá.
é
bora
deretornar a
nosso problemainicial.
Partimos da questão: a que procedi-mento, a que desenvolvimento discursivo particular deve Galileo seu brilhante sucesso?Iloje
parece indefensávela
resposta quepor tanto
tempo
seacreditou
ser possíveldar
a essa questão-
a descoberta e a aplicaçãodo
método experimental. Ainda me'llror, a
releitura dæ
principais obras deGalileo,
àluz
das idéias tradicíonais sobre a demonstratioquia
na
filosofia natu¡al
praticamentenlo
deixa
dúvida alguma. Cada vez que se colocao
problema da veracidadede
suas teorias,o
procedimento a que recorre eo fìm
que persegue através desse procedimento coincidemponto por
¡ronto como
que a demonstrutioquia
dos escolásticos procurava rcalizat,Daí
se tiram duas conclusões, que eu desejaria que fossem definitivas e pelas quais terminarei.A
primeira tem
aforma
de um dilema. Se quisermos fundamentar a revolução deGalileo
sobreo
método,
sçremos conduzidos inevitavelmentea
umaou outra
das duas conseqüências indefensáveis que seguem:ou
seatribui
a Galileoo
método expe' rimental, mas nÍio setrata
mais deGalileo;ou
se considera a verdadeira prática meto-dológica de Galileo, e nada nela parece revolucionário.lvlinira segunda conclusäo
-
quenlio
surpreenderá-
é que, não sendometodoló'
gica,a
revolução galileanaé
primariamente teórica,o
que não signifìca fìlosófica ou de inspiraçãofilosófica
-
pois nesse ponto estou totalmente de acordo com AlexandreKoyré.
Foi
enquanto sábio e nã-o enquantofilósofo
que Galileo soubetomare
desen-volver
suas iniciativas,e
é
nessesentido
que elas devem ser analisadas. Isso, noen-tanto, é
urnaoutra história,
e
vósme permitireis terminar
com a afirmação-
ou
areafirnração -- dessa c<.rnvicção que defendo há
muito
tempo.L¡STA IIIB LIO(; R^ÁÞ'ICA
I
2
t
CARU(;O, A- o Crontbie, A.C. The jcsuils and Galileo's ideas of sciencc and oÍ natu¡e.Annoli
dclllsriruþ
c Museo di Storia dello Scienzo di Firenze.I
(2), 1983.COURNOT, Augustin. Essai rl'tr les fondements de la con¡uiss¿nce et sut les carøcières de Io crilfu¡ue philosophique , Pa¡is, Vrin, 1975.
CALtll.il,
(ìalileo. Le operedi
Galileo Gølilei.IÅizione Nazionale (Arturo Favaro, ed.).44
lvfuurtee Ç:lwelin4
-
.Ca¡tas wbre as manchas sola¡es.ln Operc,t. 5.
5
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øpra i due møsslmt slsteml del mondo, lnOpte,v,
7.ó
-
.Dtsærsí e dlmostrazbnl motematlche þúomo a due nuove sclettze,In Opere, v, B.
7
-
. Dlscorp intorno atrle cose che ctanno ln