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Vista do As novas tecnologias e a In(ex)clusão social, linguística e digital | Acta Científica. Ciências Humanas

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AS NOVAS TECNOLOGIAS E A

IN(EX)CLUSÃO SOCIAL, LINGÜíSTICA

E DIGITAL

ANA MARIA DE MOURA SHÄFFER, doutoranda em Lin-guística Aplicada pela Unicamp, docente e coordenado-ra do curso de Tcoordenado-radutor e Intérprete do Unasp, Campus Engenheiro Coelho (SP), ana.schaffer@unasp.edu.br.

Resumo: O texto pretende considerar algumas conseqüências das tecnologias modernas de informação, discutindo como elas podem se converter em um novo fator de exclusão, ou em uma ferramenta poderosa a serviço de uma proposta de inclusão social, lingüística e digital.

PalavRas-chave: in(ex)clusão social, lingüística e digital – tecnologia da

informação

THE NEw TECHNOLOGIES AND THE SOCIAL, LINGUISTIC AND DIGITAL IN(EX)CLUSION

abstRact: The text intends to consider some consequences of modern technologies, discussing how they can transform into a new exclusion factor or into a powerful tool to social, linguistic and digital inclusion.

KeywoRds: digital, social and linguistic in(ex)clusion – information technology

Introdução

Este texto pretende discutir sobre como as tecnologias modernas oferecem novas e interessantes oportunidades de acesso ao conhecimento, ao mesmo tempo que podem também se converter em um “novo fator” de exclusão. Essa discussão se pautará em auto-res como Pierre Lévy (1996, 1999), Jean Baudrillard (2002), Zygmunt Bauman (1999), Ian Hutchby (2001), Sherry Turkle (1996), Mark Warschauer (2003), entre outros, os quais têm

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discutido as conseqüências, sejam positivas, sejam negativas das novas tecnologias de infor-mação e comunicação (as conhecidas TIC’s) sobre os indivíduos.

Começamos com o histórico da Teoria da Informação, em mente. A partir dele po-demos afirmar que o conhecimento tende a se concentrar cada vez mais sobre si mesmo levando estruturas mais ricas, por terem mais potencial, a acumularem a nova informação com mais facilidade; já as “pobres em informação”, normalmente continuam mais pobres. Em outras palavras, é mais provável que a distância entre os que sabem muito e os que sabem pouco aumente, já que os primeiros acumulam informação com mais rapidez. Este acúmulo de informação com estruturas cada vez mais complexas parece ser uma tendência geral dos sistemas, desde a história da formação das sociedades humanas até os ecossistemas.

É justamente este contexto que tomamos como base para abordar dois pontos de vis-ta, claramente opostos, sobre o papel que as novas tecnologias desempenham nas sociedades contemporâneas: (1) elas podem se converter em um fator de exclusão a mais que se junte a fatores clássicos como idade, pobreza, etc. Nesse aspecto, a tendência é um agravamento de problemas já existentes; ou (2) elas podem se tornar uma ferramenta importante para a superação de formas de exclusão já antigas, uma vez que abrem caminhos para novas formas de aprendizagem, vindo a beneficiar grupos sociais marginalizados.

Embora opostas, as duas idéias, cada uma ao seu modo, encerram certo grau de verdade. Entretanto, é importante determinar os fatores que levam ao predomínio de uma ou de outra em certo grupo ou contexto social. No escopo deste texto, delimitaremos o ambiente de ensino e buscaremos discutir em que extensão o papel das novas tecnologias, mais especificamente o ambiente digital da Internet, pode se converter em fator de exclu-são ou incluexclu-são social e digital.

As novas tecnologias de informação e comunicação, sem dúvida, nos convidam a pensar não só nas conseqüências para o ensino de modo geral dessa invasão desmedida das novas tecnologias, mas também nos resultados da mesma para a vida social e privada dos indivíduos imersos neste mundo “tecnologizado”. Por isso abordaremos aspectos gerais re-lacionados às novas tecnologias e às conseqüências provocadas em ambientes diversificados, a partir das reflexões que autores contemporâneos têm levantado, como resultado de suas pesquisas nesta área.

Parece pertinente considerarmos também que a abrangência da tecnologia nos remete a outras realidades as quais o otimismo eufórico que a tecnologia provoca pode nos impedir de ver e de pensarmos de forma mais conscienciosa. Referimo-nos às assimetrias constantes implícitas nas chamadas novas tecnologias e que têm se mostrado no ato em si de fetichiza-ção da Internet, às vezes não tão visível nos discursos veiculados pelas mídias.

BAuMAn (1999, p. 8), ao refletir sobre as faces da globalização, diz: “a globalização (que

se tornou possível via tecnologia) tanto divide como une; divide enquanto une – e as causas

da divisão são idênticas às que promovem a uniformidade do globo”. Assim, conforme o

autor, para uns, globalização é sinônimo de liberdade; para outros não passa de localização, destino cruel e indesejado, aprisionando cada vez mais o ser.

Nesta guerra moderna pelo espaço “comum”, desvendam-se cada vez mais as dife-renças no espaço público, que são removidos para além do alcance da vida localizada, pois

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o local, que nesta reflexão, a partir da leitura de BAuMAn se coloca como sinônimo de

indi-vidual, perde o direito de gerar e negociar sentidos e se torna cada vez mais dependente do global que traz, para não dizer impõe, sentidos nem mesmo tangenciados pelo individual. Há então, um alargamento ascendente, uma ruptura no âmbito da comunicação — eis mais

acentuada a polarização. Para BAuMAn (1999, p. 9), ao mesmo tempo em que há liberdade

de movimento e de ação no centro, há limitação, restrição e impossibilidades à margem. Assim, o destino inevitável é que as novas tecnologias em vez de buscarem simetria no trato da condição humana, por não considerarem as distâncias temporais, espaciais e sociais, entre outras, tendem a polarizá-la.

Em contrapartida, hutChBy (2001, p. 5) propõe e defende a “interação

tecnologiza-da” possível graças ao rápido avanço da Internet, na qual as pessoas podem se envolver (grifo

meu) com todo tipo de comunicação mediada por computador e sem sair de casa ou do

es-critório. Segundo ele, sociólogos da área, no geral, têm-se posicionado contra a noção de que

o “tecnológico” seja sinônimo de “associal”; ele se justifica evidenciando que tal “interação” não passa de uma conseqüência natural do estar imerso no mundo capitalista desenvolvido, nas mais recentes propriedades das novas tecnologias, principalmente das tecnologias de informação e de comunicação.

Em primeiro lugar, seria pertinente pensarmos o que envolve “interação”. Bem, se

formos aos dicionários, veremos que não é possível se falar de “interação”, sem nos

reme-termos à “reciprocidade”, relação “mútua, coletividade”. No atual estágio tecnológico, as

pesquisas parecem apontar para uma “interação solitária, homem-máquina”, que na verdade

não comporta nada de interativo, no sentido de humanidades.

BAudriLLArd, em Tela total: mito-ironias da era do virtual e da imagem, discute

realistica-mente o que ora presenciamos com êxtase: “não há interatividade com as máquinas (tam-pouco entre os homens, de resto, e nisso consiste a ilusão da comunicação). A interface não existe. Sempre há, por trás da aparente inocência da técnica, um interesse de rivalidade e de

dominação” (1997, p. 117). Já para o autor AuGé (1998), que ao falar do “teatro das

opera-ções virtuais” aborda “a passagem do imaginário ao tudo ficcional”, não é difícil perceber o relativo isolamento que a relação com a imagem provoca. Ele mostra o ambiente tecnológico como um lugar propício às evasões solitárias, sejam elas pela simples consulta a um horós-copo, pela audição ininterrupta de música, seja pelo esforço em reunir num site da Internet, interlocutores sem voz e sem rosto.

Deparamo-nos, já de início, com possíveis conseqüências que as novas tecnologias

trazem para as relações humanas. Em O tempo virtual (1999, p. 97), QuéAu diz:

Esta realidade (referindo-se às novas tecnologias) possui inegáveis vantagens – cog-nitivas, expressivas, lúdicas – mas ela apresenta também novos riscos. O perigo mais aparente é de acreditar tanto nos simulacros que se acaba por tomá-los por reais. Formas diversas de esquizofrenia ou de solipsimo poderiam sancionar um gosto demasiado pelas criaturas virtuais com as quais cada vez mais devemos conviver. A fuga do verdadeiro real e o refúgio num real de síntese vão sem dúvida permitir às nossas sociedades invadidas por um desemprego estrutural fornecer a milhões de ociosos forçados alucinações virtuais, drogas visuais capazes de ocupar espíritos e

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corpos, ao mesmo tempo em que se desenvolverão novos mercados mas também sem dúvida novas formas de controle social.

De fato, redizendo Poster (op. cit. hutChBy, p. 6), a natureza da subjetividade humana

vive um processo de mudança fundamental. As novas tecnologias de comunicação levam a uma separação do corpo físico da “presença” em um grau tão elevado que a nossa noção de

senso comum do self se fragmenta; a identidade do “eu” se perde nesse emaranhado

tecnoló-gico — é o “determinismo tecnolótecnoló-gico” discutido por Hutchby que nos parece calar, além de nos apassivar. Será mesmo esse tipo de “interação” dessa “moda tecnológica” que determina inclusão social ou digital?

BAudriLLArd (2002, p. 129), com o seu “niilismo irônico”, nos faz um convite à

refle-xão apurada e comedida sobre as teias (web1) que nos enredam e nos fascinam sem

percep-ção; há em Tela total um jogo de palavras, que conjuga tanto a idéia de dominação das telas

(televisão, cinema, computador, etc.) como também um protetor para a pele contra os raios solares (e catódicos). Devemos nos perguntar em que extensão “o ser humano” tem sido levado em conta e encontrado espaço nesse discurso de “tela-total”; estamos mesmo inclu-ídos nas dimensões que as novas tecnologias têm alcançado, nós, “parcela de privilegiados”, por termos acesso a reflexões sobre o assunto, gerando idéias que contribuam para uma problematização mais realista da panacéia que envolve o avanço tecnológico? Não corremos o risco de, achando-nos incluídos, sermos enredados e anestesiados imperceptivelmente por esta “teia” da Web? Podemos, ao achar que estamos incluídos, nos excluirmos de questionar e considerar as possibilidades de inclusão que temos à mão para a transformação e benefício de outrem em toda a sua potencialidade.

As novas tecnologias no ambiente educacional

Neste tópico, refletiremos sobre o impacto das novas tecnologias no âmbito do

en-sino, a partir da ótica de quatro autores. Iniciamos com LAuriLLArd (2002), que na obra

Re-thinking university teaching expõe a possibilidade de haver conseqüências pedagógicas positivas dignas de serem imitadas, caso a inovação tecnológica seja empregada como apoio, como uma ferramenta a mais disponível aos estudantes. Estes, segundo a autora, devem ser cons-cientizados de que o envolvimento com os novos dispositivos eletrônicos tem como meta o aperfeiçoamento do processo de aprendizagem no qual se inserem. No entanto, se os meios tecnológicos se colocam apenas para que a instituição apregoe estar atualizada, sem qual-quer preparo dos educadores e sem a conscientização dos alunos para receberem os novos dispositivos, pouco ou nada terá a instituição para contar sobre os resultados do emprego tecnológico no ensino.

Já para Alexandre M. Rangel, coordenador executivo da ONG Sociedade Digital

(So-cid)2, a informatização das escolas, sem a capacitação dos professores, pode ser uma “faca

de dois gumes”. Os números do mapa da exclusão digital, divulgados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV, 2003), mostram que, praticamente, metade dos profissionais de educação do ensino básico no país, cerca de 48%, não tem acesso à informação digital. Para Rangel, a

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tentativa de inclusão digital sem orientação adequada, irá construir uma sociedade da infor-mação torta, sem munição contra as desigualdades e sem poder educacional. Será exatamente o que aconteceu com a comunicação, através do advento da televisão, que deveria ser um instrumento importante para a educação e cultura, mas que, de modo geral, está a serviço da opressão e da massificação.

Warschauer, cujo foco de pesquisa visa à integração das tecnologias de informação e de comunicação nas escolas, bem como o impacto das novas tecnologias na prática

lingüística e de letramento, aponta em Technology and Social Inclusion: Rethinking the Digital

Divide, os mesmos tipos de problemas em projetos de emprego de tecnologias ao redor do mundo, no âmbito não só educacional, mas em outras esferas. Segundo ele, problemas decorrentes da ineficiência na relação tecnologias da comunicação e âmbito educacional, com freqüência têm se manifestado porque na maioria de projetos nesse campo, a ênfase maior recai sempre sobre os equipamentos, (hardware e software), as máquinas e em como

provê-las. Segundo WArsChAuer (2003, p. 46), pouca ou nenhuma atenção tem sido dada

aos sistemas sociais e humanos que também precisam mudar para que a tecnologia faça diferença e impacte positivamente no indivíduo. Logo, para esse autor, “a questão chave (da exclusão digital) não é a desigualdade no acesso a computadores, mas a desigualdade nas maneiras de usar o computador”.

Já para Lévy (1996), referência básica da cibercultura, a educação em todas as suas dimensões é a grande arma a favor do emprego produtivo das novas tecnologias no âmbito

educacional. Tanto para Lévy quanto para Warschauer, os conteúdos, a linguagem, a inclusão

via letramento digital, o ensino, a estrutura comunitária e institucional formam um todo que deve ser levado em conta, caso haja o desejo de acesso produtivo às novas tecnologias. Do contrário, estamos perdendo tempo e encenando um discurso cujo objetivo é impressionar e chamar a atenção para nós mesmos.

Portanto, as mudanças nas tecnologias de informação nos abrem outras possibilida-des, mas com elas há responsabilidades e necessidades: desenvolver competências básicas para acompanhá-las. As tecnologias de informação, Internet e as conexões de banda larga estão transformando a sociedade e sem dúvida, para que a transformação seja de dentro para fora e não apenas um modismo passageiro e irrefletido, é preciso que as mudanças tecnoló-gicas causem impacto positivo e transformador na coletividade. Então, um primeiro passo seria a busca de alternativas para superar o “apartheid digital” que se mostra evidente em várias partes do mundo, não só no Brasil, conforme já apontam pesquisas de órgãos nacio-nais (IBGE, 2003). Uma segunda possibilidade envolveria a organização e o planejamento do emprego de mecanismos, atitudes e práticas necessárias para que a sociedade tire vantagem do mundo conectado e seja agente e não vítima.

Pois, segundo Lévy (1999) e Warschauer (2003) há uma imensa lacuna, uma

disparida-de entre os que se beneficiam das tecnologias disparida-de informação e os que não têm benefício al-gum. Por haver incontáveis formas de buscar informações, pensam alguns que haja também incontáveis oportunidades às quais “todos” têm acesso. Além disso, consideram estes que ao colocarem à disposição este novo mundo, muitos problemas de desigualdade e pobreza serão remediados. Entretanto, como mencionamos no terceiro parágrafo do trabalho, é provável

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que aumente a distância entre os que sabem muito e os que sabem pouco, pois os primeiros acumulam informação e têm acesso a ela com maior rapidez. Este acúmulo de informação com estruturas cada vez mais complexas parece ser uma tendência geral dos sistemas, desde as sociedades humanas até os ecossistemas. Logo, a exclusão cada vez mais evidente pode ser o resultado, ao contrário do que se esperava.

Para WArsChAuer (2003, p. 162), há pelo menos três aspectos responsáveis pela

exclu-são digital, ou pelo digital divide, conforme terminologia do autor, que têm impedido que

mui-tas sociedades tirem proveito do poder da tecnologia da informação, da Internet, e de outros recursos na educação: (1) linguagem - os que dominam a linguagem sabem identificá-la para usar a Internet e os que não a dominam; (2) letramento digital - os que sabem fazer uso do potencial da Internet e usam-na para transformar sua vida para melhor e os que não sabe; (3) acesso à Internet - os que têm acesso por terem condições financeiras e os que não têm.

Ao fazermos referência à lacuna existente, conforme Warschauer, às diferenças entre

os que têm e os que não têm acesso a computadores e à Internet, e pensarmos nas impli-cações lógicas implícitas neste discurso de poder, de “ter e não ter”, perguntamo-nos se os problemas sociais e educacionais que dão suporte a esse “apartheid digital” se resolvem sim-plesmente disponibilizando computadores, contas gratuitas na Internet ou organizações de

telecentros/infocentros3, que se acham espalhados em muitos estados do Brasil atualmente.

Além disso, esta idéia de uma divisão dicotômica entre “os que têm e os que não têm” mostra-se inadequada a uma reflexão que deseja se pautar em valores transformadores; ao contrário, ela pode ter conseqüências desastrosas, à medida que falha em avaliar os recursos sociais que os diversos grupos colocam em pauta.

O objetivo de se usar tecnologias da informação com grupos marginalizados, não deveria ser o de dominar uma situação de divisão digital, mas proceder a um processo de inclusão social; daí a importância de se enfatizar a transformação e não a tecnologia. Segun-do WArsChAuer (2003, p. 163), não há soluções digitais (computadores e telecomunicações)

sem o envolvimento de um conjunto de recursos e intervenções complexas que apóiem a inclusão social.

Cremos que a questão da exclusão/inclusão digital, seja social, seja educacional, en-contra-se em outros patamares, e as lacunas não deixarão de existir pela liberação de mais máquinas, contas gratuitas — pensar apenas nessa dimensão, nos faz cair em soluções que já

se mostraram problemáticas e insustentáveis. Pois o filósofo Lévy (1999, p. 44) nos lembra

que inclusão digital não significa premiação com equipamentos de informática, linhas de crédito ou Internet grátis. É tudo isso e muito mais. Esses devem ser meios, que somados a outros, como por exemplo, capacitação e participação da sociedade, vão se constituir numa solução; isto sim se pode chamar de inclusão digital.

Lévy acredita, por exemplo, que o Brasil não é um excluído digital do mundo

mo-derno. Para ele, os números da informatização apontados pelo IBGE no censo 2000 são animadores; para a inteligência coletiva, o principal obstáculo à participação não é a falta de computador, mas o analfabetismo e a falta de recursos culturais’’ (1999, p. 46). Entretanto, os números não condizem com a realidade prática das escolas que temos observado no inte-rior, principalmente, do estado de São Paulo; daí concluirmos que é provável que Lévy esteja

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sendo otimista em relação aos resultados do próprio IBGE. É evidente que a ‘medida’ da exclusão digital sempre vai ser muito difícil de ser estabelecida, mas a direção do esforço em favor da inclusão parece ter na escola o ponto de partida.

Entre os três aspectos responsáveis pela exclusão digital, segundo Warschauer, está a falta de conhecimento da língua inglesa: para o autor, há os que dominam a língua e sabem identificá-la e os que não a dominam, o que faz a diferença quanto ao potencial de acesso às informações disponíveis na rede.

Língua inglesa: fator de exclusão digital?

Caso consideremos a afirmação de Warschauer como verdadeira, podemos já

res-ponder afirmativamente a pergunta que dá início ao tópico. Sim, a língua inglesa é um forte fator de exclusão digital. Por que e como? Tomemos como ponto de partida as informações

estatísticas oriundas de siLvA (2002, p. 51), para quem “a falta de conhecimento da língua

inglesa tem afastado milhares de indivíduos de novidades tecnológicas e de literatura espe-cializada do mundo da informática e da tecnologia da informação em geral”. É uma espécie de exclusão digital causada pelo idioma e se configura como mais um daqueles processos que passam despercebidos, mas cujos efeitos deixam marcas profundas.

Conforme estimativa de Silva, aqueles que falam somente a língua portuguesa são excluídos de 98% do conteúdo da Internet; ou seja, um monoglota (leitor só do português) pode aproveitar apenas uma parte dos 2% do conteúdo da Internet que ainda estão divididos entre dezenas de idiomas e isso não diz respeito só ao conteúdo do mundo cibernético.

A fim de ratificar as estimativas do autor, fizemos uma busca na Internet – modalidade pesquisa avançada – no site Google (www.google.com), na área de “exclusão”, filtrada para português. Encontramos 1,6 milhões de entradas para o assunto; já no inglês “inclusion”, encontramos 63 milhões de entradas – 97% a mais.

Tais resultados indicam, primeiramente, que a falta de conhecimento de inglês nos priva-ria de acessar quase 63 milhões de entradas da Internet sobre “exclusão”. Percebe-se, com este exemplo simples, que há exclusão digital pelo idioma que se fala e esta passa despercebida por ser um processo muito rápido e silencioso. O que se sabe é que o número de sites em inglês se avoluma e chega aos milhares, ao passo que em outras línguas o progresso ocorre em velocida-de menor. O que fica evivelocida-dente é que a exclusão pela língua torna-se uma das granvelocida-des ameaças à disseminação do conhecimento hoje, porque ela impede o acesso ao espaço cibernético a um grande número da população mundial não-falante da língua inglesa.

Trazendo isso para a realidade brasileira, segundo o mapa da exclusão digital veiculado pelo IBGE (2003), os usuários de Internet brasileiros, devido à barreira lingüística, acham-se inevitavelmente em desvantagem competitiva na sua busca por informação e conhecimento via Internet; embora possamos admitir que as opções de programas de tradução disponíveis são cada vez mais numerosas, o que não deixa de ser uma boa estratégia para combater a exclusão pela linguagem e tornar a Internet uma rede verdadeiramente multilingual.

Em segundo lugar, a falta de conhecimento de inglês tem também afastado milha-res de semilha-res humanos de novidades tecnológicas e literatura especializada do mundo da

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informática e da tecnologia da informação em geral, sem contar as outras áreas e novas profissões que também requerem proficiência leitora em inglês. Há ferramentas que aju-dam bastante, mas não chegam a substituir o conhecimento da língua. Mais uma vez, é a exclusão a partir do idioma, um daqueles processos que embora imperceptíveis, têm efei-tos devastadores nos indivíduos.

Na verdade, ninguém sabe ao certo no atual estágio do desenvolvimento da Internet quais serão as conseqüências acumuladas em longo prazo dessa evidente privação de acesso devido à barreira lingüística. Temos certeza de que a linguagem é uma ferramenta tão indis-pensável quanto o são os PCs para a própria sobrevivência no ciberespaço. A prosperidade ou a pobreza no ciberespaço, seja individual seja coletivamente como nação, será determina-da, afinal, pela capacidade do indivíduo em usar a ferramenta em toda a sua potencialidade, para benefício de si mesmo.

A fim de se alcançar um nível de Internet multilingual que atenda às necessidades do usuário, em um novo sentido do termo, o uso da Web precisa ser ampliado de duas formas básicas: a primeira, expandir as bases de dados nas línguas vernáculas para se incluir informação e conhecimento de interesse, principalmente, mas não de modo ex-clusivo, em nível nacional; a segunda sugestão é que os investimentos em tecnologias de tradução sejam contínuos para que se subverta o problema lingüístico que atualmente aflige e domina o ciberespaço.

Lembremo-nos de que assim como a exclusão digital tem impedido a inclusão de pes-soas de baixa renda no ciberespaço, a exclusão lingüística igualmente pode relegar indivíduos não-falantes do inglês a usuários de baixa categoria. Importante trazermos a conclusão de

pudo (2004, p. 3), para quem “o domínio do uso do computador e da língua inglesa são

ne-cessários igualmente para minimizarmos os prejuízos ocasionados pela exclusão digital, que é justamente reflexo da exclusão social em nosso país”.

Portanto, a Internet, se bem administrada, pode ampliar o contato com a língua ingle-sa, gerar mais motivação para estudos e pesquisas e ajudar a atenuar a barreira da exclusão digital. Nesse sentido, se o aluno aprende o inglês mediante o uso dos recursos que a internet oferece, estará, conforme Pudo, aperfeiçoando as oportunidades de uso da língua alvo. Mas ao mesmo tempo, também tem oportunidade de aprimorar sua capacidade de usar o com-putador para se comunicar, amenizando a problemática da falta de letramento digital que colabora para reforçar a exclusão digital e, conseqüentemente a exclusão social.

Entretanto, ressalvemos que o computador e a Internet não têm utilidade sem apli-cativos e conteúdos que sirvam às necessidades dos alunos e que promovam algum tipo de inclusão. Para que os dispositivos eletrônicos à disposição exerçam influência positiva e pro-dutiva, é preciso que professores e alunos aprendam a utilizar esses dispositivos em benefício próprio e coletivo.

Além disso, o domínio de língua inglesa, tanto pode contribuir para a inclusão de modo geral, quanto auxiliar os indivíduos em seu processo de auto-afirmação, recuperação e afirmação da auto-estima. Paralelamente, a superação do sentimento de impotência que tão freqüentemente acomete aqueles das classes populares nos processos educativos na realidade brasileira será também uma conseqüência.

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Daí serem realmente importantes as iniciativas que contemplem, entre seus objeti-vos, o alargamento deste campo de conhecimento (tecnologias de informação e internet) a uma parcela maior da população. Que as novas tecnologias sejam postas a serviço do bem social e se transformem em ferramentas para a superação da exclusão social e digital, além de promover novas alternativas de inclusão, seja pela língua, seja pelo acesso facilitado a esse “novo” campo de conhecimento.

Pois, segundo sChWArtz (2002), exclusão não é ficarmos sem computadores, mas

é nos tornarmos incapazes de pensar, criar e organizar novas formas, mais justas e dinâ-micas, de produção e distribuição de riqueza simbólica e material. É ainda, parafraseando frAnçA (2004), nos sentirmos impossibilitados de tomarmos consciência sócio-política e

cidadã, a qual pode ser resgatada com o acesso ao universo da informação.

Notas

1 Interessante refletirmos sobre a significação de Web, como teia ou rede. O que acontece com os insetos

que se aproximam da Web aracnídea? Ficam fascinados e quando se dão conta, estão sendo devorados, exterminados. Não estamos nós, à semelhança do inseto, sendo vitimados nessa WEB, ao mesmo tem-po fascinante, mas que anestesia?

2 http://www.socid.org.br.

3 Os telecentros são espaços de uso livre que possuem entre dez e 20 computadores. Além de Internet, os

alunos têm acesso a oficinas de criação de sites, agências de notícias e projetos culturais. Esses espaços são resultado do Plano de Inclusão Digital (ou e-cidadania) da Coordenadoria do Governo Eletrônico, que faz parte da Prefeitura de São Paulo. O objetivo da coordenadoria é diminuir a exclusão social atra-vés do combate à exclusão digital, que aumenta a desigualdade entre ricos e pobres pela desigualdade tecnológica e o acesso restrito à informação. Endereços, sites e telefones dos telecentros podem ser encontrados no site: http://www.telecentros.sp.gov.br.

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