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"Eles não se incomoda de só ter branco na sala": vivências de estudantes de ações afirmativas em práticas de letramento acadêmico

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUÍSTICA

CHARLENE BEZERRA DOS SANTOS

Tese de Doutorado

"ELES NÃO SE INCOMODA DE SÓ TER BRANCO NA SALA": VIVÊNCIAS DE ESTUDANTES DE AÇÕES AFIRMATIVAS EM PRÁTICAS DE LETRAMENTO

ACADÊMICO

Florianópolis, SC 2018

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CHARLENE BEZERRA DOS SANTOS

"ELES NÃO SE INCOMODA DE SÓ TER BRANCO NA SALA": VIVÊNCIAS DE ESTUDANTES DE AÇÕES AFIRMATIVAS EM PRÁTICAS DE LETRAMENTO

ACADÊMICO

Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do Grau de Doutora em Linguística.

Orientador: Prof. Dr. Marcos Antônio Rocha Baltar

Florianópolis, SC 2018

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Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.

Bezerra, Charlene Bezerra dos Santos

"ELES NÃO SE INCOMODA DE SÓ TER BRANCO NA SALA": VIVÊNCIAS DE ESTUDANTES DE AÇÕES AFIRMATIVAS EM

PRÁTICAS DE LETRAMENTO ACADÊMICO/ Charlene Bezerra dos Santos; orientador, Marcos Antonio Rocha Baltar, 2018.

306 p.

Tese (doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina Programa de Pós-Graduação em, Florianópolis, 2018.

Inclui referências.

1. . 2. Linguística Aplicada, Letramento Acadêmico, Políticas de Ações Afirmativas, Estudos Descoloniais. I. Baltar, Marcos Antonio Rocha. II. Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em . III. Título.

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Às mulheres fortes da minha existência que fazem tudo isso fazer sentido. À minha avó, dona Sebastiana, mulher negra, parteira, cheia de luz, de pouco saber escolar e de muita sabedoria de vida; À minha mãe, Rosilda Bezerra, mulher romântica, compositora, mulher aguerrida, mulher de muitas fés, que ainda quando pouco escolarizada, fora a primeira a demonstrar o valor da leitura e a cultivar em nossa casa, a famosa “estante de livros” À minha irmã Shyrlene Bezerra, mulher gigante, uma fortaleza, pelo amor incondicional, pela vida partilhada em todos os momentos e por sua gargalhada sempre presente, que me fazia prosseguir, quando pensava em desistir.

Dedico este estudo a todos e todas que tiveram suas vidas atravessadas pelo discurso do racismo.

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AGRADECIMENTOS

O fechamento de um ciclo é sempre permeado de uma mistura de sentimentos, entre eles, quero destacar a gratidão. Foram muitas mãos estendidas para eu chegar até aqui, jamais chegaria sozinha, pois sou feita de muitas vozes, de muitos sonhos, incertezas, crenças e esperanças, esperança no amor, na vida e no humano. Há muito a agradecer. Inicialmente, a Deus, força inexplicável que me esteou inúmeras vezes.

Ao grupo de estudantes cotistas deste estudo que permitiu que eu adentrasse às suas vidas acadêmicas e partilhasse seus mundos, ensinando-me a (re)olhar os meus. Agradeço imensamente a disposição e participação de todos.

Aos membros do PIAPE, nas pessoas da coordenação e tutores do Programa, pelo apreço, confiança e disponibilidade sempre que precisei.

Aos familiares:

Minha família no Pará nunca foi apenas mãe e irmãos. Tenho sorte de vir de uma família grande em que Minha avó D. Sabá e meu avô seu Doca, tios, tias, primas e primos são presenças constantes, família que na sua condição de pouco escolarizada me incentivava e me impulsionava a estudar em todos os segmentos, e sempre acreditava que eu conseguiria. Especialmente, meus irmãos: Willian Sousa, Natasha Silva e Paulo Vitor Silva; pelas conversas sobre esporte, sobre entretenimento, sobre o nada e sobre o tudo, vocês me faziam esquecer os dramas da vida acadêmica quando eu mais carecia.

Aos professores e amigos do/no Pará que significam/ram momentos distintos e importantes nesta caminhada: Nilsa Ribeiro, Cláudio Fonseca, Áustria Brito, Eliane machado, Maura dos Anjos, Idelma Santiago, Evandro Medeiros, Maria Cristina, Flávia Lisboa e Alex Vieira, pelas leituras e conversas sobre educação e sonhos durante todos esses anos.

Aos amigos e amigas, irmãos de vida e de lutas que eu escolhi e me escolheram para seguir essa jornada, longe ou perto e para além da universidade. Adliz Santis, Ana Patrícia, Ana Júlia, Auricélia Saraiva, Camila Farias, Cristina Medeiros, Elenara Ribeiro, Érica Faustino, Ezra Nhampoca, Gelsivan Nunes, Georgetown Pinheiro, Hellen Melo, Isabel Costa, Janaina Justino, Joari Procópio, Júlia Martins, Karoline Pimentel, Kelly Scharf, Leia Souza, Loide Souza, Luciene Sousa, Madalena Lira, Marcela Langa, Marcia Carvalho, Marina Casaril, Myrna Avalos, Odete

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Alencar, Perla Lima, Raimunda Gomes, Robson Caetano, Rita Margotti, Samara Cunha, Sara Lima, Silvia Barros, Tarissa Stern e Vanessa Arlésia.

À Didi, recém presença na fase final desse trabalho, agradeço a leitura paciente e atenciosa desse texto.

Aos amigos que acompanharam mais de perto as vivências da vida de doutoranda:

Ao Carlos Borges, minha primeira acolhida em Florianópolis, pelos momentos de risadas e partilhas acadêmicas.

À Carolina Zarth, pelas trocas e discussões, pelos cafés e pelos tragos, obrigada por cruzar em minha vida na ilha da magia.

Ao Raphael Benemann, pelas contribuições nesse trabalho e pela companhia em dado momento.

À Tatiana Mendes, por me fazer grande quando eu precisava por trazer magia à minha vida, por compartilhar o seu feminismo poético, mulher de muitas faces e muitas vozes, moldada de muito brilhantismo e ternura.

À Vânia Maria, minha amiga paraense, de longa data, de muitas narrativas, pessoa simples, bela e forte, que sempre me ouviu noite a dentro, pelos brindes, pela nossa história de parcerias infindáveis e pelo caminhar como irmãs.

Ao Éderson Silveira, amigo gaúcho, sempre solícito e prestativo, por trazer poesia e filosofia às práticas universitárias, sua presença em minha vida tornou os dias na ilha mais felizes.

À Christiane Dias, amiga mineira, companheira das lutas políticas, dos compartilhamentos acadêmicos, das vontades de mudar o mundo e a universidade, das idas às praias, dos cafés e pão de queijo, do guaca mole e das tequilas, comemorações necessárias. Você fez a vida no Sul menos dolorosa.

À Danielle Sousa, grande amiga maranhense, mulher forte, decidida, “compa” para todas as horas, partilhamos lágrimas, sorrisos, celebrações, desesperos, vontades, momentos de comilanças e muito amor, muito amor pela pesquisa, pelas crenças e principalmente pelo ser humano. Obrigada pelas concordâncias e discordâncias. Você fez esse percurso mais solidário.

À Simone Valentini, pela disponibilidade sempre que precisei. Ao professor Baltar, orientador desta tese, pelo acolhimento afetuoso na UFSC durante todos esses anos, por compreender meu processo de doutoramento, refletindo junto comigo sobre as práticas de minha escrita e reescrita na universidade. Pelas longas conversas sobre a

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política no Brasil, e principalmente por tornar a vida acadêmica mais humana.

À professora Angela Kleiman, pelo rigor, pela partilha e apontamentos essenciais no início deste trabalho, meu muito obrigada.

Aos professores que estiveram na banca de qualificação, professoras Mary Elizabeth, pelo compromisso com a ciência da linguagem, pela leitura rigorosa e humanidade na pesquisa, à Joana Passos pelo alargamento das questões sociológicas desse estudo e disponibilidade em dialogar com minhas proposições, à Luanda Sito, pesquisadora da linguagem e ativista social, por despertar em mim a possibilidade de unir linguagem e resistências no diálogo circundante entre leitura e escrita na academia, ao professor Nildo Ouriques por me questionar, problematizar e instigar a entender o universo da universidade brasileira.

Aos professores Daniel Silva, Marcelo Tragtenberg e Rosângela Pedralli, por aceitarem o convite e se disporem a dialogar com esta pesquisa.

Ao professor César Rossatto, meu orientador no PDSE, que não mediu esforços para tornar realidade a minha ida à sua universidade, suas lutas, suas experiências, suas histórias partilhadas fizeram daquele momento de estudo e de vida, uma vivência singular. Muito obrigada.

A todos os professores do Programa de Pós-graduação em Linguística, com os quais compartilhei diferentes aprendizagens.

Aos funcionários do Programa de Pós-graduação em Linguística, Evelise Santos e Lucas Cidade, pela presteza e profissionalismo com que sempre me atenderam.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, pela bolsa de doutorado concedida, que possibilitou a realização desta pesquisa.

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Os ninguéns

Os filhos de ninguém, os donos de nada. Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:

Que não são, embora sejam. Que não falam idiomas, falam dialetos.

Que não praticam religiões, praticam superstições. Que não fazem arte, fazem artesanato.

Que não são seres humanos, são recursos humanos.

Que não tem cultura, têm folclore. Que não têm cara, têm braços. Que não têm nome, têm número.

Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.

Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.

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RESUMO

O presente estudo analisa as vivências em práticas de letramento acadêmico, de estudantes advindos de grupos minoritarizados, que adentraram ao ensino superior via as políticas de ações afirmativas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Tais vivências foram construídas a partir de minha inserção no Programa Institucional de Apoio Pedagógico ao Estudante (PIAPE), em 2014/1 a 2017/1, como tutora de linguagem, na oferta de cursos de Leitura e Produção Textual Acadêmica (LPTA) para alunos de graduação da instituição supracitada. Objetivou-se com a pesquisa entender as reverberações do PIAPE na UFSC, somado ao momento recente de implantação do sistema de políticas de cotas na universidade pública brasileira, bem como a problematizar a compreensão das práticas de letramento próprias desta esfera universitária, além das representações sobre os eventos de letramento e os significados distintos que assumem para o estudante cotista indígena, negro e branco. O aporte teórico se concentrou na redemocratização da instituição universidade e as políticas de expansão do ensino superior nas últimas décadas, admitindo a necessidade de novas epistemologias para a universidade plural e necessária a se (re)construir, interferindo assim em suas práticas de escrita no universo acadêmico. Optou-se por um paradigma qualitativo-interpreativista de pesquisa ancorado nos subsídios teóricos da Linguística Aplicada, a qual implementa uma agenda política transformadora/intervencionista e ética (FABRÍCIO, 2006) no trabalho com a linguagem. Os dados gerados na pesquisa interpretados à luz de pressupostos teóricos dos estudos do letramento (STREET, 1984) pautaram o olhar situado e analítico dirigido às práticas de escritas do indivíduo em seus contextos de interação. Nesse sentido, verificou-se que o processo de democratização da universidade na experiência universitária dos alunos cotistas conclama que políticas de permanência se deem concatenando implementações materiais e pedagógicas. Além disso, o PIAPE, na sua relação com a linguagem, é um programa que constitui intersecções entre os letramentos locais e globais, admitindo às práticas acadêmicas reflexões sobre a escrita, enquanto sistema simbólico e tecnológico, empregado em contextos específicos, para objetivos específicos (KLEIMAN, 1995).

Palavras-Chave: PIAPE. Ações Afirmativas da UFSC. Letramento acadêmico. Democratização do Ensino Superior. Universidade.

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ABSTRACT

The present study analyzes the experiences in academic literacy practices of students coming from minority groups, who entered higher education through the affirmative action policies of the Federal University of Santa Catarina (UFSC). These experiences have been gathered since my admission to the Institutional Program of Pedagogical Support for Students (PIAPE, acronym in Portuguese) from 01/2014 to 01/2017, as a language tutor, offering courses on Reading and Academic Text Production (LPTA, acronym in Portuguese) for undergraduate students of the institution above. We aimed to understand the impact of PIAPE on UFSC, in addition to the recent implementation of the "quotas policy" system in Brazilian public universities. We also sought to problematize the understanding of literacy practices within the university sphere, the representations of literacy events, and the different meanings they have for indigenous, black and white "quota students". Our theoretical contribution focused on the redemocratization of the university institution, and on policies for the expansion of higher education implemented over the last decades. It assumes that new epistemologies are necessary for the plural university that needs to be (re)built, thus interfering with the writing practices within the academic world. We opted for a qualitative-interpretative research paradigm, anchored in the theoretical subsidies of Applied Linguistics, which implements a transformative/interventionist and ethical political agenda (FABRÍCIO, 2006) when working with language. The data generated by the research were interpreted in light of the theoretical assumptions of literacy studies (STREET, 1984), guiding a situated and analytical approach aimed at the writing practices of individuals in their interaction contexts. In this regard, it was found that the process of democratization of the university, according to the academic experience of quota students, calls for permanency policies that combine material and pedagogical support. Therefore, the PIAPE, in its relationship with language, as a program that establishes intersections between local and global literacies. The program also brings into academic practices reflections on writing as a symbolic and technological system, used in specific contexts, for specific purposes (KLEIMAN, 1995).

Keywords: PIAPE. UFSC’s Affirmative Action. Academic Literacy. Democratization of Higher Education. University.

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RESUMEN

El presente estudio analiza las vivencias en prácticas de literacidad académica de estudiantes provenientes de grupos minorizados, que ingresaron a la enseñanza superior por medio de las políticas de acciones afirmativas de la Universidad Federal de Santa Catarina (UFSC). Estas experiencias se construyeron a partir de la inserción en el Programa Institucional de Apoyo Pedagógico al Estudiante (PIAPE), en 2014/1 hasta 2017/1 como tutora de lenguaje, la oferta de cursos de Lectura y Producción Textual Académica (LPTA) a alumnos de grado de la institución. Objetiva con la investigación entender las reverberaciones del PIAPE en UFSC, sumado al momento reciente de la utilización del sistema de políticas de cuotas en la universidad pública brasileña, así como a problematizar la comprensión de las prácticas de literacidad inherentes a la esfera universitaria, además de las representaciones sobre los eventos de literacidad y los significados distintos que se asume al estudiante cuotista indígena, negro y blanco. Centramos teóricamente en los aspectos de la redemocratización de la institución universidad y las políticas de expansión de la enseñanza superior en las últimas décadas, interfiriendo, por tanto, en sus prácticas de escritura en el universo académico. Optamos por um paradigma cualitativo-interpretativista de investigación ancorado en los subsidios teóricos de la Lingüística Aplicada, a la que se implementa una agenda política transformadora/intervencionista y ética (FABRÍCIO, 2006) en el trabajo con lenguaje. Los datos generados en la investigación interpretados a la luz de presupuestos teóricos de los estudios de literacidad (STREET, 1984) pautaron la mirada situada y analítica dirigida hacia prácticas de escrituras del individuo en sus contextos de interacción. En este sentido, se ha verificado que el proceso de democratización de la universidad en la experiencia universitaria de los alumnos cuotistas evidencia las prácticas racistas de esta institución, así como reclama que políticas de permanencia se suministren concatenando implementaciones materiales y pedagógicas. Además, el PIAPE, en su relación con el lenguaje, como programa que constituye intersecciones entre las literacidades locales y globales, admitiendo a las prácticas académicas reflexiones sobre la escritura, en cuanto a sistema simbólico y tecnológico, empleada en contextos específicos, para objetivos específicos (KLEIMAN, 1995).

Palabras-Clave: PIAPE. Acciones Afirmativas de UFSC. Literacidad académica. Democratización de la Enseñanza Superior. Universidad

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES LISTA DE FOTOGRAFIA

Fotografia 1 – Solenidade de criação da UFSC ... 103

LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Conteúdos propostos por grupo de docente da UFSC ... 114

Quadro 2 – Universidades criadas entre 2008 e 2012 ... 132

Quadro 3 – Universidades criadas entre 2012 e 2014 ... 132

Quadro 4 – Organização retórica da Resenha ... 235

LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Número de alunos de graduação presenciais e taxas de crescimento entre 1994-2007 (governos do PSDB e PT) ... 124

Tabela 2 – Expansão de indicadores acadêmicos na educação superior - universidades federais – por região ... 131

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS Ambiente virtual de ensino e aprendizagem - AVEA Associação Brasileira de Pesquisadores Negros- ABPN

Associação Nacional dos Docentes de Ensino Superior -ANDES Campus de Curitibanos- CTB

Campus de Joinville -JLE

Centro de Ciências da Educação – CED Centro de Ciências da Saúde- CCS Centro de Ciências Agrárias- CCA

Centro de Comunicação e Expressão – CCE Centro de Filosofia e Ciências Humanas – CFH Centro Sócio Econômico –CSE

Centro Tecnológico- CTC Centro de Estudos Básicos- CEB Colégio de Aplicação -CA

Conselho Nacional de Educação -CNE

Coordenadoria de Avaliação e Apoio Pedagógico - CAAP Departamento de Assuntos Universitários – DAU

Departamento de Administração Escolar- DAE

Departamento de Língua e Literatura Estrangeira -DLLE Departamento de Língua e Literatura Vernáculas -DLLV Diretoria de Políticas e Programas de Graduação -DIPES Diretório Central dos Estudantes -DCE

Ensino Médio -EM

Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina -FIESC Fernando Henrique Cardoso -FHC

Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária -FAPEU Fundação de Apoio à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina –FAPESC

Fundo das Nações Unidas para a Infância –UNICEF Fundo de Financiamento Estudantil -FIES

Departamento de Segurança da Universidade -DESEG Grupo de Trabalho –GT

Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional -INAF Índice de Preços ao Consumidor Amplo-IPCA Instituições Federais de Ensino Superior -IFES Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística -IBGE Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada -IPEA Ku Klux Klan -KKK

Leitura e Escrita na Universidade -LEU Leitura e Produção Textual Acadêmica -LPTA

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Populações de Lésbicas Gays Bissexuais e Transexuais -LGBT Projeto Político Pedagógico-PPP

Linguística Aplicada -LA

Ministério de Educação e Cultura -MEC Movimentos Retóricos –MR

Núcleo de Desenvolvimento Infantil (NDI)

Núcleo de Estudos de Linguística Aplicada -NELA Organização das Nações Unidas -ONU

Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura -UNESCO

Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico – OCDE

Organização Internacional do Trabalho -OIT Organização Social e Política do Brasil – OSPB Partido Democratas -DEM

Partido Democrático Cristão -PDC Partido do Trabalhadores -PT

Partido Social Democracia Brasileira -PSDB

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios -PNAD Plano Nacional de Educação -PNE

Políticas de Ações Afirmativas -PAAs Pró Reitoria de Graduação -PROGRAD Programa de Bolsa Permanência – PBP Programa de Educação Tutorial -PET

Programa de Expansão e Reestruturação das Universidades Federais- REUNI

Programa de Formação Continuada de Professores Universitários – PROFOR

Programa de Pós-Graduação de Linguística -PPGL

Programa Institucional de Apoio Pedagógico ao Estudante -PIAPE Programa Nacional de Assistência Estudantil -PNAES Programa Universidade Para Todos – PROUNI Pró Reitoria de Assuntos Estudantis –PRAE

Restaurante Universitário -RU Santa Catarina -SC

Secretaria de Educação Superior- SESU

Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial -SEPPIR

Semana de Ensino Pesquisa e Extensão da universidade -SEPEX Superior Tribunal Federal -STF

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Terra Indígena -TI

Trabalho de Conclusão de Curso -TCC União Nacional dos Estudantes- UNE

Universidade do Sul de Santa Catarina -UNISUL Universidade Federal de Alagoas -UFAL Universidade Federal de Santa Catarina -UFSC

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SUMÁRIO

CAPITULO 1: INTRODUÇÃO ... 31 1.1 OBJETIVO GERAL ... 40 1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ... 41 1.3 A PESQUISADORA: MAIS UM OUTRO NA INTERAÇÃO SITUADA ... 42 2 CAPITULO: ESTUDOS SOBRE LETRAMENTOS: UM CAMPO TRANSDICIPLINAR ... 45 2.1 PAULO FREIRE: A PEDAGOGIA CRÍTICA E OS ESTUDOS DO LETRAMENTO ... 45 2.1.1 Os estudos do letramento e os desdobramentos no cenário mundial... 49 2.2 OS MODELOS AUTÔNOMO E IDEOLÓGICO E AS PRÁTICAS E EVENTOS DE LETRAMENTO ... 51 2.3 LETRAMENTO ACADÊMICO E SEUS DESDOBRAMENTOS 56 2.3.1 As diferentes ancoragens epistêmicas dos estudos do letramento acadêmico ... 59 2.3.2 Entre letramentos locais e dominantes ... 65 2.4 LETRAMENTOS DOMINANTES E A INSERÇÃO DO ESTUDANTE COTISTA NAS PRÁTICAS ACADÊMICAS DA UNIVERSIDADE ... 68 2.4.1 Acesso, disponibilidade e apropriação nas/das práticas de letramento acadêmico ... 72 2.5 O TEXTO ACADÊMICO E SUA RELAÇÃO COM AS TEORIAS DE GÊNEROS TEXTUAIS/DISCURSIVOS ... 74 2.5.1 A valoração da escrita na sociedade ... 74 2.5.2 Teorias sobre texto e gênero ... 76 2.5.3 Os gêneros discursivos ... 78 CAPITULO 3: PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA ... 83 3.1 O CAMPO DA LINGUÍSTICA APLICADA ... 83 3.2 DELINEAMENTOS ÉTICOS DA PESQUISA EM LINGUÍSTICA APLICADA ... 86

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3.3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS DE GERAÇÃO DE DADOS E INSTRUMENTOS DA PESQUISA EM LINGUÍSTICA APLICADA ... 88 3.4 PARTICIPANTES DO ESTUDO ... 90 3.4.1 Coordenação ... 91 3.4.2 Tutores de linguagem ... 91 3.4.3 Alunos de ações afirmativas ... 92 CAPITULO 4: O ENSINO SUPERIOR NO BRASIL ... 95 4.1 PERÍODO DE REDEMOCRATIZAÇÃO NA UNIVERSIDADE BRASILEIRA ... 98 4.2 A UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA: TRAJETÓRIA, AÇÕES E DESAFIOS ... 101 4.2.1 A fundação da UFSC e a construção do campus da Trindade ... 105 4.2.2 A Ditadura Militar e a Universidade Federal de Santa Catarina ... 106 4.2.3 As reverberações do pós-golpe militar na Universidade Federal de Santa Catarina ... 109 4.2.4 As reformas de reestruturação e o vestibular na UFSC ... 112 4.2.5 Infraestrutura e a organização dos Campi ... 118 4.3 AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE EDUCAÇÃO NOS GOVERNOS DEMOCRÁTICOS 1995-2014 ... 120 4.3.1 As políticas públicas do governo do Partido Social Democracia Brasileira (PSDB) ... 121 4.3.2 As políticas públicas do governo do Partido dos Trabalhadores (PT) ... 123 4.3.3 A principal expansão do ensino superior brasileiro ... 126 CAPITULO 5: UNIVERSDADE: ELISTIMO, TEORIAS DESCOLONIAIS E OS IMPACTOS DAS POLÍTICAS DE AÇÕES AFIRMATIVAS ... 137 5.1 OS ESTUDOS DESCOLONIAIS COMO POSSIBILIDADE DE UMA OUTRA EPISTEMOLOGIA A (RE)ORIENTAR UMA OUTRA UNIVERSIDADE ... 139 5.1.1 Subalternização e Ensino Superior ... 144

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5.2. RAÇA, RACISMO E BRANQUITUDE: ASPECTOS INTERCAMBIÁVEIS NA UNIVERSIDADE ... 146 5.2.1 Os Estudos Críticos da Branquitude ... 148 5.2.2 Racismo: uma prática histórica ... 151 5.3 AÇÕES AFIRMATIVAS DA UFSC: IMPLANTAÇÃO, ACESSO E PERMANÊNCIA ... 155 5.4 OS EVENTOS E DEBATES SOBRE AÇÕES AFIRMATIVAS NA UFSC 2014-2017 ... 159 5.5 OS PROGRAMAS DE APOIO À APRENDIZAGEM DA UFSC ... 163 5.5.1 PIAPE: configurações de uma política institucional de permanência da UFSC ... 168 5.5.2 Trajetória e Implantação do PIAPE ... 169 5.5.3 Seleção de Tutores e Formação das Turmas do PIAPE ... 171 5.5.4 Formação Continuada dos Tutores de Linguagem ... 175 5.5.5 Estudantes: ingresso, divulgação e organização metodológica do PIAPE... 178 5.5.6 Coordenação do PIAPE ... 182 5.5.7 Tutores de Linguagem do PIAPE ... 183 5.5.8 Os alunos de ações afirmativas no PIAPE ... 183 CAPITULO 6: VIDAS TECIDAS EM NARRATIVAS E ESCRITAS UNIVERSITÁRIAS ... 187 6.1 AS TRAJETÓRIAS DE LETRAMENTOS ANTERIORES À UNIVERSIDADE ... 188 6.1.1 Primeiras experiências com a leitura ... 188 6.1.2 Práticas culturais situadas de leitura e escrita na esfera familiar ... 191 6.2 AÇÕES AFIRMATIVAS E A ENTRADA NA UNIVERSIDADE ... 194 6.3 AS PRÁTICAS DE ESCRITA E LEITURA DA ESFERA ACADÊMICA E OS IMPACTOS DOS LETRAMENTOS DOMINANTES ... 201 6.3.1 Professor universitário: um outro mediando ou não as práticas de letramentos ... 208

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6.4 O PIAPE UM EVENTO DE LETRAMENTO DA UNIVERSIDADE ... 214 6.4.1 Representações do PIAPE e sua funcionalidade na UFSC ... 214 6.4.2 PIAPE: Contexto de produção e práticas de escritas dos gêneros discursivos em análise ... 221 6.4.3 Percepções de (re)escrita dos gêneros discursivos Resumo e Resenha ... 224 6.5 RODA DE CONVERSA: UNIVERSIDADE ENQUANTO LUGAR DE MOVÊNCIAS ... 247 6.5.1 PIAPE: Avaliação e sua representação para os alunos cotistas ... 248 6.5.2 As práticas sociais e a vida cultural dentro e fora da universidade... 250 6.5.3 Os usos sociais da leitura e da escrita para além da universidade... 253 6.5.4 A vida na cidade letrada: as práticas institucionais da universidade... 255 6.5.5 Questões de racialidade: conotações entre cotas sociais e raciais ... 259 CAPITULO 7: CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 267 REFERÊNCIAS ... 279 ANEXOS ... 303 ANEXO A – Normas de Transcrição ... 303 ANEXO B – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) ... 305 ANEXO C – Roteiro de Entrevistas... 307

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CAPITULO 1: INTRODUÇÃO

Me entristece o quanto fomos deixando de escutar. Deixamos de escutar as vozes que são diferentes, os silêncios que são diversos. E deixamos de escutar não porque nos rodeasse o silêncio, mas porque ficamos surdos pelo excesso de palavras (MIA COUTO).

Neste estudo, propomos uma investigação sobre práticas de letramento na Academia que provoquem algumas respostas à inquietação advinda de diferentes lugares: a formação de professores de linguagens em áreas campesinas, com base em minha experiência como membro ativo da educação para os povos minoritarizados1, e, notadamente no Programa Institucional de Apoio Pedagógico ao Estudante (PIAPE2), em que atuei, de 2014/1 a 2017/1, como tutora de

Leitura e Produção Textual Acadêmica (LPTA), para alunos de graduação ingressantes na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O objetivo do programa é:

Desenvolver ações de apoio pedagógico que favoreçam a permanência e a qualidade dos processos de formação dos estudantes nos cursos de graduação da UFSC, proporcionando-lhes condições pedagógicas que atendam suas necessidades de aprendizagem. (UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA, 2013, p. 11).

1 O termo aqui usado carrega concepções ideológicas e políticas e se

assenta no sentido atribuído por Cavalcanti e César (2007, p. 45), referindo-se às “populações que estão distantes das fontes de poder hegemônico, embora, algumas vezes, numericamente sejam majoritárias em relação à sociedade ou grupo dominantes”.

2 O PIAPE sempre esteve vinculado à Pró-Reitoria de Graduação

(PROGRAD) da UFSC. Viabilizado por meio de contrato com a Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária (FAPEU), e de acordo com sua coordenação é considerado um Programa de Extensão (Notas de campo/anotações da pesquisadora em reuniões do PIAPE).

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Além desse objetivo, segundo Ana3, a coordenadora do PIAPE, esse nasce com a intenção de auxiliar os ingressantes a compreender a universidade, o excerto abaixo traz a refração de tal compreensão:

Pesquisadora: Eu queria que você comentasse um pouco... sobre a necessidade da criação do apoio pedagógico néh... em que momento ela se deu... em que momento ela foi necessária?4

Ana. Isso tudo começou lá em dois mil e treze... quando nós::... nos demos conta que a gente tinha que:: --de alguma forma-- éh... a PROGRAD tinha que se envolver na permanência dos:: dos estudantes também néh... isso era muito... ficava muito a cargo da... da (PRAE) e a gente achou que a gente tinha que começar a se mexer também... então tem aquela::... aquela resolução do (PNAES) que cita... só cita assim... que a gente tem pouquíssimas resoluções... a nível nacional... que falam de::... apoio pedagógico néh... então tem aquela que cita que a gente tem que oferecer o apoio pedagógico... a partir dali... a gente resolveu então começar a trabalhar com os alunos... a princípio aqueles das primeiras fases néh... pra::... pra ajudá-los na:: na compreensão de como funciona até a... a universidade...a gente começou a trabalhar com os alunos primeiro das primeiras fases... e depois a gente acabou... abrindo pro resto...

Buscando entender as reverberações desse programa na UFSC, somado ao momento recente de implantação das Políticas de Ações Afirmativas (PAAs)5 em universidades brasileiras, traçamos, para esta

3 Esta pesquisa foi submetida ao Conselho de Ética da UFSC e

aprovada sob o registro CAAE: 55525216.8.0000.0121, podendo ser acessado em: <http://plataformabrasil.saude.gov.br/UFSC>. No teor do documento, garantimos que os nomes verdadeiros dos participantes não seriam revelados, em seu lugar usaríamos nomes fictícios. Portanto, Ana (coordenadora) e todos os demais nomes dos participantes, assim os são.

4 Todas as transcrições das entrevistas individuais e coletivas são

baseadas no modelo proposto por Preti (1993) para normas de transcrição de entrevistas gravadas.

5 As ações afirmativas se definem como políticas públicas (e

privadas) voltadas à concretização do princípio constitucional da igualdade

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tese, um percurso que dialogue com o período pós implementação das ações afirmativas nesta universidade da região sul do Brasil, majoritariamente branca e com características que reforçam o branqueamento e a invisibilidade de outros grupos, tais como os negros e os indígenas presentes e originários, também da região sul do país. Como advoga Carvalho (2006), nenhum estado brasileiro é exclusivamente branco, todavia, o apagamento intencional de alguns povos cria a sensação de uma branquidão universal. Além disso, “a estabilidade da superioridade branca, na educação, nunca foi antes confrontada por ações parecidas. Com a implementação das ações afirmativas inicia-se uma desestabilização do poderio branco no país” (ROSSATTO, 2014, p. 127).

Nessa direção, propomos em nossa pesquisa atentar para as reverberações da oferta do apoio pedagógico na universidade, especificamente para a comunidade discente que frequentou os cursos de linguagem do PIAPE no período de 2014 a 2017, vivenciando as práticas de letramento atinentes a esse programa.

Problematizamos a compreensão das práticas de letramento próprias da esfera universitária, bem como as representações6 sobre os eventos de letramento e os significados que assumem para os estudantes advindos de minorias linguísticas, lembrando que consideramos como material e à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional e de compleição física (GOMES, 2007, p. 51). As vagas reservadas às cotas (50% do total de vagas da instituição) serão subdivididas — metade para estudantes de escolas públicas com renda familiar bruta igual ou inferior a um salário mínimo e meio per capita e metade para estudantes de escolas públicas com renda familiar superior a um salário mínimo e meio. Em ambos os casos, também se leva em conta o percentual mínimo correspondente ao da soma de pretos, pardos e indígenas no estado, de acordo com o último censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As cotas raciais são a reserva de vagas em instituições públicas ou privadas para grupos específicos classificados por etnia, na maioria das vezes, negros e indígenas (BRASIL, 2012, p. 1). Além disso, estamos entendendo como momento recente de implementação das PAAs, o correspondente a 2007-2017

6 Todas as vezes que nos reportarmos a esse conceito, fazemo-lo a

partir do postulado por Moscovici (2003, p. 41), cuja elaboração centra-se nas “relações sociais que estabelecemos no cotidiano. A representação é, ao mesmo tempo, o produto e o processo de uma atividade mental pela qual um indivíduo ou um grupo reconstitui o real, confrontando e atribuindo uma significação específica”.

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minorias, de acordo com Cavalcanti e César (2007), grupos que na maioria das vezes, em termos de quantidade, ultrapassam a dita maioria. Uma amostra que confirma o defendido pelas autoras figura na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2014, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a qual divulgou que 53% dos brasileiros se declararam pardos ou negros. Como demonstrado na pesquisa, e destacado por Cavalcanti e César (2007), embora em termos numéricos sejam maioria – em determinados espaços de poder, a universidade é um deles –, a chamada maioria ainda é ou mantem-se minoritária, ou seja, distantes das fontes de poder (CAVALCANTI; CÉSAR, 2007).

Dito isto, reiteramos que nosso elo principal com as políticas de cotas é o PIAPE. E para o desenvolvimento dessa pesquisa são realizados três movimentos iniciais:

i) entrevistas individuais com coordenação, tutores de linguagem e alunos cotistas do PIAPE;

ii) análise de textos produzidos nas atividades de LPTA do PIAPE vivenciadas pelos alunos, participantes deste estudo;

iii) e entrevistas coletivas denominadas “roda de conversas”, as quais podem indiciar mudanças, dissonâncias e consonâncias decorrentes da implantação das ações afirmativas na UFSC.

A investigação científica está sempre embasada em uma corrente epistemológica, teórica e metodológica que ampara o pesquisador. O nosso olhar está guiado pelas lentes da Linguística Aplicada (Doravante LA). Umas das principais razões dessa escolha é o diálogo estreito que a pesquisa em LA estabelece efetivamente com as múltiplas áreas do conhecimento: Antropologia, Educação, Sociologia, Psicologia, entre outras.

Importa saber que a LA, como área de investigação, começa no final de 1960 no Brasil de forma mais institucionalizada (MOITA-LOPES, 2013), tornando-se um campo consolidado de pesquisa, cujo foco se centra nas relações que o sujeito estabelece com a língua(gem). Para Moita-Lopes (2013, p. 16-17), “tradicionalmente a pesquisa modernista apagou o sujeito social na produção de um conhecimento positivista, objetivista e quantificável, o qual somente com tal apagamento se tornava possível investigar”.

Na LA, propositadamente, os novos paradigmas colocam o sujeito como crucial em sua subjetividade e intersubjetividade:

Pensar produção do conhecimento e política ao mesmo tempo talvez seja ainda uma grande

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incongruência para aqueles que operam com a ideia positivista de que o pesquisador está separado do conhecimento que produz e está, como tal, à procura da verdade. (MOITA-LOPES, 2013, p. 233)

Assim, discutir as políticas públicas de acesso e permanência para grupos sociais minoritarizados da Universidade Federal de Santa Catarina torna-se relevante, devido aos novos impactos e transformações que essas políticas têm propiciado à universidade brasileira e aos sujeitos que por meio dela vêm ingressando. Defendemos nesta pesquisa, uma LA crítica, tal qual nas palavras de Kleiman (2013, p. 41):

Uma Linguística Aplicada crítica com uma agenda que, em consonância com sua vocação metodológica interventiva, rompa o monopólio do saber das universidades e outras instituições que reúnem grupos de pesquisadores e intelectuais e toma como um de seus objetivos a elaboração de currículos que favoreçam, por um lado, a apropriação desses saberes por grupos na periferia dos centros hegemônicos e, por outro a legitimação dos saberes produzidos por esses grupos.

A afirmação acima propicia problematizar as formas de disseminação do conhecimento nas universidades, que admitem hoje públicos heterogêneos, advindos do centro e da periferia7, e têm nas

políticas de cotas a possibilidade de inserção efetiva dos grupos minoritarizados e, por ventura, questionar o denominado centro e suas margens em relação à produção do saber nos espaços institucionalizados.

No que concerne ao debate sobre a educação superior no Brasil, ancoramo-nos em estudos dos campos da História, Sociologia, Antropologia e Educação. Primeiramente, abordamos estudos do campo do letramento que tratam do tema das práticas culturais de uso da leitura e da escrita no espaço acadêmico, como proposto em Sito (2016); Bragança (2015); Morelo (2014); Dilli (2013) e Gonçalves (2012), que contribuem para (re)pensar as bases epistemológicas de uma (nova)

7 No quinto capítulo tecemos considerações acerca dos conceitos

centro e periferia subjugados aos contextos epistemológicos de Norte e Sul,

respectivamente, em uma dimensão construída por Dussel (1997).

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universidade. Em seguida, concentramo-nos nos aspectos da redemocratização da instituição universidade, intercalando as políticas de expansão do ensino superior nas últimas décadas e a criação da UFSC, reportando-nos a Silva (2000); Cerqueira e Santos (2009); Ribeiro (1969); Cunha (1989); Pinto (1994); Fávero (2006); Rampinelli e Ouriques (2011).

E também, consideramos o elitismo da universidade e o contraponto com as políticas educacionais que impulsionam a democratização do ensino superior, bem como a inserção de grupos sociais que historicamente tiveram seus direitos de acesso à educação negados, a partir de Carvalho (2006); Santos (2011); Santos e Meneses (2010); Aguilera-Urquiza (2014), Passos e Scherer- Warren (2014); Passos (2015), entre outros.

Discutir a perspectiva da diversidade cultural torna-se necessário, a partir do recebimento de populações tão plurais, pois, segundo Aguilera-Urquiza (2014, p. 144):

[...] a diversidade cultural torna-se direito básico, não apenas de pessoas, mas de coletividades, estamos afirmando que a diversidade é um elemento fundamental dos direitos humanos. Sintomaticamente, nos últimos anos a ONU e outros organismos internacionais vêm colocando esta temática na pauta de suas discussões, como por exemplo, a Convenção 169 da OIT/1984 (Organização Internacional do Trabalho), e a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas/2007, ressaltando o direito à diversidade e, em especial à educação superior. As palavras acima reforçam o desejo de centrarmos o olhar nas coletividades de grupos (indígenas, negros e egressos da escola pública), com o intuito de identificar as trajetórias de letramentos desses sujeitos. Para isso, o estudo do letramento acadêmico é significativo na discussão de uma universidade, pois nos permite considerar as concepções de língua(gem) que entrelaçam a vida do discente antes mesmo de ele entrar na universidade.

O conceito de letramento(s), portanto, é fulcral para este estudo e, em capítulo específico, desenvolvemos esse tema com mais minúcia, dialogando com autores como Freire (1974[2015]); Freire e Macedo (1987[2013]); Kleiman (1995; 2008); Ribeiro (2003; 2015); Street (1984; 2014), Barton e Hamilton (1998), entre outros.

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Trazemos também para esse estudo a discussão sobre letramento acadêmico, considerando as contribuições de Fischer (2007); Marinho (2010); Fiad (2011); Mossmann (2014); Sito (2016); Lea e Street (1998); Lillis e Scott (2003); Kalman (2003; 2004) e Zavala (2004; 2010); entre outros. Além disso, discutimos a questão dos gêneros discursivos na esfera acadêmica trabalhados no PIAPE, à luz de Bakhtin (2003; 2004); Baltar (2003; 2009); Baltar, Cerutti-Rizzatti e Zandomenego (2011), Bonini e Figueiredo (2010), entre outros.

Justifica-se reafirmar, os estudos do letramento que investigam os usos da escrita por grupos minoritarizados necessariamente nos levam ao exercício da compreensão acerca do que a modalidade escrita da língua representa para grupos de entornos vulneráveis diversos (CERUTTI- RIZZATTI; ALMEIDA, 2013).

Quando a ciência investiga esses usos para as populações dos entornos vulneráveis, alargam-se as dimensões e sentidos atribuídos à escrita em contextos situados. A discussão sobre letramento acadêmico se intensificou no Brasil, segundo Silva (2014), no contexto da expansão da educação superior. Expansão essa iniciada com a política pública do REUNI, fundamentada pela política de ações afirmativas, somada à expansão do ensino e criação de novas universidades no Brasil. As pesquisas que descrevemos sucintamente a seguir apresentam estudos com sujeitos que vivenciaram a universidade direta ou indiretamente entre 2005 a 2015 e demonstram o quanto ainda se faz necessário fazer pesquisas que se ocupem das práticas de letramento acadêmico.

Em consonância com a política de expansão do ensino superior estão os trabalhos que discutem o uso da escrita em contextos acadêmicos dos novos grupos que adentram a universidade e que carregam formas distintas de lidar com a escrita e leitura. O estudo de Marinho (2010) demonstrou os modos de operar com a escrita na elaboração dos gêneros acadêmicos de grupos pertencentes à educação do campo em Minas Gerais, com enfoque na formação de professores campesinos e na estruturação das licenciaturas em educação do campo, política de abrangência nacional.

Já Mossmann (2014) investigou o fenômeno do letramento na esfera acadêmica, apresentando como delimitação temática a participação de graduandos do Curso de Letras Português da UFSC em eventos de letramento característicos da mencionada esfera. Por sua vez, Fischer (2007) desenvolveu pesquisa com alunos ingressos no curso de Letras do Centro Universitário de Brusque/SC (UNIFEBE), sobre práticas de letramento na esfera acadêmica, a fim de investigar a

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reprodução do discurso do déficit do letramento de alunos ingressos nessa esfera social.

As pesquisas mencionadas, mesmo não enfocando diretamente as políticas de ações afirmativas, contribuem para consolidar o campo dos estudos do letramento. Os estudos sequentes se debruçaram em pensar práticas de linguagem que atendessem aos anseios linguísticos dos grupos minoritarizados. Gonçalves (2012) elaborou sua dissertação de mestrado, a fim de compreender a interferência e presença da escrita acadêmica na vida de jovens negros, investigando o impacto das políticas afirmativas do ensino superior público nas suas vidas, a autora realizou seu estudo no contexto acadêmico da Universidade Federal de Goiás (UFG).

Dilli (2013) discutiu, em sua dissertação de mestrado, as ações de ensino de língua e letramento integrantes das iniciativas pedagógicas da política de permanência para os universitários indígenas, tratando-se de um curso de inglês para estudantes indígenas e, especialmente, o curso de leitura e escrita na universidade para esses povos. Na mesma direção, Morelo (2014) investigou as ações metodológicas do apoio pedagógico em um curso de extensão que tratou da leitura e escrita na Academia para estudantes indígenas, com enfoque na língua inglesa e portuguesa. Ambas as autoras pesquisaram o contexto universitário das ações afirmativas implementadas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Sito (2016) apresentou em sua tese de doutorado, um estudo centrado nas práticas de letramento acadêmico de estudantes negros e indígenas brasileiros e colombianos, destacando as principais vertentes epistemológicas dos estudos sobre Leitura e Escrita na Universidade (doravante LEU), ora com foco na língua materna ou na língua adicional, ora na formação universitária nas diferentes áreas de saber. Todavia, Sito (2016) faz uma ressalva significativa ao levantar a questão lacunar que há nos estudos sobre letramento acadêmico na atualidade. Nas palavras da autora:

[...] em todos esses trabalhos há uma lacuna que podemos sinalizar é o tema da diversidade cultural e linguística que atravessa as práticas de leitura e escrita, também na universidade. As abordagens da LEU ainda aparecem de uma perspectiva de ensino aprendizagem que não pressupõe a diversidade cultural nem estabelece espaços de negociação, ou mesmo de subversão, das

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convenções acadêmicas para produção de conhecimento (SITO, 2016, p. 67).

Alinhamo-nos a perspectiva da autora, quando denuncia que, majoritariamente, os trabalhos sobre LEU ocupam-se somente da aprendizagem dos gêneros acadêmicos por parte dos grupos minoritarizados que estão na universidade. Em nenhum momento defendemos que a aprendizagem dos gêneros acadêmicos não deva ser objeto de aprendizagem, mas advertimos para que o foco não se reduza ao ensino de gêneros, a fim de que essa apropriação do letramento acadêmico provoque, além de aprendizado, mudanças diante das convenções acadêmicas.

Acreditamos ser importante a aprendizagem dos gêneros que circulam na Academia, todavia, esperamos que a consolidação da prática de leitura crítica, da palavra e do mundo (FREIRE, 2008), demande uma ação conjunta entre docentes e estudantes, com o intuito de que os estudantes permaneçam constantemente em interação com a língua nas diversas esferas em que se insere, “sobretudo, nos ambientes formais, para que possam transitar com maestria e consciência crítica nestes contextos” (BRAGANÇA, 2015, p. 47).

Não basta discutirmos as práticas de escrita acadêmica, sem a intenção de ressignificá-las. Tal como aponta Sito (2016), carecemos de pesquisas que se comprometam a desafiar e construir mudanças nos currículos dos cursos de graduação e na própria instituição universitária como um todo. As pesquisas apresentadas compartilham perspectivas que dialogam com o modelo ideológico de letramento, aquele que considera “as relações de poder numa determinada sociedade” (KLEIMAN, 1995). Kleiman (1995, p.39) enfatiza que “os correlatos cognitivos da aquisição da escrita na escola devem ser entendidos em relação às estruturas culturais e de poder que o contexto de aquisição da escrita na escola representa”.

Além dos trabalhos mencionados, em se tratando de letramento acadêmico no cenário brasileiro, os estudos de Souza (2011), Fiad (2011) e Fiad e Pasquote-Vieira (2015) dão destaque a pesquisas com diferentes grupos e práticas de escrita situada na universidade. Estes estudos com enfoque no letramento acadêmico impulsionam e transformam práticas de letramento na universidade. De acordo com Morelo (2014), o curso de graduação de medicina da UFRGS, após a implementação do apoio pedagógico para os alunos indígenas, passou a oferecer provas com foco nas práticas de oralidade desses estudantes. Tais iniciativas provocam estratégias para pensar as relações entre

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letramentos locais e globais e como os sujeitos operam com elas na esfera acadêmica, visando transformar práticas de uso da linguagem na esfera acadêmica, historicamente centradas na escrita.

A UFSC iniciou atividade semelhante em 2017/2, através da coordenação do curso de Letras-Português em parceria com o Programa de Educação Tutorial-PET- Letras e Secretaria de Ações Afirmativas e Diversidade-SAAD, o projeto de extensão para apoio pedagógico ao uso da língua portuguesa acadêmica8 para estudantes indígenas e quilombolas. Convém ressaltar que há outros expressivos trabalhos ancorados nos estudos do letramento acadêmico em outras universidades brasileiras, não é foco desta tese denominar todos.

Nesse sentido, instigados pela problemática que é o campo dos estudos do letramento acadêmico, elaboramos a seguinte pergunta de pesquisa: Como as ações do PIAPE podem proporcionar movências9: resistências e/ou apropriação de práticas de letramentos dominantes, de sujeitos ingressantes pela política de ações afirmativas na Universidade Federal de Santa Catarina, advindos de grupos minoritarizados?

A pergunta macro é desmembrada em duas outras: (1) os alunos

cotistas participam de práticas de letramento da universidade sob o modelo autônomo e como as (re) significam? (2) Como eles avaliam os cursos do PIAPE na relação com seus cursos de graduação? De acordo

com nosso caminho de investigação, construímos os seguintes objetivo geral e objetivos específicos.

1.1 OBJETIVO GERAL

• Analisar como o Programa Institucional de Apoio Pedagógico ao Estudante – PIAPE vem respondendo às políticas de ações

8 A expressão língua portuguesa acadêmica fora usada no teor do

e-mail enviado em 04 de agosto de 2017 pela secretaria do Programa de Pós-Graduação em Linguística-PPGLg convidando estudantes da pós-graduação para serem voluntários no projeto. Ainda de acordo com o e-mail: “trata-se de uma proposta em prol das políticas de inclusão social e linguística das diversas comunidades linguísticas e étnicas que compõem a universidade”.

9 Qualidade ou condição do que é movente, do que se move,

mobilidade. No caso de nossos participantes, suas movências são materializadas na condição de estar universitário, bolsista de iniciação científica, estagiário, ativista, entre outras ações, movendo-se nas práticas da esfera universitária.

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afirmativas que reverberam os letramentos dominantes da Universidade Federal de Santa Catarina.

1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

• Interpretar as representações pregressas sobre escrita e leitura dos alunos participantes do PIAPE, advindos de grupos minoritarizados, ingressantes na esfera acadêmica;

• Perceber se o acesso e a apropriação nos eventos de letramentos ditos globais/dominantes do PIAPE constituem-se como ferramenta para os grupos minoritarizados responderem às práticas de letramento da esfera acadêmica;

• Verificar em que medida o Programa Institucional de Apoio Pedagógico ao Estudante pode subsidiar contribuições para a permanência dos sujeitos ingressantes via políticas de ações afirmativas na universidade;

• Compreender o perfil estudantil do aluno de ações afirmativas que participa das atividades de linguagem do PIAPE.

Importa registrar que a presença de pesquisas que avaliam, mensuram e comparam índices de aproveitamento e desempenhos linguísticos de alunos ingressantes via PAAs é substantivo na pesquisa acadêmica brasileira, a fim de contrapor esse cenário, nosso estudo justifica-se ainda mais por ressaltar o desenvolvimento e uso de práticas sociais de escrita acadêmica de alunos ingressantes via política de ações afirmativas, com facetas relacionáveis às trajetórias de letramentos desses alunos que vivenciaram as atividades de linguagem do PIAPE, ou seja, observamos que numa abordagem que dialogue com o letramento acadêmico não se dissocia aspectos linguísticos de práticas sociais situadas que circundam o ato de ler e escrever na esfera universitária. Ler a palavra escrita é lê-la em seu contexto de produção social e histórica, demarcando suas interfaces com as relações de poder é imprescindível. Sabendo da ausência desses enfoques de investigação é que reconhecemos ser relevante propor estudos que versem sobre essas vertentes epistemológicas. E como a pesquisadora tem motivações substanciais para a realização deste estudo, torna-se relevante apresentar suas inclinações linguísticas.

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1.3 A PESQUISADORA: MAIS UM OUTRO NA INTERAÇÃO SITUADA10

O(a) pesquisador(a) na perspectiva bakhtiniana corresponde ao segundo sujeito, aquele que reproduz, para os fins de sua pesquisa, o texto do outro e cria um texto emoldurador, que o comenta, avalia, objetiva: “O acontecimento da vida do texto, isto é, a sua verdadeira essência, sempre se desenvolve na fronteira de duas consciências, de dois sujeitos” (BAKHTIN, 1920 [2010], p. 311). Apreendemos dessa citação que o texto assumido pelo autor como objeto de toda ciência humana não equivale ao texto – material da linguística –, mas a dimensão holística do projeto de dizer do pesquisador.

Como atitude responsiva pelo meu ato de dizer, julgo importante não apartar a escrita deste texto dos acontecimentos políticos do Brasil, intensificados nas eleições presidenciais de 2014 e mais acentuados no ano de 2016, coincidentemente ou não, período que é parte do recorte temporal deste trabalho. Não posso negar que a atual situação política do país muito me afeta e atravessa a escrita desta tese, cujo compromisso é teórico-acadêmico, mas, sobretudo, político e social, e obviamente emergem preocupações sobre os rumos do país em relação a uma série de fatores, entre os quais, a interrupção e/ou extinção11 das políticas

públicas sociais e educacionais, e, mais especificamente, as políticas de ações afirmativas, parte importante deste estudo.

Bakhtin (1920 [2010]) advoga que nomear, projetar, perceber o outro implica uma visão, uma posição social sobre o fato ocorrido. Por essa razão e enquanto estudiosa da área de linguagem, não quero isolar o

10 Cabe registrar que ao longo da tese, em algumas passagens do

texto, há e haverá o uso da primeira pessoa do singular em alternância com a primeira do plural, devido à pesquisadora ter sido uma das participantes do PIAPE e reverberar aqui subjetividades dessa interação.

11 A Proposta de Emenda Constitucional 241 na Câmara de

Deputados e 55 no Senado Federal, aprovada em 13/12/2016, em sua tramitação final, estabelece uma regra de teto para os gastos primários do Governo Federal. A regra é simples: os gastos primários (saúde, educação, saneamento básico etc.) de cada ano somente poderão aumentar de acordo com a inflação passada (medida pela variação do IPCA acumulada em 12 meses até junho do ano anterior). A regra valerá pelos próximos 20 anos e sugere que poderá realizar mudanças econômicas benéficas. Mas, trará, de fato, muitas dificuldades para a sociedade. Desmontará o Estado brasileiro em todas as áreas (FARIAS, 2017, p. 2).

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discurso deste estudo do cenário político atual brasileiro, o que reverbera na urgência em fazer e propor pesquisas que de fato problematizem a vida das pessoas para além das esferas institucionalizadas. Por isso, é imprescindível discorrer sobre o poder que a língua toma em determinados contextos da vida real, em que embates políticos, culturais e sociais estão enraizados e incidem sobre a nossa atitude de ser pesquisadora.

Como o campo científico não é neutro, esta tese também não o é. Situamo-nos em um contexto histórico e social refletido nas vivências, nos lugares onde estive e nos relatos dos sujeitos com os quais interagi até estar no doutorado. Nessa perspectiva, ao longo de minha trajetória no exercício do magistério, a partir de 2005, inseri-me no debate de vivências e leituras no âmbito da Educação do Campo, atuando em acampamentos e assentamentos com agricultores, professores camponeses e mais tarde na educação escolar indígena no sul e sudeste do estado do Pará. Tais atividades profissionais foram fundamentais para entender o território paraense de muitas fronteiras e lugar de debates e conflitos agrários constantes entre os movimentos sociais/sindicais e os grandes latifúndios, presentes em toda região Norte. Essas experiências dialogam constantemente com o meu percurso acadêmico. Foi nesse contexto que me construí e venho me constituindo como pesquisadora da área de linguagem. São essas motivações que sustentam os significados para hoje discutir práticas de linguagem na educação superior a partir e com os grupos minoritarizados.

Em Bezerra (2014), fruto de minha dissertação de mestrado, discorri sobre as práticas de letramentos de professores do campo, tendo me aproximado mais intensamente dos estudos do letramento. Também em 2014, obtive aprovação na seleção para atuar como tutora de linguagem no Programa Institucional de Apoio Pedagógico ao Estudante (PIAPE), exercendo tal função até o primeiro semestre de 2017. Durante esse período, ministrei cursos bimestrais e semestrais que objetivavam a aprendizagem e apropriação dos gêneros discursivos acadêmicos para a comunidade discente da UFSC.

Paralelamente, ministrei oficinas com temáticas diversas relacionadas ao texto acadêmico, bem como oficinas específicas de preparação para o “Concurso Vestibular UFSC/2014-2015”, para os indígenas Laklanõ-Xokleng, na Aldeia Palmeira, Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, município de José Boiteux, no estado de Santa Catarina. Estas atividades foram desenvolvidas no âmbito do Projeto de Extensão: Negros e Indígenas no Ensino Superior e em Acervos

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Virtuais, na época, sob a coordenação da professora Dra. Edviges Ioris, do Departamento de Antropologia da UFSC.

Em 2015, foram ofertadas pelo PIAPE três turmas específicas de leitura e produção acadêmica para estudantes indígenas, estrangeiros e oriundos da Educação do Campo da UFSC, nas quais eu trabalhei. Essa experiência foi basilar na escolha da temática dessa pesquisa de doutorado.

Dito isto, apresento a seguinte organização desta tese, ao longo de sete capítulos, destes a Introdução constitui o primeiro. O segundo capítulo desenvolve o aporte teórico dos estudos do letramento, descrevendo suas consonâncias com a pedagogia crítica freireana, destacando no campo do letramento acadêmico, o enfoque nas relações entre os letramentos locais e globais e sua pertinência junto ao trabalho com a escrita acadêmica, mediada pelos gêneros discursivos.

No terceiro, reafirmamos nosso compromisso com as pesquisas do campo da LA, enquanto contempladora do paradigma qualitativo-interpretativista de pesquisa, cuja ação metodológica somado aos estudos descoloniais reclamam por outras epistemologias a reorientar o fazer científico. No quarto discorremos brevemente acerca da historicidade da criação da universidade brasileira, suas raízes históricas a serviço dos grupos mais abastados da sociedade, passando pela criação da UFSC.

No quinto capítulo apresentamos o recente período de democratização da educação superior, seus traços da branquitude, pautando a experiência das PAAs da UFSC, tendo no PIAPE nossa principal mediação com as práticas de letramento acadêmico da instituição. No sexto capítulo analisamos as narrativas e escritas dos participantes deste estudo, referendadas a partir de proposições dialógicas com as principais teorias que sustentam a pesquisa aqui empreendida.

E nas Considerações Finais, sétimo capítulo da tese, destacamos a pertinência de possibilitar caminhos em que descrever a agência dos sujeitos em seus processos de aprendizagem junto às práticas de letramento acadêmico torna-se uma ação legítima.

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2 CAPITULO: ESTUDOS SOBRE LETRAMENTOS: UM CAMPO TRANSDICIPLINAR

A leitura crítica do mundo é um que-fazer pedagógico-político indicotomizável do que-fazer político-pedagógico, isto é, da ação política que envolve a organização dos grupos e das classes populares para intervir na reinvenção da sociedade (PAULO FREIRE).

2.1 PAULO FREIRE: A PEDAGOGIA CRÍTICA E OS ESTUDOS DO LETRAMENTO

Dispomo-nos a verificar em que medida o arcabouço teórico freireano nos possibilita depreender aspectos originários das discussões acerca dos letramentos, em especial a temática da leitura – entusiasticamente discutida por Paulo Freire –, já que em seus estudos sempre demonstrou preocupação em relação à aprendizagem da leitura e escrita em contextos marginalizados, pautados na ênfase da educação para a diferença. Em Bezerra (2014) e Baltar e Bezerra (2015), defendemos as aproximações entre os estudos de letramento e a pedagogia crítica de Paulo Freire, o que move essa similitude é o posto na principal obra de Street (1984). Esse autor escreveu sobre letramento pautado na pedagogia freireana, reiterado também por Gee (1990).

Street (1984), ao mencionar a visão de letramento da Unesco, em relação a compreensão sobre a alfabetização, admite que esta é diferente daquela empreendida pela pedagogia freireana: “o que é tomado como a visão de letramento da Unesco foi fortemente desafiada no trabalho de P. Freire. Ele vê a aprendizagem da alfabetização como um processo ativo de conscientização, não apenas como a aquisição passiva de conteúdo” (STREET, 1984, p. 14)12. A analogia que fazemos entre assunção dos processos de conscientização e aquisição passiva de conteúdo, retoma relações estreitas entre letramento autônomo e ideológico.

12 As citações em línguas estrangeiras apresentadas ao longo da tese

são de nossa autoria. Original: “what is taken as the Unesco view of literacy has been strongly challenged in the work of P. Freire. He see the acquisition of literacy as an active process of consciousness, not just as the passive acquisition of content”.

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Ainda de acordo com Street (1984, p. 14):

Freire rejeita a ideologia da “resolução de problemas” dentro da qual operam muitos programas de alfabetização e a substitui pela noção de ‘problematização’ da realidade social. A pessoa que vivencia o letramento, deveria ter a conscientização elevada durante este processo, permitindo-lhe, por exemplo, analisar primeiro as condições históricas e sociais locais em que surgem os “problemas”13.

O autor segue reconhecendo a pedagogia de Paulo Freire como “um trabalho político que desafia diretamente a hegemonia dos estados capitalistas governantes e dos programas da Unesco que são levados a preservar seus interesses” (STREET, 1984, p. 14)14, destacando a forte influência do seu trabalho em países atingidos por contextos sociais desfavorecidos economicamente, como é o caso de Cuba e Nicarágua. São esses diálogos que nos fazem acreditar que Street, ao desenvolver seu trabalho sobre letramento, especialmente na elaboração conceitual dos modelos de letramento autônomo e ideológico, inspirou-se nos trabalhos de Paulo Freire. Por ora, a abordagem freireana de uma alfabetização para além do conteúdo, prima pelo desenvolvimento da consciência crítica, introduzido em um processo real de democratização da cultura e de libertação (FREIRE, 1980).

Para Freire (1981[2015]), uma prática educacional em que as estruturas sociais nunca são discutidas como um problema a ser desnudado – pelo contrário, são mitologizadas por diferentes formas de ação que reforçam a “consciência falsa” dos alfabetizandos – não se configura em uma prática libertária de educar, mas sim em uma prática de alfabetização domesticadora.

Tal constatação demonstra a impossibilidade de uma educação “neutra”. O fato de não ser neutra é o que caracteriza a educação de

13 Original: “He rejects the ' problem solving' ideology within which

many literacy programs operate, and substitutes for it the notion of "problematizing" social reality. The person acquiring literacy should have his or her consciousness raised in the process, enabling them for instance to analyse the historical and social conditions in which particular "problems" arose in the first place”.

14 Original: “Freire's work has been taken as direct political

challenge to the hegemony of ruling capitalist states and of the Unesco programs that are taken to subserve their interests”.

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caráter libertador ou opressor. Nesse contexto o educador convida os educandos a conhecer e a desvelar a realidade, de modo crítico. Nessa direção, a abordagem sobre letramento evidencia que mesmo o denominado letramento autônomo, em sua dimensão é ideológico: “o modelo autônomo de letramento é de fato um modelo ideológico, precisamente usando o poder para disfarçar sua própria ideologia, e seu próprio etnocentrismo” (STREET, 2011, p. 581)15.

Por essa razão, a não neutralidade assumida nas obras freireanas configura-se para uma educação libertária, no entanto, também pode vir a ser educação domesticadora, porque essa age na perspectiva da “[...] necessária dicotomia entre os que manipulam e os que são manipulados”. Enquanto em processo de educação que liberta não existem, ao menos não deveria haver:

[...] sujeitos que libertam e objetos que são libertados. Por isto, a educação para a domesticação é um ato de transferência de “conhecimento”, enquanto a educação para a libertação é um ato de conhecimento e um método de ação transformadora que os seres humanos devem exercer sobre a realidade. Desta forma, o processo de alfabetização, visto de um ponto de vista libertador é um ato de conhecimento: um ato criador em que os alfabetizandos exercem o papel de sujeitos cognoscentes, tanto quanto os educadores. Obviamente, então, os alfabetizandos não são vistos como “vasilhas vazias”, meros recipientes das palavras do educador, ou seja: a educação bancária (FREIRE, 1974[2015], p.105). Essa elaboração vai ao encontro do que Street (1984) escreveu sobre modelos autônomo e ideológico de letramento, propriamente conceituados.

Em síntese, o modelo de letramento autônomo assemelha-se ao que Freire (1974[2015]) chamou de educação bancária e ocorre principalmente na esfera escolar, tratando-se de atividades com a leitura e a produção de textos escritos descontextualizadas, consideradas blocos completos em si mesmo, objetos de ensino padronizados, prevalecendo a lógica dos conteúdos.

15 Original: “model of literacy is in fact an ideological model,

precisely using the power to disguise its own ideology, its own ethnocentrism”.

(48)

São práticas sem conexão com os contextos de produção de linguagem – sem história – sem conflito, orientada para a aquisição da norma padrão culta ou cultuada da língua, objetivando o desenvolvimento de competências cognitivas individuais, e não os processos interativos que ocorrem via linguagem, marginalizando ou apagando a historicidade de pessoas que não têm “acesso” à ou não se apropriam da língua dominante, não levando em consideração fatores e contextos político-ideológicos e socioeconômicos que envolvem os usos sociais efetivos da escrita nas sociedades contemporâneas. E essa ação, por mais que se assemelhe a um processo natural de ensino, não é neutra, é ideológica e em seu processo acolhe e exclui grupos sociais.

O modelo autônomo de letramento compreende os educandos – não importando a idade ou classe social – como pessoas alijadas dos processos sócio-históricos conflituosos e das lutas transformadoras e os considera como meros receptáculos de saberes transmitidos pelos professores, para reproduzirem sem consciência crítica. O modelo de letramento ideológico leva em consideração o processo histórico, conflituoso, as relações sociopolíticas de poder na sociedade para distribuição dos bens culturais e econômicos. Nessa concepção, as práticas de letramento se dão na e dependem da estrutura social, interpelada pelas ideologias.

As políticas educacionais no Brasil, cujo foco destina-se à alfabetização, em sua grande maioria, escoram-se em uma orientação do modelo de letramento autônomo. Dados de pesquisa que investigaram o Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (INAF), de 2001- 2011 evidenciaram diferenças relacionadas às questões de leitura do brasileiro, desmistificando a centralidade dos problemas de ordem cognitiva como únicos responsáveis pelos problemas de leitura do indivíduo, como advogou Ribeiro (2003, p. 11): “os problemas relacionados à leitura e à escrita se arrolam a problemas sociais, como má distribuição de renda, falta de recursos materiais e humanos nas escolas, falta de bibliotecas, de acesso à informática e à Internet”.

Os estudos sobre o INAF, em publicação recente, avaliaram os indicadores e revelaram que “a língua escrita e o acesso à leitura, por meio da alfabetização, de grupos sociais marginalizados, ampliam o número de leitores, da escolarização e da circulação de impressos” (BATISTA; VÓVIO; KASMIRSK, 2015, p.189), ou seja, ter acesso dentro e fora da instituição escolar às práticas de leitura e escrita propicia assunção e participação cidadã efetiva.

Assim, as práticas sociais, em um viés analítico-crítico, estão abertas à investigação sobre sua natureza em termos de hegemonia de

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