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A responsabilidade civil do Estado pela tragédia ocorrida na Boate Kiss

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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

BRUNA KATIANE BOENO

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELA TRAGÉDIA OCORRIDA NA BOATE KISS

Ijuí (RS) 2014

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BRUNA KATIANE BOENO

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELA TRAGÉDIA OCORRIDA NA BOATE KISS

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS- Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais

Orientadora: MSc. Lisiane Beatriz Wickert

Ijuí (RS) 2014

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Dedico este trabalho à minha família, por todo o apoio e conforto durante esta jornada. Dedico também as duzentas e quarenta e duas famílias eternamente enlutadas pela tragédia na Boate Kiss.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela graça da vida e do conhecimento e por todas as bênçãos concedidas.

À minha família, que com seus exemplos me ensinou os maiores valores de um ser humano, sempre incentivando ao crescimento e apoiando a cada dificuldade superada.

Ao meu namorado, pela compreensão, apoio e toda ajuda disposta, sempre na torcida pelo meu sucesso.

À minha orientadora Ms. Lisiane Wickert, por ter aceitado este desafio e por todas as ajudas prestadas, guiando-me sempre na busca do conhecimento.

Ao Tabelião do Tabelionato de Notas de São Martinho, Bel. Carlos Augusto Becker, pela oportunidade concedida, por todos os ensinamentos proporcionados e por me ajudar a entender o significado da carreira jurídica, guiando-me a encontrar o meu dom nesta profissão.

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“Todo direito envolve uma responsabilidade; toda oportunidade, uma obrigação; toda posse, um dever. - John Rockfeller”.

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RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso faz, inicialmente, uma análise da responsabilidade civil do Estado no ordenamento jurídico brasileiro, estudando sua origem histórica, dos primórdios até a atualidade, relatando também as formas de responsabilidade civil aplicáveis ao Estado, estando entre elas a responsabilidade civil objetiva baseada na idéia de risco administrativo e a subjetiva, baseada na comprovação da culpa. Ademais, este trabalho, faz referência às causas extintivas da responsabilidade civil do Estado, averiguando ao fim do primeiro capítulo o entendimento dos desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, sobre as formas de responsabilidade civil estatal aplicáveis e suas causas de exclusão. Na segunda parte do trabalho, faz-se um estudo sobre as tragédias ocorridas em boates argentinas e a responsabilização civil dos Estados nesses casos. Nesta mesma linha de pesquisa, investiga-se o caso da Boate Kiss, a fim de descobrir as causas da imensidão do incêndio e os responsáveis comissivos e omissivos pelo ocorrido, buscando assim, entender, se há responsabilidade civil do Estado na tragédia ocorrida na boate de Santa Maria.

Palavras-Chave: Responsabilidade Civil do Estado. Tragédias argentinas em boates e a responsabilidade civil dos Estados. O caso da Boate Kiss e a responsabilidade civil do Estado pela tragédia.

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ABSTRACT

This work of completion is initially an analysis of the liability of the State in the Brazilian legal system by studying its historical origins, the beginnings to the present, also reporting forms of civil liability applicable to the State, among them the responsibility civil objectively based on the idea of administrative risk and the subjective, based on the evidence of guilt. Furthermore, this work makes reference to extinctive causes of liability of the state, checking the end of the first chapter the understanding of judges of the Court of Justice of the State of Rio Grande do Sul, on the forms of state tort causes of applicable and exclusion. In the second part, it is a study of the tragedies in Argentine nightclubs and civil accountability of States in these cases. Along this line of research investigates the case of Kiss Nightclub in order to discover the causes of the fire and the immensity commissive and omissive responsible for what happened, thus seeking to understand if there is liability on the State tragedy in nightclub Santa Maria.

Keywords: Liability of the State. Argentine tragedies in nightclubs and liability of States. The case of Kiss Nightclub and the liability of the State for the tragedy.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...9

1 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO...11

1.1 Conceito e histórico da responsabilidade civil do Estado...11

1.2 Responsabilidade civil objetiva X responsabilidade civil subjetiva ... 17

1.3 Das causas excludentes da responsabilidade estatal ... 23

1.4 Análise jurisprudencial acerca do entendimento dos desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul...28

2 DAS TRAGÉDIAS MUNDIAIS EM BOATES E DA RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ESTADOS...34

2.1 Das tragédias argentinas em boates...34

2.2 Do caso da boate Kiss...47

2.3 Da responsabilidade civil do Estado no caso da Boate Kiss...54

CONCLUSÃO ... 60

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INTRODUÇÃO

O incêndio na Boate Kiss, ocorrido no dia 27 de janeiro de 2013, na cidade de Santa Maria/RS vitimou fatalmente 242 jovens, a maioria destes menores de 30 anos e deixou centenas de feridos. Diante de tamanha tragédia o mundo inteiro se abalou, comovido com a dor das vítimas e familiares, que buscam incessantemente a condenação dos responsáveis pelo ocorrido, a fim de alcançarem a tão almejada justiça.

O presente trabalho apresenta um estudo acerca da responsabilidade civil do Estado no ordenamento jurídico brasileiro, e do incêndio da Boate Kiss, visando fazer uma análise das causas da tragédia e da possível responsabilização civil do Estado do Rio Grande do Sul e do município de Santa Maria, pelo ocorrido. Este estudo antecede a decisões judiciais neste sentido, utilizando-se de informações já concretizadas no processo penal do caso da Boate Kiss, apreciando também entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, além da utilização do direito internacional comparado, a fim de vislumbrar se no caso em questão, há ou não o dever dos entes públicos estatais indenizarem as vítimas e familiares pela tragédia ocorrida.

Para a realização deste trabalho foram efetuadas pesquisas bibliográficas e por meio eletrônico, buscando também decisões judiciais argentinas em casos de aplicabilidade da responsabilidade civil estatal por tragédias em boates, visando enriquecer o conteúdo do trabalho, com a utilização de uma análise de direito internacional comparado.

Inicialmente, no primeiro capítulo, busca-se compreender plenamente o instituto da responsabilidade civil estatal, iniciando no primeiro item com uma exploração histórica do início da responsabilidade civil do Estado mundialmente e no Brasil. Seguindo neste estudo, será abordado as formas de responsabilidade civil estatal objetiva, baseada na idéia de

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responsabilidade sem culpa e responsabilidade civil subjetiva, baseada na comprovação da culpa administrativa. Ademais, serão também verificadas as causas de exclusão da responsabilidade civil estatal, fazendo por fim, uma pesquisa jurisprudencial sobre as formas e causas de exclusão da responsabilidade civil do Estado.

No segundo capítulo serão observadas as tragédias argentinas ocorridas em boates, procedendo-se a uma pesquisa dos julgados existentes no âmbito da responsabilização civil estatal nestes casos. Na sequência será descrito a forma como aconteceu o incêndio na boate Kiss e seus prováveis responsáveis, a fim de que se possa averiguar se há ou não responsabilidade civil do Estado do Rio Grande do Sul e do município de Santa Maria pelo ocorrido.

Este trabalho mescla análise de doutrina, jurisprudência brasileira, julgados argentinos, inquérito policial, narrativa dos acontecimentos das tragédias, pesquisa por meio eletrônico, e outras formas metodológicas, a fim de unir a teoria à pratica e tentar entender a aplicabilidade da responsabilidade civil estatal, em especial ao caso do incêndio na Boate Kiss.

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1 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

O Estado, ente dotado de personalidade jurídica de direito público, possui certas prerrogativas frente ao particular. Tais poderes destinados aos Estados visam garantir o bem comum, onde o mais importante é a coletividade, em supressão, muitas vezes, dos direitos individuais. Porém, não seria justo, uma única pessoa arcar sozinha com um dano pessoal, para garantir o bem da sociedade. Foi com este intuito, que a Constituição Federal, em seu artigo 37, §6º disciplinou a responsabilidade civil do Estado pelos danos causados por seus agentes ao particular, garantindo assim que os cidadãos lesados por uma atividade estatal pudessem ser ressarcidos e indenizados pelos prejuízos sofridos (BRASIL, 1988).

Este primeiro capítulo refere-se exclusivamente ao estudo da Responsabilidade Civil do Estado, objetivando fazer uma investigação histórica das formas de responsabilização estatal mundial e nacional; observar com precisão os requisitos da responsabilização objetiva (sem comprovação de culpa) e subjetiva (com demonstração da culpa) do Estado; apreciar as possíveis causas de exclusão da responsabilidade civil, bem como fazer uma pesquisa à jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul a fim de averiguar qual o entendimento dos desembargadores quanto à aplicação da responsabilidade civil estatal.

1.1 Conceito e histórico da responsabilidade civil do Estado

A referência à responsabilização civil estatal no ordenamento jurídico não é tema novo, tendo surgido nas primeiras Constituições Brasileiras, vindo a sofrer diversos ajustes com o passar dos anos, a fim de adequar-se as necessidades da realidade contemporânea.

Primeiramente é oportuno a este estudo conceituar o termo responsabilidade no ordenamento jurídico brasileiro, sendo que Deocleciano Torrieri Guimarães (2010, p. 521), assim definiu: “dever jurídico a todos imposto de responder por ação ou omissão imputável que signifique lesão ao direito de outrem, protegido por lei.”

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Todo fato que cause prejuízo a outrem, lesando seu direito, é passível de responsabilização civil, que gera uma indenização, sendo este, considerado inclusive um direito fundamental do indivíduo, exposto na Constituição Federal, que em seu artigo 5º, inciso V, dispõe: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização pelo dano material, moral ou a imagem” (BRASIL, 1988).

Deste modo, todos têm o direito de ser indenizados por ter seu bem jurídico lesado, bem como todos devem responder pela lesão causada ao direito alheio. Quando a lesão advém de ato praticado por agente público, no exercício de suas funções, cabe ao ente estatal, ao qual o agente é subordinado, responder pelos danos causados ao particular. A este fato é o que a doutrina conceitua de teoria da imputação.

As teorias da responsabilidade civil do Estado passaram por profundas modificações ao longo dos anos, evoluindo de uma irresponsabilidade total para uma teoria do risco integral, onde há responsabilização estatal sempre que houver danos, sem qualquer exceção.

A primeira teoria adotada, pelos Estados absolutistas, sustentavam a isenção total de responsabilização do Estado, em qualquer circunstância, podendo, o lesado somente ingressar com ação indenizatória contra o agente público causador do dano.

A esta teoria primordial, da irresponsabilidade do Estado, Sérgio Cavalieri Filho (2012, p. 253) descreveu:

No Estado despótico e absolutista vigorou o princípio da irresponsabilidade. A idéia de uma responsabilidade pecuniária da Administração era considerada como um entrave perigoso a execução de seus serviços. Retratam muito bem essa época as tão conhecidas expressões: “O rei não erra” (The king can do no wrong), “ O Estado sou eu” (L’État c’est moi), “O que agrada ao príncipe tem força de lei” etc. Os administrados tinham apenas ação contra o próprio funcionário causador do dano, jamais contra o Estado, que se mantinha distante do problema. Ante a insolvência do funcionário, a ação de indenização quase sempre resultava frustrada.

A teoria da irresponsabilidade do Estado hoje está completamente superada, sendo que as duas últimas nações a desconsiderá-la foram Inglaterra, em 1946 e Estados Unidos da América do Norte, em 1947 (PEREIRA, 2013). Por ser o Estado sujeito de direitos e deveres a teoria da irresponsabilidade era a própria negação do direito. Foi quando então surgiu a doutrina civilista ou da culpa comum.

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A doutrina civilista buscava a responsabilização do Estado toda a vez que o agente público causador do dano, incorrido em dolo ou culpa, causasse danos a terceiro. Esta teoria também ficou conhecida como a teoria da responsabilidade subjetiva do Estado.

Sobre esta teoria, Diógenes Gasparini (2010, p. 1104) escreveu:

O estágio da responsabilidade com culpa civil do Estado, também chamada de responsabilidade subjetiva do Estado, instaura-se sob a influência do liberalismo, que assemelhava, para fins de indenização, o Estado ao particular. Por esse artifício o Estado torna-se responsável e, como tal, obrigado a indenizar sempre que seus agentes houvessem agido com culpa ou dolo. O fulcro, então, da obrigação de indenizar era a culpa ou o dolo do agente, que levava a culpa ou dolo ao Estado. É a teoria da culpa civil. Essa culpa ou dolo do agente público era a condicionante da responsabilidade patrimonial do Estado. Sem ela inocorria a obrigação de indenizar do Estado. O Estado e o particular eram, assim, tratados de forma igual. Ambos em termos de responsabilidade patrimonial, respondiam conforme o Direito Privado, isto é, se houvessem se comportado com culpa ou dolo. Caso contrário, não respondiam.

Mais tarde, baseado numa teoria publicista, onde se levou em consideração os princípios do Direito Público, surgiu a responsabilidade civil objetiva do Estado, dividida nas teorias da culpa administrativa, risco administrativo e risco integral.

Doutrinadores divergem quanto às teorias da responsabilidade objetiva do Estado, sendo que Cavalieri (2012, p. 256) entende que “na última fase dessa evolução proclamou-se a responsabilidade objetiva do Estado, isto é, independentemente de qualquer falta ou culpa do serviço.” Assim, tal doutrinador não reconhece a teoria da culpa administrativa como forma de responsabilização objetiva do Estado, incluindo esta teoria na responsabilização subjetiva estatal.

Contudo, alguns doutrinadores de direito público, reconhecem a culpa administrativa como uma das teorias de responsabilização objetiva do Estado, onde nela, basta que a falta do serviço cause lesão ao direito de outrem para que haja direito a indenização, sendo desnecessário que haja culpa subjetiva do agente causador do dano.

Nesse sentido leciona Helly Lopes Meirelles et al. (2010, p. 682):

A teoria da culpa administrativa representa o primeiro estágio de transição entre a doutrina subjetiva da culpa civil e a tese objetiva do risco administrativo que a sucedeu, pois leva em conta a falta do serviço para dela inferir a responsabilidade da

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Administração. É o estabelecimento do binômio falta do serviço/culpa da Administração. Já aqui não se indaga da culpa subjetiva do agente administrativo, mas perquire-se a falta objetiva do serviço em si, como fato gerador da obrigação de indenizar o dano causado a terceiro. Exige-se também, uma culpa, mas uma culpa especial da Administração, a que se convencionou chamar de culpa administrativa. A teoria do risco administrativo foi uma evolução considerável entre as teorias da responsabilização estatal, sendo utilizada por muitos países, inclusive o Brasil. Nela o Estado responde objetivamente pelos danos causados a terceiros, independentemente de dolo ou culpa do agente público causador do dano, bastando apenas o nexo de causalidade entre o ato praticado e a lesão. Contudo, se for um caso fortuito, de força maior, ou houver culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, ficará o Estado isento de indenizar, visto que nesses casos inexiste o requisito básico do nexo de causalidade entre a ação/omissão do Estado e o dano causado.

Nesse sentido ensina Cavalieri (2012, p. 257):

Em apertada síntese, a teoria do risco administrativo importa atribuir ao Estado a responsabilidade pelo risco criado pela sua atividade administrativa. Esta teoria, como se vê, surge como expressão concreta do princípio da igualdade dos indivíduos diante dos encargos públicos. É a forma democrática de repartir os ônus e encargos sociais por todos aqueles que são beneficiados pela atividade da Administração Pública. Toda lesão sofrida pelo particular deve ser ressarcida, independentemente de culpa do agente publico que a causou. O que se tem que verificar é, apenas, a relação de causalidade entre a ação administrativa e o dano sofrido pelo administrado.

Com efeito a teoria do risco administrativo, embora dispense a prova da culpa da Administração, permite ao Estado afastar a sua responsabilidade nos casos de exclusão do nexo causal- fato exclusivo da vítima, caso fortuito, força maior e fato exclusivo de terceiro.

Por fim, a última teoria criada, não teve aplicabilidade no Brasil, por ser uma teoria radical de responsabilidade estatal, na qual não há qualquer excludente de responsabilização. A esta teoria denominou-se de risco integral.

Em sua obra Gasparini (2010, p. 1106), explica que:

Por teoria do risco integral entende-se a que obriga o Estado indenizar todo e qualquer dano, desde que envolvido no respectivo evento. Não se indaga, portanto, a respeito da culpa da vítima na produção do evento danoso, nem se permite qualquer prova visando elidir essa responsabilidade. Basta, para caracterizar a obrigação de indenizar o simples envolvimento do Estado no evento.

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A teoria do risco integral é um exagero criado por alguns sistemas jurídicos. Por esta teoria o Estado responde sempre, independente da existência de qualquer causa excludente de responsabilização. É inadmissível considerar que o ente estatal deva indenizar o particular pelos danos sofridos, em qualquer situação. Há a necessidade de limites, condições a esta responsabilidade, as quais são expostas nas teorias da responsabilidade civil subjetiva e objetiva, adotadas pelo ordenamento jurídico brasileiro.

A responsabilidade civil do Estado no ordenamento jurídico brasileiro consagrou a maioria das teorias discutidas mundialmente, evoluindo de uma irresponsabilidade total ao atual sistema de responsabilidade objetiva, como descreve Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 149):

A responsabilidade civil do Estado é considerada, hoje, matéria de direito constitucional e de direito administrativo. Em sua evolução, podemos observar que nos primórdios, subsistia o principio da irresponsabilidade absoluta do Estado (The King can do no wrong). Após passar por vários estágios atingiu o da responsabilidade objetiva, consignada no texto constitucional em vigor, que independe da noção de culpa.

No período colonial, vigorava no Brasil a irresponsabilidade civil estatal, sendo que Gasparini (2010, p.1116-1117) afirmou que:

Nesse período vigoravam, em nosso território, as leis portuguesas, e estas aceitavam os postulados da teoria da irresponsabilidade patrimonial do Estado, a única compatível com o governo monárquico português da época.

A Constituição Federal de 1824, Constituição Imperial, foi a primeira a dispor sobre a responsabilidade civil estatal, contudo atribuía a responsabilidade exclusiva ao agente público causador do dano, sendo que dispunha em seu artigo 179, XXIX, que: “os empregados públicos são strictamente responsáveis pelos abusos, e omissões praticadas no exercicio das suas funcções, e por não fazerem effectivamente responsáveis aos seus subalternos” (BRASIL, 1824). Tal dispositivo foi mantido pela Carta Magna de 1891.

A primeira possibilidade de responsabilização efetiva do Estado, enquanto ente de direito público, pelos atos lesivos causados por seus agentes foi introduzida pelo Código Civil de 1916, que dispunha em seu artigo 15:

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As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano. (BRASIL, 1916)

Assim, a primeira forma de responsabilização estatal assumida pela legislação foi a responsabilidade subjetiva, baseada na culpa do agente causador do dano. Deste modo, o Estado somente seria responsável pelos atos lesivos que seus agentes causassem com dolo ou culpa, cabendo, pois ação regressiva contra o agente causador.

Neste sentido explica Gasparini (2010, p. 1104):

A solução civilista, preconizada pela teoria da responsabilidade patrimonial com culpa, embora representasse um progresso em relação a teoria da irresponsabilidade patrimonial do Estado, não satisfazia o s interesses de justiça. De fato, exigia muito dos administrados, pois o lesado tinha de demonstrar, além do dano, que ele fora causado pelo Estado e a atuação culposa ou dolosa do agente estatal. Tornam-se, assim, inaplicáveis, em sua pureza, os princípios da culpa civil, para obrigar o Estado a responder pelos danos que seus servidores pudessem causar aos administrados.

A Constituição Federal de 1934, promulgada por Antonio Carlos Ribeiro de Andrada, em substituição ao Presidente do Governo Provisório, Getulio Vargas, modificou a forma de responsabilização dos entes públicos, iniciando uma responsabilidade solidária entre o agente público e o Estado, dispondo em seu artigo 171, que “os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda nacional, estadual ou municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos” (BRASIL, 1934).

No mesmo sentido leciona Pereira (2013, p.5):

A Constituição de 1934, por sua vez, foi a primeira a prever a responsabilidade solidária entre os funcionários públicos e o Estado (art.171). O caput do art. 171 da Constituição de 1934 foi ratificado literalmente pela Constituição de 1937 (art. 158,caput).

A responsabilidade civil objetiva veio a surgir apenas em 1946, com a promulgação de uma nova constituição, no ainda país dos Estados Unidos do Brasil (PEREIRA, 2013). Deste modo o cidadão teria garantido o direito a indenização pelos danos suportados, independente do dolo ou da culpa do agente público causador do dano. O dever de indenizar do Estado se

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deve então pelo simples risco de sua atividade. Neste sentido, dispunha a Constituição Federal de 1946, em seu artigo 194, que:

As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros.

Parágrafo único - Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes. (BRASIL, 1946)

Assim, pode-se afirmar que a Constituição de 1946 foi a pioneira a considerar a teoria publicista da responsabilidade objetiva. A Constituição Federal de 1967 seguiu o mesmo entendimento. Nas palavras de Pereira, (2013, p. 5) “a responsabilidade estatal objetiva foi ratificada pela Constituição de 1967, editada já sob a égide do Regime Militar (art. 105).“

Desde a aceitação da responsabilidade civil objetiva do Estado Brasileiro na Constituição Federal, a mesma se manteve em pauta, criando ainda mais garantias aos cidadãos brasileiros. Atualmente vige em nosso sistema a responsabilização objetiva dos entes públicos estatais, pessoas jurídicas de direito público, bem como todas as pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de serviço público, incluindo-se nesse rol as permissionárias e concessionárias de serviço, sendo que a Constituição Federal de 1988 dispõem em seu artigo 37 parágrafo 6º que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa” (BRASIL, 1988).

1.2 Responsabilidade civil objetiva X responsabilidade civil subjetiva

Considerar a forma de responsabilização do Estado, se objetiva ou subjetiva, aos danos sofridos pelos cidadãos é imprescindível, e traz conseqüências jurídicas consideráveis. Doutrinadores publicistas e civilistas divergem quanto aos requisitos da responsabilidade objetiva e subjetiva da Administração Pública.

No que diz respeito à responsabilidade civil objetiva do Estado, aos atos praticados pelos cidadãos em lesão ao direito alheio, vigora em regra, a responsabilização subjetiva, que decorre do dolo ou culpa do agente causador. Com os entes estatais, responsabilidade subjetiva é a exceção.

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A regra no ordenamento jurídico brasileiro, conforme disposição constitucional é a responsabilidade civil objetiva do Estado pelos atos comissivos praticados pelos agentes públicos, a qual decorre simplesmente do nexo de causalidade entre a ação do agente e o dano causado a vítima, independentemente de comprovação do dolo ou da culpa do agente causador do dano.

Sobre a causa desta inversão da forma de responsabilização do Estado, frente à responsabilização do particular, Cavalieri (2012, p. 256) assim explicou:

Chegou-se a essa posição com base nos princípios da equidade e da igualdade de ônus e encargos sociais. Se a atividade administrativa do Estado é exercida em prol da coletividade, se traz benefícios para todos, justo é, também, que todos respondam pelos seus ônus, a serem custeados pelos impostos. O que não tem sentido, nem amparo jurídico é fazer com que um ou apenas alguns administrados sofram todas as conseqüências danosas da atividade administrativa.

A doutrina nominou esta forma de responsabilização objetiva de teoria do risco administrativo. Sobre esta teoria, Gasparini (2010, p. 1106) explicou:

Por esta teoria, a obrigação de o Estado indenizar o dano surge, tão só, do ato lesivo de que ele, Estado, foi o causador. Não se exige a culpa do agente público, nem a culpa do serviço. É suficiente a prova da lesão e de que esta foi causada pelo Estado. A culpa é inferida do ato lesivo, ou, vale dizer, decorrente do risco que a atividade pública gera para os administrados.

Todas as pessoas jurídicas de direito público e privado, prestadoras de serviço público, inclusive as concessionárias e permissionárias, respondem de forma objetiva pelos danos que seus agentes venham a causar a terceiros. Deste modo, para que haja responsabilização estatal nas condutas comissivas causadoras de lesão a direito alheio, apenas se faz necessário que o agente público, investido em suas funções, cause dano, e haja comprovação do nexo de causalidade entre o ato e a lesão causada.

Deste modo, dois são os requisitos da responsabilização objetiva do Estado por atos comissivos: ato praticado por agente público e que este esteja no exercício de suas funções. Tais requisitos são dependentes entre si, não sendo admitido, por exemplo, a responsabilização do Estado, por ato praticado por agente público, na convivência de sua vida particular. Quanto à necessidade de ser agente público, basta que o causador do dano esteja exercendo função pública, sem necessidade de vínculo efetivo com a Administração Pública.

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Assim, até mesmo atos de usurpadores de funções públicas são passíveis de responsabilização estatal.

Seguindo este entendimento, lecionada Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (2011, p. 758-759):

Note-se, porém, que é necessária a existência efetiva de algum vinculo jurídico entre o agente e a pessoa jurídica que responderá pelo dano que ele causou, ainda que tal vínculo esteja maculado por um vício insanável de validade (como no caso do “funcionário de fato”).

Não haver, tampouco, responsabilidade da Administração Pública nos casos em que o agente causador do dano seja realmente um agente público, mas a sua atuação não esteja relacionada à sua condição de agente público.

Quanto ao requisito da obrigatoriedade de o agente estar exercendo suas funções, quando da execução de ato lesivo, Cavalieri, (2012, p. 261-262), mais flexível, leciona que:

Sempre que a condição de agente do Estado tiver contribuído de algum modo para a prática do ato danoso, ainda que simplesmente lhe proporcionando a oportunidade para o comportamento ilícito, responde o Estado pela obrigação ressarcitória. Não se faz mister, portanto, que o exercício da função constitua a causa eficiente do evento danoso; basta que ela ministre a ocasião para praticar-se o ato. A nota constante é a existência de uma relação entre a função pública exercida pelo agente e o fato gerador do dano.

Em suma, haverá a responsabilidade do Estado sempre que se possa identificar um laço de implicação recíproca entre a atuação administrativa (ato do seu agente), ainda que fora do estrito exercício da função, e o dano causado a terceiro.

Há também a responsabilização objetiva por atos omissivos do Estado que venham a causar lesões a direitos. A doutrina diverge muito quanto a quais omissões estatais seriam passíveis de responsabilidade objetiva, contudo, a certeza que se tem é que o dever de indenizar encontra-se ligado aos danos que o Estado tinha o dever fiel de evitar, porém se omitiu.

A esta forma de responsabilização objetiva por atos omissivos do Estado, Hely Lopes Meireles (2010, p. 682) denominou de teoria da culpa administrativa. Contudo, doutrinadores como Sergio Cavalieri Filho, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo entendem que a culpa administrativa decorre da responsabilidade subjetiva do Estado, e que a responsabilização objetiva nesses atos omissivos, decorre, na verdade do risco administrativo.

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Independente de qual teoria a ser aplicada a responsabilidade pelas condutas omissivas do Estado, têm-se que esta responsabilização decorre da falta do serviço, o dever fiel de agir e não ter agido e no nexo de causalidade entre a omissão e o dano causado.

Neste sentido, explicam Alexandrino e Paulo, (2011, p. 763-764):

Com efeito, não é demais repetir, nas hipóteses de danos sofridos por pessoas ou coisas que se encontrem legalmente sob custódia do Estado, haverá responsabilidade civil objetiva deste, mesmo que o dano não decorra de uma atuação comissiva direta de um dos seus agentes.

Nessas situações, em que o Estado está na posição de garante, quando tem o dever legal de assegurar a integridade de pessoas ou coisas sob sua custódia, guarda ou proteção direta, responderá ele com base na teoria do risco administrativo, terá responsabilidade extracontratual objetiva pelo dano ocasionado pela sua omissão às pessoas ou coisas que estavam sob sua custódia ou sob sua guarda.

Mais categórico o doutrinador Sérgio Cavalieri, divide os atos omissivos em duas categorias: as omissões genéricas (onde o Estado não tem o dever fiel de agir) e as omissões específicas (onde o Estado devia e não agiu). Assim, somente as omissões específicas ensejam responsabilidade objetiva do Estado, enquanto que as omissões genéricas são passíveis de indenização se comprovado dolo ou culpa do agente causador do dano.

Neste sentido ensina Cavalieri (2012, p. 269):

Em suma, no caso de omissão é necessário estabelecer a distinção entre estar o Estado obrigado a praticar uma ação, em razão de específico dever de agir, ou ter apenas o dever de evitar o resultado. Caso esteja obrigado a agir, haverá omissão específica e a responsabilidade será objetiva; será suficiente para a responsabilização do Estado a demonstração de que o dano decorreu de sua omissão.

Como exemplos dessa forma de responsabilização objetiva decorrente de atos omissivos a doutrina cita o caso de uma lesão causada a um aluno de rede pública durante horário de aula, e também uma lesão sofrida por um preso no estabelecimento penitenciário, durante uma briga com outro detento.

Em contrapartida à responsabilidade civil objetiva, tem-se a existência de uma responsabilização estatal subjetiva, baseada na comprovação da culpa do agente causador do dano em suas omissões, na qual não basta apenas a comprovação da ligação entre a omissão e

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o dano causado, sendo necessário também que se prove a culpa da Administração Pública na falta do serviço.

A Constituição Federal de 1988 disciplina a responsabilidade civil do Estado pelos atos praticados por seus agentes, atribuindo aos atos comissivos a forma objetiva. Contudo, não há dispositivo constitucional que regule a responsabilização estatal pelas omissões do poder público que venham a ensejar danos.

Neste sentido, surgiram entre os doutrinadores três correntes sobre a determinação da responsabilidade civil do Estado nas condutas omissivas. A primeira corrente entende que a não tendo a Constituição disciplinado sobre a forma de responsabilização estatal omissiva, esta deve ser objetiva. A segunda corrente, completamente contraditória, entende que neste caso a responsabilidade será sempre subjetiva, baseada na culpa do Estado que devia e não agiu. Por fim, a última corrente defende que existem dois tipos de omissões, a específica (que enseja responsabilidade civil objetiva, como já mencionado) e a genérica (que enseja responsabilidade civil subjetiva).

Sobre estas teorias explica Cavalieri (2012, p. 287-288):

Tal questão, todavia, não é pacífica, havendo a seu respeito pelo menos três correntes distintas. Sustenta a primeira que após o advento do Código Civil de 2002, não há mais espaço para a responsabilidade subjetiva das pessoas jurídicas de direito publico [...]. Assim, quer pela ausência de norma legal neste sentido, quer em razão de regras explícitas e específicas em sentido contrário, que determinam a incidência da responsabilidade civil objetiva, baseada na teoria do risco, não haveria mais espaço para sustentar a responsabilidade subjetiva das pessoas jurídicas de direito público.

A segunda corrente capitaneada pelo festejado jurista Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo, 15ª Ed., Malheiros Editores, p.871-872) sustenta, como já destacado, ser subjetiva a responsabilidade da Administração sempre que o dano decorrer de uma omissão do Estado.

Integramos a corrente intermediária, para a qual, como já demonstrado (item 74.5) a responsabilidade subjetiva do Estado, por não ter sido de toda banida da nossa ordem jurídica, tem lugar nos casos de omissão genérica da Administração, e não em qualquer caso de omissão, conforme sustenta a segunda corrente.

Assim, tem-se responsabilidade subjetiva estatal, quando o dano ocasionado ao particular decorrer de uma omissão do Estado, devendo a vítima provar que o Estado devia agir e se absteve, ou agiu de forma ineficiente ou tardiamente. Tal omissão difere-se da já mencionada conduta omissiva na guarda de pessoas ou coisas, que enseja responsabilidade objetiva do Estado. Na omissão do Estado enquanto garantidor de coisas/pessoas o dever de

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agir é fiel, inequívoco, independente de prova, enquanto que nas demais omissões estatais o dever de agir e não ter agido deve ser provado pela parte lesada.

Esta teoria da responsabilidade subjetiva, baseada na omissão do Estado, teve grandes divergências entre os doutrinadores, sendo que alguns a conceituaram de teoria da culpa administrativa. Neste sentido Alexandrino e Paulo (2011, p. 760-761) explicam que:

Nossa jurisprudência, entretanto, com amplo respaldo da doutrina administrativa, construiu o entendimento de que é possível, sim, resultar configurada responsabilidade extracontratual do Estado nos casos de danos ensejados por omissão do Poder Público. Nessas hipóteses, segundo a citada jurisprudência, responde o Estado com base na teoria da culpa administrativa. Trata-se, portanto, de modalidade de responsabilidade civil subjetiva, mas à pessoa que sofreu o dano basta provar (o ônus da prova é dela) que houve falta na prestação de um serviço que deveria ter sido prestado pelo Estado, provando também, que existe nexo causal entre o dano e essa omissão estatal.

A culpa administrativa não significa que o agente tenha agido com negligência, imprudência ou imperícia. A culpa não se refere ao agente, mas sim ao Estado, tendo por isso a doutrina convencionado em chamá-la de culpa anônima. Deste modo, para ensejar a responsabilidade civil do Estado na forma subjetiva, faz-se necessário a prova de que o Estado devia agir e não agiu, ou agiu de forma ineficiente ou tardiamente, e que existe nexo de causalidade entre a omissão estatal e a lesão sofrida. Importante ressaltar que o ônus da prova é exclusivo da vítima do dano.

Deste modo, enseja a responsabilização subjetiva do Estado nos casos de fato de terceiros e em fenômenos da natureza, onde o Estado não é protagonista ativo do dano causado, mas sim deixa de atuar ou mal atua, vindo a causar as lesões sofridas. Neste sentido leciona Alexandrino e Paulo (2011, p. 763)

Em síntese, para que os danos decorrentes de atos de terceiros ou de fenômenos da natureza gerem para o Estado obrigação de indenização, é necessário que a pessoa que sofreu o dano prove que para o resultado danoso concorreu determinada omissão culposa da Administração Pública, na modalidade culpa administrativa, isto é, sem individualização de um agente público específico cuja conduta omissiva teria ocasionado a falta do serviço. Caso se verifique que o dano decorreu exclusivamente de ato de terceiro ou de fenômeno da natureza, sem qualquer omissão culposa da Administração, esta não terá obrigação de indenizar.

Assim, comprovado algum dano pelo particular decorrente de fenômenos da natureza e ação de terceiros, onde o Estado tinha o dever de evitá-lo, resta ao Estado o dever de

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indenizar o particular, exceto se provado culpa exclusiva da vítima ou fenômeno da natureza inevitável, causas estas excludentes de responsabilidade.

Sobre os danos causados por comportamentos de terceiro, Dirley da Cunha Jr. (2007, p. 301) explicou:

Nessas hipóteses o Estado responde subjetivamente. A responsabilidade subjetiva- relembre-se- decorre de um comportamento exclusivamente ilícito do Estado (desconforme com o Direito), que, em razão de culpa ou de dolo seu, causou um dano a terceiros. É o que se chama de culpa anônima- porque não é necessário se demonstrar a culpa do agente público, uma vez que não se exige demonstrar o causador direto do dano. É a chamada culpa do serviço (faute du service), que pressupõem a demonstração de uma destas três situações: que o serviço não funcionou, devendo funcionar; ou que o serviço funcionou de forma insuficiente; ou que o serviço funcionou, mas foi atrasado.

A doutrina se utiliza de muitos exemplos para configuração da responsabilidade subjetiva do Estado, podendo citar, a hipótese da ocorrência de uma enchente onde alaga casas e comércios, por ineficiência do Estado na limpeza dos bueiros para escoamento da água. Outro exemplo mencionado pela doutrina é o caso de depredação de propriedades em caso de protesto de multidões. Em ambos os casos o Estado tinha o dever de agir, limpando o bueiro e garantindo a segurança, não tendo, pois agido, ou tendo agido de forma ineficiente, cabe ao Estado indenizar os lesados pelos prejuízos que lhe foram causados, desde que, comprovado explicitamente o nexo de causalidade entre a omissão e o fato ocorrido e o dever de agir e não ter feito.

1.3 Das causas excludentes da responsabilidade estatal

Por não ser adepto a teoria do risco integral, há em nosso ordenamento jurídico a possibilidade de exclusão da responsabilidade civil do Estado. Conforme já estudado, nas condutas comissivas estatais a responsabilidade civil é objetiva, baseada no risco administrativo, enquanto que nas condutas omissivas a regra é a responsabilidade subjetiva, baseada na teoria da culpa administrativa.

Deste modo, na responsabilidade objetiva basta provar o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, enquanto que na responsabilidade subjetiva além da prova do nexo de causalidade entre a conduta e a lesão, deve haver a prova do dever de agir do Estado e não ter agido, ou então ter agido de forma ineficiente.

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Assim, nas palavras de Cunha Jr. (2007, p. 295):

Por essa teoria a idéia de culpa é substituída pela do nexo de causalidade entre o comportamento estatal e o dano sofrido pelo administrado, sem se cogitar da culpa do serviço, tampouco da culpa do agente público. Aqui é indiferente indagar-se se o serviço funcionou, se funcionou bem ou mal, de forma rápida ou demorada. Não se exige, portanto, o questionamento acerca da culpa ou dolo do agente, da licitude ou ilicitude do comportamento, do bom ou mau funcionamento do serviço. Evidenciado o nexo de causalidade entre o comportamento estatal e o dano a terceiro, o Estado responde.

Em ambas as formas de responsabilidade estatal há fatos que excluem o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano causado, excluindo por si só a responsabilidade do Estado e o dever de indenizar. As causas excludentes de responsabilidade civil estatal são: fato exclusivo da vítima ou de terceiro, caso fortuito e força maior.

Neste sentido, ensina Cavalieri (2012, p. 263-264):

As causas que excluem o nexo causal (força maior, caso fortuito, fato exclusivo da vítima e de terceiro) excluirão também a responsabilidade objetiva do Estado, com o temperamento acima exposto. Não responde o Estado objetivamente por fenômenos da natureza- chuvas torrenciais, tempestades, inundações (força maior)-, porque tais eventos não são causados por sua atividade [...]. Também não responde pelo fato exclusivo da vítima ou de terceiro, doloso ou culposo, pela mesma razão. Assaltos, furtos, acidentes na via pública são fatos estranhos a atividade administrativa, em relação aos quais não é aplicável o princípio constitucional que consagra a responsabilidade objetiva.

Assim, provado pela Administração um caso fortuito, de força maior, ou a culpa exclusiva da vítima ou de terceiros, resta inexistente o nexo de causalidade entre a conduta estatal omissiva/comissiva e o dano.

Há certa dificuldade por parte dos doutrinadores em diferenciar o caso fortuito da força maior. A própria legislação não traz diferenças entre ambos, sendo que o parágrafo único do artigo 393 do Código Civil, disciplina que “o caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir” (BRASIL, 2002), não trazendo, portanto nenhuma distinção prática quanto ao caso fortuito e a força maior.

Alguns doutrinadores chegam a referir que o caso fortuito refere-se a uma ação humana imprevisível, enquanto que a força maior refere-se a um fenômeno da natureza

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irresistível. Contudo tal distinção é muito frágil e confusa. Neste sentido, explica Rosimeri Lemos Dias (2013 p. 49-50):

Trata-se de tema muito discutido e divergente na doutrina e jurisprudência, mas que delimitam a mesma coisa, a inevitabilidade e imprevisibilidade inviabilizando o Estado de evitar os efeitos do dano ou prejuízo.

Parte da doutrina considera força maior um evento imprevisível e ainda que previsível, completamente inevitável, a exemplo, um maremoto, terremoto, tsunami, enchentes, cujo impacto do caos está além do controle estatal. Enquanto que, o caso fortuito reflete um evento danoso e inevitável causado por uma ação humana, demonstrado nos danos decorrente de um assalto.

Ocorre que em determinados momentos, a força maior é tratada como fato decorrente da ação humana, e o caso fortuito, como advindo da força da natureza. No entanto, tanto em uma, como em outra, se o Estado poderia impedir de alguma forma o dano, certamente ele se torna responsável em razão de sua ação omissiva.

Deste modo, a força maior e o caso fortuito surtem os mesmo efeitos na exclusão da responsabilidade civil do Estado. Constatados, ambos excluem o nexo de causalidade entre o fato e a lesão tanto dos atos comissivos quanto dos atos omissivos.

Alguns autores, porém, subdividem o caso fortuito em interno e externo. Sobre seus significados Dias (2013, p. 40-41) descreveu:

Em se tratando de caso fortuito, é imprescindível fazer-se uma diferenciação entre caso fortuito interno e caso fortuito externo. Caso Fortuito Interno é aquele referente aos riscos da própria atividade, e, portanto não pode ser afastada a responsabilização.

Clássico exemplo é do pneu de um coletivo que fura, ocasionando um acidente com várias vítimas. Apesar de situação fortuita, problemas com pneus, com a mecânica, ou de mal súbito do motorista são inerentes e previsíveis a atividades de transporte público, casos em que a responsabilidade não pode ser afastada.

Diferente conceituação é o caso fortuito externo, pois se trata de atividade completamente alheia a responsabilidade desenvolvida. Para muitos, são os casos de assaltos inesperados, para outros de raios que caem causando acidentes.

Desta forma, há responsabilidade civil do Estado apenas nos casos fortuitos externos, visto que o Estado responde pelos riscos que sua atividade vier a causar. Neste sentido, leciona Cavalieri (2012, p. 264):

Quanto ao fortuito interno (item 93.1), este não exclui a responsabilidade do Estado porquanto, embora imprevisível, faz parte de sua atividade, liga-se aos riscos da atuação estatal. Só o fortuito externo exclui a responsabilidade estatal por se tratar de fato irresistível, estranho a atividade administrativa.

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A doutrina utiliza diversos exemplos para caracterizar o caso fortuito ou força maior, assim descrevendo Alexandrino e Paulo (2011, p. 766-767) sobre a aplicação destas excludentes nas condutas omissivas e comissivas:

Imagine-se como exemplo, a situação em que agentes públicos estivessem derrubando uma árvore situada no passeio público, cujo tronco estivesse parcialmente apodrecido (árvore morta). Suponha-se que tenham sido adotadas todas as precauções, conforme as determinações técnicas mais rigorosas, direcionando a queda do tronco para um determinado lado. Imagine-se, ainda, que, no momento exato em que os agentes da administração iniciassem o corte do tronco, uma violenta rajada de vento, imprevisível e irresistível derrubasse o tronco para o lado oposto ao que estava predeterminado, causando danos a uma casa.

Nessa situação, embora estivesse ocorrendo uma atuação administrativa (o corte do tronco), o dano não teria sido causado por essa atuação, e sim pelo evento de força maior ou de caso fortuito [...]

Por exemplo, imagine-se que em um determinado município ocorra uma enchente provocada por chuvas extremamente intensas e absolutamente anormais para aquela região. Suponha-se que seja possível demonstrar que, apesar de as galerias de escoamento pluvial não estarem em perfeitas condições de manutenção, esse fato não contribuiu em nada para os danos causados pela enchente. Embora tenha havido falhas na manutenção das galerias, a capacidade de escoamento destas não foi reduzida. A enchente ocorreria de qualquer forma, com aquela mesma intensidade; as galerias pluviais estavam desobstruídas, mas não deram vazão ao volume de água, e isso nada teve a ver com as falhas constatadas na manutenção.

Nessa hipótese os danos terão decorrido exclusivamente do evento de força maior ou de caso fortuito e não há qualquer obrigação de indenizar por parte da administração pública.

Contudo, para que haja a excludente de responsabilidade civil da Administração Pública pela força maior ou caso fortuito, faz-se necessário que o fato havido seja imprevisível e totalmente irresistível. Desta forma, não deve haver, por parte da Administração uma concausa, causadora do dano. Concausas são causas paralelas ao caso fortuito e de força maior, das quais a Administração é responsável e que venham a contribuir para o dano.

Sobre este assunto, Cunha Jr. (2007, p. 303) cita como exemplo:

Imagine-se um roubo dentro de um ônibus operado por uma concessionária de serviço público de transporte coletivo. Evidentemente, a concessionária vai alegar força maior (o roubo) para eximir-se da responsabilidade pelos danos que os usuários do serviço suportaram. Todavia, impõe-se verificar, junto aos elementos do caso concreto, se a rota coberta pela concessionária era imune a abordagens de assaltantes e se a empresa havia adotado todos os procedimentos de segurança necessários para garantir o bem estar dos usuários. Caso a rota seja um trecho conhecido pela prática freqüente de assaltos e a empresa, sabendo desse fato, tenha se omitido de adotar os procedimentos de segurança (com escolta armada, etc.) haverá, nesse caso, uma concausa, isto é, uma causa paralela ao roubo, atribuível a concessionária, que consiste na omissão de prestar um serviço seguro, que

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contribuiu para o dano sofrido. Assim, ela deve responder, não lhe aproveitando a força maior invocada.

Desta forma, constatado uma concausa da Administração, que tenha contribuído para o evento danoso, não existirá causa excludente de responsabilização, devendo a Administração Pública arcar com os danos causados ao particular. Ressalta-se, que a comprovação do caso fortuito e da força maior, deverá ser efetuada pela Administração que o alega, provando que o fato era inevitável e irresistível, não havendo nenhuma concausa que possa levá-lo a responsabilização.

Já quanto a excludente de responsabilidade da culpa exclusiva da vítima, esta é tão clara que a doutrina pouco refere sobre essa questão. Na culpa exclusiva da vítima esta tem a vontade de se auto-lesionar, não havendo, portando no que se falar em nexo de causalidade entre a conduta do agente e a lesão. A “vítima” age pura e simplesmente com a intenção de se machucar, utilizando-se de uma atividade pública para tanto.

Gasparini (2010, p. 1108) leciona que:

É o que ocorre quando a vítima se atira sob as rodas de um caminhão de lixo pertencente ao Estado. Por evidente, nada fez o agente estatal para a ocorrência desse evento gravoso para a vítima. Nesse caso e em outros semelhantes, não cabe qualquer responsabilidade ao Estado, pois não está presente o nexo indispensável entre a ação do Estado e o dano sofrido pela vítima. Ao contrário, se algum prejuízo deve ser indenizado é o do Estado, pois a vítima quem, com sua contribuição exclusiva e total para o evento, causou dano ao veículo público.

Ressalta-se, que mais uma vez a Administração Pública deverá provar a culpa exclusiva da vítima para se eximir de sua responsabilidade. Não poderá haver qualquer

concausa administrativa que tenha contribuído para o dano, sendo que se caso esta exista,

haverá na verdade culpa concorrente da vítima, e não culpa exclusiva. Neste sentido ensina Cunha Jr. (2007, p. 303) “quando houver culpa concorrente entre o Estado e a vítima, não haverá exclusão da responsabilidade, mas tão só, atenuação do quantum da indenização.”

Assim, tendo a Administração Pública contribuído, mesmo que em uma parcela, para o evento danoso, apesar da culpa concorrente da vitima, terá o dever de indenizar. Como resultado, disciplina o artigo 945 do Código Civil: “se a vítima tiver concorrido culposamente

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para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano” (BRASIL, 2002).

Seguindo a mesma lógica da culpa exclusiva da vítima, a culpa exclusiva de terceiro também exclui o nexo de causalidade entre a atividade administrativa e o dano ocasionado pelo particular. A doutrina majoritária não cita especificadamente a causa excludente de responsabilidade civil de culpa exclusiva de terceiro. Contudo ela pode ser plenamente aceita, seguindo os requisitos da culpa exclusiva da vítima.

Sobre esta causa excludente de ilicitude, ensina Dias (2013, p. 38):

A causa exclusiva de terceiros ocorre quando um terceiro é o causador do ato lesivo que provocou o dano ou prejuízo à vítima, caso em que ao Estado foi impossível a tentativa de mitigar ou impedir o evento danoso. O resultado da lesão não decorreu da ação dos agentes públicos excluindo o Estado da relação jurídica que possa vir existir e da imposição da obrigação de reparação do dano a ser postulada em processo judicial.

Desta forma, é necessário que a Administração prove que o fato ocorrido foi de culpa exclusiva de terceiro, sendo inevitável. Poderá neste caso também haver uma concausa que possa responsabilizar a Administração, dividindo o dever de indenizar aos responsáveis pelo evento danoso. Ocorre uma concausa, por exemplo, quando a Administração tinha o dever de proteger a pessoa lesionada e não o cumpriu, ensejando neste caso uma responsabilidade administrativa fundada na culpa pela falta do serviço.

1.4 Análise jurisprudencial acerca do entendimento dos desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

Importante se faz, a este estudo, demonstrar, como o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, vem entendendo e aplicando as formas de responsabilização civil aos eventos danosos causados pela Administração Pública ao particular.

Conforme estudado, a regra é a responsabilização objetiva do Estado pelos atos comissivos causados por seus agentes, bastando para tanto que fique configurado o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano causado a vítima, neste sentido, se posicionou o Tribunal de Justiça em seu julgado:

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EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. EXCESSO NA ATUAÇÃO DOS POLICIAIS MILITARES. AGRESSÃO FÍSICA. PRÁTICA DE TORTURA. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. QUANTUM MAJORADO. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA MANTIDOS. INAPLICABILIDADE DO DISPOSTO NO ART. 1º-F DA LEI 9.494/97, ANTE A DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO DISPOSITIVO LEGAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS E CUSTAS PROCESSUAIS MANTIDOS NOS TERMOS QUE FIXADOS EM SENTENÇA.

1. O réu, na condição de pessoa jurídica de Direito Público interno - Estado do Rio Grande do Sul -, tem os limites de sua responsabilidade civil estabelecidos no artigo 37, § 6°, da Constituição Federal. Trata-se, pois, de responsabilidade objetiva, cujos elementos a serem examinados são a efetiva ocorrência dos fatos, o nexo de causalidade e o dano.

2. “In casu”, a prova dos autos demonstra que os policiais militares agiram fora dos limites da legalidade no cumprimento da função pública, uma vez que, espancaram o autor, o levando para lugar ermo, exatamente nesse intuito. Comprovada a irregularidade da ação policial, bem como demonstrados o dano e o nexo de causalidade, configura-se a responsabilidade civil do Poder Público.

3. Majoração do valor da indenização para R$ 20.000,00 (vinte mil reais) importância que se mostra adequada ao caso e aos parâmetros adotados por este Colegiado. Ênfase à inadmissibilidade da violência policial injustificada, especialmente no caso que restou comprovada a prática de atos de tortura.

4. Diante da declaração da inconstitucionalidade do art. 5º da Lei nº 11.960/2009, deixo de aplicá-lo no que concerne aos consectários. Sobre a condenação por danos morais, portanto, deverá incidir correção monetária e juros de mora, nos termos em que dispostos em sentença, ou seja, (correção monetária a partir da data do arbitramento e juros de mora de 1% ao mês, a contar da data do evento danoso). 5. A verba honorária deve ser fixada em valor compatível com a dignidade da profissão e ser arbitrada levando em consideração o caso concreto, de modo que represente adequada remuneração ao trabalho do profissional. Artigo 20, §§ 3° e 4°, do Código de Processo Civil. Manutenção dos honorários fixados em 10% da condenação.

6. Custas processuais. Isenção. Ausência de interesse recursal, e impossibilidade de alteração de ofício.

À UNANIMIDADE, APELO DESPROVIDO. POR MAIORIA, RECURSO ADESIVO PROVIDO. (RIO GRANDE DO SUL, 2014).

Nas condutas omissivas do Estado a regra é a responsabilização subjetiva. Contudo em certos casos, constatado o dever fiel do Estado de proteger a coisa ou pessoa que esta sob sua guarda, os danos a ela causados, por omissão estatal, ensejam responsabilização objetiva. Neste sentido julgou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. MORTE DE DETENTO NAS DEPENDÊNCIAS DE PRESÍDIO. SUICÍDIO. ESTADO ALERTADO SOBRE A CONDIÇÃO DE SAÚDE DO APENADO. PENSIONAMENTO. CABIMENTO. DANOS MORAIS CARACTERIZADOS. 1. O Estado do Rio Grande do Sul tem responsabilidade de ordem objetiva pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, no termos do § 6º, do art. 37 da CF.

2 O Estado demandado apenas se desonera do dever de indenizar caso comprove a ausência de nexo causal, ou seja, prove a culpa exclusiva da vítima, fato exclusivo de terceiro, caso fortuito, ou força maior.

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3. Ao Estado, quando restringe a liberdade de qualquer cidadão, é imposto o dever de vigilância e guarda dos seus detentos. Ao passo que, aos presos é garantida constitucionalmente à integridade física e moral. Inteligência do art. 5º, inc. XLIX, da Constituição Federal.

4. No caso dos autos restou devidamente configurada a responsabilidade do ente público. Presente nos autos a conduta omissiva dos agentes responsáveis pela guarda dos indivíduos recolhidos naquele local, porquanto foram cientificados do estado de saúde peculiar do detento, que exigia maiores cuidados, capazes de evitar o evento morte ocorrido. Registre-se que a prova carreada ao feito dá conta que o Juiz responsável pela VEC, tomando conhecimento do estado de saúde do preso, comprovado por exame médico, determinou a realização de atendimento especializado.

5. Reconhecida a responsabilidade do Estado pelo evento danoso, exsurge o dever de ressarcir os danos daí decorrentes, como o prejuízo imaterial ocasionado, decorrente da dor e sofrimento da parte autora, em razão da perda de seu pai e companheiro.

6. No que tange à prova do dano moral, por se tratar de lesão imaterial, desnecessária a demonstração do prejuízo, na medida em que possui natureza compensatória, minimizando de forma indireta as conseqüências da conduta do demandado, decorrendo aquele do próprio fato. Conduta ilícita do demandado que faz presumir os prejuízos alegados pela parte autora, é o denominado dano moral puro.

7. O valor da indenização a título de dano moral deve levar em conta questões fáticas, como as condições econômicas do ofendido e do ofensor, a extensão do prejuízo, além quantificação da culpa daquele, a fim de que não importe em ganho desmesurado. Quantum mantido.

8. No que tange ao pensionamento é necessária para obtenção deste a dependência econômica, a qual é prevista legalmente no caso em discussão. Diante da inexistência de elementos que comprovem o recebimento de renda pelo pai e companheiro dos demandantes, a pensão deve ser arbitrada em 2/3 do salário mínimo, nos moldes fixados na decisão singular.

Negado provimento ao recurso. (RIO GRANDE DO SUL, 2014).

Conforme já exaustivamente mencionado, nas omissões estatais a regra é a responsabilização subjetiva, baseada na comprovação do nexo de causalidade entre a conduta omissiva, o dano causado e a prova do dever do Estado agir e não ter agido. Deste modo, deverá restar comprovado a culpa da Administração na falta do serviço ou na prestação ineficiente do mesmo. Neste sentido, se posicionou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no julgado:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL.

RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CULPA ADMINISTRATIVA. NEGLIGÊNCIA DO MUNICÍPIO. MORTE DO ESPOSO E PAI DOS AUTORES. FORTES CHUVAS E ENXURRADA. INFRA-ESTRUTURA INSUFICIENTE PARA CAPTAÇÃO E CANALIZAÇÃO DAS ÁGUAS.

Suficientemente provado o mau funcionamento do serviço público municipal faz presumir a culpa administrativa, caracterizando a obrigação de indenizar.

Caso concreto em que o esposo e pai dos autores dirigia seu automóvel através de via pública, quando seu veículo foi tragado pela águas de um córrego que se confundiram com a água existente sobre a pista de rolamento. Tragédia que ocorreu em razão de precarissima infra-estrutura para a captação e canalização das águas da chuva, pela falta de manutenção das valas existentes e de mureta de proteção no

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acostamento da margem do córrego. Configurada a falta de serviço, ou o serviço deficiente, gerando a obrigação de indenizar.

Afasta-se a responsabilidade civil objetiva do Estado, pois seus agentes, bombeiros, tudo fizeram para tentar resgatar a vítima ainda com vida, não sendo o caso da aplicação do § 6º, do artigo 37 da Constituição Federal.

APELAÇÃO DOS AUTORES PARCIALMENTE PROVIDA. (RIO GRANDE DO SUL, 2006).

Conforme estudado, a parte deve provar a culpa da Administração Pública na falta ou ineficiência dos serviços, sendo este seu exclusivo ônus. Não restando comprovada a culpa da Administração na omissão, por ser esta uma responsabilidade subjetiva, inexiste o dever de indenizar do Estado. Assim decidiu o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL.

LEGITIMIDADE DO MUNICÍPIO CONFIGURADA. PACIENTE COM DISTÚRBIO PSIQUIÁTRICO. ATENTADO CONTRA A VIDA DO AUTOR. OMISSÃO DOS ENTENS PÚBLICOS NÃO CONFIGURADA. SENTENÇA MANTIDA. PREQUESTIONAMENTO.

Legitimidade passiva do Município configurada, na medida em que se discute a omissão na prestação de serviços médicos ao autor dos disparos.

A responsabilidade dos entes públicos, quando calcada em omissão, é subjetiva, devendo ser perquirida a culpa.

Em tendo sido prestado o devido atendimento médico a paciente com distúrbio psiquiátrico delirante, que necessitava de internação apenas nos momentos de surtos psicóticos, não há que se responsabilizar os entes públicos pelos tiros que ele desferiu no autor, quando este transitava por rua de sua cidade.

Em não tendo sido comprovada qualquer omissão, por parte dos entes públicos, o dever de indenizar não existe, cuja culpa, pelos prejuízos suportados pelo autor, foram ocasionados pelo paciente que morreu no evento.

Porte de arma concedido pelo Estado quando o autor dos disparos não apresentava qualquer patologia.

Dever de segurança do Estado atendido, porquanto, a atuação do policial militar evitou que a tragédia atingisse contornos mais trágicos, sobretudo porquanto o atentado ocorreu em plena via pública.

Indenização indevida. Sentença mantida.

PRELIMINAR CONTRARRECURSAL. APELO DESPROVIDO. (RIO GRANDE

DO SUL, 2010).

Há casos, porém, que inexiste a responsabilidade civil do Estado, pela ocorrência das causas excludentes de ilicitude que excluem o próprio nexo de causalidade entre a conduta do Estado e o dano causado ao particular. Assim, alegado causa excludente cabe ao Estado prová-la.

A culpa exclusiva da vítima é uma das causas excludentes de responsabilização prevista no ordenamento jurídico. Neste sentido, inclusive julgou o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

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EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTE

DE TRÂNSITO. MOTOCICLETA. AQUAPLANAGEM. AÇÃO

INDENIZATÓRIA CONTRA O MUNICIPIO. RESPONSABILIDADE

OBJETIVA. AFERIÇÃO DA PRESENÇA OU NÃO DOS REQUISITOS CONFIGURADORES DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ENTE PÚBLICO. NEXO DE CAUSALIDADE NÃO COMPROVADO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA CONFIRMADA. PRECEDENTES.

A responsabilidade civil dos entes públicos, de regra, é objetiva, com base na teoria do risco administrativo, consagrada pela Carta Magna (Art. 37, § 6º). Havendo culpa exclusiva da vítima, fica excluída a responsabilidade do poder público; se a culpa for concorrente, a responsabilidade será mitigada, repartindo-se o quantum da indenização.

Acidente de trânsito. Frágil a prova carreada ao feito, tanto que o próprio autor/apelante assevera que o evento ocorreu devido a “fortes chuvas”, não existindo prova de que as condições da via pública contribuíram para a ocorrência do acidente. Ademais, ausentes subsídios a confortar a narrativa feita pelo apelante que deixa, inclusive, de esclarecer a velocidade e trajetória desenvolvidas. Desatendido o art. 333, I, do Código de Processo Civil, pois ausente comprovação do nexo de causalidade entre o estado de conservação da via e o evento lesivo, impondo-se a ratificação da sentença de improcedência.

APELAÇÃO IMPROVIDA. (RIO GRANDE DO SUL, 2014).

A culpa exclusiva de terceiros, insurge-se nos mesmos fundamentos da causa excludente de responsabilidade culpa exclusiva da vítima. Provado culpa exclusiva de terceiro no fato danoso, inexiste o dever do Estado indenizar. Assim se posicionou o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul no julgado:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. AÇÃO ORDINÁRIA. COLISÃO ENTRE AUTOMÓVEL E VIATURA POLICIAL MILITAR.

1. Em regra, o Estado do Rio Grande do Sul responde objetivamente pela reparação dos danos causados por seus agentes a terceiros, na forma do artigo 37, § 6º, do CPC, restando afastado tal dever em razão da culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, ou da ocorrência de caso fortuito ou força maior.

2. Os elementos de prova juntados aos autos demonstram que o acidente de trânsito ocorreu em virtude de culpa exclusiva do condutor do automóvel Gol (o qual veio a falecer em razão da colisão), que efetuou manobra de conversão à esquerda sem adotar as cautelas necessárias para tanto, vindo a interceptar a trajetória da viatura policial que se deslocava por aquela via. Ademais, os autores não comprovaram qualquer mácula na conduta do condutor deste veículo.

3. Em consequência, não há falar em condenação do ente público à reparação dos prejuízos invocados pelos autores.

APELAÇÃO DESPROVIDA. (RIO GRANDE DO SUL, 2014).

O caso fortuito e de força maior, conforme estudados, igualmente excluem a responsabilidade civil do Estado se comprovados pelo ente estatal. Seguindo este entendimento se posiciona o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL.

CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA

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