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A Lei Maria da Penha e suas eficácias no âmbito do controle/coibição da violência doméstica contra mulheres travestis e transexuais

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PATRIC SPANEMBERG

A LEI MARIA DA PENHA E SUAS EFICÁCIAS NO ÂMBITO DO

CONTROLE/COIBIÇÃO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA MULHERES TRAVESTIS E TRANSEXUAIS

Ijuí (RS) 2018

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PATRIC SPANEMBERG

A LEI MARIA DA PENHA E SUAS EFICÁCIAS NO ÂMBITO DO

CONTROLE/COIBIÇÃO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA MULHERES TRAVESTIS E TRANSEXUAIS

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Monografia.

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais

Orientador: Dr Maiquel Angelo Dezordi Wermuth

Ijuí (RS) 2018

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter me dado a vida, saúde, oportunidade e força para superar todas as dificuldades.

A Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul e seu corpo docente, que me deram ensinamento e a oportunidade de rever conceitos e reflexões.

Ao meu orientador, Dr Maiquel Angelo Dezordi Wermuth, que demonstrou-se sempre disposto, dando suporte, correções e incentivos.

Aos meus pais Luis Sérgio e Polônia, pelo amor, incentivo e apoio incondicional. A minhas irmãs Patrícia e Priscila, que conviveram comigo desde a mais tenra idade, contribuindo para a escolha do tema da presente monografia.

A minha esposa Elise, um anjo em meu ombro, pelo apoio e compreensão dos momentos de lazer que não me fiz presente porque estava realizando a presente monografia. As minhas filhas Brenda e Isadora, que são razões para que eu lute por um futuro melhor, mais justo e igualitário para as mulheres.

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“A igualdade de oportunidades para homens e mulheres é um princípio essencial da democracia.”

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Dilma Rousseff

RESUMO

A denominada Lei Maria da Penha é a principal Lei brasileira criada para amparar as mulheres contra violência cometida por homens. Desde a criação da Lei estudada, algumas melhorias já foram feitas, mas ainda são necessárias algumas modificações para que as mulheres sejam protegidas de maneira eficaz. A violência de sexo atinge também travestis e transexuais, que na atualidade, quando vítimas de crimes cometidos por homens, são tratados perante a lei como sendo do sexo masculino. Nesse sentido, a presente monografia objetiva analisar as eficácias da Lei Maria da Penha na coibição da violência doméstica cometida por homens contra mulheres travestis e transexuais. Utilizou-se principalmente a pesquisa bibliográfica, leituras de artigos, análises de casos reais, doutrinas e decisões judiciais como material de apoio para o desenvolvimento do presente trabalho, que é perspectivado a partir do método hipotético-dedutivo. Parte-se da hipótese de que é de suma importância a utilização de medidas legais para proteção das mulheres vítimas de violência doméstica. A realidade mostra que não será a curto prazo, no entanto, que a violência de sexo será erradicada, mas um importante passo já foi dado com a criação da Lei Maria da Penha. Algumas modificações ainda devem ser feitas, adotando mecanismos de ressocializar e conscientizar os homens que praticam violência contra mulheres. Em suma, no decorrer da monografia, buscar-se-á demonstrar em quais quesitos a Lei está funcionando e hipóteses de melhorias que podem ser realizadas.

Palavras-Chave: Lei Maria da Penha. Violência Doméstica. Mulheres. Travestis. Transexuais.

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ABSTRACT

The so-called Maria da Penha Law is the main Brazilian Law created to protect women from violence committed by men. Since this Law was created, some improvements have been made, but some modifications are still needed to ensure that women are protected effectively. Gender violence also affects transvestites and transsexuals that, at present, when victims of crimes committed by men, are treated by the law as being male. This monograph aims to analyze the efficacy of the Maria da Penha Law, in the control of domestic violence committed by men against women, transvestites and transsexuals. Bibliographical research, article readings, studies of real cases and doctrines and judicial decisions were used as main support material for the development of this work. However, it is extremely important to use legal action to protect women victims of domestic violence. The reality shows that it won’t be in the short term that gender violence will be eradicated from our country, but an important step has already been taken with the creation of the Maria da Penha Law. Some modifications must still be made, adopting mechanisms to re-socialize and raise awareness among men who commit violence against women. In short, during the monograph, we will see which issues the Law is working and hypotheses for improvements that can be made.

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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS...8

1 A LEI MARIA DA PENHA...11

1.1 A violência doméstica e o âmbito de incidência da Lei Maria da Penha...13

1.2 A Lei Maria da Penha e questões de gênero...14

2 A LEI MARIA DA PENHA E SUAS EFICÁCIAS NO ÂMBITO DO CONTROLE/COIBIÇÃO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA MULHERES TRAVESTIS E TRANSEXUAIS...19

2.1 A necessária leitura da questão de sexo na Lei Maria da Penha...19

2.2 As medidas protetivas estabelecidas na Lei Maria da Penha e sua efetividade em face da Lei 13.641/18...33

CONSIDERAÇÕES FINAIS...41

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A Constituição Federal de 1988, garante que todas as pessoas devem ser tratadas de forma igualitária. Porém, devido a uma cultura patriarcal inserida na sociedade brasileira, ainda existe um sentimento de submissão da mulher em relação ao homem. Isso porque, ao longo do tempo, foi culturalmente ensinado que a mulher deve ser protegida, e que o homem deve ser o protetor.

Ao longo dos anos, a sociedade transmitiu à mulher que ela deve ater-se ao lar, aos filhos e atividades domésticas, enquanto o homem faria o trabalho externo tornando-se o provedor financeiro da família.

Sendo assim, foi criada uma identidade de gênero, diferenciando as funções dos homens e das mulheres na sociedade. A mulher foi educada a ser submissa ao homem, e esse sentimento de submissão e inferioridade fez com que o homem passasse a agredir as mulheres.

A violência doméstica atinge a mulher pertencente a toda a classe social, cor, etnia ou localização geográfica em que se encontra. Os modelos patriarcais continuam sendo tolerados na sociedade.

É importante e de fundamental importância o crescimento dos movimentos feministas no Brasil, que através de movimentos sociais e representantes políticos, estão lutando e obtendo êxito em reduzir a violência de desigualdade contra a mulher.

A violência contra as mulheres é um problema histórico no Brasil. O debate em torno das agressões domésticas tem sido mais frequente nas últimas décadas. Algumas melhorias estão sendo realizadas, mas muito ainda deve ser feito. Nesse sentido, o problema que orienta a presente pesquisa pode ser assim sintetizado: em que medida se pode promover a inclusão de travestis e transexuais no amparo da Lei Maria da Penha, considerando que na atual conjuntura, quando estas pessoas sofrem violência no âmbito doméstico, elas são tratadas como homens e a legislação especial não as ampara?

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A hipótese central do presente trabalho reside na compreensão de que a Lei Maria da Penha precisa ser revista, principalmente diante da necessidade de que ela também ampare mulheres transexuais e travestis, as quais, muitas vezes, são vítimas de agressões causadas por ex-companheiros ou pessoas de seu convívio doméstico ou familiar. As mulheres transgêneros e travestis vêem a si mesmas como mulheres e, portanto, como mulheres devem ser tratadas.

Com o objetivo de reduzir o problema em questão, criou-se a Lei nº 11.340/06, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, que possui medidas protetivas que visam a igualar homens e mulheres, como prevê a nossa Carta Maior. Objetivando amparar e proteger a mulher vítima de violência doméstica, a Lei busca mecanismos para coibir a violência contra a mulher.

Nesse sentido, a presente pesquisa busca, como objetivo geral, analisar criticamente a Lei Maria da Penha, as melhorias que devem ser feitas na legislação diante da realidade social, mais especificamente no que se refere à sua aplicação às mulheres trans e travestis.

Como objetivos específicos, busca-se: a) Identificar as eficácias e melhorias que se fazem necessária na redação da Lei 11.340/2006. b) Verificar quais são os principais problemas a serem revistos em caso de ineficácia; c) Debater a inclusão, na proteção da lei, de travestis e transgêneros.

Sendo assim, no primeiro capítulo do presente trabalho, será abordado sobre como se deu o início da criação da Lei Maria da Penha, o problema da violência doméstica e o âmbito de incidência da Lei, e ainda as questões de sexo que envolvem sua aplicação.

Por sua vez, o segundo capítulo tratará sobre a Lei Maria da Penha e suas eficácias no âmbito da coibição da violência doméstica contra mulheres, travestis e transexuais. Tratará sobre a necessária leitura da questão de sexo na Lei Maria da Penha. E ainda fará referência sobre as medidas protetivas estabelecidas na Lei Maria da Penha e sua efetividade em face da Lei nº 13.641/2018.

A principal justificativa para o tema proposto é a inserção do problema da injustiça que historicamente as mulheres sofrem no Brasil. O feminicídio deve ser combatido de forma

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prioritária, através de legislação e políticas públicas eficazes. Nesse contexto, a temática possui especial relevância quando dimensionada a partir da sociedade desigual, em uma cultura muitas vezes religiosa, que afirma que as mulheres devem ser submissas aos homens, gerando sensação de que a relação de homem com mulher é uma relação de superioridade e inferioridade. Portanto, busca-se contribuir, fomentar o debate e enriquecer a reflexão sobre o assunto.

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1 A LEI MARIA DA PENHA

“Maria da Penha” é a denominação popular da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Esta denominação é uma referência à Sra. Maria da Penha Maia Fernandes, uma mulher cearense que sofreu diversas agressões por parte de seu marido Marco Antônio Heredia Viveiros.

Na noite do dia 29 de maio de 1983, Maria da Penha Maia Fernandes, na época com 38 anos, foi atingida por um disparo de arma de fogo, enquanto dormia, ficando paraplégica. O autor do disparo foi seu próprio marido. Quem deveria protegê-la, atentou contra sua vida. Alguns dias depois, ele tentou matá-la novamente, através de eletrochoque e afogamento, enquanto Maria tomava banho.

Durante o tempo em que permaneceu casada, Maria da Penha sofreu diversas humilhações, agressões, ameaças, perturbações e intimidações, sem reagir, temendo uma represália contra ela e suas três filhas. Maria temia ser assassinada, motivo pelo qual não denunciou o companheiro diante da primeira agressão sofrida.

O agressor conseguiu ficar em liberdade graças a recursos manejados com intuito exclusivamente protelatório. Marcos Viveiros foi preso tardiamente, no ano de 2002, cumpriu dois anos de prisão, então progrediu ao regime aberto.

Os episódios de violência vivenciados por Maria da Penha, aliados à morosidade judicial verificada no processo movido contra o agressor, são considerados o estopim para a criação da Lei Maria da Penha, mais especificamente após a intervenção do Sistema Interamericano de Direitos Humanos no caso. O caso chegou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por meio de denúncia formulada por Maria da Penha, pelo Centro para a Justiça e o Direito Internacional e pelo Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM). No ano de 2001, em face da denúncia apresentada contra o Estado brasileiro, a CIDH responsabilizou-o por omissão, negligência e conivência com a violência contra a mulher, considerando, no julgamento, a Convenção de Belém do Pará.

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O Estado tem o dever de criar políticas e Leis que protejam a mulheres especialmente no que diz respeito aos Direitos Humanos. Na atualidade, o problema principal não é normatizar direitos, mas sim garantir que sejam respeitados. No que se refere à proteção dos direitos das mulheres, eles foram construídos aos poucos, com décadas de lutas. Ainda hoje, não foi saciada a dívida histórica que a sociedade tem para com as mulheres, por tanto tempo de subordinação em relação aos homens (JESUS, 2015).

O Brasil ratificou alguns tratados que dizem respeito a proteção das mulheres, como de 09 de junho de 1994, e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos passou a vigorar no ano de 1978. Objetiva proteger internacionalmente os direitos fundamentais da pessoa humana. Qualquer pessoa pode oferecer denúncias referente a violações dos direitos humanos. O caso das agressões a Maria da Penha Maia Fernandes, foi denunciado na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em 20 de agosto de 1998, a qual recomendou ao Brasil que procedesse uma investigação séria sobre o caso. Como o Brasil não se manifestou, a Comissão agiu sozinha, e diante da inércia do Brasil, presumiu serem verdadeiros os fatos relatados na inicial.

Em abril de 2001, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, publicou um relatório informando quais as providências que o Brasil deveria tomar para combater a violência contra as mulheres. Em março de 2002 aconteceu uma audiência a respeito do caso na Organização dos Estados Americanos, quando o Brasil reconheceu que deve cumprir todas as recomendações da Comissão. Então, em setembro de 2002, Antonio Heredia Viveros, agressor de Maria da Penha, foi finalmente preso no Estado do Rio Grande do Norte.

Realizadas essas primeiras colocações, esclarece-se que o presente capítulo objetiva analisar a Lei Maria da Penha, sua criação e seus objetivos, ou seja, a verdadeira finalidade da criação da referida Lei.

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1.1 A violência doméstica e o âmbito de incidência da Lei Maria da Penha

Infelizmente, a sociedade cultiva alguns valores que incentivam a violência. Existe uma desigualdade enraizada na cultura brasileira. Por origens sociais e religiosas, foi construída uma imagem de superioridade masculina, exaltando sua agressividade e virilidade. Meninos são ensinados a serem fortes, a não chorar e não levar desaforo pra casa. Com isso, pode-se afirmar que a violência, além de outras fontes, também é fruto de culturas arraigadas nas famílias, considerando que uma criança que cresce em um ambiente familiar hostil e violento, poderá achar que é natural e normal fazer uso da violência para resolver conflitos.

Ditados populares, repetidos de forma jocosa, absolveram a violência doméstica: “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”; “ele pode não saber por que bate, mas ela sabe porque apanha”. Esses, entre outros ditos repetidos como brincadeira, sempre esconderam uma certa conivência da sociedade para com a violência doméstica. Talvez o mais terrível deles seja: “mulher gosta de apanhar”, engano gerado pela dificuldade que elas têm de denunciar o seu agressor. Seja por medo, por vergonha, por não ter para onde ir, por receio que não conseguir se manter sozinha e sustentar os filhos, o fato é que a mulher resiste em buscar a punição de quem ama ou, ao menos, um dia amou. (DIAS, 2007, p.15).

A Lei Maria da Penha reconhece como violência doméstica as seguintes formas de agressão: violência física, sexual, psicológica, moral e patrimonial. Mesmo que as agressões sejam na forma tentada, a legislação protege as mulheres.

A Lei em questão tem como objetivo proteger as mulheres em decorrência de agressões causadas por homens, no ambiente doméstico ou familiar. Caso ocorra que uma mulher seja agredida por um homem, e este não seja de seu vínculo afetivo, doméstico ou familiar, não se aplica a Lei Maria da Penha, mas sim a legislação penal comum, salvo nos casos nos quais o Judiciário decide por aplicar a Lei nº 11.340/06 por analogia (DIAS, 2007).

Portanto, fica evidente que a Lei Maria da Penha trouxe avanços no que tange à questão de violência contra a mulher. No entanto é visível que melhorias devem ser feitas. É necessário que o legislador faça uma análise do resultado da referida Lei, ao longo dos doze anos em que ela está em vigor e, principalmente, que ouça a voz das mulheres, afinal, são elas que irão dizer o que deve ser feito para o aprimoramento legislativo.

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Uma Lei de tamanha importância, como a Maria da Penha, não deve ficar somente nas estantes dos bacharéis e juristas, deve ser amplamente divulgada para o povo, através de jornais, emissoras de rádio, televisão, revistas e discutidas nas redes sociais, para que até mesmo a pessoa mais humilde, que vive na favela mais afastada, tenha conhecimento sobre os seus direitos. As novelas e programas televisivos de entretenimento também podem colaborar de forma significativa para a divulgação do tema.

A principal necessidade de alteração na Lei em questão, é sem dúvida, o amparo às mulheres travestis e transgêneros, que na atualidade, quando sofrem violência, perante a Lei, são tratadas como homens, o que causa muito constrangimento moral em algumas ocasiões.

No que se refere à aplicabilidade da Lei Maria da Penha nos casos de violência doméstica contra transexuais e travestis, a Comissão Especial da Diversidade Sexual do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, emitiu uma norma técnica em decorrência do questionamento feito pelo Conselho Regional de Psicologia da 16ª Região e por membros de movimentos sociais de todo o País, sobre a aplicabilidade da Lei n° 11.340/2006.

A referida Lei afirma que “a violência doméstica e familiar contra a mulher” (art. 1°), definida pela Lei como “qualquer ação ou omissão baseada em gênero que lhe cause morte, lesão ou sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” (art.5°)

No entanto, se os artigos citados utilizam a expressão “mulher” como sexo, os travestis e transexuais podem fazer parte de pelo menos um destes dois conceitos. É com este tema que se ocupa o tópico a seguir.

1.2 A Lei Maria da Penha e questões de sexo

Dias (2014, p. 2) esclarece que gênero é elemento subjetivo, que se refere a aspectos psicológicos e sociais, a partir dos quais pessoas vivem papéis masculinos ou então femininos. Sexo é elemento objetivamente biológico.

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A Lei n° 11.340/2006 foi criada para proteger os vulneráveis, as mulheres que historicamente sofrem violência cometida por homens. Existe, na maioria dos casos, uma subordinação econômica das mulheres em relação ao marido ou ao pai. Como observou o Ministro Celso de Mello, no julgamento da ADC nº 19/DF (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2006), ao salientar que:

O processo de afirmação da condição feminina há de ter, no direito, não um instrumento de opressão, mas uma fórmula de libertação destinada a banir, definitivamente, da praxis social, a deformante matriz ideológica que atribuía, à dominação patriarcal, um odioso estatuto de hegemonia capaz de condicionar comportamentos, de moldar pensamentos e de forjar uma visão de mundo absolutamente incompatível com os valores desta República.

No entanto, a mulher como sexo feminino é o objeto de proteção da Lei, sendo considerada o papel mais vulnerável e frágil no ambiente familiar, sendo culturalmente subordinada ao pai ou ao marido, e em alguns casos subordinada até mesmo aos irmãos e aos filhos.

É evidente que as mulheres são discriminadas e muitas vezes tratadas como inferiores. Não diferente disso é o tratamento suportado por travestis e transexuais, que são uma minoria tratada com desprezo, preconceito e muitas vezes com indiferença por parte do Estado (MADALENO, 2013).

O gênero se torna, aliás, uma maneira de indicar as “construções sociais” – a criação inteiramente social das ideias sobre os papéis próprios aos homens e às mulheres. É uma maneira de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas dos homens e das mulheres. O gênero é, segundo essa definição, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado. [...] o gênero se tornou uma palavra particularmente útil, porque ele oferece um meio de distinguir a prática sexual dos papéis atribuídos às mulheres e aos homens (SCOTT, 1991, p. 7).

A transexualidade pode ser percebida como um transtorno, entendendo esse transtorno como uma não adequação com seu sexo biológico, o que algumas vezes faz com que a sociedade veja a pessoa trans como doente.

A suposição implícita que segue orientando a classificação oficial de uma pessoa como transexual é a de uma mente aprisionada em um corpo, uma mente heterossexual. É inconcebível, a partir dessa perspectiva, que um corpo-sexuado homem se reconstrua como corpo-sexuado mulher e que eleja como objeto de desejo uma mulher, pois uma mulher “de verdade” já nasce

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feita, é heterossexual, e só assim poderá desempenhar seu principal papel: a maternidade (BENTO, 2006, p. 107).

De acordo com a afirmação de Berenice Bento (2006, p. 18): “a transexualidade é uma experiência identitária, caracterizada pelo conflito com as normas de gênero.” Sendo assim, a mulher transexual, mesmo nascendo com órgão reprodutor masculino, autodenomina-se como sendo do sexo feminino. Sendo assim, deve ser tratada, em todos os casos, como mulher.

Ocorre, no entanto, que não basta apenas mudar a Lei. É de suma importância que os profissionais da segurança pública (policiais militares e policiais civis), que são os primeiros servidores públicos que atendem as mulheres vítimas de violência, tenham um treinamento voltado aos Direitos Humanos, livre de preconceitos e com domínio sobre o tema, muito especialmente no tratamento das mulheres travestis e trans. Muito importante e respeitoso, é que os policiais perguntem para a mulher travesti ou trans, por qual nome ela que ser chamada. Isso porque, na maioria das vezes, elas preferem ser chamadas por um nome feminino (nome social) que não é o nome de batismo constante em seu Registro Geral. E mesmo que a mulher travesti ou trans não possua a Carteira Social, que é uma carteira de identidade válida em que consta o seu nome feminino, ela deve ser chamada pelo nome que ela quer ser chamada.

Existe uma maneira de qualificar e humanizar mais o atendimento da Polícia nas ocorrências do tipo Maria da Penha. Basta, para tanto, que seja dada ênfase no assunto nos cursos de formação policial. E, para os policiais já em atividade, basta que profissionais competentes ministrem palestras para o efetivo, explicando os procedimentos e a necessidade de humanização, auxiliando na instituição paulatina de uma cultura de respeito aos Direitos Humanos. Mas para isso, precisa-se de um aval do Governo, que nem sempre se mostra solidário para com as necessidades das mulheres travestis e trans.

Alguns avanços já estão sendo feitos no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul. Em alguns municípios a Brigada Militar criou a chamada Patrulha Maria da Penha, com o objetivo de assegurar rondas policiais periódicas às residências de mulheres em situação de violência doméstica e familiar, para garantir o cumprimento das medidas protetivas de urgência aplicadas pelo juiz após a denúncia de agressão sofrida pelas vítimas (GERHARDT, 2014).

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A violência contra as mulheres não é um fato novo, mas tão antigo quanto a própria humanidade. Entende-se que a Lei Maria da Penha se aplica quando a agressão, física ou moral, envolve violência contra mulher, ou quando fica evidente o menosprezo ou discriminação à condição de mulher (nesta citação, fazendo referência “à condição de mulher”, é que se pode amparar as mulheres travestis e transgêneros, considerando que elas evidentemente estão em condições de mulher).

É notável que a mulher ganhou mais visibilidade depois que entrou em vigor a Lei Maria da Penha, que atende aos compromissos assumidos pelo Brasil a partir da ratificação de tratados internacionais. Na ementa da Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência doméstica no Brasil, evidencia-se que a violência doméstica deve ser considerada uma violação aos direitos humanos. O artigo 6º da referida Convenção, dispõe que: “a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma violação dos direitos humanos”.

Para que o tratado em questão tenha efetividade, no entanto, é necessário que sejam definidas algumas matérias no que diz respeito à competência. Assim, foram criados pela Lei nº 11.340/06, os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, conforme trata o artigo 14 da mencionada Lei:

Art.14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.

A história da sociedade é marcada pelo processo de estigmatização das mulheres, considerando que a desigualdade de sexos em muitas ocasiões trata as mulheres como inferiores. Isso se deve a uma cultura histórica patriarcal inserida na cultura do nosso país. No entanto, a violência contra mulheres passou despercebida durante anos, visto que infelizmente foi aceita pela sociedade, a qual se mantinha inerte a essa relação de submissão das mulheres diante dos homens (PORTO, 2006).

Em decorrência de um recente avanço legislativo e das ações aderidas pelo Estado, visando à garantia dos direitos das mulheres, os mecanismos adotados são parcialmente adequados. Melhorias devem ser feitas especialmente no amparo das mulheres trans e

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travestis. A igualdade de sexos deve ser garantida. Mecanismos adotados atualmente na proteção das mulheres, estão se mostrando apenas parcialmente eficazes.

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2 A LEI MARIA DA PENHA E SUAS EFICÁCIAS NO ÂMBITO DO CONTROLE/COIBIÇÃO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA MULHERES TRAVESTIS E TRANSEXUAIS

Neste capítulo, serão abordadas as eficácias e as melhorias que devem ser realizadas na Lei Maria da Penha, tanto no que se refere à coibição da violência contra mulheres, como contra travestis e transexuais. Será abordado o tema da má compreensão existente na atualidade sobre questões de sexo, assim como a cultura machista enraizada na sociedade desde os tempos bíblicos. A violência contra mulheres travestis e transexuais, nesse sentido, será apontada como resultado da cultura de ódio e intolerância contra o que parte da sociedade discursa como ideal, que seriam famílias heterossexuais, compostas por marido, esposa e seus filhos, gerando intolerância contra qualquer família diferente deste idealismo cultural arcaico.

Face a este contexto é que se mostra necessário o reconhecimento de um amparo jurídico para estas minorias sociais que sofrem tantos preconceitos. Para além disso, busca-se evidenciar a importância das Escolas, muito especialmente nas séries iniciais, abordarem o tema, para que assim as crianças aprendam desde tenra idade a serem tolerantes com o que é considerado diferente.

Por fim, busca-se demonstrar que as Leis Maria da Penha e de Feminicídio são insuficientes para erradicar a violência doméstica. Por mais que as recentes leis contribuam para a coibição da violência contra a mulher, ainda há melhorias a serem feitas (PORTELA, 2011).

2.1 A necessária leitura da questão de sexo na Lei Maria da Penha

De acordo com a Lei 11.340/06, em seu artigo 5º, é considerada violência doméstica ou familiar contra as mulheres apenas agressões baseadas em sexo, ou seja, violência de homem contra mulher, ignorando casos de casais homossexuais, não amparando, consequentemente, mulheres transexuais e travestis. A interpretação é de que a Lei Maria da

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Penha foi criada para proteger apenas mulheres que fazem parte das famílias consideradas “tradicionais”.

Porém, há jurisprudência recente que já proferiu medidas protetivas de urgência em favor de transexual mulher que foi agredida pelo companheiro:

EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO CONTRA DECISÃO DO JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. DECLINAÇÃO DA COMPETÊNCIA PARA VARA CRIMINAL COMUM. Inadmissão da tutela da Lei Maria da Penha, Agressão de transexual feminino não submetida a cirurgia de redesignação sexual (CRS). Pendência de resolução de ação cível para retificação de prenome no registro público. Irrelevância. Conceito extensivo de violência baseada no gênero feminino. Decisão reformada. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA-DISTRITO FEDERAL, 2018).

Com o advento da Lei nº 13/104/15 nasceu a possibilidade quanto ao sujeito passivo do crime de feminicídio: a necessidade de figurar pessoa transexual como vítima do feminicídio.

Para exemplificarmos, compartilhando de raciocínio do Tribunal de Justiça do Estado Minas Gerais, que já aplicou a Lei Maria da Penha também para transexuais:

EMENTA: APELAÇÃO HC. Para a configuração da violência doméstica não é necessário que as partes sejam marido e mulher, nem que estejam ou tenham sido casados, já que a união estável também se encontra sob o manto protetivo da lei. Admite-se que o sujeito ativo seja tanto homem quanto mulher, bastando a existência de relação familiar ou de afetividade, não importando o gênero do agressor, já que a norma visa tão somente à repressão e prevenção da violência

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doméstica contra a mulher. Quanto ao sujeito passivo abarcado pela lei, exige-se uma qualidade especial: ser mulher, compreendidas como tal as lésbicas, os transgêneros, as transexuais e as travestis, que tenham identidade com o sexo feminino. Ademais, não só as esposas, companheiras, namoradas ou amantes estão no âmbito de abrangência do delito de violência doméstica como sujeitos passivos. Também as filhas e netas do agressor como sua mãe, sogra, avó ou qualquer outra parente que mantém vínculo familiar com ele podem integrar o polo passivo da ação delituosa. (MINAS GERAIS, 2010).

No entanto, entende-se que, em relação ao transexual, após cirurgia de mudança de sexo, bem como após provimento jurisdicional tem o direito de ser identificado como sendo do sexo feminino, é indiscutível a incidência da lei penal considerando a pessoa transexual como mulher, aplicando o critério jurídico para a incidência do feminicídio no caso de vítima transexual.

Por analogia, entende-se que o mesmo raciocínio estende-se ao travesti diante da real possibilidade de ser identificado como mulher.

No entanto, para os efeitos penais, entende-se ser absoltamente possível figurar a pessoa transexual e a pessoa travesti como vítima do feminicídio, independentemente que seja alterada suas características mediante cirurgia de mudança de sexo ou seu nome social.

A sociedade brasileira foi educada com uma cultura machista. Os homens, muitas vezes, acreditam que a mulher é sua propriedade, e que por isso teriam verdadeiro “direito” de agredi-la. Na cultura brasileira, salvo exceções a regra, as crianças passam a maior parte do tempo na companhia da mãe ou de outras mulheres, como tias ou professoras, e pouco tempo na companhia do pai ou de figuras masculinas, ficando evidente que as mulheres também têm responsabilidade na educação dos meninos, que serão homens no futuro. É necessário que os meninos sejam educados desde tenra idade, de forma a respeitarem as mulheres e os seus direitos (GERHARDT, 2014).

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As escolas, muito especialmente nas séries iniciais, também não podem se eximir da responsabilidade em tratar do tema violência contra a mulher, sendo fato notório que muitas vezes as crianças convivem no ambiente doméstico, com casos de agressões de homens contra mulheres.

A má compreensão da denominada “ideologia de sexo” acarreta uma série de problemas. Desde tenra idade, esta má compreensão pode causar confusão no processo de formação das crianças, que não conseguem ter compreensão sobre o assunto e muitas vezes são influências por discursos preconceituosos.

Infelizmente, a intolerância sempre fez parte da sociedade. Ocorre que, na atualidade, uma onda de violência, pautada por discursos de ódio, está avançando sobre a sociedade. As mulheres, transexuais e transgêneros, sofrem com a proliferação desses discursos de ódio, uma vez que historicamente sofreram agressões originadas por pessoas do sexo masculino. Todo método de violência e ódio, seja contra quem for, deve ser combatido e não incentivado, considerando que violência gera violência, e a história mostra que os métodos que um determinado grupo de pessoas utiliza contra outro grupo, acaba por se proliferar e atingir a toda a sociedade. É de suma importância que as questões de sexo sejam compreendidas.

Isso pode ser feito através da educação nas Escolas e através dos meios de comunicação em massa, como rádio, televisão e jornais. Muito cuidado deve-se ter com as redes sociais, considerando que em alguns casos, pessoas com comportamentos fascistas distorcem o real conceito de ideologia de sexo, utilizando-se até mesmo de “contas falsas”, onde fica mais difícil de identificar os autores.

Obviamente que a grande mídia também, em alguns casos, pode distorcer o real conceito de sexo, com discursos que desrespeitam os direitos humanos, mas nesses casos é bem mais fácil de identificar a autoria. No entanto, fica evidente que o principal problema da má compreensão das questões de sexo, é a violência que acarreta e atinge a sociedade como um todo (PORTELA, 2011).

Para que se aplique a Lei Maria da Penha, é necessário que: a) a vítima de qualquer tipo de violência tenha sido mulher; b) exista um vínculo de afetividade ou intimidade entre vítima e autor; c) e que a agressão tenha ocorrido em razão de sexo.

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A necessidade de uma Lei que proteja as mulheres é imprescindível, assim como sua constitucionalidade, mas é notável que sua eficácia deve ter melhorias. Via de regra, por sua natureza, as mulheres são fisicamente mais vulneráveis que os homens. Isso faz com que em caso de uma luta corporal entre um homem e uma mulher, na maioria dos casos o homem vai apresentar vantagens físicas, devido à sua compleição física e hormônios masculinos que fazem com que sua musculatura seja mais forte do que a da mulher. Mas algo deve ser revisto, porque nos casos de transexuais que fazem uso de hormônios femininos, e por isso tem seu corpo idêntico ao das mulheres, mas que em sua carteira de identidade constam como sexo masculino, em caso de conflito com um homem, mesmo no âmbito familiar, não são amparados pela Lei nº 11.340/2006.

A Lei Maria da Penha tem como objetivo proteger as mulheres que são agredidas por serem mulheres, que na maioria das vezes são vistas por seus agressores como seres inferiores. A referida Lei não consente que as mulheres sejam violentadas simplesmente pelo fato de serem mulheres. No entanto, não se pode falar sobre a Lei Maria da Penha sem levar em consideração a questão de sexo (MADALENO, 2013).

Existe, também, uma pequena parcela da população de pessoas que possuem órgãos sexuais de fêmea e macho simultaneamente, são os chamados hermafroditas. O sexo é associado à ligação com a natureza e suas manifestações em características físicas externas. Gênero é um conceito criado posteriormente, principalmente através de movimentos feministas que muito colaboram para com os direitos humanos (SCOTT,1991).

O gênero se torna, aliás, uma maneira de indicar as “construções sociais” – a criação inteiramente social das idéias sobre os papéis próprios aos homens e às mulheres. É uma maneira de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas dos homens e das mulheres. O gênero é, segundo essa definição, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado. [...] o gênero se tornou uma palavra particularmente útil, porque ele oferece um meio de distinguir a prática sexual dos papéis atribuídos às mulheres e aos homens (SCOTT, 1991, p. 7).

A questão de sexo é fundamental na discussão sobre o desempenho dos papeis socialmente atribuídos a mulheres e homens, suas disparidades originadas do sistema patriarcal histórico, com bases em uma concepção arcaica de família em que toda a família deveria ser submissa ao homem. A transexualidade é vista por parte da sociedade como sendo uma patologia de transtorno de sexo. Acredita-se que esse transtorno é uma inadequação do

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sexo da pessoa com o seu sexo biológico. Essa perspectiva é aceita e ratificada pela medicina e pelas ciências psicológicas e psiquiátricas.

A falta de preparo de alguns profissionais do poder Judiciário e Legislativo, em alguns casos, provoca constrangimentos com a confusão operada entre os conceitos de sexo e orientação sexual, o que acaba criando uma situação de insegurança jurídica muito prejudicial para as mulheres travestis e transexuais. Existem algumas decisões do Poder Judiciário brasileiro que preveem a possibilidade da aplicação da Lei Maria da Penha aos casos de violência doméstica e familiar de casais homoafetivos e transexuais, como se observa na decisão do processo nº 201103873908 da Comarca de Anápolis em Goiás:

Desta forma, apesar da inexistência de legislação, de jurisprudência e da doutrina ser bastante divergente na possibilidade de aplicação da Lei Maria da Penha ao transexual que procedeu ou não à retificação de seu nome no registro civil, ao meu ver tais omissões e visões dicotómicas não podem servir de óbice ao reconhecimento de direitos erigidos à cláusulas pétreas pelo ordenamento jurídico constitucional. Tais óbices não podem cegar o aplicador da lei ao ponto de desproteger ofendidas como a identificada nestes autos de processo porque a mesma não se dirigiu ao Registro Civil de Pessoas Naturais para, alterando seu assento de nascimento, deixar de se identificar como Alexandre Roberto Kley e torna-se 'Camille Kley' por exemplo! Além de uma inconstitucionalidade uma injustiça e um dano irreparáveis! O apego à formalidades, cada vez mais em desuso no confronto com as garantias que se sobrelevam àquelas, não podem me impedir de assegurar à ora vítima TODAS as proteções e TODAS as garantias esculpidas, com as tintas fortes da dignidade, no quadro maravilhoso da Lei Maria da Penha (GOIÁS, 2011).

Como se pode observar, no texto da sentença da juíza Ana Cláudia Veloso, mostra-se claramente o despreparo para tratar com respeito a essas mulheres, insistindo em fazer com que a pessoa trans use seu nome do registro civil em lugar do nome social, causando constrangimentos. É, mesmo assim, uma decisão pioneira e que representa um avanço representativamente importante.

Pois bem! Compulsando detidamente os autos em testilha observa-se que apesar de constar na capa dos autos de processo o nome da ofendida como sendo 'Alexandre Roberto Kley', em verdade a referida pessoa fora submetida a uma cirurgia de redesignação sexual há 17 (dezessete) anos atrás como resulta do opúsculo objurgado. [...] 07. É possível colher ainda do cartapácio sub studio que, além da vítima declarar que fez a cirurgia mencionada no inciso 05 supra, esta possui a profissão de cabeleireira e, segundo o depoimento do condutor do investigado (fls. 03/04), aparentemente a mesma se apresenta como uma mulher. [...] Portanto,

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excluir ou não reconhecer direitos a uma pessoa apegando-se à sua orientação sexual, seria conceder tratamento indigno ao ser humano, ignorando a proteção constitucional da dignidade da pessoa humana. [...] 18. É por pertencer a um Estado Democrático de Direito, que não se deve admitir imposição da opção sexual, sendo dever todos respeitar e serem respeitados em suas respectivas proteções e orientações sexuais (GOIÁS, 2011).

Na referida decisão, objetivando explicitar as diferenças entre gênero e sexo, a confusão ocorre, inserindo ainda a confusão com relação à orientação sexual que aparece sob

o abandonado e repelido conceito de “opção” sexual, como se sexualidade fosse uma opção. Além do mais, a cirurgia de mudança de sexo é enfatizada.

Na atualidade, alguns políticos estão demonstrando interesse no assunto, como a deputada Jandira Feghali do Partido Comunista do Brasil (PC do B), que percebeu essas dificuldades e problemas judiciais pelo qual essas mulheres são submetidas e então propôs o Projeto de Lei (PL) 8032/14 objetivando ampliar a letra da Lei com o objetivo de estender a proteção da Lei 11.340/06 para os transgêneros e transexuais.

Art. 1º Esta lei amplia a proteção de que trata a Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006 – Lei Maria da Penha – às pessoas transexuais e transgêneros. Art. 2º O parágrafo único, do art. 5º da Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006 – Lei Maria da Penha – passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 5º ... Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual e se aplicam às pessoas transexuais e transgêneros que se identifiquem como mulheres.” (BRASIL, 2014, p. 1)

Com efeito, é estritamente necessário o reconhecimento de um amparo jurídico para esta minoria social que sofre tantos preconceitos. No Brasil, os transexuais são considerados por algumas pessoas como portadoras do transtorno mental. O absurdo é tanto que o transexualismo é reconhecido no Conselho de Medicina sob o CID 10 F 64.0. É necessário afastar o sexo das pessoas do domínio médico, a fazendo-se compreender que o exercício de poder da medicina e ciências psicológicas e psiquiátricas sobre as pessoas transgêneras quando, na verdade, é preciso garantir a essas pessoas total autonomia sobre seus corpos e suas vidas.

Algumas justificativas que estão à proposição do PL 8032/14 são controvertidas, pois reforçam estereótipos combatidos pelos defensores da causa transexual e “ao se ver num

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corpo diferente do de seu cérebro, a pessoa passa a querer mudar de sexo, com o fim de ajustar o seu corpo à sua mente” (BRASIL, 2014).

A vontade de realizar a cirurgia de mudança de sexo não é algo comum no nosso país, já que apenas uma minoria das mulheres transexuais desejam a mudança de sexo, por diversos motivos, como o receio de que algo errado ocorra na cirurgia, ou até mesmo que a cirurgia altere a libido ou a capacidade de sentir prazer sexual. Bento (2009, p. 102) relata a experiência com a mulher trans chamada Bea:

Para Bea, o pênis faz parte do seu corpo e não reivindica a cirurgia, pois uma vagina não mudará seu sentimento de gênero, “não passará de um buraco”. Para ela, é o seu sentimento que importa, sendo o órgão totalmente secundário. [...] Histórias como as de Bea, que reivindica o direito à identidade de gênero feminina, desvinculando-a da cirurgia, nos põem diante da pluralidade de configurações internas à experiência transexual.

É de suma importância aproximar o poder judiciário dos debates relacionados à transexualidade, para que assim possam ampliar a proteção a essas minorias que precisam, em caráter emergencial, ter seus direitos garantidos.

É notório que a Lei Maria da Penha não garante o direito de todas as mulheres, mesmo sendo considerada um símbolo de uma vitória sobre um machismo secular que ainda tem raízes de ideologia patriarcal, ao reforçar o papel social da mulher e assim excluir as mulheres transexuais de sua tutela jurídica. É necessário insistir na desconstrução de estereótipos que a sociedade impõe, onde a homofobia e o machismo imperam.

Obviamente que os debates, a educação, o conhecimento, a tolerância e as conversas sobre o tema de sexo e sexualidade são importantes para a criação de uma sociedade fraterna. Ignorar o fato que estas pessoas são mais suscetíveis a sofrerem violências por questão de sexo e de orientação sexual, é ignorar os acordos e tratados internacionais sobre direitos humanos dos quais o Brasil é signatário; é não respeitar a nossa Carta Maior. É considerar as pessoas transexuais como se fossem cidadãos de segunda classe, sofrendo toda forma de desrespeito, ferindo o princípio da dignidade humana. É autorizar, legitimando violências no âmbito familiar, sem que esteja pautado em todas as esferas de poder e de justiça, que as pessoas/cidadãs do sexo feminino e de todas as diversidades sexuais são merecedoras do respeito e da proteção que deve ser garantida pela legislação brasileira.

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É necessário pensar em uma legislação eficaz, que tenha condições mínimas para proteger as mulheres que se encontram em uma condição histórica de desigualdade, por mais que se verifique que a igualdade ideal é de difícil alcance.

É notório que as mulheres são e sempre foram incluídas no grupo de pessoas vulneráveis, historicamente falando. E, quando são vulneráveis por questão de cor e raça, são ainda mais agredidas, o que é acentuado ainda com mais notoriedade por seu perfil socioeconômico. Mulheres pobres e negras sofrem maior possibilidade de serem agredidas do que mulheres brancas e de alto poder aquisitivo (GERHARDT, 2014).

Para que se possa compreender com maior clareza como é complexa a violência doméstica que atinge a mulher no âmbito familiar, é preciso compreender aspectos históricos que atingem o sexo feminino.

Na maior parte da história da humanidade, o patriarcado foi irrefutavelmente aceito por todos e legalizado com o embasamento nos papeis de gênero diferenciado, nas aptidões associadas a cada um deles e em um fracionamento entre o ambiente público e o ambiente privado. Devem-se levar em conta três perspectivas fundamentais na construção dessa cultura que foi sendo solidificada ao longo dos anos e fazendo com que a mulher se tornasse um ser inferior em relação ao homem. (GERHARD, 2014, p. 62)

A partir do ensinamento de Gerhardt (2014), o primeiro empecilho é a religião, enraizada no povo brasileiro, considerando que a Bíblia ensina que a culpa do pecado originou-se da mulher, que seria Eva quem convenceu o homem Adão a pecar, fazendo com que biblicamente as pessoas fossem condenadas a morte por culpa da mulher que incitou o homem a pecar. E ainda em outra citação bíblica, a personagem chamada Dalila, teria descoberto que a força descomunal do personagem chamado Sansão estava no comprimento de seus cabelos, cortando os cabelos de Sansão, tirando-lhes as forças e entregando o homem aos seus inimigos, traindo-o.

Um texto encontrado no Egito, no século IV, conta passagens da vida de Jesus, sob a ótica de uma mulher, Maria Madalena. De acordo com esse evangelho, ela havia sido um de seus apóstolos, e o único que não perdeu a fé em cristo depois de sua morte. Madalena dizia que Cristo ainda se comunicava com ela através de visões, por conta de sua devota fé. Esse evangelho revelador, por óbvio, foi considerado uma ameaça para a igreja e sua doutrina extremamente masculina. As mesmas ideias estavam por trás de Maria Madalena como uma prostituta estavam por trás da divinização de Virgem Maria. Tudo porque as mulheres eram consideradas criaturas

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sexuais, submissas e subvernientes, o que formava sua identidade nas épocas antigas. A mãe de Jesus, por exemplo, raramente é referida em outras situações além de seu estado virginal. (GERHARD, 2014, p. 63).

Gerhard (2014) descreve, ainda, que a mulher é vista como um objeto, uma propriedade do homem. Sendo assim, a mulher poderia ser dominada e usada, como se fosse um patrimônio do homem. Quando eram crianças e adolescentes, subordinavam-se à autoridade paterna, e depois de adquirir matrimônio, ao domínio dos seus maridos ou companheiros. Ainda, conforme afirma Gerhardt (2014), em muitas culturas, ou na maioria delas, as mulheres deveriam ser submissas ao homem. Seguindo este raciocínio, verifica-se que no decorrer do tempo, não ocorreram ações que de fato igualassem homens e mulheres.

A maioria dos filósofos e escritores reiterava as visões tradicionais sobre as mulheres, frequentemente, nas mesmas obras em que condenavam os efeitos dos limites da tradição sobre os homens [...]. Frequentemente, à custa de sua própria lógica, continuavam a reafirmar que as mulheres eram inferiores aos homens nas faculdades cruciais da razão e da ética que deveriam, portanto, estar subordinadas a estes. A maior parte dos homens das Luzes ressaltou o ideal tradicional da mulher silenciosa, modesta, casta, subserviente, e condenou as mulheres independentes e poderosas. (PORTO, 2006, p. 15).

Verifica-se, assim, que a mulher continua vulnerável, na sociedade atual brasileira, tendo seus direitos básicos violados, sofrendo maus-tratos, sendo violentadas, agredidas e expostas a todos os tipos de humilhações imagináveis.

O homem se tem como proprietário do corpo e da vontade da mulher e dos filhos. A sociedade protege a agressividade masculina, constrói a imagem de superioridade do sexo que é respeitado por sua virilidade. Afetividade e sensibilidade não são expressões de masculinidade. Desde o nascimento é encorajado a ser forte, não levar desaforo pra casa, não ser “mulherzinha”. Os homens precisam ser super-homens, não lhes é permitido ser apenas humanos. Essa errônea consciência masculina de poder é que lhes assegura o suposto direito de fazer uso de sua força física e superioridade corporal sobre todos os membros da família. (DIAS, 2007, p. 16, grifo do autor).

Sendo assim, as mulheres foram compelidas a permanecerem dentro do lar, tendo o dever de zelar pela família, saindo pouco de casa para lazer, submetendo-se aos homens que a sociedade rotulou como “provedores financeiros” do lar. Neste sentido, muitos homens acreditam ter o direito de fazer uso de sua força física para agredir sua companheira.

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Repassaram para a mulher a concepção de que ela é delicada e precisa ser protegida, sendo transmitida ao homem a função de protetor. Assim, não precisa muito para o homem passar do sentimento de superioridade e proteção para a agressão. Assim, estes preceitos de comportamento estabelecidos, de maneira muito consagrada, são consciente ou inconscientemente, considerados códigos de honra. A sociedade reitera ao homem o papel paternalista, impondo à mulher total dependência e jugo. (GERHARD, 2014, p. 65)

Na sociedade atual, verifica-se que s homens seriam, em tese, motivados a vigiar suas esposas para se certificarem de que elas não tenham nenhum tipo de acesso sexual a outros homens, fazendo uso de intimidação e violência para atingirem a esse objetivo, considerando que mulheres mais jovens e mais ativas do ponto de vista reprodutivo, por este motivo fossem vigiadas e estivessem mais vulneráveis a agressividade e homicídios.

A mulher, historicamente foi vítima de exclusão, seus desejos e anseios dependiam primeiramente da vontade ou permissão do pai, e depois de constituído matrimônio, pertenciam exclusivamente ao marido. A mulher, historicamente nunca teve decisão de escolha sobre sua própria vida, sua função era apenas ser “do lar” (MADALENO, 3013).

A própria educação das mulheres sempre foi voltada para o lar, para a docilidade, para o controle, limitando as suas predileções, aspirações e desejos. A censura em relação à sexualidade, o tabu com a virgindade, a obrigatoriedade, implícita, de que toda mulher deve ser mãe, o sonho de ter sua casa e ser a rainha do lar são componentes que maculam os direitos fundamentais. (GERHARD, 2014, p. 66).

Esses elementos, com certeza, serviram de sustentáculo a uma ótica de observância dos direitos humanos das pessoas, mas com enfoque diferente para as mulheres (historicamente as mulheres recebem um salário menor que os homens para exercerem a mesma tarefa) o que não foi abordado pelo ideal de igualdade da Revolução Francesa, que também tinha como objetivo igualar homens e mulheres em suas desigualdades históricas.

É fato notório que as Leis Maria da Penha e do Feminicídio (Lei nº 13.104/15) não são suficientes para erradicar a violência doméstica. Muito embora as referidas leis contribuam, de forma significativa, para a coibição da violência contra a mulher, para a superação dos costumes, estereótipos de inferioridade feminina que fazem com que alguns homens acreditem que suas esposas são suas propriedades. É necessário medidas hábeis para

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minimizar ao máximo o problema, uma vez que é uma utopia acreditar-se que os índices de qualquer tipo de violência serão reduzidas a zero, considerando que historicamente onde existirem pessoas, ocorrerão atos de violência em maior ou menor grau, mas muito pode ser feito para minimizar a violência.

A Lei Maria da Penha, Lei nº 11.340/06, foi criada a partir de vários debates, e audiências públicas, tendo em vista que a vítima deveria obrigatoriamente oferecer representação criminal em juízo para que a ação penal fosse adiante, não sendo suficiente a simples notitia criminis do fato criminoso na Delegacia de Polícia. Em suma, isso definia os crimes de violência doméstica como de natureza de ação penal pública condicionada à representação da vítima de violência doméstica.

Outro fator que é importante ressaltar, é a disponibilidade conferida à vítima de renunciar ao seu direito de representar em juízo contra o acusado. Esta renúncia, nos casos de Maria da Penha, por expressa determinação legal, deveria ser procedida na presença do Juiz Togado, respeitada a oitiva do Ministério Público, o que dava poderes para que a ofendida escolhesse dar sequência ou não com as medidas protetivas de urgência (DUARTE, 2018).

Em junho de 2010, a Procuradoria-Geral da República propôs Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4424) discordando de alguns dispositivos da Lei Maria da Penha. Propôs que não mais fosse necessária a representação da vítima nos crimes de lesão corporal leve para só então ser proposta a ação penal, argumentando que tal imposição manifestava a proteção deficiente do Estado.

O referido julgamento foi de procedência do pedido e, desde fevereiro do ano de 2012, a interpretação dos artigos 12, I, e 16, da Lei n. 11.340/06 passou a “assentar a natureza incondicionada da ação penal em caso de crime de lesão, pouco importando a extensão desta, praticado contra a mulher no ambiente doméstico”.

No entanto, a atenção dada pelo Estado nos casos de violência familiar, confere-lhe a proteção em caráter coletivo. O legislador decidiu por meio do artigo 37 da Lei Maria da Pe-nha, ao legitimar o Ministério Público, a associação de atuação na área e a Defensoria Pública a proporem Ação Civil Pública nas referidas hipóteses.

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Interpretando o dispositivo da tutela coletiva na Lei Maria da Penha, Humberto Dalla entendeu ser requisito a legitimar as associações no polo ativo da demanda que essas tenham “pertinência temática”, assim entendida como a correlação entre os atos constitutivos da associação e o objeto da ação coletiva por ela proposta, além do prazo mínimo de constituição, salvo expressa exceção legal o que atenderia ao Princípio da Acessibilidade ao Poder Judiciário, haja vista não ter legitimidade singular o cidadão, sendo adequada a flexibilização do requisito temporal a fim de conferir melhor proteção ao direito.

O pensador acrescentou que o legislador aderiu às novas tendências que atribuem às leis modernas a “representatividade adequada” que, no direito norte-americano, alcança não apenas a pessoa do autor, como também de seu advogado, cabendo ao julgador averiguar se ambos estão em condições de promover a defesa do direito coletivo de forma “adequada”. A medida da representatividade adequada deve observar a credibilidade, capacidade e experiência do legitimado, incluindo a conduta em eventuais processos coletivos em que tenha atuado, bem como o histórico na proteção judicial e extrajudicial dos interesses ou direitos coletivos e difusos. (DUARTE, 2018, p. 123).

O retrato atual da Lei Maria da Penha é este em termos processuais. A tutela coletiva é de importante relevância e autoriza a ampliação de ferramentas para tutelar direitos das mulheres, buscando a igualdade entre mulheres e homens.

Quanto à análise do direito individual, quando se verifica a não necessidade de representação da mulher vítima de Maria da Penha, para que o Ministério Público proponha ação penal, deve-se levar em conta o que motivaria o não interesse da vítima em prosseguir com a ação penal, já iniciada em sede policial. Alguns dos motivos são: o perdão ao agressor, a reconciliação entre vítima e acusado e a resolução do matrimônio.

Quando se procura enfrentar a dicotomia “Philia ou Polis?”, constata-se que o primeiro termo diz respeito ao estado da humanidade, anterior à separação provocada pela exogamia e pela polis; “Thémis ou Diké?”, a justiça divina (a primeira) e a justiça comprometida com o humano (a segunda) e; “Nomos ou

Nomina?”, a fim de indagar a proibição da lei dos homens e as leis de

origem divina. Como aceitar os ditames do Estado, exigir a Untermassverbot (proibição de proteção deficiente) e questionar sua intromissão na esfera da intimidade dos indivíduos?

O princípio da liberdade parece bom argumento e ótimo referencial para os limites da intervenção do Estado na esfera da intimidade dos indivíduos. Partindo desses pressupostos, tem-se que a vítima de violência doméstica também deve ter respeitado o seu direito – exercício da liberdade – de dispor do próprio corpo e escolher pela punição ou não do vitimador, pois somente ela poderá considerar os limites da exposição da intimidade que sofrerá, além das dores já suportadas pelo próprio crime, com o julgamento do caso. Somente a mulher vítima terá elementos para sopesar valores, danos e efeitos da violência sofrida e optar por resguardar bens de maiores valores, à sua escolha, ainda que isso implique em deixar o vitimador impune.

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A esse respeito, é pertinente analisar algumas hipóteses de respeito à escolha individual. (DUARTE, 2018, p. 126).

Diante do que foi exposto, é notório um grande desafio ao intérprete do direito contemporâneo, principalmente quando se trata de aplicar a norma ao caso concreto, claramente em conflitos de forte conteúdo emocional.

Como demonstrado, muitas influências atingem o indivíduo e a coletividade. Daí resulta a premência da relação do direito com demais ramos de ciência, objetivando encontrar a totalidade e conceber respostas justas, que definitivamente possibilitem uma sociedade mais igual para todos (DUARTE, 2018).

O atual modelo cultural, preocupa-se com a função social da mulher e, nesse ponto reside violência contra as pessoas do sexo feminino. Alguns movimentos sociais fizeram com que o Estado adotasse nova conduta, tratando com especial cuidado os crimes de lesão corporal, no âmbito doméstico. Acerca dessa tarefa do Estado:

O predomínio do ponto de vista que atribui ao universo jurídico um papel de agente normatizador dos valores: uma instituição que em sua prática seria composta de atores que tenderiam a estabelecer uma ordem moral através da qual conduziriam os processos criminais, avaliando a adequação ou a inadequação dos litigantes. Tais profissionais manteriam assim uma postura normatizadora, marginalizando ou procurando disciplinar aqueles que se afastasse de seus ideais. A forma de precederem, quando responsáveis em acusar/defender/julgar crimes masculinos ou femininos, segundo esta visão, seria por meio da avaliação de aproximação ou do afastamento que homens e mulheres manteriam em relação aos ideais de gênero. (DUARTE, 2018, p. 167).

O combate à violência doméstica no Brasil é muito recente. Há trinta nos atrás, a defesa da honra servia como obstáculo à prática de violência contra a mulher. O silêncio era incentivado e deveria se sujeitar ao modelo patriarcal inquestionável.

Analisando em termos gerais, a sociedade é cúmplice do modelo machista do patriarcado, ou pode ser considerada coautora das práticas de violência doméstica, tão comum no âmbito familiar.

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O respeito às mulheres devem ser ensinados não apenas nas famílias, mas também nas escolas, desde os anos iniciais. Porque o Direito, sozinho, não será capaz de erradicar os casos de violência doméstica.

A Lei Maria da Penha é, certamente, fruto do contexto social da mulher e, nessa qualidade, deve reger não somente as relações familiares. Acredita-se, nesse sentido, que a tutela especial deva amenizar os casos de violência contra a mulher, motivada pela condição de sexo (DUARTE, 2018).

Enquanto meio apto a buscar o equilíbrio e igualdade entre homens e mulheres, deve ocupar-se da mulher, enquanto sexo, e não só da mulher que é integrante da relação familiar e que está no lar.

A recente Lei do Feminicídio, tenta corrigir essa lacuna, mas considerou apenas a consequência morte da vítima como qualificadora e, limitou à aplicação da norma ao sexo feminino, e ainda deixou de incluir transexuais e transgêneros que também são vítimas dos mesmos crimes relacionados ao feminicídio.

O Estado tem o dever de atuar preventivamente, e preparar a sociedade de maneira a intervir não somente em questões últimas e extremas. Diante disso, é necessária a reeducação social como elemento a ser aplicado em conjunto com as leis punitivas e de ressocialização.

Apenas através de medidas auxiliares e adequadas de solução de conflitos, poderá ser alcançada uma sociedade que tenha em vista valores moralmente adequados e consiga deixar uma tradição com doses de reflexão de ponderação de pensamentos, em busca da harmonia e do bem-estar social de homens e mulheres.

2.2 As medidas protetivas estabelecidas na Lei Maria da Penha e sua efetividade em face da Lei nº 13.641/2018

A Lei Maria da Penha descreve as medidas protetivas de urgência, que tem como objetivo garantir a integridade física, psicológica, moral e patrimonial das mulheres que são

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feitas vítimas da violência doméstica e familiar, beneficiando essas mulheres, dando-lhes proteção jurisdicional. O juiz de Direito, com o objetivo de garantir o fiel cumprimento das medidas protetivas deferidas, em qualquer momento, poderá requisitar auxílio de força policial. Estas medidas ficam subordinadas aos requisitos que constam na lei 11.340/06 e aos quesitos constantes nas demais medidas cautelares e ainda tem um prazo de duração, podendo haver prorrogação.

O que se compreende da Lei, a expressão medidas protetivas de urgência significa uma providência jurisdicional adequada para proteger e assegurar a todas as mulheres seus direitos e garantias fundamentais previstas na Constituição Federal, independentemente de classe, orientação sexual, raça, religião, cultura, escolaridade e idade (PORTELA, 2011).

Antes da Lei 11.340/06 ser promulgada, a mulher que fosse vítima de violência, apenas dava origem à lavratura de um Termo Circunstanciado, porque o caso era considerado como uma ocorrência de menor potencial ofensivo. Isto, na maioria das vezes, resultava em penalidades brandas ao agressor, como prestação de serviços à comunidade ou o pagamento de uma cesta básica. Atualmente, o escrivão da Polícia Civil lavra um Boletim de Ocorrência e imediatamente é aberta uma investigação policial, juntando todos os tipos de provas cabíveis no Direito, que assim que forem concluídos, são remetidos ao Ministério Público Estadual.

Segundo o § 8º, do artigo 226, da Constituição Federal, “o estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um, dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.” (BRASIL, 1988)

As medidas protetivas previstas em Lei podem ser o afastamento do agressor do lar ou de qualquer outro lugar onde a vítima frequente, como universidades, igrejas e academias. Pode ser estipulado um limite mínimo de distância que o agressor fica proibido de se aproximar da vítima. Se o agressor tiver permissão legal para portar armas de fogo, essa permissão pode ser suspensa. O agressor ainda pode ser proibido de entrar em contato com a vítima, seus familiares ou testemunhas através de qualquer meio de comunicação (telefone ou aplicativos de mensagens). Também poderá ser submetido a restrição de visitas a dependentes menores de idade. O agressor também pode ser determinado pelo juiz a pagar pensão alimentícia provisional ou alimentos provisórios à vítima.

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A autoridade policial deve tomar as providências legais cabíveis (art. 10) no momento em que tiver conhecimento de episódio que configura violência doméstica. Igual compromisso tem o Ministério Público de requerer a aplicação de medidas protetivas ou a revisão das que já foram concedidas, para assegurar proteção à vítima (art. 18, III, art. 19 e § 3º). Para agir o juiz necessita ser provocado. A adoção de providência de natureza cautelar está condicionada à vontade da vítima’. (DIAS, 2007, p. 78).

No entanto, mesmo com o registro de ocorrência lavrado na Delegacia de Polícia, é a vítima que detém a legitimidade para requerer ou não as medidas protetivas de urgência, não podendo a autoridade policial requerer ou o juiz determinar a sua concessão sem a vontade da vítima (PORTELA, 2011).

Através dos procedimentos trazidos pela Lei Maria da Penha, devem ser disponibilizados para a vítima todas as medidas protetivas constantes no ordenamento jurídico. Fica evidente que um dos maiores avanços da Lei Maria da Penha foi contextualizar as medidas protetivas no âmbito da violência doméstica.

Um grande desafio que se tem na atualidade, é a sensibilização da sociedade e especialmente dos operadores do Direito para o tema da violência doméstica contra as mulheres. É de suma importância um esforço no aperfeiçoamento especializado das pessoas que atenderão as vítimas de violência doméstica, violência esta, que vai muito além do lar e da família, que atinge a toda a sociedade.

Na atualidade, o STF tem o entendimento de que a ação penal contra o praticante de violência doméstica contra mulheres é ação penal pública e incondicionada à representação da vítima. De fato, algumas vítimas de violência doméstica são suscetíveis às manipulações, sofrem pressões socioeconômicas, são excluídas socialmente e ainda em alguns casos, a sociedade culpa as vítimas de serem causadoras da agressão que sofrem. Muitas mulheres vítimas de violência familiar, necessitam de medicamentos antidepressivos ou ansiolíticos, devidamente receitados por psiquiatras e ainda precisam de acompanhamento psicológico. Quando as vítimas são pessoas de maior poder aquisitivo, tem acesso a estes tratamentos, mas infelizmente as vítimas das camadas mais pobres da sociedade não possuem tal assistência.

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