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Talita Pereira de Almeida

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Academic year: 2021

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CURSO DE BACHARELADO EM HISTÓRIA

TALITA PEREIRA DE ALMEIDA

ENTRE DIÁLOGOS: ESTADO, POLÍTICA E RELIGIÃO NO LEGISLATIVO ACREANO.

RIO BRANCO – ACRE 2017

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ENTRE DIÁLOGOS: ESTADO, POLÍTICA E RELIGIÃO NO LEGISLATIVO ACREANO.

Monografia apresentada à Graduação de Bacharelado em História, da Universidade Federal do Acre (UFAC), como requisito final para obtenção do título de Bacharel em História.

Professor Orientador: Wlisses James de Farias Silva

RIO BRANCO- ACRE 2017

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INTRODUÇÃO ... 8.

CAPÍTULO I: ESTADO LAICO E LIBERDADE RELIGIOSA NO BRASIL... 12.

1.1 Estado Laico no Brasil... 12.

1.2 Liberdade Religiosa no Brasil... 15.

1.3 Vive-se uma Situação de Fundamentalismo Religioso no Brasil?... 17.

CAPÍTULO II: POLÍTICA E RELIGIÃO NA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO ACRE... 20.

2.1 Os Feriados Religiosos Instituídos no Estado do Acre... 20.

2.2 A Bancada Evangélica no Legislativo Acreano... 22.

2.3 O Executivo Estadual... 24.

CAPÍTULO III: REFLEXÕES SOBRE O CRISTIANISMO NO BRASIL E NO ESTADO DO ACRE... 26.

3.1 A Inserção dos Evangélicos na Política... 26.

3.2 A Religião no Legislativo Acreano... 28.

3.3 A Religião no Contexto do Estado Laico... 31.

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 37.

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A meus pais Adelita Pereira e Luiz Carlos Cesco, que sempre com todo carinho e apoio não mediram esforços para que eu chegasse até essa etapa da minha vida. Este trabalho é pra vocês.

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Primeiramente à Deus, que sempre iluminou meu caminho. A todos que me ajudaram na construção deste trabalho:

A toda minha família, que sempre incentivaram meus estudos, acreditando no caminho que escolhi para seguir.

A minha querida amiga e parceira Emilly Albuquerque, sem a qual eu não teria chegado até aqui. Deixo meu eterno agradecimento pelo incentivo e apoio constantes.

Ao meu professor e orientador Dr. Wlisses James de Farias Silva, pela paciência na orientação e incentivo que tornaram possível a conclusão dessa monografia.

A todos os professores do curso de História Bacharelado desta instituição, que foram tão importantes em minha formação acadêmica e também no desenvolvimento deste trabalho.

Agradeço a toda Universidade Federal do Acre como instituição, onde tive a oportunidade de ser estagiária bolsista e participar de encontros, viagens e projetos que me proporcionaram um ensino de qualidade.

Ao meu time de amigos, que me acompanharam durante esses momentos de angústia, estresse e de muita felicidade. Agradeço pela paciência, pela compreensão, por todos os conselhos e por toda energia positiva que vocês sempre disponibilizaram pra mim.

Aos entrevistados, e todos aqueles que pude conversar sobre esta pesquisa, que contribuíram para que eu pudesse encontrar respostas para tantos questionamentos.

Deixo aqui meu agradecimento a todos que de alguma forma colaboraram na realização deste sonho.

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modelo de sociedade secularizada de hoje, houve de maneira efetiva uma separação entre política e religião. Nesse sentido objetivou um estudo sobre a Bancada Evangélica na Assembleia Legislativa do Estado do Acre, composta por políticos evangélicos distintos que se articulam de forma contrária a questões como a legalização do aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a legalização das drogas por exemplo. Esses atores políticos defendem a religião cristã e a moral religiosa dentro das decisões e questões do Estado por considerarem que ela é fundamental na promoção e colaboração do desenvolvimento social. No primeiro capítulo, desenvolveu-se um estudo sobre o conceito de Estado laico e liberdade religiosa no Brasil, sendo abordados como princípios fundamentais de um Estado democrático de Direito. Em seguida, no segundo capítulo um estudo do cenário político dentro da Assembleia Legislativa do Estado do Acre, analisando que influências religiosas estão presentes ali. Enfim, no terceiro capítulo, uma reflexão a respeito do Cristianismo na política do Brasil e do Estado do Acre.

PALAVRAS-CHAVE :

ESTADO LAICO – BANCADA EVANGÉLICA – RELIGIÃO – MORAL – POLÍTICA – LIBERDADE RELIGIOSA.

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model of secularized society of today, there was in an effective way a separation between politics and religion. In this sense, it aimed at a study on the Evangelical Bench in the Legislative Assembly of the State of Acre, made up of distinct evangelical politicians who articulate in a way contrary to issues such as the legalization of abortion, same-sex marriage and the legalization of drugs for example . These political actors defend the Christian religion and religious morality within the decisions and questions of the State because they consider that it is fundamental in the promotion and collaboration of social development. In the first chapter, a study was developed on the concept of secular state and religious freedom in Brazil, being addressed as fundamental principles of a democratic State of Law. Then in the second chapter a study of the political scenario within the Legislative Assembly of the State of Acre, analyzing what religious influences are present there. Finally, in the third chapter, a reflection on Christianity in politics in Brazil and the State of Acre.

KEY-WORDS:

LAYER – EVANGELICAL BANK – RELIGION – MORAL – POLICY – RELIGIOUS FREEDOM.

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INTRODUÇÃO

Esta monografia apresenta um estudo sobre a presença da religião cristã dentro da Assembleia Legislativa do Estado do Acre. Analisando os conceitos de Estado laico e liberdade religiosa indagando a relação existente entre o Estado, a política e a religião na Instituição que representa o poder legislativo. Verificando se, no interior do processo de modernização que trouxe à tona o modelo de sociedade secularizada que existe hoje, houve realmente uma ruptura entre política e religião, averiguando se existe um compromisso do Estado em relação à laicidade, tendo em vista que o descumprimento das promessas democráticas se agrava na medida em que desaparecem as fronteiras entre a subpolítica1 e a política oficial.

Atualmente, muito tem se discutido sobre a presença da religião dentro de repartições públicas, do congresso, e de vários órgãos onde a política está inserida. Além da presença da religião temos visto a sua influência quase que direta nas decisões políticas que podem alterar o funcionamento do Estado como um todo.

Entrou em jogo um novo personagem político: Os Evangélicos, que, no caso podemos entender como sendo pertencentes tanto às igrejas pentecostais e neopentecostais. Todas elas passaram a somar com outras forças que compõe os cenários políticos eleitorais, especialmente nos últimos períodos de efervescência política. É importante então, analisar algumas considerações relevantes sobre os princípios que servem como base para que possa existir uma democracia, já que um representante político não está constitucionalmente legitimado a exercer o seu mandato visando o favorecimento de alguma religião, assim como não pode sustentar a sua argumentação em fundamentos de cunho estritamente religioso.

A temática envolvendo a religião dentro das ações políticas é um assunto que está em discussão nos meios acadêmicos, políticos e sociais, e por esse motivo sinto-me motivada a procurar compreender as razões desse processo de inserção da religião na política do Estado e tentar dialogar com a comunidade para entender se existem consequências e se elas existem como essas ações podem interferir na vida daqueles sujeitos que por algum motivo são desprovidos de preceitos religiosos, e possibilitar uma pesquisa que dialogue com todos esses conceitos.

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O termo “subpolítica” faz referência aos subsistemas sociais que influenciam o sistema político oficial e acabam participando do debate político, procurando condicioná-lo de acordo com seus interesses, como ocorre com a esfera econômica e religiosa, por exemplo. Diz respeito, portanto, aos grupos de pressão que influenciam a produção legislativa, as decisões administrativas e a política em geral.

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Observou-se que o Estado laico é condição institucional para a liberdade religiosa, porque não é autorizado que nenhum credo religioso se sobressaia sobre os demais, que a atuação livre e igualitária de todos é possibilitada, a garantia de liberdade acaba por assegurar a igualdade entre as múltiplas religiões. Nesse caminho a proposta aqui trabalhada foi analisar que influências religiosas estão evidentes nas decisões políticas da Assembleia Legislativa do Estado do Acre e quais são as várias repercussões no Estado acreano.

Percebe-se que, sem igualdade, a liberdade não adquire sentido material, pois a supremacia de um agrupamento social específico é incompatível com os princípios fundamentais referidos, não existe igualdade quando alguns são mais livres do que outros, o que nos mostra que a proteção da igualdade também tem por resultado a garantia da liberdade. A pesquisa aqui apresentada teve como objetivo examinar as ideologias políticas e religiosas dos deputados estaduais no legislativo acreano da Frente Parlamentar Evangélica. Em outras palavras, visa-se compreender de que modo essas ideologias se articulam, como se dá o diálogo entre religião e política no Estado, o que está em discussão na “bancada evangélica”, de que forma esses atores políticos se mobilizam politicamente para fazer valer seus interesses, e como essas questões podem interferir na sociedade.

De acordo com os objetivos, utilizou-se pesquisa do tipo bibliográfica, na busca de colher maior numero de informações possíveis sobre o objeto de estudo.

O uso da História Oral foi uma forma encontrada dentre as várias opções de pesquisa, pois possibilita o pesquisador, na ausência ou escassez dos documentos, ter acesso a informações primordiais ao seu trabalho. Foi o caso desta pesquisa, em que se utilizou da entrevista do tipo semiestruturada, onde se propõe um roteiro de questões para delinear os objetivos da pesquisa, mas deixando o entrevistado à vontade para falar o que achasse necessário no decorrer da entrevista.

Dentre os teóricos que tratam da questão da institucionalização da religião cristã na política, optou-se devido à proximidade teórica pelos estudos de: Norberto Bobbio, Marília Domingos, Tatiane Duarte, Eduardo Lopes Cabral Maia, Daniel Sarmento, entre outros autores que abordassem o tema em questão.

Assim o trabalho foi organizado em três capítulos. No primeiro capítulo, procurou-se analisar os conceitos de laicidade e liberdade religiosa como sendo elementares em uma instituição democrática, como o Estado.

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No segundo capítulo, através dos dois projetos de lei que foram aprovados na Assembleia Legislativa do Estado do Acre de caráter religioso, a Lei nº 3.137, de 28 de junho de 2016, conhecida como Dia do Católico e a Lei nº 1.538, de 29 de janeiro de 2004 conhecida como Dia Estadual do Evangélico, que presenças religiosas estão inseridas no legislativo acreano e suas repercussões na sociedade.

O terceiro e último capítulo deste trabalho, se desenvolveu a partir da reflexão da religião cristã no cenário político do Brasil e do Estado do Acre, através das entrevistas realizadas, tratando da noção de representatividade política religiosa.

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CAPÍTULO I: ESTADO LAICO E LIBERDADE RELIGIOSA NO BRASIL.

Neste capítulo, discutiremos o conceito de Estado laico e liberdade religiosa, analisando-os como cerne de uma sociedade democrática de direito, que são garantidos pela Constituição Federal de 1988.

1.1 – Estado laico no Brasil.

A laicidade não existia no Brasil império, na Constituição Civil Imperial de 1824, o catolicismo foi declarado como religião de Estado, tendo assim um caráter oficial, como afirma o artigo nº 5 da referida Constituição: “A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a religião do império. Todas as outras religiões serão permitidas com seu culto doméstico ou particular, em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo”. 2

É necessário frisar que, este artigo da Carta de 1824 é reflexo do processo histórico iniciado no século XVI com a conquista e catequização do Brasil. Toda a vida social é marcada pela religião católica, não se compreendia uma realidade sem uma referência ao transcendente e à Igreja católica. A religião como parte da vida, tanto nas suas dimensões públicas e oficiais quanto nas domésticas e pessoais.

No início do século XIX, com os desdobramentos revolucionários da Revolução francesa (1789-1799), o catolicismo começa a perder a influência na sociedade ocidental.

A Revolução francesa fez aparecer pela primeira vez com clareza a ideia de Estado laico, de Estado neutro entre todos os cultos, independente de todos os clérigos. Liberado de toda concepção teológica. Apesar das reações, apesar de tantos retornos diretos ao antigo regime, apesar de quase um século de oscilações e de hesitações políticas, o princípio sobreviveu: a grande ideia, a noção fundamental de Estado laico, quer dizer, a delimitação profunda entre temporal e o espiritual entrou nos costumes de maneira a não mais sair. (DOMINGOS 2008, pg. 157.)

Como podemos averiguar no preâmbulo das Constituições Francesas tanto de 1946 e 1958, que diz o seguinte: “A França é uma República indivisível, laica, democrática e social. Ela assegura a igualdade diante da lei de todos os cidadãos sem distinção de origem, de raça

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ou de religião. Ela respeita todas as crenças”. (República Francesa, Constituição de 1958). Essa influência francesa marcará a história da laicidade no Brasil.

Como vimos a laicidade não existia no Brasil império, o Estado laico vige no Brasil desde janeiro de 1890, com a edição do decreto n° 119-A que proíbe a intervenção da autoridade federal e dos Estados federados em matéria religiosa, consagra a plena liberdade de cultos, extingue o padroado e estabelece outras providências:

Art. 1º É proibido a autoridade federal, assim como a dos Estados Federados, expedir leis, regulamentos, ou atos administrativos, estabelecendo alguma religião, ou vedando-a, e criar entre os habitantes do país, ou nos serviços sustentados a custa do orçamento, por motivo de crenças, ou opiniões filosóficas ou religiosas.

Art. 2º A todas as confissões religiosas pertence por igual à faculdade de exercerem o seu culto, regerem-se segundo a sua fé e não serem contrariadas nos atos particulares ou públicos, que interessem o exercício deste decreto.

Art. 3º A liberdade aqui instituída abrange não só os indivíduos nos atos individuais, senão também as igrejas, associações e institutos em que se acharem agremiados; cabendo a todos o pleno direito de se constituírem e viverem coletivamente, segundo o seu credo e a sua disciplina, sem intervenção do poder público.

Art. 4º Fica extinto o padroado com todas as suas instituições, recursos e prerrogativas.

Art. 5º A todas as igrejas e confissões religiosas se reconhece a personalidade jurídica, para adquirirem bens e os administrarem, sob os limites postos pelas leis concernentes à propriedade de mão-morta, mantendo-se a cada uma o domínio de seus haveres atuais, bem como dos seus edifícios de culto.

Art. 6º O Governo Federal continua a prover a côngrua, sustentação dos atuais serventuários do culto católico e subvencionará por ano as cadeiras dos seminários, ficando livre a cada Estado o arbítrio de manter os futuros ministros desse ou de outro culto, sem contravenção do disposto nos artigos antecedentes.

Art. 7º Revogam-se as disposições em contrário.

Até o advento do Decreto acima mencionado, havia liberdade de crença no Brasil, mas não existia liberdade de culto. Os cultos de religiões diferentes daquela adotada como oficial pelo Estado só podiam ser realizados nos âmbitos dos lares. A partir desse Decreto, o Brasil deixou de ter uma religião oficial, e com a separação Estado-Igreja, a extensão do direito à liberdade religiosa foi ampliada.

Desta forma, a laicidade foi recebida pela Constituição Federal de 1988 em seu art. 19, inciso I, que veda a todas as entidades da federação o estabelecimento de cultos religiosos e a subvenção ou embaraçamento do seu livre funcionamento:

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I- Estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvenciona-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles os seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

II- Recusar fé aos documentos públicos;

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Gradativamente, a política desvinculou-se da religião, apoiando-se nos discursos que afirmavam a natureza secular do Estado e a racionalidade da filosofia, dada como independente do conhecimento dogmático (BOBBIO et al., 1998, p. 670-671).

A laicidade se opõe ao Estado confessional na medida em que este se guia por uma determinada influência religiosa, subvencionando-o e favorecendo-o em detrimento das outras religiões existentes em seu território. O Estado laico presume a distinção entre instituições públicas e quaisquer religiões, de forma a garantir a autonomia daquelas e da sociedade civil, que pode, então, usufruir de sua liberdade diante do Estado quanto da Igreja (BOBBIO et al., 1998, p 670-671).

A laicidade não visa defender a religião majoritária em um dado ambiente social, mas tem a pretensão de salvaguardar as minorias religiosas, assumindo-as como iguais aquela, e de prevenir a ocorrência de intervenções estatais abusivas nas questões referentes a aspectos religiosos internos. A laicidade visa proteger o próprio Estado de influências indevidas das mais diversas religiões, quase sempre intrinsecamente dogmáticas, visto que o dogma é característica do conhecimento religioso, que assume determinado fato como verdadeiro sem questioná-lo e sem realizar reflexões críticas sobre ele (SARMENTO, 2007, p. 3).

Vale ressaltar que, um Estado laico não é um Estado ateu, que nega a existência de uma ou mais entidades divinas. Ao negar a Deus, o ateu nada mais faz do que exprimir a sua liberdade de crer que não há motivos para uma fé divina (SARMENTO, 2007, p. 3).

Sabe-se que os percursos históricos tomados pelas sociedades modernas não seriam os mesmos sem o fenômeno da secularização, que foi responsável por laicizar os âmbitos político e jurídico dos países ocidentais. Esse movimento de separação rompeu as relações institucionais entre Igreja e Estado com base, num longo processo de racionalização do Direito e da política. Tal separação propiciou ao Estado o alcance da autonomia sobre as decisões políticas, não devendo mais explicações a um grupo religioso. Essa ruptura afastou, juridicamente, as pretensões de favorecimento dos grupos religiosos hegemônicos, bem como as tentativas de imposição de suas crenças e normas morais ao aparato político (MARIANO, 2002).

A secularização não só garante a autonomia do Estado e do Direito nele compreendido, como também desqualifica os ordenamentos não oficiais que antes se confundiam com as leis jurídicas. A submissão dos grupos religiosos e de seus respectivos

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ordenamentos ao domínio secular da legislação humana concede ao indivíduo o direito de não ser obrigado a crer em determinada moral e a prerrogativa de escolher qual moral seguir (MARIANO, 2002).

O Estado secular assegura direitos e estabelece deveres, exercendo o controle social por meio da penalização e punição de condutas consideradas ilícitas. Este mesmo Estado garante aos grupos religiosos a imunidade tributária, o direito a liberdade de culto e de crença. É do Estado que se reivindica: a pronta repressão à privação de direitos por motivo de crença religiosa, à discriminação, à intolerância e à perseguição religiosas; a proteção dos locais de culto e suas liturgias, como prescreve a Constituição brasileira; a defesa dos que se vêem vitimados ou têm seus direitos fundamentais violados por determinados agentes religiosos. Da mesma forma, nos modernos Estados democráticos de direito, para que um grupo religioso possa reclamar e obter a reparação de um dano causado por um agente social qualquer ou até pelo próprio Estado, é preciso recorrer às instituições judiciais, políticas e policiais desse mesmo Estado. E por estarem sujeitos à lei – seja às normas de edificação municipais, à legislação que estabelece o máximo de ruído permitido nos cultos, às leis trabalhistas etc. -, os grupos religiosos, tal como todo agente social secular, são passíveis de sofrer sanções decorrentes de qualquer infração legal (MARIANO, 2002).

A secularização tem como resultado a garantia legal da liberdade e tolerância religiosas no plano jurídico, instituindo o tratamento igualitário entre as diferentes religiões como regra (MARIANO, 2002).

1.2 Liberdade Religiosa no Brasil.

A garantia da liberdade é a promessa da democracia, que concede ao sujeito, a possibilidade de definir o que pode ou não fazer, assegura que as restrições à liberdade sejam determinadas pelo indivíduo particularizado.

Contudo, a crença de que a democracia funda uma sociedade livre é errônea, já que a complexidade das sociedades organizadas se estrutura numa relação constante de situações de liberdade e não liberdade. As liberdades civis são protegidas por direitos individuais e sociais e pelos seus correspondentes deveres, que tem como consequência, justamente, a limitação da liberdade social. O regime democrático traz em sua essência a complementariedade entre permissões e proibições, definidas como limites necessários à manutenção de uma parcela razoável de atos livres. Numa democracia, há maior paridade nas relações de liberdade e de não liberdade entre os diferentes estratos sociais, pois pressupõe igual liberdade entre os cidadãos, e não a maior quantidade de liberdade possível (BOBBIO et al., 1998, p. 710).

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A liberdade de manifestação de pensamento equivale no direito de a pessoa poder expressar seus entendimentos, sejam eles políticos, religiosos, científicos ou de qualquer outra natureza. Habitualmente é comum dizer que, a liberdade de manifestação de pensamento engloba a liberdade religiosa, que é consagrada pela Constituição Federal em seu artigo 5º como um direito fundamental ao indivíduo:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

VI - e inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.

Decompõe-se, segundo José Afonso da Silva (2010, p. 248), em três subespécies de liberdades: a liberdade de crença, a liberdade de culto e a liberdade de organização religiosa. A primeira já foi confundida com a liberdade de consciência, entretanto, é importante discriminá-las, visto que a consciência também abrange a descrença, operando principalmente, sobre o sujeito individualmente considerado.

A liberdade de consciência não se esgota somente no aspecto religioso, apesar de encontrar nele fundamental expressão. Diz respeito à capacidade humana de formular reflexões sobre si e sobre o universo a sua volta, motivo pelo qual atua na esfera íntima do sujeito.

A liberdade de crença compreende tanto a faculdade de se aderir a um credo quanto a de manter-se cético ou, ainda, a de adotar como filosofia a dúvida acerca da veracidade de uma crença ou descrença. A liberdade de crença é composta pelas possibilidades de ter ou não uma religião, de escolher a que religião aderir e de trocar de religião a qualquer momento. Não compreende, porém, a liberdade de perturbar o livre exercício de qualquer religião (SILVA, 2010, p. 249).

Já a liberdade de organização religiosa fundamenta-se na relação Estado-Igreja, que pode construir indeterminações quando o Estado se confunde com uma religião, o que lhe atribui a característica de teocrático. Há também, uma relação de união quando o Estado tem

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uma religião oficial, mas não é inteiramente determinado por seus preceitos. Enfim, essa relação pode ser de separação, quando o Estado apresenta a laicidade como fundamento organizacional (SILVA, 2010, p. 250).

Subentende-se que, a existência de uma relação íntima entre Estado e Igreja impede o livre e igual exercício da fé pelos cidadãos. A laicidade permite, ao menos no que diz respeito à ordem jurídica, que todas as crenças se encontrem no mesmo patamar, compartilhando um tratamento igualitário.

1.3 – Vive-se uma situação de Fundamentalismo Religioso no Brasil?

A respeito desse tema, iremos analisar o tratamento discriminatório negativo do Estado brasileiro em relação às religiões de matriz africana como um exemplo. Desde o período colonial até quase um século após oficializar a secularização, a liberdade de culto, garantida a todos os credos pela Constituição era, na prática, assegurada apenas aos católicos, protestantes e judeus. As crenças afro-brasileiras não tinham o direito de exercer a sua religião, uma vez que seus templos eram invadidos pelas forças policiais e assim eram destruídos, o que culminava na criminalização de seus praticantes, sob as alegações de que perturbavam a ordem pública, exerciam o curandeirismo, charlatanismo e exercício ilegal da medicina (MARIANO, 2002).

A discriminação religiosa era, neste caso, também étnica, enraizando e perpetuando preconceitos raciais. A liberdade só lhes era precariamente assegurada se tais templos tivessem um alvará de funcionamento junto à polícia, prática que seria tida como totalmente injustificada se aplicada a locais de cultos católicos ou protestantes, por exemplo. Somente a partir do Estado Novo e, em alguns estados da federação, apenas em meados da década de 1970, as religiões afro-brasileiras passaram a gozar efetivamente de uma liberdade (MARIANO, 2002).

Todavia, a instabilidade política e as tensões sociais não cessaram e, em meio à este processo de modernização do Estado, emergiram ameaças a hegemonia católica, as religiões pentecostais prosperaram aumentando assim o número de adeptos e também a sua visibilidade no contexto nacional (PEDDE, 2005, p.95 – 97).

Segundo Ricardo Mariano, o foco da Igreja nas desigualdades sociais e a sua participação em movimentos que as combatiam podem ser percebidos na época do regime ditatorial, por exemplo, até dos dias atuais.

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Com a desregulação estatal da religião, a Igreja precisou ela mesma perseguir as religiões consideradas por ela rivais, o que era possível quando a concorrência era frágil e pouco expressiva. (MARIANO, 2002).

Com o passar do tempo e com os católicos perdendo força no sentido nacional, os evangélicos aliados ao governo disseminaram seus ideais, buscando por um reconhecimento social e político, abandonando definitivamente a condição de minoria discriminada que pleiteava liberdade e tratamento igualitário, passando assim a ocupar uma posição conservadora antes pertencente ao clero ultramontano, aprofundando o inflexível fundamentalismo a sua doutrina (MARIANO, 2002).

Como vimos, a liberdade religiosa é a garantia de que distintos grupos religiosos possam conviver pacificamente diante das suas convicções e formas de pensamento. Porém, se a igualdade não for garantida e um ou outro grupo acabarem sendo privilegiados de certa forma, acirra-se a desigualdade e os enfretamentos entre os mesmos.

Os grupos denominados fundamentalistas, encontram-se inseridos dentre as maiores religiões praticadas hoje no mundo: O Islamismo, Judaísmo e o Cristianismo. Sendo disseminadores de concepções radicais, preconceitos e da intolerância religiosa. E como consequência, acarretando, nos piores cenários a prática de violência contra outros grupos religiosos e da intolerância. Contrariando com isso, as práticas dos seus próprios ensinamentos, que pregam sobre o amor, o respeito ao próximo e a convivência pacifica entre todos os seres humanos.3

Leonardo Boff define o pensamento fundamentalista da seguinte forma:

É assumir a letra das doutrinas e normas sem cuidar de seu espírito e de sua inserção no processo sempre cambiante da história, que obriga contínuas interpretações e atualizações, exatamente para manter sua verdade essencial. Fundamentalismo representa a atitude daquele que confere caráter absoluto ao seu ponto de vista (BOFF, 2002, p.25).

Compreende-se, portanto, que o pensamento fundamentalista nasceu independente de uma religião ou crença específica, não se constitui propriamente em uma doutrina, mas uma forma de interpretar e viver essa doutrina.

3 BENINI, Wilson. Fundamentalismo Religioso existente nas três maiores religiões monoteístas, suas causas e seus desafios na sociedade contemporânea. (TCC apresentação para Pós-Graduação em Teologia, Ciência da Religião. FACEL – Curitba-PR.

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Dessa forma, como reflexo dessa realidade surgem as consequências, decorrentes da maneira de agir desses grupos. Os quais, podem impactar consideravelmente a sociedade, como é o caso do posicionamento dos mesmos a respeito de temas polêmicos como a legalização do aborto, a união homoafetiva, a discriminação das drogas etc. provocando assim, fenômenos atrelados a cultura, às leis e a forma em responder aos desafios cada vez maiores da convivência humana.

Hoje, o fundamentalismo religioso, como prática, se encontra presente em muitas religiões e também em quase todas as sociedades, por isso a importância de ser discutido aqui. O problema de fato não é religioso, são as consequências de um país onde a laicidade e a liberdade religiosa se encontram em crise, assim, na ausência do Estado, a religião surge como suporte opcional.

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CAPÍTULO II: POLÍTICA E RELIGIÃO NA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO ACRE.

Conforme analisamos o Estado é laico segundo a Constituição Federal do Brasil de 1988, o que significa dizer que ele é neutro no campo religioso. Verificamos também, a importância da efetivação da laicidade na garantia da liberdade religiosa, que contribui para que todas as religiões possam conviver pacificamente em uma sociedade diversificada. Neste sentindo, a proposta deste capítulo é analisar que influências religiosas estão presentes no legislativo acreano e quais as repercussões no Estado do Acre.

2.1 – Os Feriados religiosos instituídos no Estado do Acre

Verificou-se no capítulo anterior que a separação entre a Igreja e o Estado, incorpora também a liberdade de crença e a liberdade de culto, ao estabelecer que não existe uma religião oficial que represente o Estado. A liberdade religiosa propõe tratamento igualitário entre todos os segmentos religiosos, visando tolerância e respeito independente da crença particular de cada um.

Nos termos do texto constitucional, todas as crenças religiosas gozam de igual proteção; a expressão “liberdade de consciência e de crença” contém a liberdade de professar abertamente o agnosticismo e o ateísmo. O inciso VIII do artigo 5º da Constituição Federal do Brasil de 1988, ao proibir toda forma de discriminação por motivo de crença religiosa ou convicção filosófica ou política, reforça o que foi afirmado:

Art. 5º... VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa fixada em lei.

É neste contexto que vamos analisar dois projetos de lei que foram aprovados por mais da metade dos 24 parlamentares da Assembleia Legislativa do Estado do Acre que instituiu o dia estadual do evangélico, e depois do dia estadual do católico. São eles: Lei nº 1.538, de 29 de janeiro de 2004 que “Instituiu feriado no Estado do Acre o dia 23 de janeiro, como sendo o dia dos Evangélicos”. E a Lei nº 3.137, de 28 de junho de 2016 que “Instituiu o dia Estadual do Católico a ser comemorado no dia 20 de janeiro de cada ano”.4

A Assembleia Legislativa tem funções que se relacionam com o interesse público e coletivo, o Poder Legislativo exerce três funções imprescindíveis para o estabelecimento de

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uma sociedade, ele representa a população, legisla e fiscaliza a aplicação de recursos públicos. O legislativo é considerado um órgão de representação popular, é composto por 24 representantes escolhidos pela sociedade e que devem cumprir o papel de defender os interesses diversos dos cidadãos e dos segmentos sociais. A Assembleia Legislativa exerce funções que viabilizam a realização dos anseios da população, com foco no desenvolvimento e respeito aos interesses sociais. 5

O projeto de Lei do dia do evangélico foi apresentado pelo deputado Helder Paiva em 2004. De acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, Rio Branco é a capital com mais evangélicos no país. Com 39% da população sendo evangélica. 6

O projeto de Lei do dia do católico foi apresentado pelo deputado Manoel Morais no final de 2015 e aprovado no dia 28 de junho de 2016. Em entrevista concedida ao site do G1 Acre no dia 9 de março de 2016, Morais diz o seguinte:

Tem dia do Evangélico, nós respeitamos, mas a igreja católica é que ajudou a construir o Brasil desde o início, em tudo que tem de bom e não tem o reconhecimento merecido. 7

Na mesma entrevista concedida ao site da globo do Estado do Acre, o padre Mássimo Lombardi criticou o projeto, segundo ele:

Existe o dia da Consciência Negra para lembrar esses povos que tanto sofreram, o dia da Mulher, porque ela tem que ser valorizada. O católico não precisa de um dia. Nós católicos somos felizes e não temos nada para reivindicar. 8

Observa-se que esses feriados buscam a representatividade de suas igrejas, porém para que a laicidade estatal e a liberdade religiosa sejam garantidas é necessário que todas as religiões possuam a mesma representatividade no poder político, para que assim não seja caracterizado como majoritário um ou outro segmento religioso. Portanto os feriados religiosos neste caso ferem o princípio da igualdade garantido pela Constituição de 1988.

5 Disponível em: http://www2.camara.leg.br/a-camara/conheca/o-papel-do-poder-legislativo. Acesso em: 09/07/2016.

6

Disponível em: http://www.ibge.gov.br/estadosat/temas.php?sigla=ac&tema=censodemog2010_relig. Acesso em 24/02/2016.

7

Disponível em: http://g1.globo.com/ac/acre/noticia/2016/03/apos-dia-do-evangelico-deputados-do-acre-criam-dia-do-catolico.html. Acesso em: 27/09/2016.

8

Disponível em: http://g1.globo.com/ac/acre/noticia/2016/03/apos-dia-do-evangelico-deputados-do-acre-criam-dia-do-catolico.html. Acesso em: 27/09/2016.

(21)

2.2 – A Bancada Evangélica no Legislativo Acreano

Segundo Duarte, em um estudo sobre a Frente Parlamentar Evangélica, afirma que a “Bancada” pressupõe por definição um agrupamento partidário, já a “Frente Parlamentar” compreende a reunião de um grupo de parlamentares de diversos partidos que lutam por uma causa comum (DUARTE, 2012, p. 55).

Duarte afirma que, a visão de mundo evangélica vai contra a preconização de valores da sociedade contemporânea (diversidade, relativismo cultural), e que a realização de cultos no Congresso nacional faz com que a política se una novamente à religião, coisa que a própria reforma protestante havia conseguido desfazer. Ela aponta que o Estado moderno não se desvinculou da religião, mas incorporou as demandas desta em seu aparelho. Ou seja, a religião segue ocupando um espaço público, reivindicando nas propostas políticas, crenças e valores, que se mostram em suas bandeiras, tais como a família heterossexual e a extinção de vícios (DUARTE, 2002, p. 60).

Segundo Pierucci, os evangélicos tiveram uma oportunidade de incluir nessa nova Constituição os valores e a moral cristã interpretada pela leitura evangélica do mundo, ou seja, por protestantes, majoritariamente pentecostais e neopentecostais. Eles se uniram e lutaram para que a nova Constituição não permitisse o aborto, o jogo, os direitos dos homossexuais, as drogas, o feminismo, o divórcio, entre outras questões de punho moral (PIERUCCI, 1989, p. 12).

Pierucci consegue resumir muito bem o porque dessa influência evangélica ser tão grande no cenário político nacional: “Essa nova forma de ativismo político moralista pode passar a significar, para muitos brasileiros excluídos ou auto-excluídos da vida política, a abertura de uma nova e (curiosa) trilha para a participação política e a mobilidade eleitoral” (PIERUCCI, 1989, p.107).

A Assembleia Legislativa do Estado do Acre possui uma bancada evangélica que se encontra ativa e representada por deputados eleitos pela sociedade acreana. Nas palavras do deputado estadual e pastor Jairo Carvalho (PSD):

A bancada evangélica é fundamental na promoção e colaboração do desenvolvimento social. Trabalhamos no combate as drogas, a prostituição, erradicação do divórcio, a promoção de uma família pacificada que colabora com as leis do Estado. (Entrevista realizada dia 21/03/2017 com o deputado estadual Jairo Carvalho).

(22)

Toda quinta feira acontece um culto realizado por esses mandatários no auditório da Assembleia Legislativa do Acre, é aberto ao público e ministrado com louvores, momento de oração e a palavra, o mais conhecido “sermão” fica a cabo do deputado Jairo. Segundo o deputado a intenção é trabalhar o emocional das pessoas:

Eu pensei e analisei junto com a bancada evangélica o estabelecimento desse culto que acontece nas quintas feira onde nós temos 30 minutos de um devocional onde levamos a palavra de Deus até as pessoas (JAIRO, 2017).

Essa mistura de política e religião é a marca principal de atuação dos deputados evangélicos. Como diz a procuradora Simone Andréa Coutinho:

O pluralismo, por si só, é incompossível com qualquer forma de união entre Estado e qualquer religião, pois aquele significa a tolerância e o respeito à multiplicidade de consciências, de crenças, de convicções filosóficas, existenciais, políticas e étnicas, em lugar de uma sociedade em que as opções da maioria são impostas a todos, travestidas de “bem comum”, “vontade do povo”, “moral e bons costumes”, o Estado laico respeita e tolera, pois, a diversidade de crenças de toda sorte. Mais do que isso, atua em obediência necessária ao pluralismo de consciência, de crença, de culto ou de manifesta ausência de sentimento ou prática religiosa. Sobretudo, um Estado laico e pluralista conduz negócios, pratica seus atos e define o interesse público com total independência de qualquer religião, grupo ou segmento religioso ainda que francamente majoritário. 9

Conforme analisamos, a Constituição da República de 1988 proíbe ao Estado estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvenciona-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança (artigo 19, inciso I). Para que a liberdade religiosa seja garantida o Estado laico precisa de fato existir.

A leitura da Carta leva o cidadão a supor que tem direito a legislação, governo e organização social livres de influência religiosa a um Estado laico, entretanto, esse mesmo cidadão ao deparar-se com notícias referindo-se à bancada evangélica e a influência da fé que algumas autoridades sobre o exercício de suas funções confessam, pergunta-se: para onde vai o direito ao Estado laico, num cenário político que possui representação religiosa?

2.3 – O Executivo estadual

O poder executivo exerce a função de executar as leis já existentes e também introduzir novas legislações conforme as necessidades do Estado e do povo. Ele é organizado

9 Disponível em:

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em três esferas, e abrange o governo federal representado pelo Presidente da República, o estadual no comando dos Governadores e o municipal pelos Prefeitos. 10

Dizer que o Estado é laico, é considera-lo neutro em relação ao campo religioso, porém conforme analisamos essa neutralidade não está sendo garantida pelo legislativo por exemplo. O que acontece é que, mesmo após a oficialização do Estado laico não se viu grandes mudanças no âmbito político, jurídico ou legislativo. 11

Nessa perspectiva, o Ministério Público editou um livro intitulado (Em defesa do Estado laico, 2014, Brasília, p. 1) que diz:

Em consequência dessa valorização da liberdade de consciência, de crença e de não crença aumenta, também, a exigência de que o Estado mantenha sua imparcialidade em relação a todas as manifestações religiosas ou não religiosas, ou seja, ganha importância que o Estado mantenha sua laicidade.

Num Estado laico, portanto, a noção de justiça que serve de ponto de partida do Direito tem que ser uma medida racional de equilíbrio de interesses, que se volte para a pacificação social, baseada pelo pluralismo e pelos direitos fundamentais da pessoa humana, como postos na Constituição da República. E para conseguirmos uma pacificação social, e respeitar uma sociedade pluralista, qualquer preceito religioso tem que ser deixado de lado, para que não se criem diferenciações, preconceitos, e nem julgamentos por escolhas que fujam da moral religiosa.

Para que se possa efetivar um Estado laico, neutro, pluralista e que defenda a liberdade religiosa, a legislação precisa criar mecanismos que possam propiciar a efetivação da laicidade, assim deve ser interpretado e praticado o inciso I do artigo 19 da Carta Magna de 88. Sem a adoção de normas que possam assegurar a laicidade estatal, desde os processos eleitorais a interferência religiosa nas ações do Estado, é complicado dizer que vivemos em um Estado democrático de Direito.

Para Constant, o Estado laico não deve ter uma religião oficial; o Estado não deve manter uma religião; o Estado não deve estabelecer uma religião; o Estado não deve trabalhar com o axioma de que o povo precisa de uma religião; o Estado não deve restabelecer uma religião e o Estado não deve entender a religião como uma utilidade do povo (CONSTANT, 2007, p. 245-246).

10 Disponível em: http://www.brasil.gov.br/governo/2010/11/o-poder-executivo. Acesso em: 28/07/2016. 11

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Se o Estado é laico, onde se configuram os feriados religiosos? A laicidade protege e resguarda o direito dos cidadãos professarem livremente sua fé, não tendo uma religião oficial, por isso, não pode impor aos cidadãos através de leis cumprir preceitos espirituais atinentes a um determinado grupo religioso, independente de seu histórico, de suas tradições, quantidade de fiéis praticantes, influência político – social, seu poderio financeiro etc.

Segundo a tese de Hans Kelsen, reconhecido como um dos maiores teóricos do Direito do século XX realizou um estudo conhecido hoje por “Pirâmide de Kelsen” que representa um sistema normativo em que há normas de hierarquia diversas. No topo da pirâmide se encontra a Constituição Federal, em nível intermediário estão às leis, em níveis inferiores os decretos editados pelo Poder Executivo. Ou seja, se uma inferior entra no ordenamento jurídico, automaticamente viola a superior. Sendo assim, podemos concluir que quando o legislativo e o executivo aprovam e sancionam as leis de caráter religioso, como é o caso dos feriados instituídos tanto do dia do evangélico quanto do dia do católico, estão violando o que diz a Constituição Federal em ser artigo 19 que veda a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios de estabelecerem cultos religiosos ou igrejas, manter com eles e seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada na forma da lei, a colaboração do interesse público. 12

A democracia está caracterizada pela contínua e ininterrupta possibilidade de dissensos, pensamentos heterodoxos, discrepantes e da contínua possibilidade de coexistência de visões de mundo e valores, sem que jamais qualquer um dos dogmas possa alcançar ou ser alçado à condição de verdade do Estado, ou conteúdo único do Estado democrático. O princípio prático correspondente ao Estado laico é o da tolerância no ambiente democrático, não obrigando qualquer um a pensar de determinado modo (BOVERO, 2002, p.48).

Assim, o princípio democrático está associado ao Estado laico, as características básicas do Estado democrático vão se alinhando em relação inseparável à laicidade. Ou seja, aceita a convivência de vários conteúdos, com a tolerância como expressão de um Estado laico.

12 Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13905. Acesso em: 28/06/2017.

(25)

CAPÍTULO III: REFLEXÕES SOBRE O CRISTIANISMO NO BRASIL E NO ESTADO DO ACRE.

A proposta deste capítulo é fazer uma reflexão sobre a inserção da religião na política, analisando o cenário nacional e também estadual, dentro da Assembleia Legislativa do Estado do Acre.

3.1 – A Inserção dos Evangélicos na Política

A presença de representantes evangélicos no Legislativo e no Executivo de diversos Estados e municípios, além da sua significativa presença na Câmara dos deputados e no Senado Federal, demonstra a força desse segmento junto à população brasileira e reforça a sua posição de ator político considerável na atual conjuntura política.

Segundo Regina Novaes, a atuação dos evangélicos em regiões mais carentes do Brasil já é bastante conhecida. Eles são os que mais chegam às margens da sociedade, chegam a lugares onde nenhuma outra instituição tenta chegar (NOVAES, 2002, p. 65). E lá, promovem práticas assistenciais, programas de alfabetização, postos de atendimento de saúde etc. Ou seja, em regiões onde o Estado não atua efetivamente a não ser de modo representativo, a religião aparece como mediadora entre grupos sociais e Estado.

Embora outros credos religiosos, como os grupos kardecistas, as religiões de matriz africana e ameríndia e determinados setores da Igreja Católica, participem do espaço político e de diversos segmentos sociais, não há comparação entre a atuação dessas instituições em relação as de denominações evangélicas, especialmente por conta de sua visibilidade. E isso não se deve somente a uma opção deliberada de não participação política brasileira, pois a inadequação de sua organização interna e a particularidade da atual conjuntura social são empecilhos à livre concorrência religiosa (MAIA, 2006, p. 41-42).

Apesar de a concorrência religiosa ter como pressuposto a liberdade e a igualdade entre os diferentes credos perante o Estado sabe-se que a realidade diverge da ambição idealizada e que os credos minoritários, tais quais as religiões de matriz africana e ameríndia, passam por um processo de marginalização e de posterior exclusão, o qual é socialmente banalizado, compreendido como inevitável e decorrente do curso natural das coisas. Ainda que, a pretensa laicidade do Estado aparentemente abranja todos os credos sem quaisquer distinções, os diversos indícios legais provam que a esfera pública não é tão leiga e imparcial quanto se auto intitula.

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Neste sentido, iremos analisar o fator religioso em relação ao comportamento eleitoral. O candidato escolhido deve representar a melhor opção, considerando a análise realizada pelo eleitor, que, normalmente, procura despender o menor esforço na realização desse exame. Cabe mencionar que mesmo o método da escolha racional não resultará necessariamente no voto mais favorável ao eleitor, pois é sabido que essa decisão nem sempre se concretizará em realizações positivas para ele (MAIA, 2006, p. 43-44).

Como os eleitores não tem ao seu dispor todas as informações de que necessitam para proceder a essa escolha racional, as decisões políticas por eles tomadas são baseadas em informações já processadas por especialistas e que as transmitem ao cidadão leigo, podendo nelas imprimir interesses particulares. Os eleitores, então, apresentam uma racionalidade de baixa informação, utilizando-se de um pensamento prático que induz a sua escolha com base em seu cotidiano, nas informações veiculadas pela mídia e por pessoas de sua confiança e pelas propagandas eleitorais, havendo relevantes falhas em seu conhecimento sobre o governo e a política (MAIA, 2006, p. 44).

Os eleitores acabam se sujeitando, assim, às inevitáveis inclinações políticas das pessoas em que confiam. Vale lembrar que a confiança depositada no líder religioso e a fidelidade às suas crenças são elementos comuns à adesão a um movimento confessional. Levando em conta que a religião interfere diretamente na visão de mundo de seus seguidores, pode-se afirmar que o processo de escolha de um representante político por um eleitor religioso tende a envolver a sua crença, que determinará qual a melhor opção para as suas necessidades (MAIA, 2006 p. 45).

Sendo assim, a religião que deveria ser uma expressão da liberdade de consciência do sujeito, é instrumentalizada para fins eleitorais, objetivando ver os projetos de sua doutrina religiosa legitimados pela recepção legislativa. Ou seja, a transformação da fé em voto no período eleitoral é compreendida também, pelo aspecto socioeconômico, nível de escolaridade, e pela influência das congregações religiosas nas comunidades mais desfavorecidas e esquecidas pelo Estado.

3.2 – A Religião no Legislativo Acreano

No universo simbólico da guerra contra o mal, as forças invisíveis do mal que rondam a política devem ser combatidas pelas “pessoas de bem”, representadas pelos candidatos religiosos. Em oposição ao profano, à tudo aquilo que não é considerado sagrado,

(27)

o bem e o mal atuam como forças sobrenaturais que tendem ao conflito e a luta espiritual. Essa tendência discursiva, além de fazer uso de caracteres predominantemente religiosos, ressalta também a defesa de valores éticos próprios da religião (MAIA, 2006, p. 50-52).

Percebe-se que a intenção de identificar um inimigo comum à igreja e ao seu rebanho é uma tática frequentes as grandes instituições. Assim como a Inquisição medieval que elegeu as bruxas e toda a diversidade de adeptos de heresias como inimigos máximos a serem combatidos, o sistema de justiça penal escolheu o delinquente típico, ou seja, negro, pobre e morador das regiões subalternas como principal antagonista.

Segundo Durkheim, o conceito de normalidade varia de acordo com cada sociedade, não podendo ser definido um padrão para o comportamento humano. Uma instituição, um grupo social, uma prática comum ou incomum, uma moral ou até um indivíduo não poderiam ser julgados como bons ou maus em si mesmos, como se tal afirmação fosse uma verdade universal válida indistintamente para todos os tipos sociais (DURKHEIM, 2007, p. 59-65).

A condenada homossexualidade, por exemplo, é uma conduta em desacordo com as determinações mais fortes da consciência coletiva das denominações evangélicas. Assim, a reprovação à prática homossexual busca fazer com que o indivíduo transgressor deixe de agir em desacordo com a consciência coletiva, trazendo-o novamente para dentro de sua zona de influência. A censura procura “corrigir” o indivíduo e mostrar para os outros, os efeitos dessa transformação, com o intuito de evitar que possíveis imitadores dessa conduta venham a reproduzi-la.

Em entrevista realizada com o Deputado Estadual eleito pelo PSD Jairo Carvalho, membro ativo da bancada evangélica da Assembleia Legislativa do Estado do Acre, conta sobre a importância desse movimento ser representado no legislativo do Estado, segundo ele:

Sempre observei a Assembleia Legislativa em outras épocas, antes de ser Deputado e em outros órgãos públicos e entendi que deveria existir esse lado para trabalhar o emocional das pessoas, eu imaginei que pelo menos uma vez na semana poderíamos iniciar o dia fazendo uma oração, levando uma palavra de conforto aquelas pessoas. Porque todo mundo tem os seus problemas, então eu pensei e analisei juntamente com a Bancada Evangélica esse culto, onde nós temos 30 minutos de um devocional onde levamos a palavra de Deus até as pessoas. (Entrevista do Deputado Estadual Jairo Carvalho, em 14/03/2017 – Rio Branco- Acre).

13

Segundo o Deputado, o povo evangélico exerce um papel fundamental no Estado:

13 O Deputado faz referência a um culto que acontece na Assembleia Legislativa do Estado do Acre todas as quintas-feiras da semana, com pregações, orações e cânticos evangélicos).

(28)

Como fazemos um culto aberto ao público, todas as pessoas podem vir de vários lugares para participar desse evento que fazemos para trabalhar o lado espiritual das pessoas. Como eu sempre digo, o povo evangélico exerce um papel fundamental ao Estado, e fazem isso de graça. Se um cidadão que está no mundo como nós costumamos dizer, no mundo da criminalidade dando prejuízo de alguma forma para o Estado, ao entrar em contato com um evangélico, ou participar de um culto ele pode se converter e abandonar as práticas erradas. Ele para de dar prejuízo para o Estado e passa e dar benefício. Este é um trabalho que vai trabalhando no coração das pessoas, durante dois anos que estamos fazendo esse culto o nosso foco é esse, trabalhar o espiritual das pessoas para que elas possam ser boas pessoas, trabalhamos com a mudança interna (JAIRO, 2017).

Podemos verificar que para os membros da bancada evangélica, a moral religiosa entra como fator determinante de uma boa conduta. O que entra em contradição é que a partir do momento em que temos uma liberdade religiosa como garantia de um Estado democrático de direito, todas as religiões tem os mesmos direitos diante disso, inclusive a não crença. A partir do momento em que apenas uma denominação religiosa está sendo representada num espaço público, essa liberdade também não esta sendo garantida, assim como a laicidade do Estado.

É notório que as novas agremiações religiosas, particularmente as neopentecostais, não têm a intenção de expandir o processo de laicização da política. O seu ativismo religioso e político almeja justamente o contrário, isto é, ampliar a dimensão religiosa do espaço público, sacralizando-o e estendendo a moralidade cristã a toda a sociedade (MARIANO, 2011, p. 252).

É o que eu sempre tenho defendido aqui dentro da casa (Assembleia Legislativa do Estado do Acre) e tenho falado em todo o Estado do Acre, da importância dos evangélicos no Estado do Acre, no trabalho que exercem. Tenho levado essa mensagem ao governador, ao presidente da Assembleia, aos presidentes dos poderes do Estado do Acre, presidente do Ministério Público, presidente do Tribunal de Justiça do Estado, falando da importância deste trabalho, como falei no início, os evangélicos fazem um papel fundamental e de graça para o Estado, e que na maioria das vezes não é reconhecido, muitos daqueles que viviam nos bares, na cachaça, se drogando, após conhecerem a palavra de Deus transformaram suas vidas. Então o papel da Igreja é como se ela fosse um hospital, um centro de recuperação e isso as igrejas fazem sem o apoio do Estado, portanto o Estado precisa olhar de maneira mais carinhosa para este trabalho que é realizado. E eu, como deputado evangélico tenho levado essa mensagem para frente (JAIRO, 2017).

A ascensão pentecostal abre espaço para o surgimento de dúvidas a respeito do processo de secularização que se alastrou com a modernização do Ocidente, uma vez que essa secularização visava como consequência a redução da religião em ambientes privados e a sua rigorosa separação da esfera pública. É possível perceber que o principal resultado da

(29)

secularização foi a separação entre Igreja e Estado, porém a influência entre essas duas esferas nos mostra o contrário.

Diante desse contexto de inconformismos e questionamentos em que vivemos atualmente, o discurso religioso encontra um terreno propício para se desenvolver, pois tem em sua essência a procura por respostas aos problemas existenciais da humanidade, ainda que as encontre em explicações metafísicas. Existe sim, ainda, a influência direta do fator religioso no Estado do Acre.

Como um verdadeiro cristão que eu procuro ser, eu procuro sempre pautar as minhas decisões numa ética cristã, então eu levo isso no meu dia a dia, porque sou um cristão, e existem muitas coisas que eu analiso, a minha vida cristã e entendo que não devo seguir aqueles caminhos, então, a minha vida aqui no parlamento é direcionada pela minha ética cristã, pelo o que eu aprendi da palavra de Deus (JAIRO, 2017).

Percebe-se que as linhas defendidas por muitos representantes políticos religiosos vão de encontro ao conteúdo jurídico do princípio da igualdade, tendo em vista que pretendem manter em posição materialmente desigual pessoas e situações já discriminadas socialmente. É o que ocorre, por exemplo, no caso da aceitabilidade do casamento civil aos casais homoafetivos, a qual é contestada pela bancada evangélica, que demoniza as relações homossexuais e abertamente pregam um discurso excludente. As congregações religiosas evocam a proteção constitucional da liberdade religiosa e de expressão, alegando deter o direito de expressar as suas convicções, ainda que realizadas com base em um discurso de ódio. A questão aqui, é que sabendo que a garantia de liberdade plena para todos jamais seria possível numa sociedade estratificada, os limites à liberdade são tão essenciais quanto a sua garantia, pois permitem que todos possam usufruir efetivamente dessa liberdade.

Verifica-se que, de fato, a irrestrita liberdade religiosa concede aos membros de determinadas religiões benefícios negados a outros grupos sociais. É o que ocorre, por exemplo, com o respeito aos direitos fundamentais, que, não obstante seja uma obrigação a todos imposta, é, na realidade, suavizado com a ausência de restrições à liberdade, que imuniza as autoridades clericais e lhes concede a prerrogativa de não observá-los.

Possivelmente, parte dos homossexuais abertamente discriminados pelas lideranças religiosas, por exemplo, não corroba com a garantia incondicional das liberdades religiosas e de expressão. Da mesma forma que, muitas mulheres que veem as decisões sobre o seu próprio corpo serem entregues aos fiscalizadores da moral e dos bons costumes, não

(30)

defendem a tolerância a um discurso de ódio que traz intolerância como signo. Por que a intolerância das autoridades religiosas deve ser tolerada, em detrimento da garantia de respeito aos direitos fundamentais? Há, efetivamente, algum prejuízo relevante à esfera de direitos conferidos ao crente que vê limitada a sua liberdade de pregar a inferioridade alheia? O verdadeiro prejuízo não estaria sendo suportado pelo grupo que é inferiorizado com a ausência de restrições à liberdade? Será que a solução não seria postular uma intolerância aos intolerantes?

3.3 – A Religião no Contexto de Estado Laico

E se o anacronismo religioso pudesse ser expurgado dos espaços públicos? Será que os grupos marginalizados iriam finalmente alcançar o respeito e as garantias prometidas pela Constituição? É permitido então, discriminar um agrupamento social em função da sua crença religiosa?

Nesse debate, quando a religião for eleita como critério capaz de ensejar tratamento diferenciado, deve-se averiguar se o seu objetivo está ou não de acordo com os valores protegidos pela Constituição. Sendo o preceito igualitário um princípio fundamental garantido pelo ordenamento, a discriminação de uma pessoa em função de sua crença religiosa com o intuito de facilitar a concretização da igualdade material e, por conseguinte, de efetivar o princípio referido, é válida e permitida dentro do contexto brasileiro. Isto é, a essência do mandamento em exame precisa ser respeitada, pois é sabido que a obediência à formalidade do comando não basta à sua validade.

Observa-se que o texto constitucional é límpido ao afirmar, em seu art. 5º, inciso VIII, que “ninguém será privado de direitos por motivos de crenças religiosas ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei”. O mandamento estabelece que a eleição da crença religiosa como elemento de discrímen não pode ser realizada quando privar a pessoa crente de algum direito. Abre, todavia, uma exceção para os casos em que a crença é utilizada pelo sujeito para não cumprir uma obrigação legal que seja imposta indistintamente a todos. Trata-se da chamada de consciência, que reconhece a aquele que faz objeção o direito de não abandonar as suas crenças em virtude de imposição estatal, desde que seja destinada a alguns ou mesmo a muitos, mas não a todos.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade

(31)

do direito a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade (Constituição Federal de 1988).

A hipótese que aqui se sustenta é o desrespeito aos direitos fundamentais de mulheres, homossexuais, adeptos de religiões de matriz africana, entre outros grupos minoritários, sustentado pelos discursos dos representantes políticos religiosos, o que acaba configurando uma desobediência a uma obrigação a todos imposta. Consequentemente, a objeção de consciência, tão comumente invocada pelas autoridades eclesiásticas para justificar as agressões proferidas, não mais poderia ser alegada, o que permitiria, ainda a privação de seu direito de expressar opiniões discriminatórias em função de sua crença.

Ressalta-se que o que se defende nessa pesquisa é a consolidação de um Estado verdadeiramente laico, no qual a religião não seja utilizada como instrumento de opressão social. Portanto, um político religioso não está legalmente legitimado a discriminar minorias de todo gênero, o que se deve à aludida exceção constitucional à objeção de consciência e também ao fato de que há princípios que são tidos como universais dentro de um Estado democrático de direito.

O deputado estadual do Acre Daniel Zen do PT, em entrevista concedida, colocou o seu posicionamento a respeito do Estado Laico como veremos a seguir:

A minha ideia de Estado Laico é bem peculiar, o Estado Laico não é aquele que não interfere nas questões religiosas, ao contrário disso, é aquele que assegura através do seu aparato estatal, o exercício de poder de polícia, o humanismo estatal do poder de polícia, do exercício da força, é aquele que assegura a liberdade religiosa das pessoas, ou seja, ele se utiliza do aparato estatal para assegurar que ninguém sofra discriminação, preconceito ou se sinta excluído dessa ou daquela situação em virtude da sua orientação religiosa. Pra mim, isso é Estado Laico, então o Estado não só deve assegurar o exercício concreto dessa liberdade que esta garantida abstratamente na lei como ele deve estimular porque eu acho que é também uma questão positiva, o desenvolvimento da espiritualidade das pessoas independente da sua denominação religiosa, então eu não vejo problema como algumas pessoas defendem o Estado Laico, por exemplo, veem o Estado apoiar iniciativas de manifestações religiosas, eu acho que ele deve fazer agra, se ele faz pra uma tem que fazer pra todas. Tem que abrigar à todas. Então a minha visão de Estado Laico é essa, uma visão do Estado não como aquele que não se intromete que não interfere ou lava as mãos no tocante as ações religiosas, ao contrário, aquele que utiliza do aparelho do Estado pra assegurar a liberdade religiosa de seus cidadãos (Entrevista do Deputado Daniel Zen do PT, em 22/03/2017 – Rio Branco-Acre).

Não só as correntes tradicionalmente ligadas aos movimentos pela laicidade têm interesse na manutenção de um Estado laico, mas também as minorias religiosas. Estas

(32)

somente podem conservar sua integridade em um Estado que funcione a partir da vigência da garantia da liberdade e da igualdade religiosas, o que encontra diversos empecilhos no contexto de um Estado confessional, impondo-se a necessidade de se adotar a laicidade como regra. Com isso, impede-se, formalmente, a construção de um sistema que vise impor uma religião ou mesmo uma irreligião de Estado aos seus cidadãos.

Assim, o Estado laico preserva os próprios princípios constitucionais ao não permitir que uma maioria ou até mesmo uma unanimidade decida em favor da abolição de um desses princípios. O argumento de que os fiéis de uma religião são maioria e que, consequentemente, é aquela religião quem decide, de fato, sobre os temas levados ao parlamento não tem apoio numa ordem jurídica constitucional na medida em que a decisão de uma maioria, seja religiosa ou não, possa ser vetada quando contrarie um princípio universal.

O deputado Daniel Zen que tem uma posição mais à esquerda no cenário político, ou seja, menos conservadora sobre a efetivação de uma bancada evangélica dentro da Assembleia Legislativa do Estado do Acre, segundo Zen:

Assim como todo e qualquer grupo de interesse, quando eu digo grupo de interesse eu uso o termo sociológico mesmo, eles tem a legitimidade como qualquer outro grupo de se organizarem e de tentar ocupar espaços políticos, seja nos parlamentos, seja nos governos, seja em qualquer lugar e eu não vejo de forma ilegítima, agora eu acho que as questões de natureza religiosa os princípios, os valores, os dogmas seja de qualquer religião, não podem interferir nas decisões de Estado, nos assuntos de Estado. Eu, por exemplo, sou católico, porém não posso decidir uma questão a respeito de um tema polêmico como, por exemplo, a legalização do aborto a partir da minha posição individual que parte de um ponto de vista moral, eu não posso deixar que aquele princípio, aquele meu entendimento particular contamine uma tomada de decisão minha no tocante à questão geral que desrespeita a esse assunto. Então é necessário saber distinguir o que é o valor religioso que me ajuda a uma tomada de decisão que seja minha do ponto de vista individual e pessoal, e o que é o estande de valor no que diz respeito a teoria geral dos direitos e garantias fundamentais, que esse sim deve orientar a decisão do homem público. Seja ele legislador, ou seja ele do executivo, ou do judiciário. Infelizmente, fazer essa distinção é difícil, se você é favor ou contra você tem que defender uma decisão política favorável ou contrária, conforme a sua posição. Parte da minha visão de Estado Laico é essa, o homem público, a figura pública, o gestor público ele não pode trazer pra uma decisão igualmente pública, pra um assunto de estado, a influência do seu princípio religioso, da sua moral religiosa, tem que saber que o que orienta é a Constituição, são os princípios constitucionais do estado democrático de direito e tudo que vem junto com ele (DANIEL,2017).

O Estado laico preserva os princípios constitucionais quando não permite que uma maioria ou até mesmo uma unanimidade decida em favor anulação desses princípios. O

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