AGRAVANTES: ALCOPAN - ÁLCOOL DO PANTANAL LTDA. E OUTRO(s)
AGRAVADO: BANCO BRADESCO S. A.
Número do Protocolo: 109546/2011 Data de Julgamento: 07-03-2012
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECUPERAÇÃO JUDICIAL – CRÉDITOS FIDUCIÁRIOS – GARANTIA REAL – NATUREZA DE BEM MÓVEL – NÃO SUJEIÇÃO AO REGIME DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS – ART. 49, § 3º, DA LEI Nº 11.101/2005 – JUROS DAS PARCELAS ATRASADAS – VALOR REPRESENTADO EM MEMÓRIA DE CÁLCULOS APRESENTADA PELO CREDOR E REFERENDADA PELO ADMINISTRADOR JUDICIAL – PRESUNÇÃO DE CORREÇÃO – RECURSO DESPROVIDO.
O art. 49, § 3º, da Lei de Recuperação Judicial, exclui do sistema legal os créditos atinentes à propriedade fiduciária, que não se restringe à espécie contratual do art. 1.361 do CC, podendo apresentar-se em outras modalidades, como a cessão fiduciária de créditos.
Apresentada a memória de cálculos e reconhecida sua correção pelo administrador judicial, cabe ao devedor demonstrar onde existe o erro ou equivoco no valor cobrado.
AGRAVANTES: ALCOPAN - ÁLCOOL DO PANTANAL LTDA. E OUTRO(s)
AGRAVADO: BANCO BRADESCO S. A.
RELATÓRIO
EXMO. SR. DES. ORLANDO DE ALMEIDA PERRI Egrégia Câmara:
Trata-se de recurso de agravo na forma de instrumento, por meio do qual buscam as recorrentes ver reformada a decisão de primeiro grau, que determinou a exclusão dos créditos fiduciários garantidos por Certificados do Tesouro Nacional (C.T.N.) do regime da recuperação judicial a que estão sujeitas as empresas do Grupo Zulli, além de ter homologado o crédito de R$2.163.496,03 (dois milhões, cento e sessenta e três mil, quatrocentos de noventa e seis reais e três centavos) a título de juros das obrigações atrasadas.
Afirmam as agravantes, que a os créditos excluídos pela Lei nº 11.101/2005 de seu regime são unicamente aqueles caracterizados como de natureza fiduciária
stricto sensu, ou seja, somente os contratos cuja garantia seriam os próprios bens móveis ou
imóveis alienados é que não se sujeitariam ao regime da recuperação de empresas, não se enquadrando na exceção legal os créditos fiduciários referentes aos títulos bancários, porque não se amoldariam à finalidade da norma.
Aduzem, ainda, que o valor dos juros relativos às prestações contratuais vencidas não poderiam ter sido homologados, porque não há planilha ou prova alguma trazida pelo credor de quais taxas e encargos foram aplicados para se chegar a esse montante.
O pedido de efeito suspensivo foi indeferido pelo magistrado que me substituiu no período de meu afastamento.
Contrariedade recursal pugnando pela rejeição da pretensão recursal. Parecer da ilustrada Procuradoria de Justiça pela rejeição do agravo. É o relatório.
P A R E C E R (ORAL)
O SR. DR. WILSON VICENTE LEON Ratifico o parecer escrito.
VOTO
EXMO. SR. DES. ORLANDO DE ALMEIDA PERRI (RELATOR) Egrégia Câmara:
A questão posta à baila neste agravo já ganhou solidez na jurisprudência desta Corte, que reiteradamente vem assinalando que os créditos decorrentes de relações contratuais garantidas fiduciariamente estão excluídos do regime criado pela norma federal, por expressa exegese do que determina o art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005.
Não obstante reconheça que a finalidade da Lei de Recuperação de Empresas é propiciar ao empresário que se encontra em situação de fragilidade econômica uma alternativa de superação dessa dificuldade, também é preciso salientar que optou o legislador de 2005 por excluir alguns créditos deste regime legal, como é o caso daqueles oriundos dos pactos com garantia fiduciária, conforme expressa dicção do art. 49, § 3º, da lei de regência.
A Lei nº 11.101/2005 excluiu da recuperação judicial os créditos referentes a pactos de alienação fiduciária, vale dizer, os contratos em que o credor é o real proprietário do bem móvel objeto da avença, dando a posse direta da coisa ao devedor, mediante pagamento de um valor destinado a adquirir o objeto do negócio entabulado.
Explica a doutrina:
Os titulares de determinadas garantias reais ou posições financeiras (fiduciário, leasing etc) e os bancos que anteciparam recursos ao exportador em função de contrato de câmbio excluem-se dos efeitos da recuperação judicial para que possam praticar juros menores (com spreads não impactados pelo risco associado à recuperação judicial), contribuindo a lei, desse modo, com a criação
do ambiente propício à retomada do desenvolvimento econômico. (Fabio Ulhoa
Coelho, in ‘Comentários à nova lei de falências e de recuperação judicial’, 5ª ed - São Paulo: Saraiva, 2008, p. 130/131)
Essa também é a orientação das Cortes:
AGRAVO INTERNO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. TRAVA
BANCÁRIA. BLOQUEIO PELAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS DOS VALORES DAS RECEITAS PROVENIENTES DE VENDAS REALIZADAS COM CARTÕES DE CRÉDITO E DE DÉBITO. SISTEMA QUE INVIABILIZA O FUNCIONAMENTO DA EMPRESA RECUPERANDA. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. VALOR DA MULTA ADEQUADO AO CASO DOS AUTOS.
O faturamento da empresa é oriundo quase em sua totalidade de compras realizadas com cartões de crédito e de débito. Sistema de trava bancária que bloqueia os valores arrecadados da mencionada forma inviabiliza seu funcionamento.
A recuperação judicial é um instituto que visa a superação do estado de crise de uma empresa, para que a mesma possa continuar em seu pleno funcionamento, atendendo assim aos interesses de seus proprietários e à sua função social. Princípio da preservação da empresa.
O pedido de recuperação judicial da empresa agravada foi deferido, razão pela qual as instituições financeiras não podem mais reter os aludidos valores, sob pena de não fazer valer a finalidade precípua da recuperação judicial.
Contrato de penhor mercantil e não de cessão de crédito celebrado entre a agravada e as instituições financeiras, motivo pelo qual as mesmas devem se sujeitar ao quadro geral de credores, em atenção ao par conditio creditorum.
O valor arbitrado pelo magistrado singular a título de multa, no caso de descumprimento da ordem judicial, não se demonstra elevado, mas revestida de caráter coercitivo, e por isso deve ser fixada em valor pecuniário expressivo. Precedentes jurisprudenciais. DESPROVIMENTO DO RECURSO. (TJRJ, AI
0053629-35.2010.8.19.0000, Des. Carlos Santos de Oliveira, de 01/3/2011)
AGRAVO DE INSTRUMENTO RECUPERAÇÃO JUDICIAL -CONTRATO DE DESCONTO BANCÁRIO - TÍTULOS CEDIDOS AO BANCO - IMPORTÂNCIAS DESCONTADAS RECEBIDAS E UTILIZADAS PELA DESCONTÁRIA - TRANSFERÊNCIA DA TITULARIDADE CONSUMADA - ABSTRAÇÃO - SITUAÇÃO JURÍDICA EXCEPCIONADA NO § 2º DO ARTIGO 49 DA LEI 11.101/2005 -AGRAVO PROVIDO, POR MAIORIA.
I - O contrato de desconto bancário, ato jurídico e perfeito, transfere a propriedade dos títulos descontados mediante o crédito na conta da empresa.
II - O pedido de recuperação judicial não resolve os contratos reais, onerosos e bilaterais e, por esta razão, os títulos de crédito cedidos por desconto bancário não se sujeitam à disciplina imposta pelo artigo 49 da Lei nº. 11.101/2005, na medida em que transferida a propriedade dos mesmos, desaparece a figura de credor por parte do banco descontador, em face da exceção contida no § 2º do citado dispositivo legal. (TJPR, AI 574.601-4, Des. Paulo Hapner, julgado
em 3/11/2009)
A interpretação capitaneada por esta corrente doutrinária e jurisprudencial é a de que a propriedade fiduciária descrita no art. 1.361 do CC, cuja finalidade é garantir o credor, diante da celebração de negócio jurídico sobre bem móvel de natureza fungível, é uma modalidade de contrato fiduciário e não a sua única espécie.
Vale dizer: a tese de que a interpretação do art. 49, § 3º, da Lei nº 11.101/2005, deve ser restritiva, não encontra amparo na própria legislação civilista, que reconhece a existência de outras formas de contratação com garantia fiduciária.
Colho da doutrina:
“Pelo contrato de cessão fiduciária em garantia, opera-se a transferência ao credor da titularidade dos créditos cedidos, até a liquidação da dívida garantida. (...)
“A cessão fiduciária de direito sobre coisas móveis ou sobre título de crédito vem normatizada nos § 3º e 4º do art. 66-B, da Lei 4728/65, com a redação
atribuída pela Lei 10931/04. Sobre tais operações são aplicáveis os princípios dos arts. 18 e 20 da Lei 9514/97 acima destacados.“ Assim, de forma geral, podemos dizer que quando a alienação fiduciária em garantia tiver por objeto direito de crédito passa a ser por lei denominada de cessão fiduciária, sobre a qual se aplica o instituto da restituição, demonstrada a posse injusta da massa exercida sobre os títulos de propriedade do credor requerente.” (Sergio Campinho, in “Falência e
Recuperação de Empresa”, pág. 391, 3ª edição, ed. Renovar)
Destarte, correta a decisão primitiva que excluiu os créditos ostentados pelo agravado quanto às obrigações principais contratadas com as agravantes, do regime de recuperação judicial.
No que tange à inclusão do valor dos juros referentes às prestações vencidas, limitaram-se as agravantes a dizer que o valor não tem origem, mas ao se compulsar a impugnação de crédito apresentada pelo agravado, verifica-se existir uma memória de cálculo que explicita os valores de cada operação, bem como o tempo de mora e os juros a ela correspondentes.
De mais a mais, como bem notou o representante do Ministério Público que oficiou nos autos, o juízo de piso homologou o valor dos créditos com base no parecer do administrador judicial, que corroborou os cálculos apresentados pelo credor, o que mais reforça a ideia de estarem eles corretos e adequados.
Ante ao exposto, conheço do agravo e nego-lhe provimento. É como voto.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em epígrafe, a PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, sob a Presidência do DES. ORLANDO DE ALMEIDA PERRI, por meio da Câmara Julgadora, composta pelo DES. ORLANDO DE ALMEIDA PERRI (Relator), DES. MARCOS MACHADO (1º Vogal) e DES. JOÃO FERREIRA FILHO (2º Vogal), proferiu a seguinte decisão: À UNANIMIDADE, DESPROVERAM O RECURSO.
Cuiabá, 07 de março de 2012.
---DESEMBARGADOR ORLANDO DE ALMEIDA PERRI - PRESIDENTE DA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL E RELATOR
---PROCURADOR DE JUSTIÇA