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Entrevista com Bonita

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Academic year: 2021

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Entrevista

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Bonita Meyersfeld é uma acadêmica e advogada em Direitos Humanos. Ela é diretora do Centro de Estudos Jurídicos Aplicado e professora associada da Wits Law School, onde leciona Direito Internacional e direitos humanos e direito penal internacional. É também editora da South African Journal of Human Rights e editora e fundadora do Conselho de Advogados contra Abusos. É Mestre e Doutora pela Yale Law School e autora do livro Vioência Doméstica e Direito Internacional.

Bonita Meyersfeld: Olá, Rafael!

Rafael: Olá, então, primeiramente gostaria de agradecê-la imensamente por aceitar dar esta entrevista, ela é muito importante para nós.

B: Imagina, é um prazer!

R: Vou fazer as perguntas na ordem que te

envei por e-mail.

B: Claro.

R: A primeira é: Levando em consideração

a crise institucional enfrentada ultimamente pelo Sistema jurídico, gostaríamos de saber quais são os desafios e obstáculos em relação ao Sistema educacional na África do Sul.

B: O primeiro obstáculo é financeiro. Os estudantes sul-africanos em geral enfrentam grandes níveis de pobreza e isso, mais do que qualquer outro fator, impede os

estudantes de entrarem para as

Universidades. Aqueles que entram, que são capazes de juntar dinheiro suficiente

para entrar para uma Universidade

frequentemente não tem dinheiro suficiente para pagar as taxas para ficar na Universidade. Então, você pode perceber que as finanças são uma barreira para uma educação superior na África do Sul. Igualmente, porém, é importante relembrar que os problemas financeiros estão ligados à raça, na África do Sul. A maioria do país vive na pobreza e a maioria é negra. Então, há um alinhamento entre a raça e a pobreza neste país, o que é legado do apartheid. 80% da riqueza deste país pertence a 10% da

população e esses 10% são

predominantemente brancos. Então, isso significa que as pessoas negras estão efetivamente sendo excluídas da educação. O segundo problema que é bastante hostil para os estudantes é o problema do privilégio branco e do conteúdo do que nós

ensinamos em nossas disciplinas.

Tendemos a ensinar sobre teorias, valores, princípios e leis ocidentais, europeias ou estadunidenses e nós não olhamos para o

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continente africano ou o hemisfério sul para basearmos nosso trabalho. Então… há um problema em que vários estudantes vêm para a universidade e consideram-na alienante. Acredito que esses são alguns dos elementos principais.

R: Ok. Então, a segunda pergunta. Você estudou e atualmente trabalha na África do Sul, um país em desenvolvimento. Contudo, você também passou algum tempo em países como a Inglaterra e os Estados Unidos, tanto para propósitos acadêmicos, quanto a trabalho. Portanto, com isso em mente, quais as discrepâncias observadas por você nas tradições desses países em relação à educação em direito? E você acredita que o direito e o Sistema jurídico tem o mesmo papel nestes países ou são diferentes?

B: Bem, a discrepância entre a África do Sul, a Inglaterra e os Estados Unidos são, eu diria, relacionadas de novo aos recursos. As universidades nos Estados Unidos são muito ricas, com recursos grandiosos. A biblioteca da universidade que frequentei, por exemplo, era cinco estrelas em infraestrutura, computadores, havia um sistema integrado de empréstimo, que era ligado a outras quatro Universidades da Ivy league e às bibliotecas em Washington. Logo, é o contrário da África do Sul, onde nós temos uma biblioteca de apenas um andar de livros didáticos, ao menos na

Faculdade de Direito. O sistema de universidades é simplesmente privado de recursos. E então, creio que havia também

um ethos diferente na preparação,

preparação para exames e preparação para as aulas, uma diferente cultura de leitura para as aulas e de estar preparado, mas acredito que tenha mais a ver com a universidade que eu frequentei e menos a ver com o sistema educacional dos Estados Unidos. É uma Universidade da Ivy league e há um nível de competição maior, o que acredito que faça diferença. Eu não creio, porém, que essa é uma diferença de todas as Universidades nos Estados Unidos, mas diria que é sim uma diferença de calibre dos professores. Penso que há muita competição para conseguir um trabalho acadêmico nos Estados Unidos, então são realmente os melhores do mais alto nível que estão ensinando. Mas, de novo, acredito que é algo somente do nível de uma Universidade da Ivy league e não necessariamente dos Estados Unidos e da Inglaterra. Eu diria que o nível dos melhores estudantes é o mesmo tanto na África do Sul, quanto nos Estados Unidos e na Inglaterra. Os melhores estudantes dessas universidades têm igual inteligência, igual capacidade e acredito que isso é apenas a medida em que há uma extremidade inferior de estudantes que não vão bem, o que é diferente, certo? Nas Universidades da Ivy League, os estudantes mais pobres, que não vão tão bem, mesmo

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assim, acabam tendo sucesso. Enquanto isso, estudantes na África do Sul que não vão bem geralmente acabam falhando. E, de novo, acredito que é por causa da diferença da Ivy League. Imagino que se estivesse em uma universidade pública nos Estados Unidos haveria um grande nível de fracassos também.

R: Entendo. Então, a segunda parte da

questão: você pensa que o direito e o Sistema jurídico têm o mesmo papel nestes países? Como é a África do Sul em relação à Inglaterra e aos Estados Unidos.

B: Sim, acredito que eles têm. Acredito que

eles são... certamente todos uma

democracia. Os Estados Unidos e a África

do Sul, claro, são democracias

constitucionais. Todos os três têm o tradicional como um terceiro braço do governo e que fornece verificação e saldos no executivo, acho que fizeram muito bem , então eu acho que alguns de há alguns dos graus de respeito pelo direito. E acredito que há outros níveis de acesso limitado à justiça baseados na pobreza. Então, as pessoas que vivem na pobreza, que se encaixam nas minorias raciais nesses países, a maioria das pessoas não pode pagar pelo acesso ao sistema legal. E acredito também que há outra semelhança entre eles: frequentemente os juízes nesses sistemas têm preconceitos que agem contra essas pessoas que vivem na pobreza, e isso

é um problema da mesma forma. E, entre essas três jurisdições, acho que há também uma falta de diversidade na traditionary, pois as mulheres, em particular as mulheres negras, são muito sub-representadas em todos os três países. É claro que é particularmente problemático na África do Sul, porque as mulheres negras representam 40% da população, sendo consideradas como o maior grupo no país. As mulheres em geral constituem 51 % do país. Então é realmente problemático na África do Sul.

R: É a mesma coisa no Brasil. A terceira questão é: Qual a amplitude e qual a importância dada à pesquisa acadêmica na África do Sul? E, dado este cenário, como você avalia o envolvimento de graduandos na pesquisa na África do sul, se é que há algum?

B: Acredito que o governo é… você sabe, depende da perspectiva. O governo sul-africano tem um fundo que subsidia o ensino superior e que aloca um pouco de dinheiro na pesquisa. Você sabe, acredito que ninguém vai dizer que é suficiente, mas acho que nós valorizamos bastante a pesquisa. E quanto aos graduandos, acredito que não são suficientemente encorajados em fazer sua própria pesquisa. Acredito que há um problema que está ligado a todo o nosso Sistema educacional. Por causa da história do apartheid, nosso Sistema educacional é ainda muito falho e não

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prepara as pessoas adequadamente para a educação universitária, que requer que os

estudantes escrevam, pesquisem e

desenvolvam suas próprias teorias e pensamentos. Então acredito que o governo não é ruim, e que nossas instituições não são ruins, mas esse legado do apartheid que continua a determinar os estudantes aptos na universidade e no nível de graduação para realizar pesquisa.

R: Ok. Agora, a quarta questão: Como você

vê a importância da participação feminina na área acadêmica? Dado que o campo acadêmico é comumente representado por figuras masculinas.

B: Bem, isso é essencial! Existem várias razões pelas quais a inclusão das mulheres na academia é importante. A primeira é por causa da representação. Quando estudantes vêm para aula, não é bom que vejam apenas homens lecionando, eles têm que ver diversidade. Assim, as mulheres podem acreditar que também podem aspirar a isso. Claro que mulheres têm a mesma capacidade que os homens. Então, se elas não são admitidas na Academia significa que estamos perdendo 50% do potencial das pessoas, o que demonstra que temos uma academia fraca. E, por último, eu penso que há uma perspectiva feminina trazida pelas

mulheres, não porque elas são

biologicamente inclinadas nesse sentido, mas porque elas têm uma experiência de

vida sobre discriminação, o que influencia o trabalho delas. E isso cria um contexto acadêmico mais diversificado, em que tanto estudantes quanto alunos podem florescer.

R: A segunda parte desta questão é sobre como você analisa a existência do que nós podemos chamar de sexismo acadêmico, e as dificuldades enfrentadas pelas mulheres nessa área. Ao tentar entrar na área acadêmica, quais os desafios elas enfrentam que os homens usualmente não enfrentam?

B: Há um nível muito alto de sexismo na academia. Isso significa que há um sexismo para iniciar, o que inclui comentários sobre suas habilidades pessoais para fazer o trabalho deles, e que elas não podem fazer o

trabalho por serem mulheres. Ou

comentários sobre seus aspectos físicos ou que subestimam sua capacidade intelectual como pessoa. Então, eu penso que também existem barreiras implícitas, as pessoas tendem a usar autoridades masculinas em suas pesquisas e não femininas. Homens são mais aceitos quando eles estão em busca de promoções, enquanto as mulheres são consideradas menos capazes, sendo que são tão capazes quanto eles. Então, eu acho que

existem estruturas e barreiras que

conduzem as mulheres, ou impedem seu desenvolvimento na academia, então elas acabam desistindo. O outro grande problema é o assédio. Existem altos níveis de assédio sexual de membras da academia

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e de alunas. Esse nível de assédio sexual não é somente por palavras ou ser dispensada por ser mulher, é também

violência física. As estruturas da

universidade não impedem que essa violência aconteça, também não lidam quando isso acontece. Então você tem impunidade para essa violência, o que naturaliza a violência contra mulheres, transformando a universidade em um lugar muito hostil para estarem.

R: Obrigado. Agora a última questão. Como

advogada internacionalista e defensora dos direitos das mulheres, como você pensa que o Direito Internacional é capaz de atuar na defesa da mulher? E, se você puder, apontar os maiores desafios e mecanismos em atuar nesta área.

B: Bem… Direito Internacional é sobre

padronização de ações pelos Estados. E os

direitos das mulheres são

fundamentalmente protegidos pelos

Estados. Então, ele serve para criar um padrão maior de proteção dos direitos das mulheres em nível estatal. Alguns Estados são fortemente influenciados pelo que é chamado de direito tradicional, ou direito costumeiro, que pode se opor aos direitos das mulheres ou ter princípios que impeçam as mulheres de escapar da discriminação e da opressão. O Direito Internacional também tem uma notável habilidade para executar campanhas, como por exemplo a

“16 dias de ativismo contra a violência contra mulheres e crianças”. E enquanto a campanha não é uma resposta, uma solução em si mesma, certamente ajuda a lidar com isso e traz atenção para alguns dos danos sofridos pelas mulheres, em razão de violência em razão do sexo e do gênero Eu penso que as cortes internacionais têm também um papel a cumprir, em termos de desenvolvimento jurisprudencial que pode ser aplicado em cortes nacionais para proteger direitos das mulheres. As cortes internacionais, como a Corte Europeia de direitos Humanos, por exemplo, ou a Corte Interamericana de Direitos Humanos, são tribunais que frequentemente têm julgados sobre direitos das mulheres. Esses julgados não estão restritos a tais tribunais, mas eles começam a influenciar o Direito e as decisões dos tribunais nacionais. Por exemplo, havia um caso na Corte Europeia de Direitos Humanos, sobre uma jovem que foi estuprada quando tinha 14 anos, e por não ter chorado e permanecido em silêncio por estar tão assustada, a corte do país entendeu que não havia estupro. O país era a Bulgária. Esse caso foi para a Corte Europeia dos Direitos Humanos, onde os

juízes entenderam que simplesmente

porque ela se manteve silêncio, isso não significa que ela consentiu. Silêncio é, na verdade, uma manifestação de extremo terror e trauma, uma vez que nem todo mundo se defenderia e não há uma resposta

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uniforme ao estupro. Essa decisão foi incorporada ao Direito búlgaro, que se alterou, e foi também incorporada a outras

decisões de tribunais nacionais e

legislações. Então, você pode ver como o Direito Internacional pode atuar partindo de um nível internacional e global para as

especificidades dos sistemas judicial e legal nacionais.

R: Bem, acho que é isso. Essa foi a última

pergunta.

B: Ótimo!

Referências

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