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Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder. Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008

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Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008

Corpos à venda, corpos do desejo, corpos discursivos: as relações de poder inscritas nos corpos de michês das saunas de São Paulo

Elcio Nogueira dos Santos (PUC-SP)

Palavras-chave: Homossexualidade, prostituição, abjeto ST 02 - A Tática da “profissa” e a prática do sexo rentável

Introdução

Minha pesquisa de doutorado investiga as relações que se estabelecem entre clientes e michês nas saunas de São Paulo, suas produções discursivas e a materialização dos corpos de clientes e michês. O interesse pelo objeto nasce da constatação do pouco material teórico existente sobre profissionais do sexo masculino que oferecem seus serviços a homens em espaços fechados. Apesar da existência de um grande número de trabalhos sobre tais profissionais que exercem sua atividade nas ruas de grandes cidades brasileiras, destaque-se o texto seminal de Nestor Perlongher (1987), tem se produzido muito pouco sobre michês e seus clientes em espaços fechados. O objetivo deste texto é acrescentar e compartilhar minhas reflexões sobre profissionais do sexo masculino e seus clientes em espaços fechados para os debates antropológicos. Ele não esgota, e nem poderia ter tal pretensão, as questões aqui trazidas.

Corpos

Desde o trabalho pioneiro de Marcel Mauss As técnicas do corpo, o corpo se torna objeto de interesse para as ciências sociais, especialmente para a Antropologia. Mauss demonstra como o corpo, longe de ser uma “entidade” biológica, com autonomia própria, separado da cultura, é construído pela

e na cultura na qual está inserido. Le Breton defende uma sociologia do corpo, como de fundamental

importância para pesquisadores sociais, pois é no corpo que se localizam as tramas sociais.

Wacquant aponta para a importância do corpo para o pugilista, pois além de ser o instrumento de seu trabalho é também o alvo de seu adversário. Nesse sentido, o corpo se torna um local de investimento para os praticantes de boxe e o local onde se inscrevem as relações sociais e simbólicas dos boxeadores. Camilo Braz (2008), em seu trabalho sobre os clubes do sexo em São Paulo, aponta para a importância do corpo para os freqüentadores de tais clubes.

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Saunas

A prostituição masculina em espaços fechados é um fenômeno recente. Com o surgimento das primeiras saunas voltadas para o público homossexual surge o que se tem chamado de saunas de

michês1. É importante se destacar que não são todas as saunas voltadas para homossexuais que

permitem a entrada destes profissionais. Em São Paulo existem algumas saunas que permitem a entrada de michês. Concentro minha pesquisa em três saunas que são consideradas pelo seu público como as mais antigas e com maior freqüência. As designo como X, Y, Z. Elas possuem bares e amplos espaços para a circulação de michês e clientes. Todos os ambientes das saunas possuem iluminação clara para fácil identificação dos michês e clientes.

Corpos em circulação, corpos à venda2

Observar a circulação dos michês nas saunas de São Paulo voltadas para o comércio do sexo, em seus amplos salões, com seus corpos quase nus, com seus membros sexuais em constante ereção, trajando apenas uma toalha ou uma cueca, que teria a função de “proteger” seus membros sexuais e nádegas, mas que serve apenas como forma de destacar partes “intimas” de seus corpos; e de clientes que, em sua maioria, utilizam-se dos mesmos trajes, mas que procuram destacar seus atributos de corpos envelhecidos, como uma acentuação abdominal, cabelos brancos, nádegas ainda tesas, sinais de prestígio entre clientes, pois indicariam ascensão social e poder econômico, levou-me a indagações sobre as relações de poder que se inscrevem nestes corpos, corpos que se tornam “abjetos” mas que são francamente objeto do desejo de outros corpos.

Mais precisamente, qual a importância dos corpos de clientes e michês para a troca de sexo por dinheiro entre homens? Defendo o argumento de que é através do corpo que se objetificam os desejos e as relações de poder entre michês e clientes. A conformação física de cada boy3 indica marcadores de

diferença e de subjetivação, tornando-o mais ou menos desejável por este ou aquele cliente. Em outras palavras, o corpo, em suas formas é o maior atributo de negociação destes profissionais e das relações de poder que se estabelecem entre eles.

Espaços aparentemente transgressivos, pois as relações sexuais que acontecem em seu interior são mediadas pelo dinheiro, fluidas, inconstantes, produzidas discursivamente e materializadas pelos corpos de michês e clientes, espaços em que se “questiona” a heteronormatividade, que abrigam corpos considerados “abjetos”, das “margens” (Butler, 2005), em que a regra são relações inter- geracionais, apontam para outra direção, uma outra leitura da sua produção discursiva: a de uma relação normatizadora da sexualidade.

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Lendo-se o discurso destes corpos notamos que tais corpos buscam uma valorização da “masculinidade” ou do que é considerado socialmente “masculino”, “viril”4. Suas performances (Butler, 2002), tais como a constante exibição do pênis, sempre em “estado” de ereção, ou eretos, o tamanho do membro masculino, este tem de ser avantajado, indicam ao cliente uma suposta potência. Seus corpos bem trabalhados, bíceps, tórax e uma barriga “tanquinho”, em exibição, à deriva no interior das saunas, circulando constantemente em busca de um cliente, acabam por confirmar o “centro”.

Assim, michês mais “bem” dotados, com corpos mais bem trabalhados, “malhados”, com membros sexuais considerados maiores que a média pelos clientes, têm mais poder de negociação, tanto no ganho monetário como em posições sexuais que seriam, supostamente, inadmissíveis para um homem. Segundo L. cliente das saunas, 65 anos, profissional liberal: “como eu estava com vontade de trepar, acabei trepando com um deles, o mais cacetudo, um de tal de Reinaldão, famoso pela grossura (do cacete) se insinuou para mim, cobrando só cincoentinha. Na última vez que nós transamos, ele não deixou por menos de setentinha.Cá entre nós, sou chegado num "grandão e grosso". Então, peguei um tamanho gigante e fui me divertir”.

Eu lhe pergunto qual a importância do tamanho do pênis. L: “porque cacetão é coisa de macho; porque agüentar tudo aquilo dá prazer, é uma forma de se superar, de se mostrar mais viado, que os outros viados, de se mostrar mais devasso que os outros. Não é a toa que chamam de poderosa, quem agüenta um pauzão. Fantasias sobre um cara cacetudo? ele vai me arrrombar, me detonar. Porém, eu vou aguentar e no final vou ganhar. É uma competição, no final de contas. E é uma competição onde o passivo, tido como o lado mais fraco, no final, é o vencedor. Ele se supera, supera os demais passivos e mostra pros ativos cacetudos, que o cacetão não é tão poderoso quanto se imagina”.

O relato de L. mostra claramente as várias relações de poder que se inscrevem nos corpos de michês e clientes. O “cacetão” de L. não significa apenas sua preferência por membros maiores, mas aponta também para as diferentes relações de poder que se estabelecem entre michês e clientes e, entre os clientes. L. re-interpreta o discurso sobre o “ativo”/“passivo”, dimensionando o suposto “passivo” como o dominante na relação sexual e com poderes de desmoralização dos que seriam considerados dominadores, “machos”, produção discursiva que se materializa nos corpos de clientes e michês.

Outros dotes corporais também são importantes nestes territórios de troca de sexo por dinheiro. Profissionais do sexo mais baixos em estatura corporal, que apresentem gesticulações que supostamente seriam consideradas mais “afeminadas” ou gay são menos procurados pelos clientes e, mesmo entre os boys, são considerados como “inferiores”. Não são incomuns brigas e agressões físicas

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entre eles por causa de “transgressões” da “masculinidade” normatizadora da heterossexualidade (Butler, 2002, 2005).

Relato aqui, a fala de V. michê, 23 anos, branco, escolaridade superior. Eu: Por que você está com essa bandagem no nariz e uma tipóia? “Então...o B (outro michê) vivia me ameaçando... cara, o tempo todo... eu passava e ele dizia: ‘E aí, viadinho, vai da pra mim hoje ou não?’ mas eu tinha um puta tesão por ele! Bem trabalhado, pau grande, deve meter gostoso...mas eu não gostava de ser chamado de viadinho o tempo todo, não gostava. Surgiu a chance de me vingar daquele xingamento. Um cliente me perguntou se eu topava um programa a três comigo sendo “ativo”5. Eu disse que topava e ele me mando escolhe o boy. Ah!...beleza! eu escolhi o B. a gente foi pro quarto quando o cliente mandou ele da pra mim ele me olhou com uma puta cara feia e disse na minha orelha: ‘eu vou te pega lá na rua’. Pegou mesmo! A gente saiu da sauna juntou ele e mais dois boy e eu apanhei bem. Foi assim que eu ganhei esse nariz novo e esse troço no braço6”.

V. é considerado um michê afeminado. Tem estatura média, seu pênis é considerado normal, não avantajado, por ele, freqüenta baladas gays e assume no interior das saunas sua sexualidade. Já B. tem dois filhos, corpo bem trabalhado, e orgulha-se em exibir seu pênis pelo interior das saunas, pênis que, segundo ele, “tem 23 cm., 23 de puro macho”.

A fala de V. e seus corpos ilustram com clareza as “diferenças” entre os “diferentes” (Brah, 1996, 2006) e a normatização da heterossexualidade compulsória. Ser “passivo” na relação sexual com um boy ou um cliente considerado “afeminado” é um sinal de desprestigio entre os michês. Mas, tem que se considerar que, dentro do quarto nem sempre os michês considerados “ativos” na relação sexual são “ativos”. Vários informantes clientes me dizem que são preferencialmente “ativos” e vários boys, por dinheiro ou por prazer relatam não se incomodarem em ser “passivos” desde que: “o cliente não seja uma bichona né, meu? Tem uma coisa, não gosto de dar pra um negão”. Eu por que? P: “Eles têm um pau grande, machuca, não gosto, não curto gente negra. Pra mim que ser branquinho dos olhos verdes”. (P. 28 anos, uma filha, negro, escolaridade média).

Deste modo, cor/raça, gestualização e compleição física passam a ser inscrições discursivas que atuam na subjetivação e materialização de corpos que seriam “hiper-masculinizados”. “Masculinidade” inscrita e subjetivada, que se materializa nos corpos que é o maior valor de troca e busca dentro das saunas de michês.

1 As saunas para o público homossexual surgem inicialmente nos EUA, na década de 1970. Logo em seguida começam a surgir em São Paulo, tais espaços. Para um histórico das saunas nos EUA ver Weeks (1985, 1998). MacRae ([1983] 2005) em seu texto: Em defesa do gueto aborda as saunas para o público homossexual.

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Boy é um termo usado pelos próprios profissionais do sexo para se auto-designarem. Eles não gostam e nem utilizam o termo michê por acha-lo depreciativo e também não utilizam a expressão profissionais do sexo. (ver Santos, 2007). Aqui utilizarei os três termos para designar estes profissionais.

4 Braz (2008) nota a mesma valorização da masculinidade em seu trabalho nas casas de sexo em São Paulo.

5 Sobre o “ativo”/”passivo” como valor social de masculinidade ver o trabalho seminal de Peter Fry (1982). Também Perlongher (1987).

6 A entrevista foi realizada uma semana após o acontecimento. É regra entre os michês que, em um programa a três, o boy tem o direito de escolher seu parceiro. Tal regra é respeitada pelos clientes que quando contratam um programa a três deixam ao encargo de um dos michês escolher o parceiro.

Referências bibliográficas

BRAH, Avtar- Cartographies of Dispora- contesting identities, London, New York, Ed. Routledge, 1996.

____________- Diferença, diversidade, diferenciação, In- Cadernos Pagu (26), Ed. Unicamp, 2006. BRAZ, Camilo Albuquerque de- (Dis)posições: gênero, desejo, práticas sexuais e marcadores de

diferença entre homens que freqüentam clubes de sexo, Comunicação apresentada na 26ª Reunião

Brasileira de Antropologia, Porto Seguro, 2008.

BUTLER, Judith- Problemas de gênero- feminismo e subversão da identidade, Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 2003.

______________- Cuerpos que importan- Sobre los limites materiales e discursivos del “sexo”, Buenos Aires, Barcelona, México, 1ª reimpressao, Ed. Paidós, 2005.

FOUCAULT, Michel- História da sexualidade- A vontade de saber, Rio de Janeiro, Ed. Graal, 11ª edição, 1993.

_________________- Microfísica do poder, Rio de Janeiro, Ed. Graal, 22ª reimpressão, 1998.

FRY, Peter – Pra inglês ver- identidade e política na cultura brasileira, Rio de Janeiro, Ed. Zahar Editor, 1982.

LE BRETON, David- A sociologia do corpo, Petrópolis, Ed. Vozes, 2006.

MACRAE, E.- Em defesa do gueto In- GREEN, James N. e TRINDADE, Ronaldo, (orgs.)-

Homossexualismo em São Paulo e outros escritos, pág.291-308; São Paulo, Ed. UNESP, ([1983] 2005)

MAUSS, Marcel- As técnicas do corpo In- MAUSS, Marcel (org)- Sociologia e Antropologia, São Paulo, Ed. Cosac Naif, 2005.

PERLONGHER, Nestor- O negócio do michê: prostituição viril em São Paulo, São Paulo, Ed. Brasiliense, 1987.

SANTOS, Elcio Nogueira dos- Entre amores e vapores: as representações das masculinidades

inscritas nos corpos nas saunas de michês, Comunicação apresentada na XIII Congresso Brasileiro de

Sociologia, Recife, 2007.

WACQUANT, Loïc- Corpo e Alma- notas etnográficas de um aprendiz do boxe, Rio de Janeiro, Ed. Reluma Dumará, 2002.

WEEKS, Jeffrey- Sexuality and its discontents-meanings, myths & modern sexualities, London & New York, Ed. Routldge; (1985)

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