Texto : Jeremy Roe. Tradução portuguesa: Sarah Adamopoulos, Lisboa. Todos os direitos reservados.

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Texto : Jeremy Roe

Tradução portuguesa: Sarah Adamopoulos, Lisboa

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Antoni Tàpies

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Introdução

A

carreira de Antoni Tàpies estende-se ao longo de mais de sessenta anos, no decurso

dos quais foi, em momentos distintos, pintor, escultor, gravador e escritor. A sua prática criativa e intelectual exerceu-se sempre essencialmente em Barcelona, onde o artista perpetua a herança criativa da cidade como núcleo central do vanguardismo artístico. A extensão internacional e universal da arte de Tàpies foi reconhecida desde o princípio e o artista continua a expor no mundo inteiro. No final da primeira década da sua carreira, Tàpies era visto como o representante principal de uma nova corrente da pintura vanguardista: a Arte

Informal. No entanto, a sua obra não é facilmente catalogável: ela estabelece paralelos com

outros movimentos artísticos tais como o Expressionismo Abstracto, a Pop Art e a Arte Povera, bem como com abordagens recentes pós-modernas à pintura. A atracção profunda que o trabalho de Tàpies exerce advém do seu próprio conhecimento das tradições artísticas e intelectuais, do ocidente como do oriente, bem como do seu interesse relativamente às questões fundamentais, tanto existenciais como místicas. A obra de Tàpies, que nos exige contemplação e reflexão, explora questões e temas com significado para a vida de todos. É útil saber que Tàpies não trabalha isoladamente, procurando abstraír-se do quotidiano; pelo contrário, a sua arte é parte integrante da realidade comum. Tendo exercido a sua actividade durante os trinta anos da ditadura de Franco, a sua própria vida foi marcada pela política, e a sua arte emergiu também no confronto com a sociedade na qual vivia. Tàpies, tal como iremos aqui debater, poderia ser considerado como um “realista”. Na narrativa que faremos da sua vida, a arte e o pensamento de Tàpies constituem os dois principais eixos de exploração, pois estes ocupam um lugar central na biografia de todo o artista. É neles que encontramos o traçado da sua razão de ser, no sentido mais profundo do termo.

Princípios

Nascido em 1923, o jovem Antoni Tàpies testemunhou o derradeiro florescimento do vanguardismo espanhol e europeu antes que a guerra e o seu cortejo de violência pusessem um termo à acção enérgica dos artistas do velho continente. Barcelona foi desde meados do século XIX a capital espanhola da cultura de vanguarda, ao mesmo tempo que desenvolveu um forte sentimento regional de identidade catalã. A família Tàpies incarnava os valores liberais e cultivados dos anos 1920 (os mesmos que tinham encorajado e apoiado a obra de artistas como Picasso e Miro), e organizava exposições dedicadas ao Surrealismo, ao Dadaísmo e a outros movimentos artísticos do início do século XX. Tàpies recorda as circunstâncias nas quais, aos 11 anos, descobriu a vitalidade da arte europeia num dos principais jornais culturais de Barcelona, D’Ací i d’Allà (Daqui e Dali).

1. Colagem em Papel de

Prata, 1946. Técnica

mista sobre cartão, 73 x 105 cm. Colecção particular, Barcelona.

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2. Figura de Papel jornal e

fio, 1946. Pintura e

colagem sobre cartão, 46 x 38 cm.

Colecção particular, Barcelona.

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3. Grattage sobre Cartão, 1947. Carvão e grattage sobre cartão, 91 x 73 cm. Galeria Beyeler, Basileia. PS Tapies Por P-OK 12 July 06.qxp 7/19/2006 11:43 AM Page 7

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O jornal associava os textos de críticos catalães eminentes a reproduções de obras de diversos artistas como Duchamp, Kandinsky, Picasso ou Mondrian. Talvez a primeira tomada de consciência por parte de Tàpies de que a sua vida seria inteiramente dedicada ao aprofundamento do trabalho criativo e das pesquisas estéticas daqueles artistas exemplares remonte a essa descoberta. Tàpies começou sozinho a aprender a pintar e a desenhar. Impregnado pelas suas raízes autodidactas, nada pôde doravante refrear o gosto de Tàpies pela liberdade que guiava a sua busca artística e os efeitos singulares que criava.

Em 1944, o espírito independente de Tàpies incitava-o a rejeitar as aspirações da família, que via com bons olhos a ideia de Antoni se tornar advogado. Aliás, este aspecto do seu carácter traduzir-se-ia também na sua arte como reacção ao contexto social, político e cultural da Espanha moderna. Os anos 1930 e 1940 deixariam exangue uma parte importante da Europa, mas Espanha conheceria um outro destino; à violência brutal da guerra civil (1936-1939) sucedeu-se a opressão de uma ditadura fascista que duraria até 1975. Por ser demasiado jovem para participar na acção militar durante a guerra civil, foi graças ao seu carácter independente, rejeitando todo e qualquer conformismo passivo em relação ao Estado, que Tàpies deu consigo a defender uma vanguarda artística que se opunha ao kitsch inexpressivo do fascismo. As primeiras tentativas de Tàpies começaram em 1944 com uma série de auto-retratos. Nesses quadros, a gravidade da expressão do artista e o seu olhar perscrutador evocam a determinação e a consciência que dariam mais tarde (nas horas sinistras que se seguiriam à vitória do General Franco) lugar a uma obra imensa e provocadora. No decurso dos anos seguintes, continuou a produzir auto-retratos, dando mostras de uma confiança cada vez maior no traço. A repetição deste tema sugere uma busca de si mesmo, um desejo de explorar e desenvolver o seu savoir-faire artístico.

Esta capacidade de procura interior foi ainda reforçada por um período de doença grave. A escolaridade de Tàpies foi interrompida em 1940 por razões de saúde, e em 1942 Tàpies foi hospitalizado devido a problemas cardíacos e pulmonares. Seguir-se-ia uma longa convalescença, ao longo da qual Tàpies teve tempo de reflectir e de ler muitíssimo. Regressaremos mais à frente à profunda influência que este episódio viria a exercer nele; ainda assim, este sobreviveria e não voltaria a ter qualquer recaída. Os auto-retratos de Tàpies constituíam apenas um dos domínios da sua ecléctica “aprendizagem” da pintura. Através de outras formas, o artista explorou os estilos e as técnicas da pintura de vanguarda. Nos seus desenhos meticulosos, criou cenas quiméricas, traindo a influência do Surrealismo e o seu interesse pela expressão dos desejos inconscientes revelados pela sexualidade e a violência, sendo que esta última oferecia a oportunidade de abordar os temas políticos da Espanha franquista. Os seus primeiros ensaios na pintura revelam o seu interesse pela abstracção. As colagens em cordel, como a Caixa de Cordéis, (1946), e em papel evocavam os dadaístas precedentes bem como o despertar da curiosidade de Tàpies pelas experiências a partir de materiais seleccionados.

4. Retrato de Joan Brossa, 1950-1970. Óleo sobre tela, 65 x 54 cm. Colecção Joan Brossa, Barcelona.

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