• Nenhum resultado encontrado

A APROPRIAÇÃO DA FIGURA DE FRIDA KAHLO EM REDES SOCIAIS: DIZERES SOBRE O HERÓI EM CAMPANHAS E MANIFESTOS NA REDE

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A APROPRIAÇÃO DA FIGURA DE FRIDA KAHLO EM REDES SOCIAIS: DIZERES SOBRE O HERÓI EM CAMPANHAS E MANIFESTOS NA REDE"

Copied!
5
0
0

Texto

(1)

A APROPRIAÇÃO DA FIGURA DE FRIDA KAHLO EM REDES

SOCIAIS: DIZERES SOBRE O HERÓI EM CAMPANHAS E

MANIFESTOS NA REDE

Marina Maria da Glória Gomes1

INTRODUÇÃO

A vida e a obra de Frida Kahlo têm recebido cada vez mais atenção nas últimas décadas. Além das pinturas, a publicação de seu diário, escrito nos dez últimos anos de sua vida, impulsiona a popularidade da artista. Nessas páginas, narra desde as turbulências de sua vida amorosa com o pintor Diego Rivera até a paixão pela arte, as lutas políticas e as dores físicas, mas trata também da rebeldia em relação às normas estabelecidas no tempo-espaço em que viveu sobre o comportamento feminino.

Considerando a visibilidade que tem ganhado a figura de Frida Kahlo e as frequentes referências que a ela e à sua obra são feitas, por exemplo, em campanhas e manifestos, buscamos observar como essa imagem foi recortada em blogs que tratam de partes de sua biografia ou mesmo publicações de notícias relacionadas à Frida Kahlo. Nosso interesse voltou-se para os funcionamentos discursivos que se produzem em torno dessa personagem, buscando compreender o que se apaga ou se atualiza na construção de sua imagem na rede.

O ponto de partida deste trabalho se deu através da observação do uso da imagem de Frida Kahlo relacionando-a, especialmente, à luta pelos direitos das mulheres. Esta primeira observação nos levou a pensar na função-heróica que a artista poderia estar ocupando. Compreendendo que ao longo de nossa história vamos nos deparar constantemente com a presença de heróis que passam a representar um lugar social com o qual os sujeitos podem identificar-se, o que legitima essa figura como elemento central na construção identitária de um grupo. Isso se deve ao fato de que “O sujeito sempre fala de um determinado lugar social, o qual é afetado por diferentes relações de poder, e isso é constitutivo do seu discurso. Então, é pela prática discursiva que se estabiliza um determinado lugar social/empírico.” (GRIGOLETTO, 2008, p. 5).

Compreendemos os processos identificatórios com as figuras pensando em um sujeito que é afetado pelas relações de poder e constrói seu lugar de dizer a partir da filiação aos espaços de identificação com esses personagens. Como resultado desse processo de identificação, observamos que muito comumente surgem heróis em nossa sociedade – sejam eles pessoas “reais” ou mesmo personagens da ficção -, que carregam em sua biografia feitos que resultam na identificação coletiva e passam a ser inspiração para determinadas causas.

1

(2)

PROCESSOS DE (DES) IDENTIFICAÇÃO

Pode-se dizer que a literatura e as artes, de um modo geral, tiveram um importante papel de refletir os desejos dos homens, uma vez que podemos entender a personagem heróica como uma criação capaz de nos oferecer aquilo o que desejamos ser. A figura heróica passa a ser “eleita” quando se expõe por alguma causa e gera identificação surgindo como ícone do ideal defendido pelo grupo, estando presente no campo religioso, filosófico, político ou artístico, gerando identificação por sua constituição estar ligada à memória do processo histórico.

De acordo com De Nardi e Grigoletto (2013, p. 200), “Os processos de (des)identificação estão, assim, ancorados no imaginário que se constrói sobre determinados lugares sociais, os quais abrigam, em sua discursividade, dizeres e sentidos que ecoam/ressoam em diferentes momentos sócio-históricos”. Isso significa dizer que a identificação é um processo que envolve uma série de jogos de sentidos que se constroem em torno da imagem heroica. Tais sentidos funcionam pela ideologia e imaginário, que atuam de modo a legitimar dizeres os quais passam a fazer sentido para os sujeitos.

Nossa investigação voltou-se aos discursos produzidos sobre Frida Kahlo, buscando observar como e em que medida essa figura pode funcionar como espaço de identificação para os sujeitos. Com isso, buscamos observar funcionamentos discursivos que se produziram em torno dessa personagem e como se dá a construção dessa figura. Duas questões iniciais nos orientam nessa investigação: é possível dizer que Frida Kahlo pode ser tomada como figura identitária em nossa sociedade? Na hipótese de que seja positiva a resposta à questão anterior, como se dá o processo de identificação com essa figura no século XXI e que tipo de reconfigurações vem sofrendo a imagem de Frida?

Para chegarmos à discussão sobre o processo de identificação com a figura de Frida Kahlo, trilhamos uma breve discussão sobre a noção de identidade, desenvolvida nos estudos culturais, com vistas a buscar os deslocamentos necessários para tratarmos do assunto na análise do discurso de linha Pecheuxtiana. Compreendemos, então, que a identidade é um processo no qual estão envolvidas as nossas relações com o mundo, é uma construção social em que estão implicadas relações de poder, em um caminho sempre provisório e fragmentado.

Entretanto, ao chegarmos ao campo da AD, consideramos que a identidade seria um resultado dos processos e espaços de identificação do sujeito e sua relação com o simbólico, já que “Dessa identificação resulta a identidade do sujeito, produto da relação deste com a lingua(gem) e, portanto, necessariamente incompleta.” (DE NARDI, 2005). A identificação ocorre pelo desejo de pertencimento a determinado grupo ou lugar social. É um processo mutável, uma vez que o sujeito passa a ser interpelado por representações imaginárias que resultam do meio social no qual o sujeito está inserido, ou como afirma De Nardi (2007, p.75), “A construção de uma identidade é o estabelecimento de um lugar de dizer e uma forma de satisfação do desejo: o encontro, ainda que provisório, com um posicionamento para si mesmo.”. É com base nessas questões que centramos nossa análise, investigamos uma série de referências à artista, na rede, com o objetivo de

(3)

compreender seu funcionamento no interior do discurso. Mais especificamente, buscamos compreender o modo como o imaginário social produz e resgata as representações sobre esse ator social para legitimá-la ou mesmo gerar o apagamento da sua imagem como ícone da luta e resistência no processo de identificação.

.Antes de chegarmos à análise, se faz necessário uma sucinta discussão sobre o atravessamento ideológico e os processos de (des)identificação. Althusser (1992, p.93) nos chama atenção para o fato de que “A ideologia interpela os indivíduos em sujeito”. Passando a atuar como sujeito ideológico, o indivíduo está determinado a ocupar uma forma-sujeito que se dá a partir de sua experiência e lugar social exercido. No entanto, é importante compreender que esse processo se dá no nível do inconsciente, o sujeito não se percebe preso ao lugar ao qual ocupa e por isso crê que é a origem do dizer. As noções de ideologia e imaginário estão intimamente relacionadas, pois compreendemos que “A ideologia representa a relação imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência” (ALTHUSSER, 1992, p. 85). Entendemos que a ideologia atua pelo imaginário que, por sua vez, funciona como essa representação do lugar a partir do qual o sujeito fala. Sendo assim, as formações imaginárias agem de forma decisiva na identificação do sujeito com determinada figura, com isso, o imaginário permite que um sujeito se identifique com um recorte da ideologia feito através dessas projeções.

É com base nessas questões que centramos nossa análise, investigamos, sem pretensão de dar conta da multiplicidade de discursos sobre Frida Kahlo, uma série de comentários sobre a artista, com o objetivo de compreender seu funcionamento no interior do discurso, mais especificamente, o modo como o imaginário produz e resgata as representações sobre esse ator social para transformá-la ou legitimá-transformá-la como símbolo de luta petransformá-las causas sociais ou até mesmo ter sua imagem como ícone no mercado da moda.

ANÁLISE E DISCUSSÃO

As reflexões teóricas que pontuamos anteriormente foram motivadas pela observação de discussões que se deram no espaço virtual. A partir da observação da apresentação biográfica de Frida em blogs, encontramos recorrência de ao menos duas posições discursivas. Para uma pequena explanação sobre os resultados, destacaremos duas sequências que se tornaram exemplares.

SD1: Não, Frida não foi apenas um pintora mexicana. Frida era FEMINISTA, COMUNISTA, LIBERTADA SEXUALMENTE, ASSUMIDAMENTE BISSEXUAL, AUTÊNTICA, TRANSGRESSORA, IRREVERENTE E SUBJETIVA.[...] Expressava

através das suas obras, seu corpo e suas roupas, um rompimento com a estética

burguesa da época. Frida é um ÍCONE da afronta à construção tradicional de mulher comportada, benevolente e preocupada excessivamente com a estética, que hoje, desde cedo, é treinada para se tornar uma perfeita consumidora e refém de produtos e conceitos de beleza e moda. A nossa Frida Kahlo é irritação para os interesses patriarcais–capitalistas de normatização e mercantilização dos nossos corpos e das nossas vidas.

A seguinte sequência é reveladora do sujeito que se identifica com a figura de Frida como símbolo de luta pelas questões sociais, direitos da mulher e discussão da aceitação do próprio corpo,

(4)

contrapondo isto ao padrão estético imposto pela sociedade. Na DS1, o sujeito parte da principal característica pela qual Frida é conhecida – seu ofício de pintora – chamando atenção para outros atributos que a ela são direcionados. “Feminista, comunista, libertada sexualmente, assumidamente bissexual, autêntica, transgressora, irreverente e subjetiva”, segundo o sujeito da SD1, ser mulher transgressora das normas às quais a mulher até a atualidade é enquadrada faz da imagem de Frida um lugar de resistência e de rompimento com os padrões de sexualidade, beleza e consumo estabelecidos para a mulher.

SD2.: 10 coisas que você não sabia sobre Frida Kahlo (e que vão te inspirar): Transformou suas deficiências em estilo

Cheias de cores e ricas em elementos florais, as roupas de Frida Kahlo viraram tendência e ícones de estilo e até ganharam exposição e livro só para elas. Enquanto, na verdade, sua autenticidade era uma forma de esconder suas deficiências provocadas pelo acidente, em 1925, e pela poliomielite que teve quando pequena, que deixou sequelas em seu pé esquerdo. Seus sapatos, inclusive, eram adaptados exclusivamente para ela, com um salto maior do que o outro para nivelar sua altura. Seus „corpetes‟, na verdade, eram coletes ortopédicos.

Na SD2, o autor do blog enumera dez coisas sobre a vida de Frida que podem inspirar os leitores. O segundo ponto mais importante está no fato de Frida “Transformar suas deficiências em estilo” e “Enquanto, na verdade, sua autenticidade era uma forma de esconder suas deficiências provocadas pelo acidente”. Se nas primeiras SDs analisadas Frida estava como um espaço de resistência aos padrões estéticos e ao consumo do mercado da moda, além de representar a aceitação ao próprio corpo, percebemos um movimento contrário nestas SDs. Frida passa a representar um verdadeiro ícone da moda que prezava pelo estilo e que, no entanto, tinha esta “autenticidade” – aqui vista como estilo de vestir-se - como forma de esconder suas deficiências. Um dos pontos fortes para o sujeito da SD2 está no fato de a pintora haver se tornado um ícone de “estilo" e de suas roupas terem rendido exposições sobre o estilo Frida e um livro. Ou seja, a imagem que aqui se tem sobre Frida não está como resistência aos padrões impostos pela indústria da beleza e aceitação do próprio corpo, mas de uma “autenticidade” como forma de esconder as marcas deixadas por um acidente, o que culmina na despolitização da sua imagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das análises realizadas, foi possível encontrar nos discursos vistos através do corpus em discussão ao menos duas posições-sujeito assegurando dois imaginários 1) Frida como símbolo de luta pelas questões sociais, direitos da mulher e comprometimento com a cultura latina e mexicana; 2) Frida como uma mulher ousada, que mesmo tendo sofrido alcançou o sucesso e é admirada pelo seu estilo, o que culmina na despolitização de sua imagem. A identificação com Frida Kahlo está profundamente relacionada aos espaços comuns ou traços de correspondência que acontecem entre as figuras e os sujeitos que por elas passam a ser representados. Em outras palavras, podemos dizer que a memória atua na cristalização dessas figuras que passam a ser

(5)

representativas de um mesmo lugar de dizer, lugar esse que guarda as marcas da história dos sujeitos.

Isso se dá pelo fato de que “cada formação ideológica constitui um conjunto complexo de atitudes e de representações que não são nem „individuais‟, nem „universais‟ mas se relacionam mais ou menos diretamente a posições de classes em conflito com Outro” Pêcheux (1197, p.166). Essas representações abrigam imagens que fazem ecoar os sentidos da memória, dando lugar ao desejo de pertencimento do sujeito a determinado grupo, motivando sua identificação com a FD que o representa.

A partir do resultado das análises, pudemos confirmar que sobre a mesma figura ocorrem dois grandes movimentos onde em um há a identificação do sujeito com a Frida Kahlo “feminista” e transgressora dos padrões que à mulher são impostos. Como observado nas análises, além da posição de sujeito que se identifica com a Frida transgressora e socialista, também pudemos comprovar um segundo posicionamento do sujeito que se identifica com a imagem de Frida como um verdadeiro ícone da moda, o que silencia sua resistência à construção tradicional que à mulher é imposta, bem como seu rompimento com a moda e estética imposta pelo mercado.

REFERÊNCIAS

ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado. Rio de Janeiro. Edições Graal, 1992.

DE NARDI. Um olhar discursivo sobre língua cultura e identidade. Reflexões sobre o livro didático para o ensino de espanhol como língua estrangeira. Tese de doutorado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, dezembro de 2007, p. 74-62.

________. Identidade, memória e os modos de subjetivação. In: Indursky, F; Ferreira,L.(Org.) Michel Pêcheux e a análise do discurso: uma relação de nunca acabar. São Carlos: Craraluz, 2005, p. 157 - 164.

GRIGOLETTO, E. Do lugar social ao lugar discursivo: o imbricamento de diferentes posições-sujeito. In: Anais do II Seminário de Estudos em Análise do Discurso. Porto Alegre, 2005.

GRIGOLETTO, E; DE NARDI, F. S. O julgamento nas redes: a (des)construção do “herói” nos discursos sobre o mensalão. In: XXI Congresso da Associação Brasileira de Linguística,2013. Natal. PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Parte III – discurso e ideologia(s) – (p. 143 – 185). Ed. da Unicamp, 1997.

Referências

Documentos relacionados

MELO NETO e FROES (1999, p.81) transcreveram a opinião de um empresário sobre responsabilidade social: “Há algumas décadas, na Europa, expandiu-se seu uso para fins.. sociais,

Mulheres com lesões genitais HPV induzidas, incluindo o carcinoma cervical, têm maior incidência de cancer anorretal e de suas lesões precursoras, sendo consideradas

1 Os Impactos das Mudanças no Mundo do Trabalho: Novas Demandas de Qualificação Profissional A modernização tecnológica no interior da organização não é um processo

Os valores de isolamento sonoro aéreo obtidos pelos ensaios realizados em laboratório (Índice de Redução Sonora) e em campo (Diferença Padronizada de Nível)

g) aprovar ou não os pedidos de demissão de membros da Diretoria. 16 - A plenária será convocada pela Diretoria, através de seu presidente, com antecedência mínima de oito dias.

O presente trabalho objetiva apontar algumas influencias da atividade física na promoção da qualidade de vida e bem estar dos portadores do HIV, uma vez que o

(grifos nossos). b) Em observância ao princípio da impessoalidade, a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, vez que é

O objetivo do curso foi oportunizar aos participantes, um contato direto com as plantas nativas do Cerrado para identificação de espécies com potencial