• Nenhum resultado encontrado

As mutações na base da produção material e seus impactos no mundo do trabalho e na qualificação profissional

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "As mutações na base da produção material e seus impactos no mundo do trabalho e na qualificação profissional"

Copied!
27
0
0

Texto

(1)

AS MUTAÇÕES NA BASE DA PRODUÇÃO MATERIAL

E SEUS IMPACTOS NO MUNDO DO TRABALHO E NA

QUALIfiCAÇÃO PROfiSSIONAL

Ilzeni Silva Dias*

Este estudo reconhece as profundas transformações ocorridas no final do século passado e início do novo século, com características incomuns, se comparadas às demais que ocorreram ao longo da história. Apesar disso, não se deve esquecer que mudanças sociais muito me-nores e mais lentas (DRUCKER, 2006, p. 145) de períodos anteriores, se comparadas com as que se vivenciam hoje, tornaram-se pequenas em relação a estas. Porém, ambas contribuíram com grandes saltos em seus respectivos momentos históricos.

Dentre as transformações que contribuíram para o desenvolvimento das forças produtivas, nos primórdios da civilização, destacam-se, neste estudo, o fabrico e a uti-lização dos primeiros instrumentos, que possibilitaram a produção de objetos que mais tarde deram origem à fase doartesanato.

No contato com a realidade natural e social, os homens foram desenvolvendo a produção, adquirindo novas experi-ências neste processo e estabelecendo relações de poder, fundamentadas no domínio de uns sobre os outros, constru-ídashistoricamente.

Partindo deste reconhecimento, entende-se que as so-ciedades foram organizadas a partir da produção de bens materiais, das experiências acumuladas neste processo pro-dutivo e do poder conquistado, que tem em sua base uma força material.

• Professora doutora no Curso de Pedagogia' e no Programa de Pós-Graduação m Educação da UFMA.Pós-doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em S ciologia daUFPR.

(2)

I1zeni Silva Dias Para Castells (2003, p.51):

Produção é a ação da humanidade sobre a matéria (natu-reza) para apropriar-se dela e transformá-Ia em seu benefí-cio, obtendo um produto, consumindo (de forma irregular) parte dele e acumulando o excedente para investimento conforme os vários objetivos socialmente determinados. Experiência é a ação dos sujeitos humanos sobre si mesmos, determinada pela interação entre as identidades biológicas e culturais desses sujeitos em relação a seus ambientes sociais e naturais. É construída pela eterna busca de satisfação das necessidades e desejos humanos. Poder é aquela relação entre os sujeitos humanos que, com base na produção e na experiência, impõe a vontade de alguns sobre os outros pelo emprego potencial ou real de violência física ou simbólica. (Grifos nossos).

Considerando o início do processo produtivo, os objetos artesanais ganharam uma nova qualidade quando o homem aprendeu a polir a pedra e a fabricar a cerâmica como uten-sílio para armazenar e cozer alimentos descobriu-se, ainda, a técnica de tecelagem das fibras animais e vegetais.

Na fase do artesanato, era o artesão que respondia por todo processo de produção de um objeto. Selecionava a matéria-prima e, a partir de uma concepção ou projeto do produto, transformava essa matéria-prima em um objeto acabado e tinha total controle do processo de produção, do seu início ao seu fim.

Esta fase exigia longa aprendizagem e uma qualificação profissional adquirida ao longo de diversos anos (PAIVA,1991, p.23). A transmissão do conhecimento sobre o ofício se fazia nas relações de trabalho, em que o mestre artesão passava para seu aprendiz toda sua experiência sobre o ofício.

As mudanças de caráter quantitativo provocaram mu-danças de caráter qualitativo e estas levam a uma nova fase do processo produtivo - a manufatura - que se constituiu, durante o período que vai da metade do século XVI até o úl-timo terço do século XVIII, a forma característica do processo de produção capitalista.

(3)

De acordo com Marx (1967), a manufatura tem uma dupla origem, ou seja, este processo de produção tem dois momen-tos, ou dois tipos de submissão do operário ao capitalista. O primeiro deles ocorre quando o

operário, exercendo ofícios independentes e diferentes, que devem intervir alternadamente na produção de um objeto, reúne-se na mesma oficina sob o comando do mesmo capitalista. (MARX, 1967, p.64).

Nesta fase, o trabalhador ainda possui algum controle sobre a velocidade, a intensidade e o ritmo do trabalho.

Na segunda fase da manufatura, diversos artesãos tais como carpinteiros, serralheiros, estofadores, torneiros, vidraceiros, pintores, envernizadores, cromadores. dentre outros, que, na primeira fase, preocupavam-se apenas com a feitura de um objeto, perdem pouco a pouco a capacidade de exercer seu ofício, em toda a sua extensão.

Os trabalhadores, nesta fase, encontram-se subordinados ao trabalho materializado.

uma acentuada divisão de tarefas no interior da fábrica e o trabalhador executa estas tarefas obedecendo ao tempo e ao ritmo da máquina. O processo de •produção não depende mais da habilidade do operário. Agora

o trabalho vivo está subordinado ao trabalho morto.

Moraes Neto (1989, p.29) destaca que, na produção de baseartesanal, em que o artesão tinha uma área de decisão na produção de um objeto, era ele que decidia a forma, o tempo necessário e a velocidade de impressão desse objeto, utilizando, a seu modo, os instrumentos de trabalho, para materializar o objeto pensado ao nível da consciência.

Na manufatura, o ponto de partida para revolucionar o modo de produção não

é

o instrumento de trabalho, como

.ra no artesanato que se desenvolveu com o instrumento manual, mas a força de trabalho. De acordo com Marx (1987, p.428):

A máquina a vapor na forma em que foi inventada no fim do século XVII,durante o período manufatureiro, e em que substituiu até ao começo da década de 1980 do

(4)

século XVIII,não provocou nenhuma revolução industrial. Foi,ao contrário, a criaçãodas máquinas-ferramentasque tornou necessária uma revolução na máquina a vapor. (Grifos nossos).

A máquina-ferramenta representou a forma mais de-senvolvida da produção mecanizada.

É

um mecanismo que,

à

medida que lhe

é

transmitido o movimento apropriado, apropria-se do objeto de trabalho e realiza, com suas fer-ramentas, as mesmas operações que eram antes realizadas pelo trabalhador, ou seja, apodera-se do objeto de trabalho e o transforma segundo o fim desejado.

É, portanto, da máquina-ferramenta que parte a revolução industrial no século XVIII. Essa máquina foi a resposta aOS limites humanos, porque ela reúne em si vários instrumentos que deixam de ser utilizados pelo artesão e o trabalhador manufatureiro e passam

à

condição de ferramentas de meca -nismos que podem ser movidos por uma única força motriz. É assim que as inovações tecnológicas vão aOSpoucos excluindo o homem do processo produtivo, colocando-o na periferia da produção, porque este tem limites físicos e psicológicos.

Segundo Marx (1987, p.424):

Não é esse o objetivo do capital, quando emprega ma-quinaria. Esseemprego, como qualquer outro desenvolvi-mento da força produtiva do trabalho, tem por fim baratear as mercadorias,encurtar a parte do dia de trabalho da qual precisa o trabalhador para si mesmo, para ampliar a outra parte que ele dá gratuitamente ao capitalista.A maquinaria é meio para produzir mais-valia.

Como se pode observar, a exclusão do trabalhador do processo produtivo não é um propósito do capitalista, é, sim, uma forma de baratear a mercadoria visando a um maior consumo e

à

produção da mais-valia. Este esforço, contradi-toriamente, reduz as necessidades do trabalho humano, no chão da fábrica, assim como as possibilidades do aumento do consumo. Apesar disso, é com o objetivo de reproduzir o capital que o capitalista investe em novas tecnologias, levando o processo de produção a uma nova fase, agora

(5)

denominada Revolução Industrial, que a se subdividir em três momentos.

O primeiro momento corresponde ao período que vai da segunda metade do século XVIII até início da segunda metade do século XIX. Nesse período, iniciou-se, na Inglaterra, uma série de transformações no processo de produção de merca-dorias, dando origem ao que se convencionou chamar de Ia Revolução Industrial.

Com a Revolução Industrial e, assim, a chegada das novas tecnologias e novas máquinas, os artesãos perderam sua autonomia. Entre as principais invenções mecânicas do período, destacam-se a máquina de fiar, o tear hidráulico e o tear mecânico. Todos esses inventos ganharam maior capaci-dade, com a descoberta do vapor como força motriz.

Por volta de 1860, a Revolução Industrial assumiu novas características, devido a inovações técnicas, com a descoberta daeletricidade. Este segundo momento, que vai da segunda metade do século XIX até a segunda metade do século XX, denominou-se de 2a Revolução Industrial.

A 3aRevolução Industrial é marcada pela revolução técnico-científica, tendo como característica as mudanças aceleradas que resultam na obsolescência das técnicas em geral.

A Revolução que vivenciamos hoje é marcada pela mí-croeletrônica. Comparada às demais revoluções, que se de-senvolveram ao longo da história, é qualitativamente nova e objetiva explorar não só a força física do homem, como faziam

sdemais, mas também e sobretudo suas capacidades intelec-tuais.Esta exigência de exploração das capacidades intelectuais do trabalhador deve-se à construção de máquinas cada vez mais inteligentes que passaram a exigir o desenvolvimento de t( refascada vez mais íntelectualizadas. redefinindo, portanto,

II vos perfis profissionais.

As Ia e2aRevoluções Industriais tiveram, segundo Schaff (1995,p. 22), "o grande mérito de substituir, na produção, a força física do homem pela energia das máquinas, primeiro I) Iautilização do vapor e mais adiante, sobretudo, pela

utí-l

lzaçá

o

da eletricidade."

(6)

Essas transformações, aos poucos, vão redefinindo novas funções para o homem, no processo produtivo. Primeiro, ele ocupa a função de simples força motriz, saindo desta condição para assumir novas funções, em um novo trabalho, que é de vigiar a máquina e corrigir com as mãos os seus erros.

As "inovações tecnológicas", desde os tempos mais re-motos, começam a substituir o trabalho humano. De acordo com Marx(1987, p.428):

Quando o homem passa a atuar apenas como força mo-triz numa máquina-ferramenta, em vez de atuar com a ferramenta sobre o objeto detrabalho, podem tomar seu lugar o vento, a água, o vapor etc.e torna-se acidental o emprego da força muscular humana como força motriz.

Ao longo dos séculos, as forças produtivas provocaram um turbilhão de mudanças, na produção da vida material, da mesma forma que foi lentamente impondo novos conceitos, hábitos e costumes, definindo novas formas de organização do trabalho, novos padrões de comportamento humano, exigindo novas relações de produção, assim como novas relações sociais.

A partir desta compreensão, compartilha-se com as ideias de Marx (1967, p. 301), quando afirma:

Na produção da sua vida, os homens contraem determina-das relações necessárias e independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determi-nada fase de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta a superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social política e espiritual em geral. Nãoéa consciência do homem que determina o seu ser, mas pelo contrário, o seu ser social éque determina a sua consciência.

Essas profundas transformações da sociedade, nas forças produtivas, em seus diferentes estágios do desenvolvimento

(7)

I(onômico. como também na consciência dos homens, cons-uuldas em suas relações sociaisde produção, além de revol u-(lonarem o modo de produzir os bens materiais, fertilizaram Iunbérn as condições objetivas para a revolução das ideias. 11()mundo contemporâneo. Isto porque a prática do homem no 1111Indo determina um novo modo de pensar, agir e sentir, que

onstrói na prática e volta a esta para redirecioná-la.

Para Schmied-Kowarzik (1983, p.20), por prática

ti igna-se:

Originalmente toda atividade humana diferenciada de qualquer comportamento natural. Éjustamente porque a prática não ocorre de modo imediato e sem

interrnedia-çá

o.

requerendo uma decisão consciente, acaba sempre incluindo elementos teóricos. Por isso pode-se dizer que a prática exige uma teoria que a constitua e dirija.

Pode-se dizer que a prática é uma ação que plasma no I I,o quejá está a nível de pensamento, que foi previamente ti ejado e planejado e este desejo que se encontra a nível ItI ai, na consciência, só poderá materializar-se, modificar

IIIna determinada matéria-prima ou até mesmo o mundo

() lal, através de um agente, ou seja, aquele que age sobre o mundo natural e social, com o propósito de modificá-to. Nesse

ntido, Vázquez (1997, p.189-192) ressalta que:

A atividade humana é,por conseguinte, atividade que se desenvolve de acordo com finalidades, e essas só existem através do homem, como produto de sua consciência. Toda ação verdadeiramente humana requer certa consci-ência de uma finalidade, finalidade que se sujeita ao curso da própria atividade [...] Se o homem aceitasse sempre o mundo como eleé,e se por outro lado,aceitasse sempre asi mesmo em seu estado atual, não sentiria a necessi-dade de transformar o mundo nem de transformar-se. O homem age conhecendo, do mesmo modo que - como veremos adiante se conhece agindo. O conhecimento humano em seu conjunto integra-se na dupla e infinita tarefa do homem detransformar a natureza exterior e a sua própria natureza.

(8)

No processo de transformação da natureza exterior e

de sua própria natureza, o homem foi produzindo profundas

mudanças que impactaram as bases da produção material.

Embora essas mudanças tenham-se manifestado mais inten-samente no final do século XX e início do novo século, como

se pode observar, elas são resultados do processo contínuo

do desenvolvimento do capitalismo que,

à

medida que entra em crise, procura alternativas de solução da crise instalada.

Dentre essas soluções, destacam-se, na década de 70, a

glo-balização e a reestruturação produtiva.

A reestruturação produtiva passa necessariamente pela

modernização, tanto do ponto de vista material que implica

uma modernização tecnológica no processo produtivo, quanto

do teórico que implica uma renovação das concepções

que fundamentam as práticas produtivas, no interior das

organizações.

Tomando como referência a relação entre modernização tecnológica e as novas exigências de formação e qualificação profissional, fez-se a seguinte pergunta aos sujeitos

informan-tes desta pesquisa: as mudanças (técnico-organizacionais,

novas concepções e modelos de gestão) vêm exigindo novos

conhecimentos dos trabalhadores em geral? As respostas

fo-ram unânimes. Os entrevistados reconhecem que a conquista

de novos espaços, no mundo do trabalho, depende cada vez

mais de uma educação formal e de uma qualificação profis-sional de caráter permanente.

Embora todas as pedagogas entrevistadas respondessem que existe uma intrínseca relação entre a revolução na base da produção material da sociedade e a educação dos sujeitos nela existentes, pôde-se encontrar motivações diferentes na

fala de cada uma delas. Para comprovar esta afirmativa,

des-tacou-se a fala de três pedagogas que desenvolvem atividades em diferentes programas de formação.

Na primeira delas, há uma determinação da base da

produção material na educação, formação e qualificação

profissional:

(9)

".Eupenso que há uma influência, sim, porque este educa-dor está desenvolvendo as suas ações nesse mundo que

éinfluenciado por todas estas questões. Então, necessa-riamente, asua formação precisa também estar atenta a

estas transformações que acontecem. Então este perfil do educador de hoje, do pedagogo, também sofre essas influências das transformações políticas, econômicas,

sociais." (Coordenadora Geral do Programa Y).

Esta fala deixa clara uma relação mútua entre

determi-1\ nte versus determinado. O educador é sujeito no e com o

mundo,

À

medida que age sobre o mundo, não só transforma

() contexto em que vive como também sofre simultaneamente

li efeitos dessas transformações. Dessa forma,

à

medida

qu o contexto social, político e econômico sofre profundas

transformaçóes de natureza material e conceítual. o pedagogo II 10pode ficar alheio a essas mudanças, para não se tornar

til>

oleto.

Poroutro lado, o segundo depoimento é motivado pela

11 • essidade de conhecimentos que ajudem a manusear

ins-Iurrnentos de trabalho produzidos com base na mícroeletrô -111 , • Dentre esses conhecimentos, destaca-se a linguagem

lnformátíca. conforme depoimento abaixo:

':-\informática éuma ferramenta básica. Eu não con-sigo mais conceber um profissional sem este domínio. /fá dez anos, ou até mesmo há cinco anos, quando eu

cheguei aqui, era muito comum ter um digitador do

lado, então o chefe escrevia um ofício à mão, dava

para o digitador; ele digitava, devolvia para o chefe, o

chefe lia, via que tinha erros, devolvia. Eu não consigo

mais conceber este comportamento. Então a

informá-tica éuma ferramenta que ébásica. As pessoas serem capazes de acessar a rede, porque nós trabalhamos com uma rede; serem capazes de organizar um arqui-vo, no computador, fazer uma planilha no excel, fazer um orçamento de forma mais rápida [ ...] Outra coisa,

nós trabalhamos em um contexto de muita cobrança, os setores todos, agente trabalha tudo para ontem, toda hora chega pedido de coisas para entregar

(10)

qui a duas horas, a três horas ou um dia, porque

todo sistema de informação do Estado passa pelos

setores. Nós trabalhamos com este cotidiano que é

muito perverso." (Coordenadora Geral do Programa

X).(grifas nossos).

De acordo com este depoimento, é inconcebível um trabalhador sem o domínio da linguagem da informática. De fato, uma das demandas do mundo do trabalho, para os trabalhadores em geral, independentemente de sua área de atuação, é o domínio do conhecimento técnico no âmbito da informática.

Outra questão que deve ser destacada, no depoimento acima, é o tempo de execução das tarefas. O tempo é um fator considerado de enorme importância no mundo dos negócios e do trabalho competitivo.

A base do novo modelo de acumulação do capital se sustenta em dois pilares (OliNO, 1997, p.26-27) Just-in-time e Autonomação, ou automação com um toque humano. O primeiro pilar "significa que, em um processo de fluxo, as partes corretas necessárias

à

montagem alcançam a linha de montagem no momento em que são necessários e somente na quantidade necessária."

Esta pressão para fazer tudo no modo 'just-in-time", que ocorre no interior da empresa, acaba também influenciando a prática educatíva. no espaço da escola que, sob pressão, também precisa executar todas as tarefas dentro do tempo previsto pelas demais instâncias da organização escolar ou da sociedade em geral. Isto provoca um estado de estresse nos trabalhadores da educação e consequentemente doenças de caráter psicológico.

No terceiro depoimento, as profundas transformações nas forças produtivas da sociedade que determinaram mudanças em todos os segmentos sociais exigem novos conhecimentos dos trabalhadores. Este fato se comprova, sobretudo nas exigências dos concursos públicos, conforme depoimento

abaixo:

(11)

"Um dos fatos que comprova é que em muitos concursos queagente faz você percebe uma demanda por conheci-mentos que édaáreadopedagogo mas,que são conhe-cimentos que fogem docurrículo quefoitrabalhado nas universidades. Bssas mudanças que estão ocorrendo de caráter internacional, globalização, as inovações técni-co-científicas elas estão influenciando nas demandas do

mercado de trabalho e nas instituições que realizam con-cursos e processo seletivo. Isso inviabiliza muitas vezes

onosso acesso a estes espaços porque nós não temos garantido

a

formação, digamos em nível de universidade, em muitos aspectos para estarmos nesta concorrência." (Coordenadora Geral do Programa Z).

Como se pôde observar, as transformações em curso impactaram, profundamente, o cenário econômico, político e social do mundo contemporâneo e são grandes responsáveis pelas mutações no mundo do trabalho contemporâneo e nas demandas de novos perfis profissionais.

1

.

1 Os Impactos das Mudanças no Mundo do Trabalho:

Novas Demandas de Qualificação Profissional

A modernização tecnológica no interior da organização não é um processo homogêneo, porque convivem, em um mesmo espaço, setores que empregam tecnologias de ponta ao lado de outros que ainda não contam com a modernização tecnológica.

O convívio entre o velho e o novo não é uma realidade concreta só no chão das fábricas. Os programas analisados, neste estudo, também expressam um conflito entre ideias renovadas e velhas concepções orientando a prática educativa, em cada programa, conforme os depoimentos abaixo:

':1\ gente acaba sofrendo mesmo por este mundo com-petitivo. As pessoas querendo te excluir de algumas

questões. Em algumas situações, elas se colocam ~ sempre àfrente: sou Eu que estou coordenando, sou Eu que detenho esta relação de poder, sou Eu que tenho que apresentar determinadas questões, sou Eu que vou

(12)

apresentar o programa, sou Eu que vou apresentar os resultados. Quando agente parte para esta questão do

coletivo, todos devem estar; cada um deve falar. Esta questão da hierarquia, em alguns momentos, ela pesa e

eu penso queépor esta questão domercado. Sou Eu querendo também ter mais visibilidade, porque isto me possibilita outros espaços, outras portas e aírealmente

éuma questão séria." (Grifos nossos). (Coordenadora Pedagógica do Programa Y).

O que fica claro, neste depoimento, é uma resistência aos princípios da administração que fundamenta a prática educativa, em um espaço democrático. O depoimento deixa claro que a execução das atividades é uma responsabilidade de todos do programa. Porém, na hora da divulgação dos resultados, momento em que a sociedade avaliará os seus impactos, torna-se uma tarefa individual. Claro está que cada programa desenvolvido, de acordo com os resultados positi-vos, possibilitará a conquista de novos espaços e novas portas abrir-se-âo, mostrando novas oportunidades, sobretudo, de assumir coordenações de novos programas, em diferentes esferas: federal, estadual, municipal, ou mesmo privada.

O depoimento deixa claro, também, que as relações hierárquicas, ou seja, aquele que tem o mais alto posto no programa é beneficiado. Na divulgação dos resultados po-sitivos, o "chefe" se acha no direito de divulgá-Ios sozinho. Entende-se, nas entrelinhas, que, quando os resultados são negativos, certamente serão divididas as responsabilidades entre os membros do grupo; ao invés de as portas se abrirem, podem ter um efeito contrário.

É clara, ainda, uma insatisfação com o comportamento do coordenador geral do programa, segundo o depoimento referido anteriormente. Este profissional fundamenta sua prática nos velhos princípios da Teorla Clássica da Adminis-tração. Essa teoria trata a organização como uma máquina, tem uma autoridade centralizada na pessoa do "chefe", tem linhas claras de autoridade, regras e regulamentos que são impostos e devem ser obedecidos.

(13)

Esta teoria clássica pretendeu desenvolver uma nova

filosofia empresarial, na qual a tecnologia e o método de

tra-balho sáo mais importantes, no interior da organização, do

que as pessoas que produzem riqueza com o seu trabalho.

Porém seus princípios nem sempre foram pacificamente

acei-tos pelos trabalhadores que resistiam tal qual fez a pedagoga

entrevistada, ainda que essa resistência, inicialmente, dê-se

no âmbito individual.

Braverman (apud MOMES NETO, 1989, p. 33) explicita os três princípios básicos desta teoria, estabelecidos por Taylor, da seguinte forma:

1) Dissociação do processo de trabalho das especialidades

dos trabalhadores. Neste caso, o administrador

reúne todo conhecimento tradicional que outrora

pertencia aos trabalhadores e o reduz a regras, leis e

fórmulas.

2) Separação de concepção e execução. Neste caso, a

marca deste modelo é a separação entre trabalho ma

-nual e trabalho intelectual.

°

Departamento executa o

trabalho intelectual e os trabalhadores obedecem às

ordens na execução das tarefas, no chão da fábrica.

3) Utilização do monopólio do conhecimento para con

-trolar cada fase do processo de trabalho e seu modo de execução. Este princípio determina o planejamento

de cada tarefa, assim como o tempo preciso para

execução de cada uma.

Este método, apesar de já ter sido questionado pela

Teoria das Relações Humanas, ainda hoje é muito comum

nos espaços de trabalho. Muitos pedagogos fundamentam

suas práticas nesses princípios, mas poucos têm consciência

de que se trata do 'Iaylorismo/fordismo, modelo clássico de

administração e de acumulação do capital.

Por outro lado, sob o ponto de vista do perfil profissional,

o depoimento abaixo, ao contrário do anterior, revela uma

prática educativa baseada no novo modelo de acumulação

do capital:

(14)

IIzeni Silva Dias "Nós temos aqui uma necessidade de um prcfissionet que

éuma necessidade, não só do ponto de vista da estrutura

da (organização), mas também do ponto de vista da

con-cepção que nós temos de trabalho. Como agente pensa

este profissional mais inteiro, mais completo que éum

profissioruü que faça desde otrabalho da gestão da área

onde ele atua até otrabalho pedagógico. Por exemplo: a

equipe que trabalha na coordenação regional deve estar

preparada não só para fazer as intervenções pedagógicas, orientar oprofessor, fazer sugestões, construir com ele

o planejamento, mas também deve estar preparada para

elaborar seus relatórios, fazer pareceres, dar encaminha-mento a um processo de algo que elas precisam resolver. Então, às vezes, elas têm esta dificuldade." (Coordenadora geral do Programa X).

o

perfil profissional que atende às necessidades deste programa é o do trabalhador polivalente. O depoimento aci-ma deixa bem claro que a polivalência é uma exigência da função; ela se constitui uma forma particular de organização do trabalho, considerando as formas clássicas de trabalho. Convém dizer que a polivalência surge no bojo do pro-cesso produtivo do modelo de acumulação 'Iaylcrlsta/rordlsta. como uma alternativa ao modelo, embora, hoje, seja uma prática nas empresas que adotam o novo modelo de acumu-lação do capital.

Para Dadoy (s/d., p. 2), polivalência.

Contrariamente àespecialização das tarefas, que estipula

"um homem, uma tarefa, um posto de trabalho", o prin-cípio da Polivalência supõe, no campo da organização do

trabalho, a possibilidade de designar alternativamente

e/ou sucessivamente um homem para duas tarefas

dife-rentes, dois postos de trabalho difedife-rentes, duas funções diferentes.

A polivalência implica o domínio de diferentes conhecimentos que possibilitam o exercício de uma ou mais funções. É uma característica do trabalhador e não do posto de trabalho.

(15)

o

depoimento revela a necessidade de uma formação polivalente, assim como o trabalho em equipe. Tanto um quanto o outro fazem parte do modelo de acumulação flexível, o 1byotismo. Os novos métodos de produção baseados neste modelo resumem-se em seis pontos básicos, segundo Gounet

(1999, p. 26-28):

1) A produção é puxada pela-demanda e o crescimento pelo fluxo.

2) A carência de espaço no Japão e a obrigação de ser rentável incitam a Toyota a combater o desperdício. A empresa decompõe o trabalho em quatro operações:

transporte, produção, estocagem, controle.

3) A flexibilidade do aparato produtivo e sua adaptação às flutuações da produção acarretam a flexibilização da organização do trabalho.

4) Para organizar concretamente a produção, instala-se o KANBAN - uma espécie de placa que indica muitas coisas, porém a mais importante é a peça ou elemento ao qual está ligada.

5) O objetivo da 1byota é produzir muitos modelos, mas cada um em série reduzida.

Interessa a este estudo destacar o terceiro ponto: a flexibilidade do aparato produtivo que acarreta a flexibili

-zação da organização do trabalho. Essa flexibilidade revela

adinâmica do processo produtivo baseado neste modelo de

acumulação.

Ao contrário do antigo modelo que colocava um homem

X, uma máquina nesse novo modelo, um trabalhador pode

operar com até cinco máquinas diferentes. Gounet (1999,

p.27) destaca que:

Na 1byota desde 1955 um trabalhador opera em média cinco máquinas. Enquanto quatro delas funcionam automaticamente, ele carrega, descarrega, prepara a quinta. Se há duas máquinas para operar ao mesmo tempo, ele chama um colega. Isso tem duas

conseqüências imediatas: o trabalho não é mais

(16)

individualizado e racionalizado, conforme o taylorismo;

é um trabalho de equipe; a relação homem-máquina

torna-se a de uma equipe de operários frente a um

sistema automatizado.

Para operar várias máquinas até com tecnologias

di-ferentes, o trabalhador deve ter vários conhecimentos, não

só para poder operar os equipamentos com sucesso, mas

também para poder ajudar seu colega de equipe, em outras

operações. Neste caso, é a dinâmica do próprio modelo de

acumulação flexível que exige uma formação e qualificação

profissional de caráter polivalente.

A partir do exposto, entende-se que a qualificação pro

-fissional é síntese das múltiplas determinações de sociedades

historicamente datadas. A exemplo desse fato, a partir das

contribuições de Paiva (1991, p.23), destacam-se três fases

através das quais as qualificações se desenvolveram:

artesa-nato, manufatura

e

revolução industrial.

Neste estudo, destaca-se a fase da Revolução Industrial.

Esta fase se desenvolve e exige novos conteúdos e

signifi-cados, ao longo do tempo. A exemplo, Pastore (1995, p.37)

destaca que

a máquina a vapor e o motor elétrico são símbolos das duas primeiras revoluções industriais. A educação universal, o

computador e as telecomunicações sintetizam o que

será a terceira revolução industrial. Nas duas primeiras,

a trajetória de produção baseou-se em decompor uma

tarefa complexa em várias tarefas e alocar um trabalhador

para cada uma delas. Nesse modelo, a maioria dos

trabalhadores não precisava ser educada, mas, apenas,

adestrada para fazer a mesma coisa ao longo de toda sua

vida. Hoje, a velocidade das informações tecnológicas e

administrativas demandam uma grande amplitude de

conhecimentos e, sobretudo, uma boa capacidade de

aprender cada vez mais.

A partir dessa compreensão, compartilha-se com a ideia

de que as qualificações profissionais são determinadas pelas

condições objetivas de dada sociedade que, de acordo com

(17)

ua natureza, exige, ao longo do tempo, uma variação do

tra-balho e, como consequêncía, uma mobilidade do trabalhador

m todos os sentidos.

Marx (1987, p. 558-559) ressalta:

A indústria moderna, com suas próprias catástrofes, torna questão de vida ou morte reconhecer como lei geral e social da produção a variação dos trabalhos e em conse-qüência a maior versatilidade possível do trabalhador, e adaptar as condições àefetivação normal dessa lei.Torna questão de vida ou morte substituir a monstruosidade de uma população operária miserável, disponível, mantida em reserva para as necessidades flutuantes da exploração capitalista, pela disponibilidade absoluta do ser humano para as necessidades variáveis do trabalho; substituir o indivíduo parcial, mero fragmento humano que repete sempre uma operação parcial, pelo indivíduo integral-mente desenvolvido para o qual as diferentes funções sociais não passariam de formas diferentes e sucessivas de sua atividade.

Nessa perspectiva, as exigências e os contornos (perfis)

que assumem as qualificações profissionais dependem de

vários fatores interligados. Dentre eles, destacam-se: as gra

-dativas mudanças no sistema escolar, a partir da quantidade

das escolas especializadas e sua hierarquizaçáo, de acordo

com as exigências sociais; o desenvolvimento da ciência e

t

cnologia em cada sociedade; o acúmulo de conhecimento

• experiências dos profissionais; as experiências do processo

produtivo; a vontade política daqueles que comandam o país;

1 pressões sociais por um trabalhador cidadão, que se possa

Inserir no processo produtivo, não como uma mercadoria, mas

como um processo de produção de existência, entendido no

ntido lato.

A partir do exposto, entende-se que as novas exigências

ti

qualificações e competências constituem, hoje, para as

rIlferentes organizações, um sustentáculo fundamental para

I, egurar a produtividade e a competitividade nos mercados

lh rtos. PERG(\iVIUI'v1

BCCE/UFC

1\ Mulações na Base da Produção Material e seus Impactos no Mundo ...

(18)

Para assegurar um espaço no mercado competitivo, as

organizações estão investindo, cada vez mais, nas

qualifi-cações de seus trabalhadores, as quais se dão a partir de

um novo modelo de gestão. Nesse contexto de mudanças, esse novo modelo de gestão de empresas e de pessoas, segundo

Brito (2005, p. 57), está sendo construído com base em três

eixos principais:

a) Bixo Gestão de Competências - cuja principal

contribuição refere-se

à

construção de um foco

es-tratégico orientador das ações da empresa.

b) Bixo Gestão do Conhecimento - que se refere ao

gerenciamento.

c) Bixo Organizações de Aprendizagem - que trabalha

as intenções entre os sujeitos e a mudança da cultura organizacional.

Segundo a autora, nos anos 1990, esses três eixos se

articularam e estabeleceram conexões, definindo o novo

modelo capitalista de gerenciamento das empresas e das

pessoas.

Nesse novo milênio, os eixos Gestão do Conhecimento

e Gestão de Competências, os quais se encontram em fase

de consolidação no cenário mundial, ocupam cada vez mais

espaços nos bastidores acadêmicos e empresariais.

De acordo com Terra apud Carbone (2006, p.15):

Especificamente em relação ao Brasil, estudos recentes

mostram que não há uma concepção universal acerca das

duas abordagens. Na realidade, podem ser identificadas

concepções e práticas bastante diferenciadas a respeito

de arribas. tanto no caso de empresas privadas, quanto em organizações públicas.

m

IIzeni Silva Dias

As raízes teóricas dessas duas abordagens podem

ser encontradas na economia das organizações. Essa área

do conhecimento, de acordo com Barney e I1esterly (apud

CARBONE,2006, p. 14), pode ser localizada na fronteira da

(19)

Segundo Carbone (2006, p.13):

A economia das organizações abrange, entre outras

correntes, a administração estratégica (strategic

management), que busca explicar como as empresas

conquistavam vantagem competitiva (BARNEY, 1991). O

motor da vantagem competitiva é a geração permanente de

inovações, e o seu principal insumo é o conhecimento.

Nesta nova sociedade, as empresas competem por uma

maior fatia do mercado consumidor. Como reflexo, os

tra-balhadores também competem entre si, para conquistarem

um espaço no mundo do trabalho. Essa competição, muito acentuada no mercado de trabalho que estimula e acirra uma competição entre os pares, no interior das organizações, é salutar sob o ponto de vista das empresas.

Peters e Waterman (apud LIMA, 1995, p. 25) consideram as pressões exercidas pelos colegas de trabalho como um

estímulo

à

autossuperação mais eficaz do que a

autorida-de do chefe. A competição entre os diferentes grupos de

trabalho de uma organização e os diferentes pares de um

mesmo grupo tem como motivação o esforço de atingir os

objetivos propostos pela organização, ou mesmo a busca

de alcance de objetivos individuais, na valorização do

su-cesso individual.

Nos programas de formação analisados neste estudo,

essa competição se materializa da seguinte forma:

A questão da competitividade faz com que vocênegue o

outro eaí acirram as competições. Em alguns momentos

você quer ter mais visibilidade e aí em algumas viagens

você quer se sobressair e acaba passando por cima

do outro. Passando por cima de alguns princípios e,

isso ocorre de forma muito natural. (Coordenadora

pedagógica do Programa Y).

No caso do depoimento acima, a necessidade de um

se sobressair em relação aos demais componentes de uma

determinada equipe, ou de um determinado programa é uma questão séria sob o ponto de vista de alguns entrevistados.

(20)

Há casos em que a relação hierárquica, dentro do próprio

programa, pode garantir este destaque de uns em relação a

outros. No entanto, gera um comportamento de resistência

no outro polo e um acirramento de conflitos, nas relações

de trabalho.

Os demais componentes do grupo,

à

medida que sentem

seu espaço invadido e são, ao mesmo tempo, excluídos nas relações do grupo com os clientes externos'. passam também

a lutar por mais visibilidade. Esse tipo de comportamento

não só torna possível a garantia de permanência no projeto,

como também aponta novas possibilidades de conquistas de

outros espaços. Novas portas abrir-se-áo na apresentação dos

resultados do programa, aos clientes externos contratantes

ou seus financiadores.

Através dessa competição entre os trabalhadores, as

or-ganizações tiram proveito, porque esta aparece como uma

for-ma

eficiente de regulação do comportamento. Essa regulação

torna-se mais eficaz do que o antigo método do chicote. Para Peters e Watermam apud Lima (1995), o fato de uma pessoa pertencer a um grupo de trabalho tem mais influência

sobre o comportamento dos funcionários do que o controle

oriundo das hierarquias da organização, do salário ou mesmo

das possíveis promoções.

Nessa perspectiva, investir na formação das novas

com-petências dos trabalhadores pode ser uma possibilidade de

tornar a empresa mais competitiva, levando-a a abrir as portas

ao mercado globafízado. Entretanto, essa possível inclusão

provoca a exclusão dos trabalhadores. 'lendo a empresa a

capacidade de movimentar-se para além das fronteiras

nacio-nais, ela pode ser fechada em um espaço geográfico,

provo-cando a exclusão de centenas de trabalhadores do processo

produtivo, ao mesmo tempo em que provocará a inclusão de

muitos destes trabalhadores, em outro espaço onde a empresa for reinstalada.

1Clientes externos são todas as pessoas ou organizações que estão ligadas direta ou indiretamente ao Programa, mas não executam atividades no referido programa.

(21)

Dupas (1999, p.54) destaca que:

A flexibilidade conseguida pelo atual modelo racionaliza o uso do capital, colocando-o onde as melhores condições do mercado apontam. É cada vez menor a simetria entre a flexibilidade das condições de produção e as exigências de sobrevivência dos trabalhadores. Pode-se produzir mais ou menos, aqui ou ali, pois a programação da produção por meio da informática e a transmissão de dados em tempo real o permitem. Mas o trabalhador vive a ins ta-bilidade de poder estar ora dentro, ora fora do mercado de trabalho.

Sob a lógica do capital, o objetivo maior desse novo modelo não é o de obter mudanças de caráter qualitativo,

mas o de obter, de forma cada vez mais sutil, a adesão dos trabalhadores, por isso os recursos humanos das organizações são mais importantes do que os recursos materiais.

A partir dessa compreensão, este estudo compartilha com as ideias de Meszáros (2005, p.27) quando afirma que:

o

capital é irreformável porque pela sua prõpria natureza, como totalidade reguladora sistêrníca, é totalmente in

-corrigível. Ou bem tem êxito em impor aos membros da

sociedade, incluindo-se as personificações "carinhosas"

do capital, os imperativos estruturais do seu sistemacomo

um todo, ou perde a sua viabilidade como o regulador

historicamente dominante do modo bem-estabelecido de reprodução metabólico universal e social [...] o capital deve

permanecer sempre incontestável, mesmo que todos os tipos de corretivos estritamente marginais sejam não só

compatíveis com seus preceitos, mas também benéficos, e realmente necessários a ele no interesse da sobrevivência

continuada do sistema.

Sendo o capital irreforrnável. as novas práticas

produ-tivas, pautadas nas novas políticas de gestão de pessoas, exigem um novo comportamento do sujeito no espaço da

organização, porém não é um comportamento que

vislum-bre mudanças qualitativas. Apesar disso, reconhece-se que

o chicote não funciona mais como mecanismo de coerção.

(22)

I1zeni Silva Dias É de forma sutil que o capital leva o trabalhador a pensar, sentir e agir de acordo com os novos métodos da produção. O perfil do trabalhador que atende às demandas do capital,

hoje, é aquele com características da personalidade alta-mente contraditória.

Lima (1995, p.44-45) descreve algumas dessas

características:

Altamente competitivo e, ao mesmo tempo, altamente cooperativo; muito individualista e, ao mesmo tempo, capazdetrabalhar em equipe; capaz de tomar iniciativa e, ao mesmo tempo, de se conformar completamente às re-gras ditadas pela organização; muito flexível e, ao mesmo tempo, muito perseverante; um indivíduo que se percebe como "sujeito do seu destino" e "criador de sua história e, ao mesmo tempo, completamente integrado, identificado e conforme à empresa; capaz de reagir rapidamente e de se adaptar às mudanças; justo, sensível, compreensivo e, ao mesmo tempo, duro e impiedoso; desconfiado e ser, ao mesmo tempo, Íntimo, próximo e comunicativo.

O trabalhador que atua nos espaços das organizações onde essa nova política é implantada deve adotar comporta-mentos contraditórios, incompatíveis entre si.Com essa nova política de gestão de pessoas, o capital aumentou o seu poder de sedução em relação ao trabalhador, utilizando estratégias mais sutis. No entanto, esse modelo é bastante prejudicial

àqueles trabalhadores que tentam adaptar-se a essa nova

lógica. Isto porque, sob o ponto de vista político, tornou-se mais perigoso para a subjetividade do trabalhador, porque as competências exigidas pelo capital nem sempre podem ser atendidas, por isso o trabalhador que não atender a essas exigências é excluído do processo produtivo e colocado na periferia da produção.

Nessa perspectiva, Bruno (1996) destaca que, na socie-dade contemporânea, no âmbito da reestruturação produtiva, as competências gerais exigi das às novas gerações são as

seguintes: competências de educabilidade - que é a

(23)

adquirir, o que implica que esse trabalhador deve correr atrás

das informações para não se tomar

obsoleto.já

que as elas se

processam com muita rapidez; competência relacional- que

éa capacidade que cada um deve ter de relacionar-se com

seus pares, no processo produtivo; competência técnica bá-sica, relacionada com os diferentes campos do conhecimento.

Além dessas competências, destaca-se a criatividade como

uma competência psicológica, necessária à sobrevivência

do trabalhador, no mercado competitivo. A criatividade é uma

possibilidade de garantia de o trabalhador permanecer no

processo produtivo.

Nessa perspectiva, a máquina inteligente ainda não foi

capaz de assumir o lugar do trabalhador no chão da fábrica.

Isto porque o futuro é imprevisível, as mudanças são cons

-tantes e só o homem pode desenvolver a capacidade criativa

e se adaptar às novas circunstâncias. Para o trabalhador, na

sociedade do conhecimento, criatividade e ideias originais são

condições de sobrevivência, não só no campo profissional,

mas também no campo pessoal.

Nesse contexto, constitui-se grande desafio para as orga-nizações, a gerência do potencial humano, pois é ela que vai

despertar o potencial criativo de seus recursos humanos. No.

entanto, para desenvolver esse potencial criativo, na empresa,

é necessário que a própria organização tenha um perfil criativo,

o que significa, de acordo com AIencar (1996, p.92):

Uma organização que valoriza o potencial para a compe-tência, responsabilidade e ação, indo de encontro com a prática presente em nossa sociedade de promover um constante desperdício de potencial criativo. Ela se carac-teriza por uma cultura que reconhece o potencial ilimitado de seus recursos humanos, que cultiva a harmonia do grupo, que estabelece expectativas apropriadas, que tolera as diferenças e que reconhece as habilidades e esforços de cada indivíduo.

o

espaço da organização deve ser um campo fértil em

que a criatividade florescerá. No entanto, reconhece-se que

os fatores do ambiente organizacional, tais como: relações de

(24)

desconfiança, clima de insegurança, normas rígidas e

repres-sivas e um sistema de comunicação precário serão elementos

que terão forte influência nas práticas criativas, na elaboração

de ideias inovadoras que farão o grande diferencial entre as

organizações. Isto porque, de acordo com ftill e Amabile apud

Alencar (1996, p.91):

Se as pessoas percebem que estão trabalhando em um

ambiente onde os objetivos dos projetos são claros,

desa-fiadores e interessantes, onde têm autonomia em decidir

como trabalham em direção a essas metas, onde as novas

idéias são recebidas com encorajamento e entusiasmo,

onde elas não são pressionadas com prazos impossíveis

ou limitações de recursos, onde outros estão dispostos

a cooperar no alcance dos objetivos, onde os melhores

esforços são reconhecidos, certamente trabalharão em

níveis mais altos de motivação intrínseca e produzirão

idéias criativas.

As empresas que participam do jogo de forças, no mer-cado globalizado, investem na formação das competências

de seus profissionais, porque reconhecem a necessidade

de formação geral de seus quadros de funcionários como

requisito básico ao enfrentamento da intelectualização do

processo produtivo. Caso contrário, o risco de exclusão

do processo competitivo torna-se uma ameaça constante às organizações.

Ao falar do processo de qualificação dos

trabalha-dores, não se deve desconhecer o fato de que, dado o

cará-ter ideológico da educação e das qualificações profissionais, este processo no interior das organizações se sujeita a uma correlação de forças opostas. Dessa forma, de acordo com

Bianchetti (2001, p.19), no processo de qualificação dos

tra-balhadores,

De um lado, o capital,enquanto sujeito que detém a primazia da direção e controle do processo de trabalho, põe e dispõe o quando, e o quanto de capacidades humanas são fomen-tadas, produzidas e aproveitadas e, igualmente, as que são preteridas e descartadas. (MACHADO, 1996 c, p. 53).

(25)

De outro, há os trabalhadores, com seus interesses, suas estratégias de resistência, seus saberes tácitos e suas saídas individuais ou através dos seus órgãos de repre

-sentação.

Apesar desta correlação de forças, a qualificação dos

trabalhadores, no interior das organizações,

é

muito mais

uma reprodução da submissão desta às regras da ordem

estabelecida, uma reprodução da ideologia dominante, para

que esta possa assegurar a dominação da classe hegemônica.

Isto porque

é

em um contexto em conflitos de classes que as

empresas procuram encontrar soluções viáveis e competitivas

c atender às expectativas do mercado. Uma dessas soluções

passainevitavelmente pela formação e qualificação profissional

dos trabalhadores, pois a sociedade contemporânea exige um

novo perfil profissional.

Na ótica do capital. maior qualificação e novas

ompetências dos trabalhadores se justificam, sob o ponto

de vista da empresa, pela necessidade de garantir melhor desempenho e maior segurança com o manuseio dos

quipamentos. Se, por um lado, essa qualificação representa

11malto investimento na organização, por outro,

é

de um

mecanismo complexo e relativa fragilidade, o que vai exigir

11mtrabalhador mais qualificado e competente.

R

e

f

erências

ALENCAR,Eunice Soriano de. A gerência da criatividade:

abrín-(10as janelas para a criatividade pessoal e nas organizações.

10 Paulo:Makron Books, 1996.

1\IANCHETII, Lucídio. Da chave de fenda ao laptop. Paraná:

Ldllora daUFSC, 2001.

ImiTO, LydiaMaria Pinto. Gestão de competências, gestão do

{

'

(mnecimenio

e organizações de aprendizagem: instrumentos

c

11

,

ipropriaçáo pelo capital do saber do trabalhador. Fortàleza:

lrupr nsa Universitária, 2005.

(26)

m

Ilzeni Silva Dias BRUNO, Lúcia. Educação, qualificação e desenvolvimento econômico. In: BRUNO, Lúcia. (Org.). Bducação e trabalho no

capitalismo contemporâneo. São Paulo: Atlas, 1996.

CARBONE, Pedro Paulo et ai. Gestão por competência e

gestão do conhecimento. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV,

2006.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. v. I.São Paulo: Paz e Terra, 2003.

DADOY,Mireille. A polivalência e a análise do trabalho. [s.l:

s.n. s.d]. Collection des Études no 54. [s/d)

DRUCKER, Peter Ferdinand. Administrando em tempos de

grandes mudanças. São Paulo: Pioneira Thomson Learning,

2006.

DUPAS,Gilberto. Economia global e exclusão social: pobreza, emprego, estado e o futuro do capitalismo. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

GOUNET, Thomas. Tordismo e toyotismo na civilização do

automóvel. São Paulo: Boytempo, 1999.

LIMA, Maria Elizabeth Antunes. Os equívocos da excelência.

Petrópolis: Vozes, 1995.

MARX.,Karl. O capital: crítica da economia política. ll.ed. São Paulo; DIFEL, livro 1, v. I, 1987.

___ o O Capital. Rio de janeiro: Zahar Editores, V. 1. 1967.

MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005.

MORAESNETO, Benedito Rodrigues de. Marx, Thylor, Porâ: as forças produtivas em discussão. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1989.

OHNO,

Taiichi.

O Sistema toyota de produção: além da pro-dução em larga escala. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

(27)

PAIVA,Vanilda. Produção e qualificação para o trabalho: uma revisão da bibliografia internacional. In: BRASIL - Ministério da Educação. Secretaria Nacional de Educação Básica. Ensino das humanidades: a modernidade em questão. São Paulo: Cortez, 1991 (Caderno SENEB, 2).

PASTORE,José. O futuro do trabalho no Brasil e no mundo, Revista em Aberto, Brasília, ano

xv,

n. 65,

jan.zmar..

1995. SCHMIED-KOWARZIK, Wolfdietrich. Pedagogia dialética: de Aristóteles a Paulo Freire. São Paulo: Editora Brasiliense,

1983.

SCHAFF, Adam. A sociedade informática. 4.ed. São Paulo:

Editora da UNESp, 1995.

VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia da Préxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1997.

Referências

Documentos relacionados

85%: Les capacités de levage sont conformes à la norme SAE J1063 et ne dépassent pas 85% de la charge de basculement (SAE J1289 pour les poutres de calage déployées à 50% et 0%) tel

Os códigos jurídicos modernos de Portugal (Ex.: Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas) previam o degredo como penalidade para diversos delitos. O primeiro relato que

Fig 11A: Angiotomografia computa- dorizada coronariana em corte axial obliquo com MIP mostrando tronco coronariano único (asterisco) curto e com placa ateromatosa calcificada,

The pre-paradigmatic phase represents the “pre- history” of a science, the period in which there is deep disagreement amongst the researchers about what are the fundamental

An increase of R$ 1 million in credit at the municipality level in the Caatinga, which corresponds to 27.5% of the average municipal credit supply of this biome, increases

A análise por linha de crédito concentra-se no impacto de um aumento de 1% na oferta de crédito rural municipal do Pronaf e Pronamp - associados aos pequenos e médios

This analysis evaluates the impacts of rural credit from three perspectives: credit lines (PRONAF, PRONAMP, Rural Savings, and Compulsory Resources), 3 producer types (individuals

• Definição: relação entre as horas de assistência prestadas por técnicos e auxiliares de enfermagem e o número de pacientes/dia assistidos no mesmo período. • Indicador: Horas