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Relações público-privadas no sistema de saúde brasileiro

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

MARIA FERNANDA GODOY CARDOSO DE MELO

RELAÇÕES PÚBLICO-PRIVADAS NO SISTEMA DE SAÚDE BRASILEIRO

Campinas

2017

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

MARIA FERNANDA GODOY CARDOSO DE MELO

RELAÇÕES PÚBLICO-PRIVADAS NO SISTEMA DE SAÚDE BRASILEIRO

Prof. Dr. DENIS MARACCI GIMENEZ – orientador

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutora em Desenvolvimento Econômico, área de concentração: Economia Social e do Trabalho.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA MARIA FERNANDA GODOY CARDOSO DE MELO E ORIENTADA PELO PROF. DR. DENIS MARACCI GIMENEZ

Campinas

2017

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Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): Não se aplica. ORCID: http://orcid.org/0000-0003-4780-7381

Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas

Biblioteca do Instituto de Economia Mirian Clavico Alves - CRB 8/8708

Melo, Maria Fernanda Godoy Cardoso de,

M491r MelRelações público-privadas no sistema de saúde brasileiro / Maria Fernanda

Godoy Cardoso de Melo. – Campinas, SP : [s.n.], 2017.

MelOrientador: Denis Maracci Gimenez.

MelTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de

Economia.

Mel1. Desenvolvimento Social. 2. Financiamento da assistência à saúde. 3.

Mercantilização. 4. Acesso universal a serviços de saúde. 5. Capital (Economia). I. Gimenez, Denis Maracci,1974-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Economia. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Public-private relationship in Brazilian healthcare system Palavras-chave em inglês:

Social development Financial resources in health Commodification

Universal access healthcare services Capital (Economy)

Área de concentração: Economia Social e do Trabalho Titulação: Doutora em Desenvolvimento Econômico Banca examinadora:

Denis Maracci Gimenez [Orientador] Luiz Gonzaga de Mello Beluzzo Sulamis Dain

Ana Luiza D'ávila Viana Sônia Miriam Draibe Data de defesa: 10-08-2017

Programa de Pós-Graduação: Desenvolvimento Econômico

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

MARIA FERNANDA GODOY CARDOSO DE MELO

RELAÇÕES PÚBLICO-PRIVADAS NO SISTEMA DE SAÚDE BRASILEIRO

Defendida em 10/08/2017

COMISSÃO EXAMINADORA

A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica da aluna.

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AGRADECIMENTOS

À professora Sulamis Dain, a quem devo mais do que a coorientação paciente e sempre muito generosa. Acolheu-me no Rio de Janeiro, de onde voltei confiante de que tinha uma tese. Sua importância transbordou para além da orientação e lhe sou muito grata por tudo. Considero-a um exemplo de mulher e intelectual. Ao Denis Maracci Gimenez, por ter aceitado a orientação desta tese no meu reingresso ao IE/UNICAMP, pela leitura cuidadosa do meu texto da qualificação e da versão final, por ter dado contribuições importantes para o trabalho e por toda ajuda sempre que precisei.

Ao professor João Manuel Cardoso de Mello, à professora Liana Aureliano e ao professor Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, fundadores das Faculdades de Campinas, FACAMP, onde tenho o privilégio de trabalhar, pelo apoio generoso, pela inestimável convivência intelectual e pelo exemplo de dignidade e excelência moral. Ao professor João Manuel Cardoso de Mello faço um agradecimento especial pela generosidade de seu acolhimento, pela sua maestria, humanidade e pelas contribuições valiosas a minha trajetória intelectual e ao trabalho da tese.

Às professoras Sônia Miriam Draibe, Ana Luiza D’Ávila Viana e Sulamis Dain e ao professor Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, por terem me dado a honra de participar da banca de defesa, contribuindo para o enriquecimento da tese, para seus desdobramentos e reflexão intelectual. Reunir na banca de defesa algumas de minhas mais importantes mestras e mestre foi muito especial. Às minhas professoras e professores do IE/UNICAMP, aos colegas de pós-graduação e pesquisa, especialmente do NEPP/UNICAMP, que marcaram minha formação intelectual. Ao Hugo Miguel Oliveira Rodrigues Dias, pela leitura cuidadosa do texto de qualificação e sugestões. Ao Rodrigo Sabbatini, pelo empenho para que eu obtivesse um semestre dedicado exclusivamente à elaboração desta tese, que foi essencial para o mergulho necessário para dar início a este trabalho.

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À Juliana Cajueiro, amiga e parceira de longa data, por todo o apoio e ajuda que generosamente me deu, especialmente durante toda a etapa de elaboração desta tese. É um privilégio poder dividir com ela, além da amizade e do trabalho, o interesse por este tema tão especial e instigante da economia política de saúde. Às “meninas da Facamp” pela sororidade que vimos construindo, tão necessária. À todas as mulheres com quem convivo e me ensinam diariamente a força e importância do feminismo. À Daniela Gorayeb, parceira de tese, das lutas e ruas e amiga querida, por termos andado juntas e sintonizadas neste percurso, por vezes tão angustiante. Ele ficou bem melhor por isso. Aos colegas, professoras e professores da Facamp, com quem convivo e aprendo nos seminários de quarta-feira e na tão necessária pizza que vem em seguida. As minhas/meus colegas de equipe de monografia, Juliana Cajueiro, Tatiana Maranhão e Vinícius Gaspar Garcia, pela sorte de poder trabalhar com eles. Estendo também o agradecimento aos que já fizeram parte da equipe.

À Adilzane Silva e à Fabiana Andrade agradeço a gentileza e estendo os agradecimentos a todos os funcionários da FACAMP.

À Marina Wendel de Magalhães, pela amizade fraterna, pela madrinha presente e amorosa, pela afilhada linda que ganhei, a querida Celina, e pela revisão cuidadosa desta tese. Estendo o agradecimento ao Rilk, por todo carinho e ajuda com o leva e traz da dupla dinâmica.

Ao Davi José Lessa Mattos, à Lígia Todescan Lessa Mattos e à Rita Sigaud Soares Palmeira, pela tradução dos trechos em francês. Ao Gláucio Sansevero, pela tradução dos trechos em inglês.

À Adriana Campos de Cerqueira Leite, pelo “divã” e por me ajudar com a outra história desta tese.

Às amizades fundamentais da vida, as de toda a vida e as novas, agradeço pelo privilégio de compartilhar a amizade de vocês. Em especial, Marina Magalhães, Rita Palmeira, Asla Medeiros e Sá, Marcio Varella, Fernanda Raquel, Rafael Oliva, Inaê Coutinho, Paula do

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Amaral Nogueira, Letícia Sevilhano, Miguel Palmeira, Fernanda Guimarães, Teresa Palmeira, João Guilherme Cardoso de Mello, Juliana Cajueiro, Daniela Gorayeb, Claudia Hamasaki, Henrique José e Fabiana Grecco.

Aos amigos que ganhei pela amizade que meus filhos construíram e que considero amigos e queridos: Clelia e Gian, Luciana e Guilherme. Agradeço por toda ajuda e cuidado que têm com meus filhos.

À querida família Magalhães, que considero um pouco minha.

Aos meus sogros, Hilda e San, aos meus cunhados, Perla e Giovanni, e aos meus queridos sobrinhos Lucas, Pedro, Arthur e Gabriel.

À Luciara Goes Holsbach pela ajuda, amparo e o cuidado carinhoso e amoroso que foram fundamentais para que pudesse me ocupar com este trabalho. Estendo o agradecimento ao Agrimal, Maira e a toda essa família tão especial. A Célia e Luiz Alberto, meus pais, pelo apoio e enorme generosidade, por terem me passado valores fundamentais, pelo acolhimento amoroso de sempre e por todo o amor. Ao meu irmão querido Luiz Guilherme, pelo amor fraterno. À Débora, minha cunhada, e ao meu sobrinho Vito, que chegará em novembro, trazendo nova vida e amor para nossa família. Ao meu outro irmão querido, Lipe, que, onde quer que esteja, estará sempre comigo. Aos meus filhos, Maria Luiza e Miguel, por todo amor que nos une, agradeço a paciência e compreensão que tiveram comigo, nesse período de elaboração da tese, quando muitas vezes conviveram com uma mãe preocupada, nervosa e, por vezes, ausente. Seguimos juntos, com muito amor, ajudando a construir um mundo com mais confiança, igualdade, amor e justiça. Esta tese é dedicada a vocês, Malu e Miguel.

Ao Glaucio Sansevero, meu companheiro nessa caminhada, meu porto seguro, por sempre me amparar, ajudar, estar ao meu lado. Pelo amor com que se desdobrou para que eu pudesse terminar esta tese. Não é possível expressar com palavras meu agradecimento e amor.

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RESUMO

O tema geral desta tese refere-se à inserção dos sistemas de saúde na discussão do welfare state, por um lado, e, por outro, na discussão da acumulação de capital a partir da qual é desenvolvida a questão das relações público-privadas, que podem ser entendidas como uma expressão dessa acumulação. O objetivo da tese é discutir o caso específico das relações público e privadas no financiamento do sistema de saúde brasileiro, contudo, inserindo-o dentro de um espectro mais geral dado pelos movimentos recentes que ocorreram nos sistemas de saúde universais dos países da Europa ocidental, a partir da década de 1970, no contexto do neoliberalismo. A hipótese é que, na atual configuração dos welfare states, os sistemas de saúde apresentam maior diversidade nas formas de concepção, valores, institucionalidade e financiamento do que os sistemas de previdência e assistência social. Os sistemas de saúde constituem campo fértil para o aprofundamento de estudos sobre a relação público e privado, no Brasil, em função da crescente presença do setor privado na configuração dos sistemas de saúde e da lógica de mercado e intenso processo de mercantilização. Nessa discussão, há um aspecto marcante, que é a presença de dois processos simultâneos: um, de mercantilização dos serviços de saúde a cargo do setor público e, outro, de desmercantilização do financiamento do setor privado. A desmercantilização do setor privado antecede a mercantilização do setor público, que, no Brasil, é um fenômeno da última década. No caso do Brasil, esse processo se dá de forma contraditória à proposta de universalização do acesso aos serviços de saúde, parte essencial do projeto de seguridade social presente na Constituição de 1988. Para desdobrar os temas tratados por esta tese, referentes ao entendimento da questão acima anunciada, a tese está organizada em três capítulos, além desta introdução e da conclusão. O primeiro capítulo trata da configuração dos sistemas universais de saúde e a relação entre o público e o privado. O segundo capítulo discorre sobre a formação do sistema de saúde brasileiro do ponto de vista das relações público-privadas, enfatizando suas marcas originárias, a constituição do Sistema Único de Saúde e seus significados. O terceiro e último capítulo aprofunda o tema do financiamento do SUS e seus conflitos distributivos sob a ótica das relações público-privadas no financiamento da saúde no Brasil.

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Palavras-chave: relação público-privada na saúde; espaço de valorização e acumulação de

capital; espaço não mercantil; universalização do acesso aos serviços de saúde; mercantilização; desmercantilização; Sistema Único de Saúde; renúncia de arrecadação; concorrência setor público e privado na saúde; desigualdades sociais; seguridade social; welfare state.

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ABSTRACT

The general subject of this thesis is, from one perspective, the insertion of the public health systems in the welfare state discussion, and from another, the discussion of the capital accumulation from where the private public relationship issue, understood as an expression of the accumulation itself, is developed. The goal of this thesis is to discuss the particular case of the public private relationships in the financing of the Brazilian healthcare system, nonetheless inserting it under a broader spectrum, created by recent movements, started in the 70’s, in the universal healthcare systems of Western European countries, within the context of neoliberalism. The hypothesis is that, in the present configuration of the welfare

states, the healthcare systems present a wider diversity in its conception, values,

institutionality, and financing forms than the social security and assistance systems. The healthcare systems constitute a fertile ground to go deeper in the studies of the private public relations in Brazil, considering the growing presence of the private sector in the configuration of healthcare systems, the market logic and an intense process of commodification. In this discussion, there is one key aspect in the presence of two simultaneous processes: the commodification of healthcare services formerly performed by the public sector, and the decommodification of the private sector financing. The decommodification of the private sector precedes the commodification of the public sector, that happened in Brazil only in the last decade. In the Brazilian case, this process goes against the proposal for universalization of the access to healthcare services, an essential piece of the social security project introduced by the federal constitution of 1988. In order to unfold the subjects proposed by thesis, concerning the matter introduced above, the work is divided in three chapters, as well as an introduction and a conclusion. The first chapter is about the configuration of universal healthcare systems and the private public relationship. The second chapter discuss the formation of the Brazilian healthcare system from the private public relationship perspective, with emphasis on its original characteristics, the constitution of the Sistema Único de Saúde and its meanings. The third and last chapter, develops the subject of SUS financing, its distributive conflicts, under the lens of the private public relationships that provide financing to the Brazilian healthcare system.

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Keywords: public-private relationship in healthcare; space for capital appreciation and

accumulation; healthcare services universal access; commodification; decommodification; Sistema Único de Saúde; tax waiving; healthcare private and public competition; social inequality; social security; welfare state.

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LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1 - MINISTÉRIO DA SAÚDE (MS): EXECUÇÃO DO GASTO TOTAL POR FONTE DE RECURSOS, CPMF E DEMAIS FONTES

(1995-2011) (EM R$ BILHÕES DE 2011) ... 112

GRÁFICO 2 - PARTICIPAÇÃO DAS TRÊS ESFERAS DE GOVERNO NO TOTAL DO GASTO PÚBLICO COM ASPS– 2002 A 2015 ... 116

GRÁFICO 3 - SIMULAÇÃO DA APLICAÇÃO MÍNIMA PARA O GASTO COM SAÚDE COM A REGRA DE 2016 E COM A REGRA ESTABELECIDA PELA PEC 55 (2017 – 2036) ... 123

GRÁFICO 4 - BRASIL: SIMULAÇÃO DAS DESPESAS PÚBLICAS EM % DO PIB COM A EC N. 95, 2015-2036. ... 124

GRÁFICO 5 – PROJEÇÃO DO IMPACTO DA PEC 241 SOBRE O GASTO FEDERAL COM SAÚDE EM COMPARAÇÃO COM A MANUTENÇÃO DA REGRA DA EC 86 – EM R$ DE 2016 PER CAPITA ... 128

GRÁFICO 6 - GASTO TOTAL COM SAÚDE COMO PERCENTAGEM DO PIB (2011) DIVERSOS PAÍSES. ... 132

GRÁFICO 7 -PARTICIPAÇÃO DO GASTO PÚBLICO E DO GASTO PRIVADO NO GASTO TOTAL COM SAÚDE EM PAÍSES SELECIONADOS (2011). ... 133

GRÁFICO 8 - PARTICIPAÇÃO DOS SEGMENTOS NA RECEITA DO SETOR DE SEGUROS, BRASIL, 2009 - 2014 ... 151

GRÁFICO 9 - NÚMERO DE BENEFICIÁRIOS NO SETOR DE SAÚDE SUPLEMENTAR POR MODALIDADE, BRASIL, 2009 - 2015 ... 153

GRÁFICO 10 - GASTO TRIBUTÁRIO EM SAÚDE VERSUS GASTOS COM ASPS, BRASIL, 2008 – 2014 ... 158

GRÁFICO 11 - PARTICIPAÇÃO DA FUNÇÃO SAÚDE NO TOTAL DO GASTO TRIBUTÁRIO FEDERAL, BRASIL, 2006 – 2014 ... 159

GRÁFICO 12 - PAGAMENTOS E DOAÇÕES EM SAÚDE NA DIRPF EM % DO TOTAL, BRASIL, 2008 – 2014 ... 161

GRÁFICO 13 -GASTO TRIBUTÁRIO EM SAÚDE, VERSUS GASTO TRIBUTÁRIO COM PLANOS DE SAÚDE, BRASIL, 2008 – 2014. (R$ BILHÕES DE 2014 [IPCA]). ... 162

GRÁFICO 14 - TRIBUTAÇÃO DOS PLANOS DE SAÚDE POR SEGMENTO, BRASIL, 2014 ... 165

GRÁFICO 15 -COMPOSIÇÃO DA TRIBUTAÇÃO DOS PLANOS DE SAÚDE POR SEGMENTO, BRASIL, 2014 ... 166

GRÁFICO 16 -BENEFICIÁRIOS DE PLANOS DE ASSISTÊNCIA MÉDICA POR TIPO DE CONTRATAÇÃO NO BRASIL - DEZ/2000 A JAN/2017 - EM MILHÕES ... 168

GRÁFICO 17 – MULTIPLICADORES DECORRENTES DE UM AUMENTO DE 1% DO PIB SEGUNDO TIPO DE GASTO SOBRE O PIB ... 169

GRÁFICO 18 – COMPORTAMENTO DO ÍNDICE DE GINI E DAS RENDAS TOTAIS (ORIGINAL, INICIAL, DISPONÍVEL, PÓS-TRIBUTAÇÃO E FINAL) – BRASIL – 2003 E 2009 ... 171

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 - FUNÇÕES PERMITIDAS PELO SEGURO PRIVADO DE SAÚDE EM ALGUNS PAÍSES DA OCDE ... 51

QUADRO 2 - MODALIDADES DE CLASSIFICAÇÃO DAS EMPRESAS OPERADORAS DE SERVIÇOS DE ATENÇÃO À SAÚDE ... 149

QUADRO 3 - O PROCESSO HISTÓRICO DA ORGANIZAÇÃO DO SETOR DE SAÚDE E O ANTECEDENTE PARA O SISTEMA BRASILEIRO DE CUIDADO DA SAÚDE ... 199

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1 - DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DA EXECUÇÃO DO MS POR FONTE DE FINANCIAMENTO (1995 A 2011) ... 113

TABELA 2 - SIMULAÇÃO DE GASTOS COM ASPS NA EC N. 29 SEM A INCLUSÃO DA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL PARA A SAÚDE, EM R$ MILHÕES CORRENTES – 1999-2013 ... 117

TABELA 3 - SIMULAÇÃO DE GASTOS COM ASPS NA PEC DO ORÇAMENTO IMPOSITIVO (N. 358) SEM A INCLUSÃO DA CONTRIBUIÇÃO

SOCIAL PARA A SAÚDE, EM R$ MILHÕES CORRENTES – 1999 - 2013 ... 118

TABELA 4 – ESTIMATIVA DE IMPACTO DA PEC 241 PARA O FINANCIAMENTO FEDERAL DO SUS – CENÁRIOS PARA O PERÍODO DE 2017 A 2036 ... 126

TABELA 5 – DESPESAS REALIZADAS EM EDUCAÇÃO E SAÚDE NO PERÍODO 2002 A 2015 COMPARADO A SIMULAÇÃO DAS DESPESAS EM

EDUCAÇÃO E SAÚDE PELA REGRA DA PEC 241 – BRASIL 2002 – 2015. (VALORES REAIS DE DEZEMBRO DE 2015 (IPCA).

ANO-BASE 2002). ... 127

TABELA 6 - BRASIL E PAÍSES SELECIONADOS – GASTO TOTAL COM SAÚDE, GASTO PÚBLICO COM SAÚDE, GASTO PRIVADO COM SAÚDE, GASTO PRIVADO OUT-OF-POCKET COM SAÚDE COMO % DO PIB. GASTO TOTAL PER CAPITA E GASTO PÚBLICO PER CAPITA (PPP INT US$). – 2011 ... 136

TABELA 7 - RECEITA DE CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS SELECIONADAS E OS EFEITOS DA DESVINCULAÇÃO PROMOVIDOS PELA DRU,

EXERCÍCIOS SELECIONADOS DE 2005, 2008, 2010 E 2012 A 2014 [VALORES CORRENTES, R$ MILHÕES] ... 141

TABELA 8 - EVOLUÇÃO DAS DESPESAS DO MS COM AÇÕES E SERVIÇOS DE SAÚDE PÚBLICA EM RELAÇÃO A DIVERSOS INDICADORES,

2005, 2008, 2010, 2012 A 2014. ... 142

TABELA 9 - BRASIL – VALORES DAS NOVAS RENÚNCIAS FISCAIS ADOTADAS A PARTIR DE 2010, QUE PRODUZIRAM EFEITOS DE 2012 A

2014 [EM R$ MILHÕES] ... 143

TABELA 10 - RECEITA DO SETOR DE SEGUROS POR SEGMENTO, BRASIL, 2009 – 2014 [R$ BILHÕES DE 2014 (IPCA)] ... 150

TABELA 11 - RECEITA DE CONTRAPRESTAÇÃO NO SETOR DE SAÚDE SUPLEMENTAR POR MODALIDADE, BRASIL, 2009 – 2014 R$ BILHÕES DE 2014 (IPCA)] ... 152

TABELA 12 - ARRECADAÇÃO TRIBUTÁRIA FEDERAL NO SETOR DE SAÚDE SUPLEMENTAR, BRASIL, 2008 - 2014 ... 154

TABELA 13 - GASTOS TRIBUTÁRIOS EM SAÚDE POR MODALIDADE DO GASTO, BRASIL, 2006 – 2014 [R$ MILHÕES DE 2014 (IPCA)]

... 157 TABELA 14 - PAGAMENTOS E DOAÇÕES EM SAÚDE NA DIRPF POR TIPO, BRASIL, 2008 – 2014. ... 160

TABELA 15 - RECEITAS E DESPESAS COM TRIBUTOS COM PLANOS DE SAÚDE, POR SEGMENTO, BRASIL, 2014 (R$ MILHARES

CORRENTES) ... 164

TABELA 16 – DISTRIBUIÇÃO DO GASTO PÚBLICO FEDERAL EM SAÚDE, SEGUNDO RUBRICAS DE GASTO E POR DÉCIMOS DE RENDA –

2008. ... 172 TABELA 17 - VALORES PER CAPITA MENSAIS DA ESTIMATIVA DO GASTO PÚBLICO, DO GASTO PRIVADO E DA ESTIMATIVA DA RENÚNCIA

FISCAL – R$ JAN./2009. ... 174

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 16 CAPÍTULO 1 – A CONFIGURAÇÃO DOS SISTEMAS UNIVERSAIS DE SAÚDE E A RELAÇÃO ENTRE OS SISTEMAS PÚBLICO E PRIVADO ... 23 1.1 – A IMPORTÂNCIA DO WELFARE STATE E DOS ESTUDOS COMPARADOS ... 24 1.2 – TENDÊNCIAS RECENTES DOS WELFARE STATES DOS PAÍSES DESENVOLVIDOS ... 33 1.3 – SISTEMAS DE SAÚDE, PADRÕES E ESTRATÉGIAS DE FINANCIAMENTO FRENTE AO “CAPITALISMO SANITÁRIO” ... 42 1.4 – TRANSFORMAÇÕES RECENTES DOS SISTEMAS DE SAÚDE UNIVERSAIS NO CONTEXTO DAS RELAÇÕES PÚBLICO-PRIVADAS ... 70 CAPÍTULO 2 – A FORMAÇÃO DO SISTEMA DE SAÚDE BRASILEIRO DO PONTO DE VISTA DAS RELAÇÕES PÚBLICO-PRIVADAS: SUAS MARCAS ORIGINÁRIAS, A CONSTITUIÇÃO DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE E SEUS SIGNIFICADOS ... 82 2.1 – OS ANTECEDENTES DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE ... 85 2.2 – ABERTURA DEMOCRÁTICA, MOVIMENTO SANITARISTA E ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE ... 91 2.3 – A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: ORÇAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL E O SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE ... 99 CAPÍTULO 3 - O FINANCIAMENTO DO SUS E OS CONFLITOS DISTRIBUTIVOS NA SAÚDE: AS RELAÇÕES PÚBLICO-PRIVADAS NO FINANCIAMENTO DA SAÚDE NO BRASIL ... 104 3.1 – A VULNERABILIDADE DO FINANCIAMENTO DO SUS E AS LUTAS PELA GARANTIA DE RECURSOS NO CONTEXTO DAS RELAÇÕES PÚBLICO-PRIVADAS ... 106 3.2 – RENÚNCIAS FISCAIS COMO MECANISMO DE TRANSFERÊNCIA DOS FUNDOS PÚBLICOS PARA O SETOR PRIVADO NA SAÚDE ... 145 CONCLUSÃO ... 179 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 184 ANEXOS ... 198

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Introdução

O tema geral desta tese refere-se à inserção dos sistemas de saúde na discussão do welfare state, por um lado, e, por outro, na discussão da acumulação de capital a partir da qual é desenvolvida a questão das relações público-privadas que podem ser entendidas como uma expressão dessa acumulação. Nesse sentido, o recorte que escolhemos para abordar o tema é o do financiamento do sistema de saúde e suas relações público e privada no Brasil, observando se o Brasil se conforma a esse padrão, no que ele diverge e por que ele diverge.

O objetivo da tese é discutir o caso específico das relações público e privada no financiamento do sistema de saúde brasileiro, contudo, inserindo-o em um espectro mais geral dado pelos movimentos recentes que ocorreram nos sistemas de saúde universais dos países centrais europeus a partir da década de 1970, no contexto do neoliberalismo.

Este trabalho parte da hipótese de que, na atual configuração dos welfare states, os sistemas de saúde apresentam maior diversidade nas formas de concepção, valores, institucionalidade e financiamento do que os sistemas de previdência e assistência social. Os sistemas de saúde constituem campo fértil para o aprofundamento de estudos sobre a relação público e privado, no Brasil, em função da crescente presença do setor privado na configuração dos sistemas de saúde e da lógica de mercado e intenso processo de mercantilização.

Nesta discussão, há um aspecto marcante, que é a presença de dois processos simultâneos: por um lado, de mercantilização dos serviços de saúde a cargo do setor público, e por outro, de desmercantilização do financiamento do setor privado. A desmercantilização do setor privado antecede a mercantilização do setor público, que, no Brasil, é um fenômeno da última década.

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No caso do Brasil, esse processo se dá de forma contraditória à proposta de universalização do acesso aos serviços de saúde, parte essencial do projeto de seguridade social presente na Constituição de 1988. A mercantilização em curso reforça a segmentação do mercado, a concorrência entre o setor privado e público, especialmente na prestação de serviços de média complexidade, nos quais o avanço do capital privado na saúde se dá em detrimento do SUS universal, via transferência de fundos públicos ao setor privado, e vem agravando as desigualdades sociais de acesso aos serviços de saúde. Consequentemente, somente o estabelecimento de limites e a ampliação da capacidade regulatória do Sistema Único de Saúde (SUS) e da Agência Nacional de Saúde (ANS), bem como sua coordenação, poderão conter os efeitos negativos relacionados ao avanço do capital privado na área da saúde, atenuando os impactos da segmentação e da concorrência desenfreada no campo da saúde.

Mesmo na bibliografia convencional sobre o tema, é reconhecido que o desenvolvimento do setor privado de saúde, ao seguir a lógica de mercado, tem efeitos positivos e negativos. Os positivos seriam, por exemplo, as inovações tecnológicas; os negativos, a seleção adversa, a segmentação da clientela, o gasto “catastrófico”.

Portanto, a partir dessas considerações, podemos afirmar que a saúde não é uma área que possa ser totalmente mercantilizada, pois tem especificidades que a afastam da precificação e da unitarização dos custos. Para além das “externalidades”, reconhecidas pela visão clássica do tema, existe outra lógica que se contrapõe a esta: a busca por uma sociedade mais justa, menos desigual, mais digna, mais solidária, na qual a saúde, como direito social, integre o processo político e material de aquisição da cidadania. Para tanto, não se trata apenas de responder às imperfeições do mercado, mas, sim, de limitar os efeitos negativos do avanço da lógica mercantil e do setor privado na saúde. Seria preciso configurar um arranjo solidário entre o setor público e o privado. Todas as sociais democracias europeias assim o fizeram, embora tenham divergido em termos de concepção e escopo dos sistemas universais. Entre os países desenvolvidos, somente os EUA apresentam um sistema de saúde segmentado, com cobertura pública das ações e serviços direcionados exclusivamente aos indivíduos em condição de fragilidade

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econômica e social, que deixa descoberto um expressivo número de indivíduos – estimado, em 2014, em 47 milhões – sem capacidade financeira para contribuir individualmente, de forma regular, de modo a cobrir os custos crescentes dos planos de saúde ao longo de sua vida. Esse sistema apresenta alto custo relativamente aos países de cobertura universal e é ineficaz do ponto de vista dos indicadores de saúde. A atualização dos sistemas universais às novas condições do mercado de trabalho e das aspirações societais, além das novas tecnologias e formas de organização dos serviços, são maneiras contemporâneas e reais para limitar os efeitos negativos do avanço privado (mercantil e financeiro) na saúde.

A desmercantilização se apresenta como central para conter esse avanço. Para aprofundar a discussão que recebeu a denominação geral de mercantilização, faz-se necessário estudar as duas faces da mesma moeda: o processo de mercantilização e o processo de desmercantilização.

A reflexão mais geral conduz a um desdobramento para o Brasil e a um exame de suas semelhanças, contrastes e dissonâncias.

Para desenvolver os temas tratados por esta tese, referentes ao entendimento da questão acima anunciada, organizamos o texto em três capítulos, além desta introdução e da conclusão.

No capítulo 1, veremos quais foram as transformações nos sistemas de saúde, particularmente no que se refere ao financiamento e à universalidade do acesso, que se configuraram diante do avanço da mercantilização sobre esse espaço não mercantil, resultado de um movimento anterior de desmercantilização, sofrido pelas sociedades europeias do pós-guerra, que estruturaram um arranjo solidário de sociedade. A força desse arranjo, por mais que tenha sofrido abalos consideráveis com o avanço da lógica mercantil, mostra resistência na dimensão da universalidade do acesso aos serviços de saúde. Para tanto, abordaremos a Importância do welfare state mostrando, brevemente, que, a partir do final dos anos 1940, houve a conformação de um arranjo entre Estado, mercado e sociedade que estabeleceu a solidariedade como valor social e aceitou a presença ativa do Estado para combater as desigualdades criadas pelo capitalismo por meio, entre outras

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dimensões, de uma estrutura de financiamento justo e coletivo que deu origem aos estados de bem-estar social.

No campo teórico do estudo sobre desenvolvimento comparado, a consagrada tipologia proposta por Esping-Andersen (1990) apresenta três regimes de bem-estar social. Suas características possibilitam, por um lado, compreender as diferenças mais gerais do arranjo de acordo com os valores predominantes nas sociedades. Esse tipo de abordagem, por outro lado, apresenta limitações que escondem aspectos dinâmicos da história concreta dos países e das mudanças que os arranjos sofreram de acordo com o próprio avanço da sociedade, que é, por sua vez, reflexo dos problemas e soluções enfrentados nas suas realidades concretas da vida diária.

Em que pesem essas limitações metodológicas, Esping-Andersen (1990) se utiliza de um conceito importante e interessante de Polanyi, que é particularmente inspirador para refletirmos através destas lentes e analisarmos o caso particular que as modificações estruturais trazem para os sistemas de saúde e seus desdobramentos para a questão do acesso universal aos serviços de saúde entendida como uma das dimensões da desigualdade e direitos sociais fundamentais. Este é o conceito de desmercantilização.

Prosseguimos tratando das tendências recentes dos welfare states, mostrando brevemente quais são as novas feições dos welfare state resultantes das transformações que o capitalismo globalizado e financeiro impôs aos arranjos conformados no pós-guerra. Entre essas tendências, está o avanço da presença privada nas estruturas públicas e coletivas do Estado, nos espaços não mercantis, entre eles a saúde, que será, a partir do item 1.3, o foco de nossa análise.

Adiante, na discussão sobre os sistemas de saúde, seus padrões e estratégias de financiamento frente ao “capitalismo sanitário”, portanto já no campo específico do recorte desta tese, o dos sistemas de saúde, veremos os padrões de financiamento existentes nos sistemas de saúde e os arranjos possíveis entre os sistemas de saúde públicos e os privados. Veremos, também, quais foram os novos problemas e as soluções dadas pelos sistemas de saúde configurados no pós-guerra frente ao avanço do setor privado. Entre esses desdobramentos, estão a universalidade e o financiamento, que foram examinados a partir

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das configurações atuais dos modelos hegemônicos no mundo. O avanço do setor privado foi uma tendência geral do movimento atual do capitalismo. Portanto, precisamos saber quais foram as consequências desse avanço para a universalidade dos sistemas de saúde, uma dimensão da questão da desigualdade social. Ainda discutiremos o aumento do financiamento da saúde por parte dos pacientes, mostrando uma importante consequência da mercantilização sofrida pelos sistemas de saúde.

Por fim, na discussão sobre as transformações recentes dos sistemas de saúde universais no contexto das relações público-privadas, olharemos mais especificamente a mercantilização dos sistemas de saúde, mostrando suas várias dimensões, alcances e limites postos ao seu avanço e que têm relação com a manutenção e até ampliação da universalidade dos sistemas de saúde. Entretanto, não é isso que vai acontecer no caso do sistema de saúde no Brasil. Para entendermos o porquê dessa fraca resistência no caso brasileiro, o capítulo 2 trata da gênese do sistema de saúde brasileiro. Como vamos aprofundar o estudo sobre as relações público e privadas no caso brasileiro, é necessário apresentar uma perspectiva histórico-institucional do sistema de saúde. É a partir da gênese, das condições específicas brasileiras – desigualdade, heterogeneidade –, da etapa do capitalismo, da recomendação da privatização, que conseguiremos compreender que a origem do sistema público de saúde é contemporânea às críticas aos seus princípios no cenário internacional. Na gênese do sistema de saúde público brasileiro, há dois movimentos simultâneos: o de desmonte e o de construção da Seguridade Social e do SUS.

O movimento de construção da Seguridade Social e do SUS no Brasil não se deu no período entre a Segunda Guerra Mundial e os anos 1970, idade de ouro do capitalismo mundial no campo do crescimento econômico, do pleno emprego e dos avanços sociais. Começou em um território esfacelado, submetido ao jugo do Consenso de Washington, em um momento de reforma do sistema de saúde nos países europeus e de privatização na América Latina.

O capítulo 2 tratará da relação público e privado do sistema de saúde no Brasil. Veremos a origem do Sistema Único de Saúde dentro do sistema de proteção social brasileiro

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de característica meritocrática, cuja marca originária já apontava a segmentação com um viés privatista e outro universalista e que a falta de diálogo entre esses dois vetores de transformação do sistema, em um determinado momento, imprimiu características marcantes e de difícil superação para as relações público-privada na saúde. Relembraremos, à luz da atual crise político-econômica, os embates das propostas de construção do Sistema Único de Saúde travados na Assembleia Nacional Constituinte. Por fim, veremos o desenlace desse processo, que culminou com a constituição do SUS na Constituição Federal de 1988, que o trouxe consigo em uma nova condição, de garantia de acesso universal a todos, com financiamento público, mas com os meios de produção de serviços privado ou público. Esse movimento imprimiu ao SUS uma configuração particular cujas consequências na relação público-privada refletem enormes dificuldades no financiamento do sistema público, já que o volume de recursos e de oportunidades de mercado alimentam, também, o complexo industrial da saúde, cuja “sede” pela valorização de seu capital, dado o contexto mundial de globalização e financeirização, tornou-o forte para avançar na privatização de um sistema recém-universalizado.

Dentre os desdobramentos da mercantilização dos serviços de saúde a cargo do setor público, há um outro processo importante que será apresentado no capítulo 3: a face da desmercantilização do financiamento do setor privado, sem aumento da capacidade regulatória do Estado, no Brasil. Veremos, pela ótica privada, quais as implicações das relações público-privada do financiamento da saúde. Veremos que, mesmo o setor privado sendo em parte financiado publicamente, ele mostra não ter nenhum compromisso com o ideário da Constituição Federal de 1988. O objetivo do capítulo 3, portanto, é mostrar como o financiamento do SUS revela a complexidade dos conflitos distributivos do país, analisando as relações público-privada, tanto do ponto de vista macroeconômico – por meio da questão da política de incentivos fiscais para reanimar o setor privado em um momento de crise e da pressão pelo acirramento da disputa dos recursos das contribuições sociais, entre elas as da saúde, para uso livre do governo federal –, como do ponto de vista mais específico da área da saúde, por meio da renúncia de arrecadação.

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Ao aprofundar os estudos sobre o conflito distributivo na área da saúde, revelam-se a particular desigualdade social brasileira e sua reprodução e perpetuação anacrônicas. O processo de mercantilização dos serviços de saúde, assim como o de desmercantilização do financiamento, no caso brasileiro, vêm associados. Relembraremos o histórico da vulnerabilidade do financiamento do SUS, as lutas pela garantia de recursos no contexto das relações público-privada e a discussão do financiamento do ponto de vista macroeconômico e suas relações com o setor privado. Exatamente em um momento em que a garantia de recursos públicos é essencial para combater o contexto de desemprego, de adoecimento em períodos de crise, de desalento e de novas epidemias, de dengue ou de zika, por exemplo, há uma pressão do gasto público de saúde de um lado. E, do outro lado, o esforço do governo federal para reanimar o setor privado por meio de incentivos fiscais, desde 2014, sem exigir a contrapartida, tem um efeito preocupante e perigoso sobre a seguridade social.

Também discutiremos a questão da renúncia de arrecadação e como ela pode ser especificada para a saúde. Veremos que as empresas recebem muito mais do que retribuem, e essa relação, injusta, mostra o poder de regulação que o setor público tem (ANS), mas não o utiliza ou utiliza sua omissão para favorecer a segmentação do sistema de saúde, dando prioridade ao setor privado. Por fim, faremos algumas breves considerações sobre os efeitos econômicos positivos do gasto público com saúde e o caráter regressivo do gasto tributário com saúde associado aos planos de saúde. Essas considerações nos aproximam da dimensão da desigualdade, que a política de saúde seria bastante eficaz em combater.

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Capítulo 1 – A configuração dos sistemas universais de saúde e a

relação entre os sistemas público e privado

O capítulo 1 pretende situar a temática mais geral da qual esta tese é parte. Por um lado, analisará a inserção dos sistemas de saúde na discussão do welfare state e, por outro, no debate da acumulação de capital a partir da qual é desenvolvida a questão das relações público-privadas, entendidas como expressão dessa acumulação. O capítulo 1 está dividido em quatro subitens que pretendem enfatizar alguns aspectos fundamentais dessa discussão e que servirão de norte para pensarmos sobre o objetivo desta tese, que é discutir o caso específico das relações público e privada no financiamento do sistema de saúde brasileiro. O item 1.1 pretende retomar a questão das tipologias do welfare state para marcar a importância dos valores constitutivos desses arranjos – especialmente a universalidade e a solidariedade – e também para discutir um conceito importante para esta tese, que servirá como uma dimensão de análise para a interpretação do caso brasileiro: a desmercantilização. O item 1.2 pretende sublinhar a importância do arranjo do welfare state e sua especificidade, avançando na discussão sobre as principais tendências dos welfare states diante das respostas dadas à crise econômica e reformas. Uma das tendências que ressaltaremos é a mercantilização. Outro ponto importante que será destacado é o avanço da lógica de valorização do capital que atinge os espaços não mercantis, sobretudo a partir do final dos anos 1970, fruto do processo mais geral da nova etapa do capitalismo, o neoliberalismo. Esse movimento, discutido nos itens 1.1 e 1.2, servirá de ponte para chegarmos ao locus escolhido como foco desta tese: o sistema de saúde.

Assim, no item 1.3, discutiremos como esses movimentos identificados nos itens anteriores também têm sua expressão nos sistemas de saúde. Vamos analisar, à luz das relações entre o sistema de saúde público e o sistema de saúde privado, como se constituem os padrões e estratégias de financiamento. Outras questões discutidas são como, frente ao avanço dos movimentos do capitalismo, a mercantilização atingiu e modificou os sistemas de saúde, além de verificar o sentido e a natureza dessas mudanças. Esse processo de avanço da

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mercantilização é chamado por Batifoulier (2015) de capitalismo sanitário. Veremos, no item 1.4, quais são as principais transformações concretas desse movimento nos países com sistemas universais da Europa ocidental e se podemos observar algum tipo de resistência frente ao capitalismo sanitário.

1.1 – A importância do welfare state e dos estudos comparados

Verifica-se, nos países desenvolvidos, desde os anos 1950 até a década de 1980, a crescente presença do Estado no campo das políticas públicas, traduzida em sua maior participação na renda e no crescimento da carga tributária e do gasto público. Essa presença marcante viabilizou a integração das demandas do capitalismo e da democracia (MYLES, 1984) e garantiu as rendas do trabalho em situações de risco social grave, entre os quais o desemprego, bem como a renda agregada.

As necessidades de financiamento das políticas universais destinadas a prover gastos não individualizados (como os serviços de saúde e educação) requereram, de forma estrutural, o aporte de recursos tributários ao financiamento do seguro, feito por contribuições sociais diretas dos trabalhadores. A receita tributária também financiou a redistribuição associada à garantia de patamares mínimos de bem-estar, por meio da complementação de renda aos mais pobres (OIT, 1983). Até os anos 1970, tal redistribuição foi apenas um elemento conjuntural de economias estabilizadas por mais de duas décadas, em condições de crescimento econômico e de pleno emprego. (DAIN e JANOWITZER, 2006, p. 17).

A conformação dos arranjos entre Estado, mercado e sociedade, após a Segunda Guerra Mundial, caracterizou o Estado de bem-estar social (EBES).

No campo teórico dos trabalhos sobre o desenvolvimento comparado, a análise do EBES produziu inúmeros e importantes estudos comparativos e estabeleceu diversas tipologias. Essas diferenças entre os welfare states e seu agrupamento tipológico,

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esquematizadas pioneiramente por Titmuss (1974) e, em seguida, por Esping-Andersen (1990)1, revelam a dificuldade e as limitações de cotejamento entre experiências comparadas. Para tanto, é feita, aqui, a sistematização de fatores diferenciais, que permitem a apropriação e o entendimento do vasto espectro de sistemas encontrados na realidade. Contudo, é importante sublinhar que, apesar da reconhecida importância de autores do campo de estudos comparados, como Esping-Andersen, no esforço de dimensionar uma tipologia às diferentes experiências, é também fundamental que olhemos para a realidade dos países – do Brasil, especificamente, no nosso caso –, considerando os limites concretos da construção das tipologias. As tipologias mostram as diferenças entre modelos, a partir de grande simplificação, mas é preciso ir além para investigar os sistemas de proteção social, inclusive os de saúde, em sua heterogeneidade concreta. De fato, as sociedades, em suas realidades concretas, são heterogêneas, e os sistemas de proteção social, por mais que projetem similaridades ou sejam fator de homogeneização, espelham a própria sociedade. Então, sabemos que, além dos limites teóricos das tipologias para tratar dessa questão de forma geral, no período mais recente, o problema dos limites da tipologia tem se tornado mais agudo porque as sociedades estão cada vez mais heterogêneas, assim como as demandas, os riscos, a questão do trabalho. O desenvolvimento do capitalismo mais recente tem produzido cada vez mais assimetrias, diferenças e desigualdades.

Estruturalmente, o capitalismo, no seu movimento próprio, produz desigualdade, assim como também produz riqueza (MELLO,1992; 2009; MELLO e NOVAIS, 1998), e isto é inerente à sua natureza. Contudo, no capitalismo contemporâneo, temos visto uma radicalização dessas desigualdades, assimetrias e diferenças nos países centrais, que se tornam ainda mais graves em países periféricos, como é o caso do Brasil.

1 Titmuss já classificava os estados de bem-estar em modelo de desempenho industrial e performance, modelo institucional redistributivo e modelo residual de bem-estar, referindo-se o primeiro ao modelo baseado na estrutura da ocupação, o segundo ao modelo universalista baseado no conceito de cidadania, e tratando o terceiro de ações de complementação de renda. “Essa tipologia das matrizes político-ideológicas da proteção social no mundo desenvolvido reproduziu-se no marco conceitual, hoje consagrado por Esping-Andersen (1990)” (DAIN e JANOWITZER, 2006, p. 17).

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De todo modo, as tipologias são importantes para mostrar a relação entre as concepções teóricas adotadas, os grupos sociais com maior força e a estrutura que advém dessa interação. A desmercantilização do trabalho e dos bens e serviços Um conceito importante para esta tese é o da desmercantilização. Esping-Andersen (1991) desenvolve esse conceito de commodification inspirado na análise da origem da desmercantilização do trabalho e do acesso a bens e serviços feita por Polanyi (2012), em relação aos pobres.

O conceito de desmercantilização apresentado por Esping-Andersen (1991) mostra o grau em que os indivíduos ou as famílias podem manter um padrão de vida aceitável socialmente, independentemente da participação do mercado. Segundo o autor, a partir do momento em que “os mercados se tornam universais e hegemônicos, é que o bem-estar dos indivíduos passou a depender inteiramente de relações monetárias” (ESPING-ANDERSEN, 1991, p. 102). Ora, essa é a sociedade capitalista em que há relação capital-trabalho e divisão do trabalho.

Essa dependência – de os indivíduos serem submetidos a relações monetárias – representa uma violência. Ela implica retirar dos indivíduos o acesso a instituições, como a família, por exemplo, que garantiam sua “reprodução social”, e jogá-los na dependência do mercado, do salário e da renda. Isso, segundo Esping-Andersen, significou a mercantilização das pessoas. Por outro lado, a instituição dos direitos sociais teria significado um abrandamento, um afrouxamento do “status de pura mercadoria” (Ibid., p. 102). Ou seja, o fato de a prestação de um serviço ser um direito significa que o indivíduo não depende do mercado para se manter. Portanto, a garantia dos direitos sociais modernos (saúde, educação etc.) poderia libertá-lo, ainda que parcialmente, da dependência da venda de sua força de trabalho para sobreviver.

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Esping-Andersen (1991) discute em que medida a existência de programa sociais garantiria uma desmercantilização do indivíduo. Isto é, não é todo tipo de programa social que emancipa o indivíduo de sua dependência do mercado. Por exemplo, um programa de previdência ou de assistência social pode não gerar desmercantilização se o sistema de ajuda, em vez de atrair a participação dos indivíduos, forçá-los a continuar no mercado, dado o pouco benefício e, principalmente, o estigma social que pode estar a eles associado. Esse foi o caso da Lei dos Pobres, do século XIX. Por outro lado, também, há programas de previdência planejados com o intuito de “maximizar a atuação no mercado de trabalho”.

Do ponto de vista das relações sociais entre trabalhadores e capitalistas, uma sociedade altamente mercantilizada prejudica os trabalhadores, dificultando sua mobilização para ações solidárias. Mesmo entre os próprios trabalhadores, há ainda divisões.

A desmercantilização aparece na ampliação do tempo livre, em suas várias dimensões, por exemplo, na retirada dos indivíduos do mercado de trabalho, seja pela inserção de crianças e jovens nas estruturas de educação formal, seja na inserção nos sistemas previdenciários. Educação e previdência permitem postergar e antecipar, respectivamente, a entrada e a saída dos indivíduos na vida laboral ativa, permitindo longos períodos de inatividade. Redução da jornada de trabalho, férias, finais de semana remunerados são dimensões desse movimento.

Por outro lado, esse “excedente de trabalho” toma forma em um conjunto de bens e serviços integrados ao desenvolvimento de esferas não mercantis integradas às estruturas de bem-estar social. Isso poderia se tornar apenas sobretrabalho. Na lógica mercantil, esse tempo livre poderia se tornar desemprego aberto, enquanto que, no arranjo do welfare state, transforma-se em criança na escola, em idosos no sistema previdenciário e em um conjunto de bens e serviços não mercantis que articulam o processo de desmercantilização do trabalho com a política social.

Esping-Andersen (1991) discorre também sobre o desenvolvimento dos direitos desmercantilizados e estabelece algumas relações importantes entre o modelo de welfare

state e o “grau” de desmercantilização atingido, ou como um programa social gera

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Os três regimes de welfare state e seus conteúdos ideológicos

O welfare state é um sistema de estratificação, uma força ativa no ordenamento das relações sociais, além de ser um mecanismo que intervém na estrutura de desigualdade. Esping-Andersen (1991) mostra alguns sistemas alternativos incrustados nos welfare states, historicamente. Vejamos alguns deles. O primeiro é o sistema de tradição assistencialista, de ajuda aos pobres, ou assistência social a pessoas comprovadamente necessitadas. Essa tradição foi planejada com propósito de estratificação, pois pune e estigmatiza seus beneficiários, criando dualismo social. O segundo é o sistema de tradição da seguridade social bismarckiana. Também seria uma forma de política de classe com dois resultados de estratificação: um, que consolida divisões entre os assalariados, pois aplica programas distintos para grupos diferentes em termos de classe e status (conjunto particular de benefícios e privilégios, que acentua a posição de cada indivíduo na vida); outro, que vincula as lealdades do indivíduo diretamente à monarquia ou à autoridade central do Estado. Como exemplo, temos a suplementação estatal direta às pensões e aposentadorias. Nessa tradição, encontram-se os benefícios previdenciários para o funcionalismo público.

O terceiro é o de tradição dos sistemas universalistas/modelo beveridgiano, segundo o qual todos os cidadãos são dotados de direitos semelhantes, independentemente de classe social ou posição no mercado/ocupação. Ele pretende cultivar a solidariedade entre as classes (solidariedade da nação). Segundo Esping-Andersen (1991), esse modelo pressupõe uma estrutura de classe historicamente peculiar, “onde a vasta maioria da população é constituída de ‘pessoas humildes’ para quem um benefício modesto, embora igualitário, pode ser considerado adequado” (ESPING-ANDERSEN, 1991, p. 106). Segundo o autor, quando isso deixa de ocorrer,

(...) como acontece quando aumenta a prosperidade da classe trabalhadora e surgem novas classes médias, o universalismo do benefício uniforme promove o dualismo inadvertidamente, pois os que estão melhor de vida voltam-se para o seguro particular e para a negociação de benefícios extras para suplementar a modesta igualdade que julgam ser os padrões habituais de bem-estar. (Ibid., p. 106).

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Então, segundo o autor, nos locais onde esse processo ocorreu, no Canadá ou Grã Bretanha, o resultado é que o “espírito maravilhosamente igualitário do universalismo se transforma em um dualismo semelhante ao do estado de assistência social: os pobres contam com o Estado, e os outros, com o mercado.” (ESPING-ANDERSEN, 1991, p. 106).

A questão do efeito inadvertido do universalismo do benefício modesto, que, em um contexto de aumento da prosperidade, acaba por criar uma dualidade social – isto é, o enfrentamento do dilema das mudanças na estrutura de classe – também foi posta em todos os modelos históricos do welfare state.

A resposta à prosperidade e ao crescimento da classe média variou, assim, como variou o resultado em termos de estratificação social2.

Na tradição corporativista da seguridade social bismarckiana, a “universalização” do benefício foi feita com base em uma alteração da classificação dos benefícios. Por exemplo, em vez de os benefícios serem classificados segundo as contribuições, eles passaram a ser classificados segundo os ganhos. Isso não alterou a estrutura da distinção de status. Essa tradição, por já ter a diferenciação embutida como valor, foi mais adaptável à expansão do bem-estar.

Já na tradição assistencialista ou no sistema universalista do tipo beveredgiano, a opção frente ao dilema foi entre o mercado e o Estado, “no sentido de proporcionar adequação e satisfazer as aspirações da classe média”. (Ibid., p. 107).

Os modelos surgidos dessas opções de respostas foram o modelo típico da Grã-Bretanha e da maior parte do mundo anglo-saxão, isto é, o que preserva no Estado um universalismo essencialmente modesto e deixa que o mercado reine sobre as crescentes camadas sociais que demandam benefícios previdenciários maiores. 2 Essa questão é fundamental para se pensar, por exemplo, o sistema de saúde no Brasil e pensar como se deu a coalizão das classes – resposta à prosperidade – e qual o efeito sobre os modelos de saúde dos países que estavam, ainda, em um estágio de implementação dos seus sistemas de saúde, como era o caso do Brasil. Nesse sentido, o Brasil vivia, em 2013, por exemplo, um momento determinante para a definição do futuro de seu sistema de saúde, já que houve um alargamento da classe média, em termos de renda, e ela está diante de um dilema: SUS ou planos privados. Dependendo do encaminhamento da questão, podemos ter uma adesão dessa classe C ao projeto SUS ou não, isto é, ao desenvolvimento da alternativa do mercado de planos de saúde. A esse respeito, ver o interessante artigo de Salm e Bahia, 2013.

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Ainda segundo Esping-Andersen (1991), devido ao poder político desses grupos (classe média), o dualismo que surge não é apenas entre Estado e mercado, mas também entre as formas de transferências do welfare state:3

(...) nestes países, um dos componentes do gasto público com maior índice de crescimento é o subsídio para os chamados planos previdenciários “privados”. E o efeito político típico é a erosão do apoio da classe média para o que é cada vez menos um sistema de transferência universalista provido pelo setor público. (Ibid., p. 107).

E, no modelo dos países nórdicos, já houve uma síntese entre universalismo e adequação ao mercado. Lá, “por mandato ou legislação, o Estado incorporou as novas classes médias em um segundo e luxuoso esquema de previdência relacionada com os ganhos – que pode estender-se a todos – além da previdência mínima igualitária.” (Ibid., p. 107).

Os exemplos desse modelo são a Suécia e a Noruega.

Ao garantir benefícios correspondentes às expectativas, essa solução reintroduz desigualdades nos benefícios, mas bloqueia o mercado de modo efetivo. Consegue, assim, preservar o universalismo e, além disso, mantém o grau de consenso político necessário para conservar o apoio amplo e solidário dos impostos elevados que esse modelo de welfare state requer. (Ibid., p. 108).

Esping-Andersen (1991) examina as variações internacionais dos direitos sociais e de estratificação do welfare state e chega a combinações qualitativamente diferentes entre Estado, mercado e família. As variações foram agrupadas em três tipos de regimes. Vejamos quais são eles.

O primeiro é o regime liberal, que se caracteriza por um baixo grau de desmercantilização, pois o acesso ao bem-estar se dá fortemente pelo mercado. As aposentadorias e os planos de saúde são fornecidos por meio do emprego (welfare ocupacional) e há deduções tributárias apoiando planos privados de pensão e/ou saúde (welfare fiscal) que complementam a seguridade social mínima e provêm assistência social limitada e temporária aos comprovadamente necessitados (teste de meios).

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Esse regime gera uma estratificação dual no bem-estar público entre os incluídos e o restante da população que supre suas necessidades, principalmente no setor privado de provisão. Os “incluídos” têm um nível de bem-estar residual e, além disso, são estigmatizados. Segundo Esping-Andersen (1991), “o Estado, por sua vez, encoraja o mercado, tanto passiva – ao garantir apenas o mínimo – quanto ativamente – ao subsidiar esquemas privados de previdência.” (Ibid., p. 108). Como já dito, o Estado deve apoiar o mercado como pilar do bem-estar e ter um papel residual. Entretanto, mais do que isso, ele incentiva, ajuda o mercado por meio, por exemplo, da concessão de isenções tributárias a empregadores ou a consumidores de planos e serviços privados ou pelo apoio ao prover residualmente o bem-estar apenas àqueles que não se inserem nesse sistema, isto é, somente a grupos vulneráveis escolhidos como foco (políticas focalizadas)4.

O segundo é o regime conservador-corporativo, que se caracteriza por: a) um grau intermediário de desmercantilização; b) uma estratificação que segmenta ao longo dos estratos ocupacionais e do status no emprego (senioridade, emprego público x privado); c) pouca importância do segmento privado de provisão de bem-estar, da assistência social focalizada e dos serviços sociais públicos; e d) um baixo grau de desfamiliarização. Nesse regime, a seguridade social é o principal mecanismo de provisão de bem-estar. O acesso aos benefícios sociais é principalmente monetário e é baseado no trabalho e na duração da contribuição, e os benefícios são proporcionais aos ganhos passados (cada qual ao que contribui). A seguridade é financiada por contribuições sociais de trabalhadores e empregadores e é governada por fundos de seguridade social coletivos compulsórios e não pelo governo, nem pelo setor privado. Esse modelo de seguridade social – o sistema de transferências – é baseado em formas coletivas de solidariedade ocupacional para cobrir riscos sociais, como velhice, doença,

4 Os exemplos arquetípicos desse regime liberal são Estados Unidos, Canadá, Austrália, Reino Unido e Nova Zelândia. É a “família anglo-saxã”.

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acidente, incapacidade, desemprego temporário. O desemprego duradouro, no entanto, não está coberto. Esse modelo de seguridade social assenta-se no chefe de família masculino, e os benefícios se estendem à família e dependentes, desde que haja o contrato formal de trabalho. Foi essa a forma de universalização desse modelo. Segundo Kerstenestzky (2012 apud PALIER, 2010, p. 114), “o universalismo beveredgiano é alcançado por meios bismarckianos” (com pleno emprego). Apesar de universal, no entanto, a cobertura é fragmentada e heterogênea, pois reflete as segmentações na força de trabalho5.

O terceiro regime é o social-democrata. Nesse regime, há: a) um alto grau de desmercantilização com direitos sociais abrangentes e generosos que se estenderam às “novas classes médias” (ESPING-ANDERSEN, 1991, p. 109); b) provisão pública de serviços sociais; c) estratificação social com elevado grau de universalização, com serviços iguais para todos, transferências universais para família e aposentadorias e pensões básicas iguais, com diferenciação, dentro do sistema público, em função dos ganhos do mercado; d) elevado grau de desfamiliarização, com a presença maciça de domicílios com dois trabalhadores e elevado emprego feminino e de idosos.

Não há um dualismo entre classe trabalhadora e classe média, pois trabalhadores braçais desfrutam de direitos idênticos aos dos empregados white-collar assalariados ou dos funcionários públicos.

Esse modelo exclui o mercado e, por consequência, constrói uma solidariedade universal em favor do welfare state. Todos se beneficiam, todos pagam.

Além disso, esse modelo tende a capacitar a independência individual e não maximizar a dependência da família6.

Os regimes não são puros, uma vez que os países têm características mistas, isto é, mesclam as diferentes matrizes liberal, conservador-corporativistas e universal em seus modelos de seguridade social no tangente a assistência social, previdência e saúde.

5 Os países arquetípicos desse modelo são Alemanha, França, Áustria, Itália, Bélgica e Holanda. 6 Os países arquetípicos desse modelo são Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia.

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1.2 – Tendências recentes dos welfare states dos países desenvolvidos

Em condições políticas, econômicas e sociais peculiares, podemos afirmar que a consolidação do welfare state se iniciou, em grande medida, com o Relatório Beveridge, de 1942, a criação da seguridade social e, um pouco mais adiante, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948), marcando a fase de ouro do welfare state e sua expansão em ritmo e espectro, em um contexto de forte crescimento econômico, pleno emprego, solidariedade social, proteção social pública e democracia.

As referências econômicas desse período foram, sem dúvida, o keynesianismo e a ideia de tendência cíclica do capitalismo, que aliaram e conformaram um arranjo positivo entre a política social para sustentar e promover a demanda, garantindo a renda dos trabalhadores.

A literatura aponta, também, a fase universalista dos Estados de bem-estar social, nesse mesmo período, que vai de 1945 a 1970, aproximadamente, marcado por grande expansão, conhecido por ser não só período dos anos dourados do estado de bem-estar, mas, também, por ser um momento singular na história e de maior expansão do gasto social. O estado do bem-estar ajudou a reconstrução dos países no imediato pós-guerra e também se beneficiou dele. O período foi caracterizado por taxas de crescimento elevadas (entre 7 a 10% ao ano), quase pleno emprego e baixa inflação, frutos das políticas keynesianas que viabilizaram financeiramente forte expansão dos benefícios e serviços sociais públicos, especialmente educação, saúde e aposentadorias, que representaram cerca de 80% dos recursos sociais públicos dispendidos no período entre 1960-1975 (KERSTENETZKY, 2012, p. 18-19). A fase universalista caracterizou-se por um forte crescimento do orçamento social e generalizou, por meio do arranjo montado, o estado de bem-estar para além dos pobres e das clientelas do seguro social, que foram conseguidas no período anterior aos Anos Dourados. A classe média foi contemplada e tornou-se consumidora dos serviços universais e, ao mesmo tempo, também foi beneficiada pelas oportunidades de emprego profissional no setor público abertas por esse desenvolvimento. O estado de bem-estar tornou-se o maior empregador em

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vários países. O National Health System inglês, por exemplo, tornou-se o maior empregador da Europa ocidental. Em 2015, ocupava cerca de 1,7 milhão de funcionários, sendo o 5o maior do empregador do mundo, segundo ranking do Fórum Econômico Mundial7.

Os trinta anos gloriosos foram responsáveis por uma queda das desigualdades econômicas e sociais e das taxas de pobreza em todos os países centrais, segundo Kerstenetzky (2012 apud KUZNETS, 1955). O período que se inicia a partir de 1970 marca uma mudança profunda no arranjo dos estados de bem-estar social. Muitos autores afirmam que há uma crise do estado de bem-estar social, ao passo que outros apontam para mudanças profundas, mas não creem em crise, como é o caso de Kerstenetzky (2012). Segundo a autora, (...) se o fantasma da crise está de certo modo afastado – no sentido de terem as instituições do welfare state sido absorvidas como um aspecto permanente do ambiente socioeconômico das sociedades contemporâneas –, é ainda necessário conhecer o impacto das transformações sobre a capacidade de este seguir promovendo redistribuição, e suas instituições seguirem pertencendo ao “domínio público”. (Ibid., p. 62). As transformações advindas dos dois choques do petróleo da década de 1970, das mudanças nas relações de troca internacionais e do fim do sistema de Bretton Woods de taxas de câmbio fixas contribuíram para a redução da atividade econômica, a recessão, o aumento grande nos níveis de desemprego. Esse quadro gerou desequilíbrios nas finanças públicas e a proteção social teria ajudado a aumentar os déficits e dívidas públicas, causando uma crise de financiamento (KERSTENETZKY, 2012). Houve também a globalização e mudanças demográficas, e seus efeitos sobre o welfare state foram complexos.

O período que teve início com a década de 1970 marcou um momento de virada histórica e conformação, consolidação, de um novo arranjo de sociedade que rompeu a acomodação anterior da contradição entre capital e trabalho, entre capitalismo e welfare

7 Segundo o ranking apresentado no Word Economic Forum, em 2015, os dez maiores empregadores do mundo seriam: Departamento de Defesa dos EUA (3,2 milhões), Exército de Libertação Popular da China (2,3 milhões), Walmart (2,1 milhões), McDonald’s (1,9 milhão), NHS (1,7 milhão), China National Petroleum Corporation (1,6 milhão), State Grid Corporation of China (energia) (1,5 milhão), Indian Railways (1,4 milhão), Forças armadas indianas (1,3 milhão) e a Hon Hai Precision Factory (Foxconn) (1,2 milhão). Disponível em: <https://www.forbes.com/sites/niallmccarthy/2015/06/23/the-worlds-biggest-employers-infographic/#abd546e686b5>. Acesso em: 19 jun. 2017.

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state, entre individualismo e solidariedade social. A partir de então, vemos a emergência da

predominância do capital financeiro buscando espaço para sua valorização e, nessa busca, violenta, destruindo o que for possível para sua expansão, até agora sem limites visíveis, embora com pequenas resistências. Nessa nova etapa do capitalismo, da financeirização, houve uma dissociação entre o desenvolvimento econômico e social (VIANA; SILVA; ELIAS, 2007).

Esse fator teve muitos desdobramentos e consequências, pois, aos poucos, dissolveu o elo que ligava, que soldava o arranjo social construído na Era de Ouro do capitalismo, que era a solidariedade social, a preocupação com o bem comum, com a coletividade. Essa dissolução fez emergir, cada vez com mais força, a priorização do interesse individual, da busca pelo dinheiro e da valorização do capital. A partir dessas características e interesses, um novo arranjo de sociedade se configurou e deixou pouco espaço para a lógica da solidariedade.

A literatura sobre o welfare state, contudo, afirma que essa nova configuração não significou o fim do welfare state. Kerstenetzky (2012) mostra, por exemplo, que o gasto social seguiu uma trajetória ascendente, a despeito da crise econômica. O gasto social foi sustentado, em parte, à custa de uma redução em outras áreas do gasto público, que se retraíram nos anos 1980 e 1990.

A autora argumenta que não se pode falar em crise do estado do bem-estar, pois há expansão em toda parte. O que houve foi mudança em decorrência das várias reformas dos anos 1980 e 1990. Segundo ela, houve mudança qualitativa, percebida pela diminuição relativa da função de seguridade social e do aumento relativo dos serviços sociais, especialmente os relacionados à conciliação da vida familiar com o trabalho, por um lado, e, por outro, pelo avanço de políticas sociais privadas, que tensionou a demarcação inicial do que seria um “estado de bem-estar”. Kerstenetzky (2012) mostra que o gasto social dos países da OCDE cresceu ao longo do período entre 1980 e 2007 e a um ritmo maior do que o do crescimento médio do produto. Ela também mostra que Castles (2004), em um estudo com 22 países, conseguiu realizar uma decomposição do gasto social e constatou uma expansão contínua do gasto social e a redução

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na dispersão entre os países em todos os indicadores quantitativos considerados, o que revela uma “convergência para cima”.

Há, dessa maneira, uma nota “otimista” em relação ao fim do estado de bem-estar social. Segundo Castles (2004, p. 21, apud KERSTENETZKY, 2012, p. 72), entre 1980 a 1998, “a feição geral dos estados do bem-estar ocidentais mudou pouco, com a redução em algumas áreas sendo compensada pela expansão em outras”. O autor ainda aponta que “a única alteração notável foi (...) um ligeiro deslocamento geral em direção à provisão pública de serviços.” De acordo com Kerstenetzky (2012, p. 72),

A análise capta ainda uma inflexão no ritmo de crescimento no período 1980-1998, aspecto observado também por outros autores (PIERSON, 1998), que corresponderia ao alcance de certa maturidade e estabilidade. As taxas médias escondem, porém, o catching up e, finalmente, liderança dos países escandinavos, que se estabelece justamente a partir dos anos 1980 e se encontra consolidada ao final dos anos 1990 (CASTLES, 2004). A análise mostra também uma estagnação do gasto público na OCDE (crescimento médio positivo de 0,7%) entre 1980 e 1998 – na verdade, uma redução de sua participação em um produto que em alguns anos decresceu, revelando a crescente prioridade concedida ao bem-estar. Diante da evidência, portanto, de que não houve crise no estado de bem-estar social, há, entretanto, que se considerar importantes mudanças decorridas do processo explicado anteriormente. Essas mudanças indicam que o welfare state tradicional, centrado na seguridade, estaria se adaptando para responder aos novos riscos sociais.

Kerstenetzky (2012, p. 79) afirma que, nesse processo, ocorreu um trade off entre “aprofundamento vertical e expansão horizontal das titularidades para atender a uma clientela crescente e individualizada (uma ‘remercantilização’ relativa), e um aumento na penetração do setor privado publicamente incentivado (privatização) (...)”.

Algumas das análises mostram que os welfare states fizeram uma adaptação funcional a mudanças no ambiente econômico, social e político (desindustrialização, globalização, novas estruturas de classe e composição das famílias, mudanças demográficas e novas relações de gênero, além de mudanças de regime político, democratização, reformas constitucionais e novos níveis de mobilização política), trazendo consigo novos riscos sociais e, consequentemente, novas oportunidades de desenvolvimento do welfare state. Os welfare

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