DEPARTAMENTO DE DESENVOLVIMENTO DE PROCESSOS E PRODUTOS
Pedro Yoritomo Souza Nakasu
CIN´
ETICA DA HIDR ´
OLISE ´
ACIDA DO LICOR OBTIDO AP ´
OS
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E-TRATAMENTO HIDROT´
ERMICO
1KINETICS OF ACID HYDROLYSIS OF THE PRETREATMENT
LIQUOR OBTAIND BY HYDROTHERMAL PRETREATMENT
1Campinas
2015
CIN ´ETICA DA HIDR ´OLISE ´ACIDA DO LICOR OBTIDO AP ´OS PR ´E-TRATAMENTO HIDROT ´ERMICO
KINETICS OF ACID HYDROLYSIS OF THE PRETREATMENT LIQUOR OBTAIND BY HYDROTHERMAL PRETREATMENT
Disserta¸c˜ao apresentada `a banca examinadora como requisito parcial para obten¸c˜ao do t´ıtulo de Mestre em Engenharia Qu´ımica pela Uni-versidade Estadual de Campinas.
Dissertation presented to the examination board in partial fulfillment of the requirements for the degree of Master in Chemical Engineering by State University of Campinas.
Orientadora/Supervisor: Aline Carvalho da Costa Coorientadora/co-supervisor: Sarita Cˆandida Rabelo
Este exemplar corresponde `a vers˜ao final da disserta¸c˜ao defendida pelo aluno Pedro Yoritomo Souza Nakasu, e orientada pela Prof.a Dr.a Aline Carvalho da Costa
Campinas Julho de 2015
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas Biblioteca da Área de Engenharia e Arquitetura Elizangela Aparecida dos Santos Souza - CRB 8/8098
Nakasu, Pedro Yoritomo Souza,
N145c NakCinética da hidrólise ácida do licor obtido após pré-tratamento hidrotérmico / Pedro Yoritomo Souza Nakasu. – Campinas, SP : [s.n.], 2015.
NakOrientador: Aline Carvalho da Costa. NakCoorientador: Sarita Cândida Rabelo.
NakDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Engenharia Química.
Nak1. Bagaço da cana. 2. Pré-tratamento. 3. Hidrólise ácida. 4. Etanol 2G. 5. Fermentação alcoólica. I. Costa, Aline Carvalho da,1970-. II. Rabelo, Sarita Cândida. III. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Engenharia Química. IV. Título.
Informações para Biblioteca Digital
Título em outro idioma: Kinetics of acid hydrolysis of the pretreatment liquor obtained by
hydrothermal pretreatment Palavras-chave em inglês: Sugarcane bagasse Pretreatment Acid hydrolysis 2G ethanol Alcoholic fermentation
Área de concentração: Desenvolvimento de Processos Químicos Titulação: Mestre em Engenharia Química
Banca examinadora:
Aline Carvalho da Costa [Orientador] Sarita Cândida Rabelo
José Geraldo da Cruz Pradella Vera Lucia Reis de Gouveia
Data de defesa: 30-07-2015
pai, Licurgo Nakasu
`
A minha Lua que ainda me mostra os caminhos me livrando das noites mais escuras, minha m˜ae, Julita Nakasu
`
As minhas trˆes j´oias que carrego no peito aonde for, minhas irm˜as, Sarah e Airana e minha sobrinha Sayumi
E `a for¸ca c´osmica que une a tudo e a to-dos — pela for¸ca do amor — nessa coisa complexa chamada universo, Deus.
Agrade¸co,
a Dr.a Sarita Rabelo pela paciˆencia que teve comigo desde meu per´ıodo como estagi´ario, pelos conselhos
valorosos e inspira¸c˜ao que sempre me trouxe;
a Profaa Dr.a Aline de Carvalho pela orienta¸c˜ao e oportunidade a mim concedida de entrar no “mundo” da p´os-gradua¸c˜ao;
a Dr.a Jaciane Ienczak pelos conhecimentos valiosos compartilhados sobre fermenta¸c˜ao;
ao Mateus Chagas, pela ajuda aos “45 do segundo tempo” com as modelagens;
a Samantha Santos pelas ajudas nas propaga¸c˜oes das leveduras e conselhos de fermenta¸c˜ao;
a Suzane Rodrigues e Carol Bonan pela paciˆencia ao me ajudarem no lado A com as fermenta¸c˜oes;
a Daniele Santoro e Laerti Roque, meus “irm˜aos”, por me ajudarem em diversas etapas do meu trabalho;
aos colegas de trabalho do CTBE lado B, especialmente a Erica, Simone, Renan e Ang´elica
ao engenheiro Tiago de Assis e os funcion´arios da PPDP do CTBE;
a Rubia Gaissler, amiga de longas conversas e hist´orias;
aos demais colegas do Departamento de Processos e Produtos (principalmente Luiza e Dani);
aos professores da FEQ: Mart´ın Aznar, S´ergio Ravani, ˆAngela Moraes, Rubens Maciel pelos ´otimos cursos oferecidos;
aos membros da minha banca de qualifica¸c˜ao, Elenise Torres e Reginaldo Guirardello, pelos conselhos;
aos membros da banca examinadora pelos coment´arios, sugest˜oes e contribui¸c˜oes, que ajudar˜ao a melhorar a
qualidade e a reda¸c˜ao final do manuscrito;
`
a agˆencia FAPESP o apoio financeiro concedido durante todo o per´ıodo de mestrado;
`
a FEQ/UNICAMP a ´otima estrutura que oferece aos estudantes e pesquisadores;
`
a CAPES, o portal de peri´odicos eletrˆonicos, que permite o acesso r´apido e eficiente ao conhecimento cient´ıfico;
ao Google e Wikipedia como complementos do item anterior;
playing a game. If I show them I see they are. I shall break the rules and they will punish me. I must play their game, of not seing I see the game.
No contexto da produ¸c˜ao de etanol 2G a partir do baga¸co da cana-de-a¸c´ucar, o pr´ e-tratamento ´e uma etapa praticamente compuls´oria. O pr´e-tratamento hidrot´ermico — considerado promissor por usar um solvente “verde” (´agua) — solubiliza cerca de 65% das hemiceluloses presentes no baga¸co da cana-de-a¸c´ucar. A hidr´olise das hemiceluloses durante o pr´e-tratamento hidrot´ermico n˜ao ´e completo; aproximadamente 70% da xilose recuperada do licor de pr´e-tratamento est´a presente na forma oligom´erica, a qual n˜ao pode ser diretamente metabolizada a etanol por microrganismos. Assim, uma etapa de hidr´olise posterior do licor ´e imprescind´ıvel para o total aproveitamento das pentoses via fermenta¸c˜ao. Um planejamento fatorial 23 com triplicata no ponto central possibilitou um estudo cin´etico da p´os-hidr´olise com os ´acidos sulf´urico, maleico e ox´alico. A utiliza-¸
c˜ao de reator de 2,0 L, escala nunca antes utilizada para estudos semelhantes, permitiu a verifica¸c˜ao de problemas relacionados `a transferˆencia de massa e energia no sistema, como a precipita¸c˜ao de lignina durante a p´os-hidr´olise. Os perfis de p´os-hidr´olise de xilose e furfural mostraram os tempos reacionais nos quais houve a m´axima produ¸c˜ao de xilose com o m´ınimo de gera¸c˜ao de furfural. Entre os ´acidos estudados, o ´acido sulf´urico apresentou a cin´etica mais r´apida de p´os-hidr´olise, com hidr´olise completa dos oligˆ ome-ros em menos de uma hora. A fermenta¸c˜ao das pentoses, realizada em erlenmeyers de 250 mL pela levedura selvagem Scheffersomyces stipitis NRRL Y7124 (anteriormente denominada Picha stipitis), mostrou que os p´os-hidrolisados detoxificados fermentaram com fatores de convers˜ao de etanol que variaram entre 0,1 a 0,34 getanol· g−1AR. A maior parte das amostras fermentou entre 48 e 72 horas de experimento com produtividades que variaram entre 0,02 to 0,22 getanol· L−1· h−1. A concentra¸c˜ao de biomassa seca de c´elulas aumentou de 3,5 getanol· L−1 para at´e cerca de 14,0 getanol· L−1. A fermenta¸c˜ao do controle (meio sint´etico de xilose) ocorreu em 24 h com fator de convers˜ao de 0,32 getanol· g−1AR, produtividade volum´etrica de etanol de 0,37 getanol· L−1· h−1 e a biomassa celular seca aumentou de 3,5 getanol· L−1 para 11,0 getanol· L−1.
Palavras-chave: baga¸co da cana de a¸c´ucar, pr´e-tratamento, hidr´olise ´acida, etanol 2G, fermenta¸c˜ao alco´olica.
In the context of second generation ethanol production from sugarcane bagasse, pretreatment is practically compulsory. Hydrothermal pretreatment — considered pro-mising for using a “green” — solubilizes about 65% of the hemicelluloses in sugarcane bagasse. Hemicelluloses hydrolysis during pretreatment is not complete; nearly 70% of the xylose recovery from the pretreatment liquor is present in the oligomeric form which cannot be directly metabolized to ethanol by microorganisms. Therefore, it is necessary to perform a post-hydrolysis step of the hemicellulosic hydrolysate for total pentose use via fermentation. A 23 full factorial design with temperature and acid loading as factors set up a kinetic study of the post-hydrolysis process with sulfuric, oxalic and maleic acids. Using a 2,0 L Parr reactor, a scale never employed before for similar studies, allowed one to verify problems related to mass and energy transfer in the system, like the precipitation of lignin during the post-hydrolysis. Xylose and furfural post-hydrolysis profiles showed the reaction time in which xylose peaked with minimum furfural production. Among the three studied acids, sulfuric acid showed the fastest kinetics of post-hydrolysis with full hydrolysis of xylo-oligomers in less than an hour of reaction time. Fermentation of the pentose (C5) carried out in 250 mL Erlen-meyer flasks by the wild-type yeast Scheffersomyces stipitis NRRL Y-7124 (formerly known as Pichia stipitis) showed that the detoxified post-hydrolysates fermented with ethanol conversion factors ranging from 0.10 to 0.34 gethanol· g−1RS. Most samples fer-mented between 48 and 72 hours experiment with productivities ranging from 0.02 to 0.22 gethanol· L−1· h−1. Dry cell biomass concentration increased from 3.5 getanol· L−1 up to 14,0 getanol· L−1. The fermentation of the control (xylose synthetic medium) occurred within 24 h with a conversion factor of 0.32 gethanol· g−1RS, volumetric ethanol productivity of 0.37 gethanol· L−1 · h−1 and the dry cell biomass increased from 3.5 getanol· L−1 to 11.0 getanol· L−1.
Key-words: sugarcane bagasse, pretreatment, acid hydrolysis, 2G ethanol, alcoho-lic fermentation.
3.1 Partes da cana-de-a¸c´ucar: a parte a´erea ´e composta por folhas, pontas e col-mos, enquanto que a parte subterrˆanea ´e composta de rizomas e ra´ızes (Adap-tado de STUBBS, 1900) . . . 6 3.2 Cadeia de celulose (proje¸c˜ao de Haworth) que consiste de unidades de
anidro-glicopiranose (β-D-anidro-glicopiranose) unidas por liga¸c˜oes β(1 → 4). . . 8 3.3 Perspectiva macro a microsc´opica da estrutura da celulose em uma planta.
Microfibrilas de celulose s˜ao importantes componentes estruturais fortemente coesos por liga¸c˜oes de hidrogˆenio inter e intramoleculares (adaptado de WI-KISPACES, 2014). . . 9 3.4 Mol´eculas componentes das hemiceluloses compostas de pentoses, ´acidos
he-xurˆonicos e desoxiexoses; a variedade na composi¸c˜ao e estrutura das hemicelu-loses ´e respons´avel pela grande diferen¸ca de reatividade em rela¸c˜ao `a celulose (retirado de MARABEZI, 2009). . . 10 3.5 Precursores prim´arios das ligninas: ´alcool p-cumar´ılico, H (I), ´alcool
guaiac´ı-lico, G (II) e ´alcool siring´ılico, S (III). . . 14 3.6 Um modelo estrutural da lignina de madeira mole (ALDER, 1977). . . 15 3.7 A recalcitrˆancia da biomassa ´e uma consequˆencia da adapta¸c˜ao evolutiva das
plantas como uma forma de prote¸c˜ao ao ataque de seres ex´ogenos. A inte-ra¸c˜ao complexa entre as hemiceluloses, celulose e lignina permite ao mesmo tempo uma estrutura est´avel, segura e funcional para o vegetal (adaptado de POTTERS et al., 2010). . . 17 3.8 Esquema de funcionamento de uma biorrefinaria (Retirado e adaptado de
CARVALHEIRO et al., 2008). . . 18 3.9 Esquema simplificado do efeito do pr´e-tratamento na estrutura da biomassa.
A matriz biom´assica ´e an´aloga a uma constru¸c˜ao cujas vigas de a¸co seriam as microfibrilas de celulose ligadas ´as hemiceluloses e fixadas pela lignina, o concreto (retirado e adaptado de RAIB, 2014). . . 21
por processamento subsequente tamb´em pode gerar ´acido levul´ınico (retirado e adaptado de CLIMENT et al., 2014). . . 26 3.11 Principais componentes hidrol´ıticos das biomassas lignocelul´osicas e compostos
inibidores gerados (Retirado e adaptado de IBRAHEEM e NDIMBA, 2013). . 27 3.12 Compostos fen´olicos derivados da degrada¸c˜ao da lignina durante o pr´e-tratamento
hidrot´ermico que atuam como inibidores das enzimas durante a etapa de sa-carifica¸c˜ao enzim´atica na produ¸c˜ao de etanol celul´osico. A vanilina, dentre os quatro compostos, apresentou maior grau de inibi¸c˜ao de celulases (Retirado e adaptado de XIMENES et al., 2010) . . . 30 3.13 ´Acidos maleico e ox´alico, exemplos de ´acidos orgˆanicos dicarbox´ılicos. . . 34 3.14 Mecanismo de quebra da liga¸c˜ao glicos´ıdica por enzimas. Dois res´ıduos de
´
acidos de amino´acidos est˜ao envolvidos nessa clivagem (adaptado de BECKER et al., 2001) . . . 35 3.15 S´ıtio ativo de uma enzima do tipo CHB-I (celobioidrolase I) com grupos
car-box´ılicos provenientes de res´ıduos de amino´acidos ´acido glutˆamico (Glu) e asp´artico (Asp) (FAGERSTR ¨OM et al., 2007. . . 36 3.16 Algoritmo de busca local (REN ´O, 2007). . . 38 3.17 Algoritmo de busca global (REN ´O, 2007). . . 39 3.18 Esquema de funcionamento de um algoritmo gen´etico (KODAGESKI, 2008). . 41 3.19 Rotas de hidr´olise e fermenta¸c˜ao (OGIER, 1999; DOM´INGUEZ, 2003) . . . . 41 3.20 Configura¸c˜oes de reatores de bioconvers˜ao para a produ¸c˜ao de etanol celul´osico.
(A) HSF- Sacarifica¸c˜ao e Fermenta¸c˜ao separadas (B) SSF - Sacarifica¸c˜ao e Fermenta¸c˜ao simultˆanea de C6 com fermenta¸c˜ao separada de C5 (C) SSF -Sacarifica¸c˜ao e Fermenta¸c˜ao de C6 e co-fermenta¸c˜ao de C5 (D) Sacarifica¸c˜ao e Convers˜ao Direta por Microrganismos de C5 e C6 (Retirado e adaptado de SCOTT et al., 2013) . . . 42 3.21 Metabolismo da xilose em bact´erias e fungos (adaptado de CHANDEL et al.,
4.1 Fluxograma ilustrando o processamento do baga¸co da cana-de-a¸c´ucar para a produ¸c˜ao de etanol 2G. Em vermelho o escopo do projeto. . . 51 4.2 (a) Bomba de CLAE de inje¸c˜ao hidr´aulica utilizada para a adi¸c˜ao dos ´acidos
durante a p´os-hidr´olise ´acida; (b) Conex˜ao da bomba de CLAE acoplada ao retor Parr de 2,0 L. . . 56 4.3 Licores produzidos durante este projeto. As caixas em linhas s´olidas
represen-tam as fra¸c˜oes s´olidas, em linhas pontilhadas representam as fra¸c˜oes l´ıquidas resultantes de processos (pr´e-tratamento, hidr´olise com ´acidos e enzimas e fer-menta¸c˜ao), em linhas tracejadas as fra¸c˜oes l´ıquidas geradas para an´alise dos a¸c´ucares totais dos seus licores originais. . . 60 5.1 Perfis de (a) xilose, (b) furfural, (c) arabinose e (d) ´acido ac´etico em fun¸c˜ao do
tempo de p´os-hidr´olise para as seguintes condi¸c˜oes do planejamento fatorial 22 com ´acido sulf´urico: () 120°C e 0,5%; () 120 °C e 2,0%; (N) 150 °C e 0,5%; (N) 150 °C e 2,0% e () 135 °C e 1,25%. O desvio padr˜ao dos experimentos foi calculado em fun¸c˜ao da triplicata no ponto central do planejamento (135◦C e 1,25% m/m). . . 66 5.2 Perfis de (a) xilose, (b) furfural, (c) arabinose e (d) ´acido ac´etico em fun¸c˜ao
do tempo de hidr´olise para as seguintes condi¸c˜oes do planejamento fatorial 22 com ´acido maleico: () 120°C e 0,5%; () 120 °C e 2,0%; (N) 150 °C e 0,5%; (N) 150 °C e 2,0% e () 135 °C e 1,25%. O desvio padr˜ao dos experimentos foi calculado em fun¸c˜ao da triplicata no ponto central do planejamento (135◦C e 1,25% m/m). . . 68 5.3 Perfis de (a) xilose e (b) furfural em fun¸c˜ao do tempo de hidr´olise para as
seguintes condi¸c˜oes do planejamento fatorial 22 com ´acido ox´alico: () 120°C e 0,5%; () 120 °C e 2,0%; (N) 150 °C e 0,5%; (N) 150 °C e 2,0% e () 135 °C e 1,25%. O desvio padr˜ao dos experimentos foi calculado em fun¸c˜ao da triplicata no ponto central do planejamento (135◦C e 1,25% m/m). . . 70 5.4 Lignina precipitada durante os ensaios de p´os-hidr´olise com ´acido sulf´urico em
5.7 Esquema de degrada¸c˜ao da xilana em meio ´acido. H´a uma fra¸c˜ao de xilana, Xr´ap, que hidrolisa mais rapidamente que outra, Xlent, gerando xilose mono-m´erica, X, que degrada para furfural, F. . . 79 5.8 Esquema de hidr´olise de xilo-oligossacar´ıdeos em meio l´ıquido ´acido. . . 80 5.9 Pontos experimentais de XOS (), pentoses (C5,N ) e furfural () e calculados
(linha cheia) ao longo da p´os-hidr´olise com ´acido sulf´urico para as seguintes condi¸c˜oes: (a) 120°C e 0,5%; (b) 120°C e 2,0%; (c) 135°C e 1,25%; (d)150°C e 0,5% e (e) 150°C e 2,0%. . . 86 5.10 Pontos experimentais de XOS (), pentoses (C5,N ) e furfural () e calculados
(linha cheia) ao longo da p´os-hidr´olise com ´acido maleico para as seguintes condi¸c˜oes: (a) 120°C e 0,5%; (b) 120°C e 2,0%; (c) 135°C e 1,25%; (d)150°C e 0,5% e (e) 150°C e 2,0%. . . 87 5.11 Pontos experimentais de XOS (), pentoses (C5,N ) e furfural () e calculados
(linha cheia) ao longo da p´os-hidr´olise com ´acido ox´alico para as seguintes condi¸c˜oes: (a) 120°C e 0,5%; (b) 120°C e 2,0%; (c) 135°C e 1,25%; (d)150°C e 0,5% e (e) 150°C e 2,0%. . . 88 5.12 Perfis de (N) xilose, () glicose, (MSC, ) massa seca de c´elulas, () etanol
e () xilitol para as fermenta¸c˜oes de p´os-hidrolisados hemicelul´osicos obtidos com ´acido sulf´urico nas seguintes condi¸c˜oes: (a) 120 °C e 0,5%; (b) 120 °C e 2,0%; (c) 150 °C e 0,5%; (d) 150 °C e 2,0%; (e) 135 °C e 1,25% e (f) controle em xilose.Os desvios foram calculados com base na duplicata das amostras. . 93 5.12 Perfis de (N) xilose, () glicose, (MSC, ) massa seca de c´elulas, () etanol
e () xilitol para as fermenta¸c˜oes de p´os-hidrolisados hemicelul´osicos obtidos com ´acido sulf´urico nas seguintes condi¸c˜oes: (a) 120 °C e 0,5%; (b) 120 °C e 2,0%; (c) 150 °C e 0,5%; (d) 150 °C e 2,0%; (e) 135 °C e 1,25% e (f) controle em xilose.Os desvios foram calculados com base na duplicata das amostras. . 94
com ´acido maleico nas seguintes condi¸c˜oes: (a) 120 °C e 0,5%; (b) 120 °C e 2,0%; (c) 150 °C e 0,5%; (d) 150 °C e 2,0%; (e) 135 °C e 1,25% e (f) controle em xilose.Os desvios foram calculados com base na duplicata das amostras. . 98 5.13 Perfis de (N) xilose, () glicose, (MSC, ) massa seca de c´elulas, () etanol
e () xilitol para as fermenta¸c˜oes de p´os-hidrolisados hemicelul´osicos obtidos com ´acido maleico nas seguintes condi¸c˜oes: (a) 120 °C e 0,5%; (b) 120 °C e 2,0%; (c) 150 °C e 0,5%; (d) 150 °C e 2,0%; (e) 135 °C e 1,25% e (f) controle em xilose.Os desvios foram calculados com base na duplicata das amostras. . 99 5.14 Rendimentos de fermenta¸c˜ao alco´olica dos p´os-hidrolisados fermentados de:
() ´acido sulf´urico e () ´acido maleico. Produtividades volum´etricas dos p´ os-hidrolisados fermentados de: () ´acido sulf´urico e () ´acido maleico. Os desvios foram calculados com base na duplicata das amostras. . . 102 5.15 Cin´etica de consumo de xilose de S. Stipitis na fermenta¸c˜ao de p´os-hidrolisados
de ´acidos (a) sulf´urico e (b) maleico. . . 105 5.16 Cin´etica de consumo espec´ıfico de xilose de S. Stipitis na fermenta¸c˜ao de p´
os-hidrolisados de ´acidos (a) sulf´urico e (b) maleico. . . 106 7.1 Primeira Etapa da Extra¸c˜ao. . . 134
3.1 Principais tipos de polissacar´ıdeos presentes em hemiceluloses (adaptado de G´IRIO et al., 2010) . . . 11 3.2 Composi¸c˜ao percentual em base seca das hemiceluloses de v´arios materiais
lignocelul´osicos expressa em unidades n˜ao-glicos´ıdicas (adaptado de G´IRIO et al., 2010) . . . 12 3.3 Plataformas mais comuns de biorrefinarias e suas principais caracter´ısticas
(CARVALHEIRO et al., 2008) . . . 19 3.4 Efeito de alguns compostos sobre o crescimento ou fermenta¸c˜ao de alguns
microrganismos (adaptado de OLSSON e HAHN-H ¨AGERDAL, 1996a) . . . . 28 3.5 Compara¸c˜ao entre os m´etodos de hidr´olise com ´acido dilu´ıdo e concentrado
(adaptado de TAHERZADEH e KARIMI et al., 2007) . . . 37 3.6 Compara¸c˜ao das condi¸c˜oes e desempenho dos trˆes processos de hidr´olise
(HA-MELINCK et al., 2005) . . . 38 3.7 Diferentes estrat´egias n˜ao biol´ogicas de detoxifica¸c˜ao aplicadas a hidrolisados
lignocelul´osicos para remo¸c˜ao de inibidores da fermenta¸c˜ao (ABBI, 1996) . . . 50 4.1 Matriz para um planejamento fatorial com 22+3 repeti¸c˜oes no ponto central. 53 4.2 Composi¸c˜ao do in´oculo utilizado S. stipitis (SILVA et al., 2012). . . 58 5.1 Composi¸c˜ao Qu´ımica do Baga¸co em base seca. . . 63 5.2 Composi¸c˜ao qu´ımica das celuligninas (base seca). . . 63 5.3 Composi¸c˜ao do licor de pr´e-tratamento hidrot´ermico concentrado (valores
to-tais de monˆomeros e oligˆomeros para os a¸c´ucares). . . 64 5.4 Medida de pH final das amostras ap´os os ensaios de estudos cin´eticos com
´
acidos sulf´urico, ox´alico e maleico dilu´ıdos. O valor dos desvios foi calculado com base na triplicata do ponto central do planejamento fatorial 22. O valor do pH inicial do licor ´e de 3,60 ± 0,05. . . 65 5.5 M´aximos de convers˜ao de xilose e gera¸c˜ao de furfural obtidos do planejamento
fatorial com ´acido sulf´urico. FSC corresponde ao fator de severidade combi-nado. O desvio padr˜ao foi calculado com base na triplicata do ponto central (135◦C e 1,25% m/m). . . 67
O desvio padr˜ao foi calculado com base na triplicata do ponto central (135◦C e 1,25% m/m). . . 69 5.7 M´aximos de convers˜ao de xilose e gera¸c˜ao de furfural obtidos do planejamento
fatorial com ´acido ox´alico. FSC corresponde ao fator de severidade combinado. O desvio padr˜ao foi calculado com base na triplicata do ponto central (135◦C e 1,25% m/m). . . 70 5.8 Matriz de planejamento para o planejamento fatorial completo 23 com
tri-plicata no ponto central para o estudo da p´os-hidr´olise com ´acido sulf´urico. . . . 71 5.9 Efeitos calculados para o planejamento fatorial com seus respectivos erros
pa-dr˜ao, “t” de Student, “p” valores e coeficientes do modelo. Em vermelho os valores significativos (p < 0,05). A m´edia quadr´atica dos res´ıduos foi utilizada para o c´alculo dos erros padr˜oes de cada efeito. O valor de R2 para o modelo ´
e 0,89. . . 72 5.10 Valores reportados dos coeficientes de regress˜ao para o modelo de aumento de
concentra¸c˜ao total de a¸c´ucares na p´os-hidr´olise de licores de pr´e-tratamento hidrot´ermico de trˆes biomassas — madeira de eucalipto, palha de trigo e res´ı-duos de oliveira. Em vermelho os valores significativos (p < 0,05). Condi¸c˜oes 121°C, 1-4% (m/m) de ´acido sulf´urico, 1-60 min (SILVA-FERNANDES et al., 2015). . . 72 5.11 Resumo dos trabalhos sobre p´os-hidr´olise ´acida de licores de pr´e-tratamento
hidrot´ermico de diversas biomassas e compara¸c˜ao com o atual trabalho (em negrito). . . 74 5.12 Valores para o parˆametro α em diferentes tipos de mat´erias-primas
lignocelu-l´osicas (ESTEGHLALIAN e HASHIMOTO, 1997) . . . 79 5.13 Valores dos parˆametros emp´ıricos ajustados para os ´acidos sulf´urico, maleico e
ox´alico. O parˆametro an (com n= 1, 2, e 3) foi transformado em k0n pela mul-tiplica¸c˜ao de an pela Equa¸c˜ao 5.12 para melhor compara¸c˜ao com os resultados da literatura. . . 84
com triplicata no ponto central para os ´acidos sulf´urico, maleico e ox´alico. . . 90 5.15 Dados e parˆametros das fermenta¸c˜oes de p´os-hidrolisados de ´acido sulf´urico
detoxificados. Os desvios dos dados de fermenta¸c˜ao foram calculados com base na duplicata das amostras. . . 95 5.16 Componentes inibit´orios presentes no come¸co e no final da fermenta¸c˜ao das
amostras obtidas pela p´os-hidr´olise com ´acido sulf´urico. Fen.inicial e Fen.final correspondem aos fen´olicos iniciais e finais.Os desvios foram calculados com base nas duplicatas das amostras. . . 96 5.17 Dados e parˆametros das fermenta¸c˜oes de p´os-hidrolisados de ´acido maleico
detoxificados. Os desvios dos dados de fermenta¸c˜ao foram calculados com base na duplicata das amostras. . . 100 5.18 Componentes inibit´orios presentes no come¸co e no final da fermenta¸c˜ao das
amostras obtidas pela p´os-hidr´olise com ´acido maleico. Fen.inicial e Fen.final correspondem aos fen´olicos iniciais e finais. Os desvios foram calculados com base nas duplicatas das amostras. . . 101 5.19 An´alise do conte´udo de monˆomeros fen´olicos presentes em alguns dos p´
os-hidrolisados hemicelul´osicos detoxificados e submetidos `a fermenta¸c˜ao alco´ o-lica. . . 103 5.20 Resumo dos principais estudos envolvendo a fermenta¸c˜ao de hidrolisados
he-micelul´osicos com S. Stipitis NRRL Y-7124 (com exce¸c˜ao dos estudo 5 e 7, com S. stipitis NRRL Y-11545 e D. Hanseeni ) em escala de erlenmeyer (125 a 250 mL). . . 108
2G Segunda Gera¸c˜ao C5 Pentoses
C6 Hexoses
C9 Unidades Fenil-propˆanicas AG Algoritmos Gen´eticos CG Cromatografia Gasosa
CLAE Cromatografia L´ıquida de Alta Eficiˆencia CDM Convers˜ao Direta pelo Microrganismo
CTBE Laborat´orio Nacional de Ciˆencia e Tecnologia do Bioetanol EDO Equa¸c˜oes Diferenciais Ordin´arias
FSC Fator de Severidade Combinado HH Hidrolisado hemicelul´osico HMF 5-hidroximetilfurfural
HSF Hidr´olise e Fermenta¸c˜ao Separadas
IEA Agˆencia Internacional de Energia, do inglˆes, International Energy Agency OS Oligo-sacar´ıdeos
pH Potencial Hidrogeniˆonico
pKa Constante de Dissocia¸c˜ao de ´Acido PHS P´os-hidrolisado hemicelul´osico PTH Pr´e-tratamento Hidrot´ermico RSL Raz˜ao S´olido-L´ıquido
SFS Sacarifica¸c˜ao e Fermenta¸c˜ao Simultˆaneas XR Xilose Redutase
XDH Xilitol Desidrogenase
CONAB Companhia Nacional de Abastecimento
FAPESP Funda¸c˜ao de Amparo `a Pesquisa do Estado de S˜ao Paulo FEQ Faculdade de Engenharia Qu´ımica
1 Introdu¸c˜ao 1 1.1 A demanda energ´etica no setor de transportes e os biocombust´ıveis . . . 1 1.2 Contexto do projeto . . . 3
2 Objetivos 4
3 Revis˜ao Bibliogr´afica 5
3.1 Morfologia da cana-de-a¸c´ucar . . . 5 3.2 A biomassa lignocelul´osica . . . 7 3.2.1 Celulose . . . 7 3.2.2 Hemiceluloses . . . 8 3.2.3 Hemiceluloses no baga¸co da cana-de-a¸c´ucar . . . 10 3.2.3.1 Xiloglicanas (XG) . . . 13 3.2.3.2 Arabinoxilanas (AX) . . . 13 3.2.4 Lignina . . . 14 3.2.5 Materiais n˜ao-estruturais: cinzas e extrativos . . . 16 3.3 A recalcitrˆancia da biomassa . . . 16 3.4 Biorrefinarias . . . 17 3.5 Tecnologias de convers˜ao da biomassa lignocelul´osica em etanol . . . 20 3.5.1 Pr´e-tratamento . . . 20 3.5.1.1 Pr´e-tratamento hidrot´ermico . . . 22 3.5.1.2 Condi¸c˜oes Operacionais . . . 23 3.5.1.3 Mecanismo de a¸c˜ao . . . 24 3.5.1.4 Produtos de degrada¸c˜ao do pr´e-tratamento hidrot´ermico . . . 26 3.5.1.5 Inibidores de hidr´olise enzim´atica e fermenta¸c˜ao alco´olica . . . 26 3.6 P´os-hidr´olise do licor de pr´e-tratamento hidrot´ermico . . . 31 3.6.1 P´os-hidr´olise do licor de PTH com ´acidos dicarbox´ılicos . . . 33 3.6.2 A origem da seletividade dos ´acidos dicarbox´ılicos: biomimetismo
3.7.2 Hidr´olise enzim´atica . . . 37 3.8 Algoritmos de otimiza¸c˜ao . . . 38 3.8.1 Algoritmos Gen´eticos . . . 39 3.9 Bioconvers˜ao de a¸c´ucares a etanol . . . 40 3.9.1 Tipos de processos de bioconvers˜ao . . . 40 3.10 Bioconvers˜ao de pentoses a etanol . . . 42 3.10.1 Metabolismo da xilose . . . 42 3.10.2 Leveduras . . . 44 3.11 A levedura Scheffersomyces stipitis . . . 44 3.11.1 A fisiologia da levedura . . . 46 3.11.2 Fermenta¸c˜ao em substratos lignocelul´osicos . . . 46 3.12 Estrat´egias para minimizar a toxicidade de hidrolisados hemicelul´osicos . . . . 47 3.12.1 Adapta¸c˜ao de microrganismos . . . 49 3.12.2 M´etodos de detoxifica¸c˜ao . . . 49
4 Materiais e M´etodos 51
4.1 Substrato lignocelul´osico . . . 51 4.2 Pr´e-tratamento . . . 52 4.3 Estudo da p´os-hidr´olise ´acida do licor de pr´e-tratamento hidrot´ermico . . . 52 4.4 Detoxifica¸c˜ao das amostras de p´os-hidr´olise . . . 57 4.5 Fermenta¸c˜ao alco´olica da fra¸c˜ao C5 . . . 57 4.6 M´etodos anal´ıticos . . . 58 4.6.1 Caracteriza¸c˜ao qu´ımica do baga¸co in natura . . . 58 4.6.2 Preparo das amostras para an´alise qu´ımica composicional . . . 58 4.6.3 Determina¸c˜ao da umidade . . . 59 4.6.4 Determina¸c˜ao de extrativos . . . 59 4.6.5 Teor de cinzas . . . 59 4.6.6 Determina¸c˜ao de lignina, carboidratos estruturais e produtos de
4.6.9 Determina¸c˜ao dos parˆametros cin´eticos . . . 62 4.6.9.1 Determina¸c˜ao dos parˆametros cin´eticos da p´os-hidr´olise . . . . 62 4.6.9.2 Determina¸c˜ao de parˆametros cin´eticos da fermenta¸c˜ao . . . 62
5 Resultados e Discuss˜ao 63
5.1 Caracteriza¸c˜ao qu´ımica do baga¸co in natura . . . 63 5.2 Caracteriza¸c˜ao da celulignina . . . 63 5.3 Caracteriza¸c˜ao do licor de pr´e-tratamento hidrot´ermico . . . 64 5.4 Estudo da p´os-hidr´olise ´acida do licor . . . 64 5.4.1 Determina¸c˜ao do pH das amostras . . . 64 5.4.2 P´os-hidr´olise com ´acido sulf´urico . . . 65 5.4.3 P´os-hidr´olise com ´acido maleico . . . 67 5.4.4 P´os-hidr´olise com ´acido ox´alico . . . 69 5.5 An´alise do planejamento fatorial . . . 70 5.6 Compara¸c˜ao do trabalho atual com os presentes na literatura . . . 73 5.7 Precipita¸c˜ao de lignina . . . 75 5.8 Modelagem cin´etica . . . 77 5.8.1 Modelagem cin´etica da hidr´olise ´acida da biomassa . . . 77 5.8.2 Modelagem cin´etica da hidr´olise ´acida do licor de pr´e-tratamento . . . 80
5.8.2.1 Influˆencia da temperatura e do catalisador: a expans˜ao de Arrhenius . . . 82 5.8.3 Ajustes dos parˆametros cin´eticos da p´os-hidr´olise com ´acidos sulf´urico,
maleico e ox´alico . . . 83 5.9 Fermenta¸c˜ao das pentoses presentes nos p´os-hidrolisados hemicelul´osicos . . . 89 5.9.1 Fermenta¸c˜ao das amostras geradas por p´os-hidr´olise com ´acido sulf´urico 92 5.9.2 Fermenta¸c˜ao das amostras geradas por p´os-hidr´olise com ´acido maleico 97 5.9.3 Compara¸c˜ao entre as performances dos ´acidos sulf´urico e maleico . . . 102 5.9.4 Compara¸c˜ao do atual trabalho com os presentes na literatura . . . 107
Apˆendices 131 Apˆendice I — Preparo das amostras para an´alise da composi¸c˜ao qu´ımica . . . 131 Apˆendice II — Determina¸c˜ao de Extrativos . . . 133 Apˆendice III — Determina¸c˜ao de cinzas . . . 136 Apˆendice IV — Determina¸c˜ao de lignina e carboidratos estruturais . . . 138 Apˆendice V — C´alculo de parˆametros de processos . . . 145
1
Introdu¸
c˜
ao
1.1
A demanda energ´
etica no setor de transportes e os
biocom-bust´ıveis
A preocupa¸c˜ao mundial acerca da perturba¸c˜ao da homeostase do nosso planeta (COOK, 2010; LOVELOCK, 2006) vem focando o interesse na produ¸c˜ao de fontes de energias alter-nativas aos combust´ıveis f´osseis, em especial biocombust´ıveis, por apresentarem pre¸cos mais baixos que combust´ıveis f´osseis, ampla disponibilidade e serem ambientalmente favor´aveis.
Biocombust´ıveis de segunda gera¸c˜ao, advindos de materiais lignocelul´osicos, podem aumentar a produtividade das planta¸c˜oes de biocombust´ıveis de primeira gera¸c˜ao e, al´em disso, oferecer as seguintes vantagens: reduzir o n´ıvel dos subs´ıdios, aumentar a mitiga¸c˜ao dos gases de efeito estufa (GEE) lan¸cados na atmosfera; reduzir o deflorestamento; permitir uma melhor utiliza¸c˜ao dos recursos como solos de baixa fertilidade e aumentar as oportunidades de renda, especialmente no setor agr´ıcola (ROSILLO-CALLE, 2010). Desta forma, os novos combust´ıveis poderiam oferecer um potencial consider´avel para promover o desenvolvimento rural e melhorar a situa¸c˜ao econˆomica global em regi˜oes emergentes e em desenvolvimento (IEA, 2009).
O aumento nos pre¸cos das commodities agr´ıcolas ao final da d´ecada de 2000 estimu-lou discuss˜oes sobre como esses biocombust´ıveis podem ser produzidos sem comprometer a produ¸c˜ao de alimentos. Esses debates foram em sua maioria encerrados pela constata¸c˜ao de que o que h´a de fato ´e um problema de m´a distribui¸c˜ao de terra, renda e alimentos no mundo (ROSILLO-CALLE, 2010). A inser¸c˜ao de pol´ıticas p´ublicas que favore¸cam a produ-¸c˜ao de biocombust´ıveis ´e vital para que haja uma transi¸c˜ao gradual para uma economia mais “verde”.
O etanol atrai interesse como biocombust´ıvel, tanto de primeira como de segunda ge-ra¸c˜ao, especialmente para a ´area de transportes, uma vez que seu processo de produ¸c˜ao apresenta baixo consumo de energia f´ossil necess´aria para produzi-lo. Principalmente nos EUA, Uni˜ao Europ´eia (UE), China e Brasil, h´a um engajamento em viabilizar-se
comercial-mente o etanol 2G, para que se avance em dire¸c˜ao `a sustentabilidade ambiental e, em alguns casos, independˆencia energ´etica nacional. Entre os principais instrumentos de pol´ıtica p´ u-blica, figuram mandatos de mistura obrigat´oria, incentivos fiscais e subven¸c˜oes (grants) para P&D (MILANEZ, 2015).
No contexto brasileiro, desde o lan¸camento do Pro´alcool (Programa Nacional do ´Alcool) no meio da d´ecada de 70 devido `a crise do petr´oleo, o pa´ıs voltou sua aten¸c˜ao para o uso desse combust´ıvel gerado a partir da cana-de-a¸c´ucar. A inser¸c˜ao de motores do tipo “flex” em meados da primeira d´ecada de 2000 tamb´em contribuiu para a populariza¸c˜ao da produ¸c˜ao e consumo do etanol, assim como a obrigatoriedade da adi¸c˜ao de etanol anidro `a gasoline. O atual d´eficit do balan¸co comercial de petr´oleo da Petrobras ´e um motivo adicional para o aumento da produ¸c˜ao de etanol (BONATO e LORENZI, 2014) .
O baga¸co da cana-de-a¸c´ucar, oriundo das usinas sucroalcooleiras, ´e uma das principais mat´erias-primas lignocelul´osicas produzida no pa´ıs e, por isso, tem recebido aten¸c˜ao consi-der´avel para a produ¸c˜ao de etanol 2G (tamb´em chamado de etanol celul´osico). O uso do baga¸co como mat´eria prima apresenta uma s´erie de vantagens: j´a vem processado nas moen-das; dispon´ıvel em grandes quantidades; tem custo m´ınimo; e est´a pronto para uso no local, evitando aumento de custo devido ao transporte (SOCCOL et al., 2010).
Um intenso desenvolvimento e otimiza¸c˜ao do processo de produ¸c˜ao ainda ´e necess´ario para tornar o processo economicamente vi´avel. Em verdade, considera¸c˜oes ambientais de energia e pol´ıticas de impostos ir˜ao determinar a extens˜ao da utiliza¸c˜ao do etanol 2G no futuro (PEPLOW, 2014). O aproveitamento econˆomico dos materiais lignocelul´osicos depender´a da eficiˆencia da biorrefinaria da cana-de-a¸c´ucar a ser desenvolvida em termos de rela¸c˜ao entre tecnologia e disponibilidade da mat´eria prima.
Conforme vˆem indicando alguns estudos no mundo, o maior obst´aculo previs´ıvel para a implanta¸c˜ao destas tecnologias novas nos pr´oximos dez anos deixar´a de ser, aos poucos, a disponibilidade da tecnologia em si, e passar´a a ser a disponibilidade e custo da biomassa adequada (ECONOMIST, 2013; SEABRA, 2008; ROSILLO-CALLE, 2010). Neste caso, a situa¸c˜ao no Brasil ´e de lideran¸ca, uma vez que a palha da cana, o baga¸co excedente e florestas plantadas j´a tˆem custos entre 0,8 e 1,2 US$/GJ, ao passo que a maioria das biomassas
consideradas no hemisf´erio norte apresenta custo em torno de 3 US$/GJ. Para o caso das biomassas brasileiras (especialmente a cana-de-a¸c´ucar), a aten¸c˜ao se volta novamente para as tecnologias, agora com a preocupa¸c˜ao de se identificar (prospectivamente) aquelas que poderiam levar aos melhores resultados (SEABRA, 2008).
1.2
Contexto do projeto
Para a produ¸c˜ao de etanol de segunda gera¸c˜ao (etanol 2G), uma etapa de pr´e-tratamento ´e geralmente utilizada para reduzir a recalcitrˆancia da biomassa atrav´es da despolimeriza¸c˜ao e solubiliza¸c˜ao das hemiceluloses. O pr´e-tratamento hidrot´ermico, que consiste em utilizar press˜ao para manter ´agua no estado l´ıquido na faixa de temperatura de 150°C a 230 °C, vem ganhando crescente aten¸c˜ao, tanto por usar um solvente ambientalmente favor´avel (´agua) quanto por ser um meio reacional atrativo para uma variedade de aplica¸c˜oes.
Embora seja considerado promissor, sabe-se que o processo de hidr´olise das hemice-luloses durante a rea¸c˜ao n˜ao ´e completo, sendo limitado a uma faixa de 60-90% (SASKA e OZER, 1995; SANTUCCI et al., 2015); rendimentos acima de 90% requerem condi¸c˜oes severas que culminam na degrada¸c˜ao dos monˆomeros gerados. Uma grande quantidade de oligossacar´ıdeos (OS), em especial xilo-oligossacar´ıdeos (XOS), ´e formada pela degrada¸c˜ao incompleta desses pol´ımeros (CARVALHEIRO et al., 2004; GARROTE e PARAJ ´O, 1999).
XOS liberados durante a etapa de pr´e-tratamento podem ter um alto valor agregado como produtos de mercado, apresentando diversas aplica¸c˜oes interessantes como especialida-des qu´ımicas nas ind´ustrias de alimentos, farmacˆeuticas ou de cosm´eticos (TUOHY et al., 2004; NABARLATZ et al., 2007; MOURE et al., 2006). Uma vez que tais aplica¸c˜oes n˜ao se aplicam ´a produ¸c˜ao de biocombust´ıveis e s˜ao bastante restritas em termos de volume, ainda s˜ao necess´arias solu¸c˜oes para dar conta das elevadas quantidades de XOS que devem ser produzidos numa biorrefinaria. Dentro deste contexto, um processo de p´os-hidr´olise dos oligossacar´ıdeos hemicelul´osicos com o intuito de se obter a¸c´ucares monom´ericos torna-se uma etapa praticamente compuls´oria (DUARTE et al., 2009).
2
Objetivos
Nesse contexto, o escopo deste trabalho foi avaliar a cin´etica da hidr´olise ´acida do hidrolisado hemicelul´osico obtido a partir do pr´e-tratamento hidrot´ermico do baga¸co da cana-de-a¸c´ucar considerando os ´acidos sulf´urico, maleico e ox´alico em termos de cin´etica de rea¸c˜ao e seletividade. Os objetivos espec´ıficos s˜ao:
Realizar a p´os-hidr´olise ´acida do licor de pr´e-tratamento hidrot´ermico com os ´acidos ox´alico, maleico e sulf´urico em reator Parr de 2,0 L;
Avaliar a cin´etica de convers˜ao de oligˆomeros de hemiceluloses em monˆomeros por meio de algoritmos gen´eticos utilizando o MATLAB e Excel (Microsoft, vers˜ao 2013); Determinar as melhores condi¸c˜oes para recupera¸c˜ao de monˆomeros e m´ınima forma¸c˜ao
de inibidores para cada um dos ´acidos estudados por meio de um planejamento fatorial 22 com triplicata no ponto central;
Fermentar esses monˆomeros a etanol por Scheffersomyces stipitis (NRRL Y-7124) em erlenmeyers.
3
Revis˜
ao Bibliogr´
afica
3.1
Morfologia da cana-de-a¸
c´
ucar
A cana-de-a¸c´ucar ´e uma planta da fam´ılia Poaceae, representada pelo milho, sorgo, arroz e outras gram´ıneas. As principais caracter´ısticas dessa fam´ılia s˜ao a forma de inflorescˆencia (espiga), o crescimento do caule em colmos, folhas invaginantes com lˆaminas que apresentam bordas serrilhadas e ra´ızes fasciculadas.
A alta suscetibilidade dessa esp´ecie a diversas doen¸cas, em especial ao mosaico, levou os pa´ıses produtores a iniciar programas de melhoramento atrav´es da hibrida¸c˜ao entre diferentes esp´ecies do gˆenero Saccharum. Hoje, portanto, a maior parte da cana-de-a¸c´ucar cultivada ´e um h´ıbrido multiespec´ıfico de pelo menos seis esp´ecies do gˆenero Saccharum, recebendo a designa¸c˜ao de Saccharum spp. (JOAQUIM, 1997).
A cana ´e composta por partes subterrˆaneas e a´ereas. As ra´ızes e rizomas comp˜oem a parte subterrˆanea da planta, enquanto o colmo, as folhas e flores perfazem a parte a´erea. A cana ´e composta principalmente por ´agua e carboidratos, os quais se concentram nos colmos (Figura: 3.1).
O colmo da cana-de-a¸c´ucar constitui um sistema de duas fases: s´olida e l´ıquida. A fase s´olida ´e um complexo composto de celulose, lignina e hemiceluloses, conhecida geralmente como fibra. A fase l´ıquida, o caldo, ´e uma solu¸c˜ao aquosa, contendo uma grande variedade de substˆancias orgˆanicas, entre as quais, aproximadamente 90% s˜ao sacarose.
Estruturalmente, o colmo ´e composto por uma casca dura (lignificada) que envolve uma matriz de c´elulas parenquimatosas de paredes muito finas, nais quais est˜ao encaixados os feixes vasculares. A casca e os feixes vasculares — longos, r´ıgidos e enfileirados — constituem o que ´e comumente chamado de fibra, enquanto o tecido parenquimatoso — fino como uma folha — ´e conhecido como medula e forma as paredes das c´elulas de armazenamento que guardam o caldo de alta densidade e pureza. Estes s˜ao, assim, os dois tipos de materiais que constituem a fase s´olida de um colmo de cana, reportados comumente como fibra pelos m´etodos usuais de an´alise. As quantidades relativas dos dois variam com a idade da cana,
Figura 3.1: Partes da cana-de-a¸c´ucar: a parte a´erea ´e composta por folhas, pontas e colmos, enquanto que a parte subterrˆanea ´e composta de rizomas e ra´ızes (Adaptado de STUBBS, 1900)
diˆametro do colmo, padr˜ao de crescimento e variedade (PAYNE, 1989) .
No processamento da cana-de-a¸c´ucar para a produ¸c˜ao de a¸c´ucar ou ´alcool, ocorre a extra¸c˜ao do caldo nos ternos da moenda ou difusores com alta eficiˆencia (´ındices superiores a 95%); o res´ıduo fibroso remanescente ´e o baga¸co, o qual ´e utilizado em ciclos de potˆencia em cogera¸c˜ao. O aumento da eficiˆencia das caldeiras na queima do baga¸co, aliado `a introdu¸c˜ao da queima da palha e culturas energ´eticas como a cana-energia, permitem que haja um excesso de baga¸co dispon´ıvel para uso na produ¸c˜ao de etanol 2G (MILANEZ, 2015).
Para se ter uma no¸c˜ao quantitativa da biomassa lignocelul´osica atualmente produzida no Brasil relacionada `a cana, na safra 2015/2016, cerca de 654,6 milh˜oes de toneladas de cana foram mo´ıdas (CONAB, 2015). Para cada tonelada de cana, em m´edia, 130 kg (massa seca) de baga¸co s˜ao produzidos, o que resulta em 85,01 milh˜oes de toneladas de baga¸co. Essa ordem de magnitude de produ¸c˜ao suscita fortemente a introdu¸c˜ao de tecnologias de convers˜ao bioqu´ımica do baga¸co em etanol.
3.2
A biomassa lignocelul´
osica
Lignocelulose refere-se `a massa seca de vegetais, tamb´em chamada de biomassa ligno-celul´osica. ´E a mat´eria-prima mais abundantemente dispon´ıvel na Terra para a produ¸c˜ao de biocombust´ıveis, principalmente etanol celul´osico, e ´e formada pela intera¸c˜ao complexa de trˆes macromol´eculas, dois carboidratos (celulose e hemiceluloses) e uma macromol´ecula arom´atica (lignina); e em menores propor¸c˜oes prote´ınas estruturais, lip´ıdios e cinzas. Essas trˆes macromol´eculas naturais s˜ao respons´aveis na maior parte pela sustenta¸c˜ao mecˆanica e defesa das plantas contra a¸c˜ao de pragas.
A biomassa lignocelul´osica pode ser classificada genericamente em biomassa virgem, res´ıduos de biomassa e culturas destinadas `a produ¸c˜ao de energia (BALAT e AYAR, 2010). A biomassa virgem inclui todas as plantas terrestres que ocorrem naturalmente, tais como ´
arvores, arbustos e gram´ıneas. Res´ıduos de biomassa s˜ao produzidos como um subproduto de baixo valor de diversos setores industriais, como o agr´ıcola (palha de milho, baga¸co de cana, palha, etc.) e a silvicultura (serrarias e res´ıduos de f´abrica de papel).
As culturas destinadas `a produ¸c˜ao de energia apresentam alto rendimento de biomassa lignocelul´osica produzida para servir como mat´eria-prima para a produ¸c˜ao de biocombust´ıveis de segunda gera¸c˜ao e incluem o switchgrass (Panicum virgatum) e capim-elefante .
3.2.1 Celulose
A celulose ´e uma macromol´ecula orgˆanica natural com a f´ormula molecular (C6H10O5)n. Primeiramente descoberta e isolada de plantas verdes por Alselme Payen em 1838 na Fran¸ca (O’SULLIVAN, 1997), consiste em um homopolissacar´ıdeo de cadeia linear resultante da uni˜ao de v´arias unidades de anidroglicopiranose (β-D-glicopiranose) unidas por liga¸c˜oes β(1 → 4) (Figura 3.2). A celobiose ´e definida como a unidade conformacional m´ınima da celulose, enquanto a glicose representa a unidade fundamental das cadeias do homopol´ımero (T`IM ´ AR-BAL ´AZSC e EASTOP, 1998).
A celulose ´e um importante componente estrutural da parede celular prim´aria de plan-tas, de muitas formas de algas e dos oomicetos. Algumas esp´ecies de bact´erias a secretam
Figura 3.2: Cadeia de celulose (proje¸c˜ao de Haworth) que consiste de unidades de anidrogli-copiranose (β-D-glianidrogli-copiranose) unidas por liga¸c˜oes β(1 → 4).
para formar biofilmes. ´E o pol´ımero orgˆanico mais abundante na crosta terrestre e principal componente dos materiais lignocelul´osicos.
Na celulose, as cadeias de glicose (Figura 3.3) s˜ao unidas por for¸cas de London e liga¸c˜oes de hidrogˆenio na estrutura cristalina, sendo esta estrutura chamada de fibrila elementar, que consiste de aproximadamente 40 cadeias de glicana (BIDLACK et al., 1992). A jun¸c˜ao destas fibrilas elementares, que essencialmente apresentam comprimento muito longo e uma largura de aproximadamente 250 ˚A, d´a a forma¸c˜ao das microfibrilas (FAN et al., 1982).
As regi˜oes dentro das microfibrilas que apresentam uma ordem elevada s˜ao denominadas regi˜oes cristalinas e, as menos organizadas, amorfas. As duas formas ocorrem em propor¸c˜oes caracter´ısticas em celuloses de origens diferentes (GAMA, 1996). ´Areas de celulose “amorfa” provavelmente ainda apresentam algum grau de ordem. Portanto, n˜ao podem ser consideradas verdadeiramente amorfas, uma vez que, por defini¸c˜ao, um material amorfo ´e aquele que n˜ao tem forma ou tem ausˆencia de forma definitiva (O’SULLIVAN, 1997).
3.2.2 Hemiceluloses
Tamb´em conhecidas como polioses, as hemiceluloses s˜ao heteropolissacar´ıdeos com ca-deias mais curtas que as da celulose e com uma estrutura ramificada. As unidades de a¸c´ucares que formam as hemiceluloses podem ser subdivididas em grupos, tais como pentoses, hexo-ses, ´acidos hexourˆonicos e desoxiexoses (Figura 3.4). Os grupos hidroxila de alguns a¸c´ucares
Figura 3.3: Perspectiva macro a microsc´opica da estrutura da celulose em uma planta. Mi-crofibrilas de celulose s˜ao importantes componentes estruturais fortemente coesos por liga¸c˜oes de hidrogˆenio inter e intramoleculares (adaptado de WIKISPACES, 2014).
podem ser parcialmente substitu´ıdos por grupos acetila. O grau de acetila¸c˜ao varia conforme o tipo de biomassa; e a quantidade m´assica de grupos acetil est´a entre 1-6% da biomassa total (base seca) (PENG et al., 2011).
As hemiceluloses est˜ao presentes em todas as camadas da parede celular das plantas, concentrando-se principalmente nas camadas prim´aria e secund´aria, onde est˜ao intimamente associadas `a celulose e lignina. Perfazem cerca de 20 - 30% da biomassa (base seca) de madeiras de fibra curta e plantas herb´aceas. Em alguns tipos de cereais e gram´ıneas, essa quantidade pode chegar at´e 50%, sendo, portanto, um carboidrato abundante na natureza (HON e SHIRAISHI, 1991; EBRINGEROV´A et al., 2005).
As hemiceluloses com maior relevˆancia industrial s˜ao as xilanas e glicomananas, sendo as xilanas as mais abundantes. Dispon´ıveis em grandes quantidades como subprodutos das agroind´ustrias, ind´ustrias florestais, de madeira, papel e celulose; as xilanas s˜ao os principais componentes de hemiceluloses da parede secund´aria de madeiras duras e algumas gram´ıneas e plantas herb´aceas, como a cana-de-a¸c´ucar.
Figura 3.4: Mol´eculas componentes das hemiceluloses compostas de pentoses, ´acidos hexurˆ o-nicos e desoxiexoses; a variedade na composi¸c˜ao e estrutura das hemiceluloses ´e respons´avel pela grande diferen¸ca de reatividade em rela¸c˜ao `a celulose (retirado de MARABEZI, 2009).
Hemiceluloses do tipo manana como glicomananas e galactomananas constituem o com-ponente principal de hemiceluloses da parede secund´aria de madeiras moles (G´IRIO et al., 2010). As Tabelas 3.1 e 3.2 nas p´aginas 11 e 12 apresentam um compˆendio da estrutura b´asica de algumas hemiceluloses e da constitui¸c˜ao monom´erica conforme o tipo de biomassa.
3.2.3 Hemiceluloses no baga¸co da cana-de-a¸c´ucar
As hemiceluloses tamb´em s˜ao um dos componentes principais do baga¸co da cana-de-a¸c´ucar e perfazem cerca de 20 a 30 % em base seca. Desta fra¸c˜ao, a maior parte (acima de 90%) ´e xilana, com por¸c˜oes minorit´arias de glicose e arabinose e tra¸cos de manose e galactose. De acordo com um estudo DE SOUZA et al. (2012), das hemiceluloses constituintes da parede celular da cana-de-a¸c´ucar, os principais tipos de a¸c´ucares presentes s˜ao xiloglicanas e arabinoxilanas e est˜ao intimamente associados com a celulose, enquanto β-glicanas de liga¸c˜oes mistas e outras xilanas menos ramificadas est˜ao ligadas fortemente `a celulose.
T a b el a 3. 1 : Pr in ci p a is ti p os d e p ol is sac ar ´ıd eos p re sen tes em h em icel u lo ses (a d ap ta d o d e G ´ IR IO et al. , 2 01 0) Re pr es en ta¸ c˜ ao E sq u em´ at ic a a Ti p o de P ol iss acar ´ıde o O rige m Bi ol ´ogi ca Un idad es E st rut u rai s Cade ias Lat er ai s T ip o d e li ga¸ c˜ ao β -D -Gl cp β D -Xy lp β (1 → 4) β -D -Xyl p β D -G al p α (1 → 3) Xi logli cana M ad ei ras du ras, α L-Ar af β (1 → 2) (X G ) gram ´ın eas α L-F u cp α (1 → 2) Ace ti la Ar abi n ogli cour on o xi lan a Gr am ´ın eas , β -D -Xyl p 4- O-Me -α -D -Gl cp A β -L-Araf α (1 → 2) (A G X) ce reai s e mad ei ras mol es α (1 → 3) Ar abi n o x il an a Gr am ´ın eas e cer eai s β -D -Xyl p α -L-Araf F eru lo y l α (1 → 2) (AX) α (1 → 3) G luc ur onoar ab ino x il ana Gr am ´ın eas e Ce re ai s β -D -Xyl p α -L-Araf α (1 → 2) (G AX) 4-O -M e-α -D -Gl cA α (1 → 3) Ace ti la Ar abi n ogal act ana M ade ir as mol es β -D -Gal p β -D -Gal p β (1 → 6) (A G ) α -L-Araf α (1 → 3) β -L-Arap β (1 → 3) G alac togl ic oman ana M ade ir as m ol es β -D -M an p β -D -Gal p α (1 → 6) (G GM ) β -D -Gl cp Ac et il a aO ct´ o g o n o v erd e: 4-O -M e-α -D -Gl p cA, H ex ´ag o n o cin za: β -D -Gal p , h ex ´ag o n o p r eto : β -D -Gl cp , h ex ´ag o n o b r an co :β -D -M an p, c´ ırcu lo ci n za: β -L-Ar af , c´ ırcu lo pr eto :β -D -Xy lp , p en t´ ag o n o ci nz a: α -L-F u cp , lo s an g o p re to : fer ul oi l, tr iˆan g u lo p r eto : ace til
T a b el a 3 .2: Co m p os i¸c˜ ao p er ce n tu a l em b a se seca d a s h em ic el u los es d e v ´a ri os m a te ri a is li gn o cel u l´os icos ex p ressa em u n id a d es n ˜ao -g li co s´ı d ic as (a d ap ta d o d e G ´ IR IO et al. , 2 01 0) T ip o d e b io mas sa M at ´er ia-pr im a Xi lo s e Ar ab in o s e Man o s e Gal acto s e Ramn o s e ´ Ac. u rˆ o n ico s G ru p o s Aceti la M ade iras Mol es Ab et o d e D ou glas 6, 0 3,0 – 3, 7 – – – P in h ei ro 5,3-10, 6 2,0-4,2 5, 6-13,3 1, 9-3, 8 – 2, 5-6, 0 1, 2-1, 9 Ab et o v er me lh o 5, 3-10, 2 1, 0-1, 2 9, 4-15, 0 1, 9-4, 3 0, 3 1,8-5,8 1,2-2,4 M ade ir as du ras ´ Al amo tr eme dor 18, 0-23, 3 1, 7-4, 0 0, 9-2, 4 0, 6-1, 5 0, 5 4, 8-5, 9 4, 3 B ´e tul a 18, 5-24, 9 0, 3-0, 5 1, 8-3, 2 0, 7-1, 3 0, 6 3,6-6, 3 3,7-3, 9 Ac´ ac ia 16, 7-18, 4 0,4-0, 5 1,1-1,2 0, 8 – 4, 7 2, 7-3, 8 E uc ali p to 14, 0-19, 1 0, 6-1, 0 1,0-2, 0 1,0-1, 9 0,3-1,0 2, 0 2, 0-3, 6 Car v al ho 21, 7 1, 0 2, 3 1,9 – 3,0 3, 5 ´ Ace r 18,1-19, 4 0,8-1,0 1, 3-3,3 1, 0 – 4, 9 3, 3-3, 9 Ch oup o 17, 7-21, 2 0, 9-1, 9 3, 3-3, 5 1, 1 – 2, 3-3, 7 0, 5-3. 9 Li q ui d ˆam b ar 19, 9 0, 5 0, 4 0, 3 – 2,6 2, 3 S ic ˆomor o 18, 5 0, 7 1,0 – – – 3, 6 S algu ei ro 11, 7-17, 0 2, 1 1, 8-3, 5 1,6-2, 3 – – – Re s´ı du os agr oi nd u st rais Cas ca d e am ˆe nd oa 34, 3 2, 5 1,9 0, 6 – – – P alh a d e ce v ada 15 4, 0 – – – – – Bor ra de ce rv ej ar ia 15 8 0 1 0 2 0, 8 Car d o 26,0 2, 5 3, 7 1, 4 0, 9 – – E sp iga d e m ilh o 28, 0-35, 3 3, 2-5, 0 – 1, 1-1, 2 1 3 1, 9-3, 8 F ibr a d e mi lh o 21, 6 11, 4 – 4, 4 – – – Cau le d e mi lh o 25,7 4, 1 < 3, 0 < 2, 5 – – – P alh a d e mi lh o 14,8-25, 2 2,0-3,6 0, 3-0,4 0, 8-2, 2 – – 1, 7-1, 9 Car o ¸co de aze it on a 2, 0-3, 7 1, 1-1, 2 0, 2-0, 3 0, 5-0, 7 0,3-0, 5 1,1-1,2 – Cas ca d e ar roz 17, 7 1, 9 – – – – 1, 62 P alh a d e ar roz 14, 8-23, 0 2, 7-4, 5 1, 8 0,4 – – – Baga¸ co d a can a 20, 5-25, 6 2, 3-6, 3 0,5-0, 6 1,6 – – 3,1 F ar el o de tri go 16 9 0 1 0 2 0, 4 P alh a d e tr igo 19, 2-21,0 2, 4-3,8 0-0,8 1, 7-2,4 – – –
3.2.3.1 Xiloglicanas (XG)
Xiloglicanas s˜ao o tipo de polissacar´ıdeo hemicelul´osico quantitativamente predomi-nante nas paredes celulares prim´arias de madeiras duras (principalmente em dicotiledˆoneas e em menores quantidades em monocotiledˆoneas) (G´IRIO et al., 2010; DE VRIES e VISSER, 2001) e tamb´em podem aparecer em pequenas quantidades em gram´ıneas, que ´e o caso da cana-de-a¸c´ucar. Xiloglucanas consistem de uma estrutura de D-glicose ligadas com liga¸c˜oes β(1 → 4) com 75% desses res´ıduos substitu´ıdos no O-6 com a D-xilose; tamb´em pode conter grupos O-acetila ligados (MARUYAMA et al., 1996; SIMS et al., 1996).
Res´ıduos de L-arabinose e D-galactose podem ligar-se a res´ıduos de xilose de modo a formar cadeias laterais di ou triglicosiladas (G´IRIO et al., 2010). L-fucose tamb´em pode ser encontrada ligada a res´ıduos de galactose. Xiloglucanas interagem com as microfibrilas de celulose atrav´es da forma¸c˜ao de liga¸c˜oes de hidrogˆenio, contribuindo assim para a integridade estrutural da rede de celulose (CARPITA e GIBEAUT, 1993; DE VRIES e VISSER, 2001).
3.2.3.2 Arabinoxilanas (AX)
Similares `a xilana das madeiras duras, por´em com maiores quantidades de L-arabinose, arabinoxilanas representam a estrutura majorit´aria da parede celular de gram´ıneas (G´IRIO et al., 2010). Em arabinoxilanas, a estrutura linear de β(1,4)-D-xilopiranose est´a substitu´ıda por unidades de L-arabinofuranosila nas posi¸c˜oes 2-O e/ou 3-O por uma unidade urˆonica D-glicopiranosila ou seus derivado 4-O-metilados na posi¸c˜ao 2-O (BRILLOUET et al., 1982; SHIBUYA e IWASAKI, 1985). Substituintes O-acetilados tamb´em podem ocorrer (ISHII, 1991; WENDE e FRY, 1997).
Res´ıduos de arabinofuranosila podem tamb´em encontrar-se esterificados com res´ıduos de ´acidos hidroxicinˆamicos como por exemplo, ´acidos fer´ulico e p-cum´arico (WENDE e FRY, 1997). A dimeriza¸c˜ao de compostos fen´olicos esterificados pode tamb´em levar a liga¸c˜oes cruzadas inter e intramoleculares de xilana (G´IRIO et al., 2010). Intera¸c˜oes f´ısicas e/ou covalentes com outros componentes da parede celular restringem a extratibilidade da xilana. Em tecidos lignificados, por exemplo, a xilana ´e um ´ester ligado `a lignina atrav´es de suas
cadeias laterais de ´acidos urˆonicos (EBRINGEROV´A et al., 2005).
3.2.4 Lignina
A lignina ´e uma macromol´ecula fen´olica sintetizada nas plantas pelo acoplamento oxi-dativo de trˆes unidades majorit´arias do tipo C9 (unidades fenilpropˆanicas): ´alcool siring´ılico (ou sinap´ılico) (S), ´alcool guaiac´ılico (ou conifer´ılico) (G) e ´alcool p-cumar´ılico (H), que jun-tos formam uma estrutura aleat´oria em um arranjo tridimensional dentro da parede celular (Figura 3.5). O principal tipo de liga¸c˜ao entre as unidades ´e aril-aril ´eter.
Figura 3.5: Precursores prim´arios das ligninas: ´alcool p-cumar´ılico, H (I), ´alcool guaiac´ılico, G (II) e ´alcool siring´ılico, S (III).
A lignina ´e a macromol´ecula mais complexa entre os materiais de alta massa molar que existem na natureza. H´a um longo hist´orico de investiga¸c˜oes dedicadas `a elucida¸c˜ao de sua estrutura e formula¸c˜oes de in´umeros modelos moleculares (Figura 3.6). A presen¸ca de muitas liga¸c˜oes carbono-carbono complexas entre as unidades torna mais dif´ıcil a degrada¸c˜ao para fragmentos de menor massa molar. Al´em disso, n˜ao tem sido poss´ıvel ainda o isolamento completo de todas as partes da lignina de tecidos de planta sem ocorrˆencias de mudan¸cas estruturais. Essas caracter´ısticas tornam dif´ıcil a caracteriza¸c˜ao qu´ımica da estrutura da lignina (HON e SHIRAISHI, 1991).
Depois da celulose, a lignina ´e a substˆancia mais abundante nas plantas. Ela est´a pre-sente principalmente na lamela m´edia e na parede secund´aria e ´e a substˆancia que confere rigidez `a parede das c´elulas. Apresenta um papel importante no transporte de ´agua,
nutrien-Figura 3.6: Um modelo estrutural da lignina de madeira mole (ALDER, 1977).
tes e metab´olitos, sendo respons´avel pela resistˆencia mecˆanica de vegetais, al´em de proteger os tecidos contra o ataque de microrganismos (FENGEL e WEGENER, 1989).
Uma das classifica¸c˜oes poss´ıveis para a lignina ´e estabelecida em fun¸c˜ao das esp´ecies vegetais de origem e dos padr˜oes arom´aticos de substitui¸c˜ao, uma vez que a propor¸c˜ao dos precursores varia entre as diferentes esp´ecies de plantas e a raz˜ao entre eles tem sido usada inclusive com prop´ositos taxonˆomicos (NIMTZ et al., 1981):
Ligninas G (ligninas de madeiras duras): Mais homogˆeneas, contendo quase que exclu-sivamente unidades guaiacila;
Ligninas G/S (ligninas de madeiras moles): apresentam quantidades equivalentes de grupos guaiacila e siringila, e poucas unidades de p-hidroxifenila;
Ligninas G/S/H (ligninas de gram´ıneas): apresentam maior quantidade de unidades p-hidroxifenila que o encontrado nas madeiras anteriores, contudo sempre em propor¸c˜ao menor que as outras unidades.
A variabilidade da composi¸c˜ao de lignina ´e muito maior em madeiras duras do que em madeiras moles. O conte´udo de grupos siringila de ligninas-G/S de madeiras duras t´ıpicas varia entre 20 e 60% e essa faixa ´e ainda mais abrangente se plantas herb´aceas tamb´em s˜ao
inclusas (10-65%) (SARKANEN et al. 1967, ERICKSON et al., 1973).
3.2.5 Materiais n˜ao-estruturais: cinzas e extrativos
Materiais n˜ao-estruturais, isto ´e, substˆancias presentes na biomassa lignocelul´osica po-r´em que n˜ao fazem parte da parede celular, em sua maioria s˜ao sol´uveis em solventes neutros; tais compostos correspondem em m´edia de 4-10% do peso seco da biomassa. Incluem uma diversidade de compostos como terpenos, que s˜ao pol´ımeros de isopreno; as resinas, que in-cluem uma grande variedade de compostos n˜ao-vol´ateis como ´oleos, ´acidos graxos, ´alcoois, resinas ´acidas, fitosterol, dentre outros; e os fen´ois, que tˆem como representantes principais os taninos. Dentro desta fra¸c˜ao extrat´ıvel podem ser inclu´ıdos tamb´em os carboidratos de baixo peso molecular, alcaloides e lignina sol´uvel (KLINKE et al. 2004 apud RABELO, 2010).
Nas fra¸c˜oes n˜ao-extrat´ıveis encontram-se as cinzas — res´ıduos inorgˆanicos — princi-palmente carbonatos alcalinos, alcalino-terrosos e oxalatos, que permanecem depois de se queimar o substrato a elevadas temperaturas e representam aproximadamente 2% do peso seco das biomassas (KLASS, 1998 apud RABELO, 2010). A propor¸c˜ao destes componentes estruturais nos res´ıduos agr´ıcolas e em madeiras depende da esp´ecie, idade, condi¸c˜oes de crescimento, entre outros fatores.
3.3
A recalcitrˆ
ancia da biomassa
A recalcitrˆancia da biomassa refere-se `as caracter´ısticas complexas da biomassa que protegem seus carboidratos da degrada¸c˜ao por microrganismos ou enzimas. Como mostrado na Figura 3.7, a recalcitrˆancia da biomassa ´e intimamente relacionada `as caracter´ısticas f´ısicas e qu´ımicas da parede celular da planta. A presen¸ca de lignina, hemiceluloses e suas liga¸c˜oes intercruzadas constituem barreiras f´ısicas que protegem a celulose da degrada¸c˜ao (SUN e CHENG, 2002).
HIMMEL et al. (2007), resumiram as caracter´ısticas naturais que contribuem para a natureza recalcitrante da biomassa: (i) o tecido epid´ermico do corpo da planta, particular-mente as ceras cuticulares e epicuticulares; (ii) o arranjo e densidade dos feixes vasculares;
Figura 3.7: A recalcitrˆancia da biomassa ´e uma consequˆencia da adapta¸c˜ao evolutiva das plantas como uma forma de prote¸c˜ao ao ataque de seres ex´ogenos. A intera¸c˜ao complexa entre as hemiceluloses, celulose e lignina permite ao mesmo tempo uma estrutura est´avel, segura e funcional para o vegetal (adaptado de POTTERS et al., 2010).
(iii) a quantidade relativa de tecido esclerˆenquima (parede grossa); (iv) o grau de lignifica¸c˜ao; (v) a heterogeneidade e complexidade estrutural dos componentes da parece celular, como microfibrilas e matrizes polim´ericas.
A natureza recalcitrante da biomassa lignocelul´osica acaba por ser um dos principais gargalos na produ¸c˜ao de etanol 2G, uma vez que a celulose nativa n˜ao est´a facilmente aces-s´ıvel ao ataque por reagentes qu´ımicos ou complexos enzim´aticos que efetuar˜ao a sua des-polimeriza¸c˜ao para posterior processamento na plataforma bioqu´ımica da biorrefinaria da cana-de-a¸c´ucar.
3.4
Biorrefinarias
Biorrefinaria ´e um conceito amplo de uma planta de processamento integrada e diversi-ficada onde mat´erias-primas de biomassa s˜ao convertidas em uma vasta gama de compostos valiosos, em um papel semelhante `a refinaria do petr´oleo. Uma biorrefinaria integrada ´e uma
f´abrica de processos que extrai carboidratos, ´oleos, lignina e outros materiais da biomassa, convertendo-os em combust´ıveis, insumos qu´ımicos de alto valor agregado e outros materiais com uma m´ınima gera¸c˜ao de res´ıduos (Figura 3.8).
Figura 3.8: Esquema de funcionamento de uma biorrefinaria (Retirado e adaptado de CAR-VALHEIRO et al., 2008).
F´abricas de papel e celulose, moinhos de milho seco ou ´umido que produzem m´ ulti-plos produtos de biomassa, entre outros, podem ser classificados como biorrefinarias. No caso do Brasil, a inser¸c˜ao do baga¸co da cana-de-a¸c´ucar, um subproduto do setor sucroal-cooleiro, na biorrefinaria da cana-de-a¸c´ucar — j´a amplamente desenvolvida e em constante desenvolvimento — tem recebido not´avel aten¸c˜ao em virtude de seu baixo pre¸co, ser dispo-n´ıvel em grandes quantidades e de apresentar um alto conte´udo de carboidratos (REDDY e YANG, 2005). Dentre as v´arias plataformas de biorrefinaria existentes (Tabela 3.3), as mais promissoras s˜ao a termoqu´ımica (syngas) e a bioqu´ımica (a¸c´ucar).
A plataforma bioqu´ımica visa `a fermenta¸c˜ao dos a¸c´ucares extra´ıdos da biomassa. Ap´os prepara¸c˜ao da mat´eria-prima, tecnologias de convers˜ao envolvem: i) Preparo da mat´ eria-prima ii) convers˜ao da biomassa a a¸c´ucares ; iii) Bioconvers˜ao desses intermedi´arios de bi-omassa utilizando biocatalisadores; iv) Processamento dos produtos para gerar produtos de valor agregado, etanol entre outros combust´ıveis, calor e/ou eletricidade. Uma vasta gama
Tabela 3.3: Plataformas mais comuns de biorrefinarias e suas principais caracter´ısticas (CAR-VALHEIRO et al., 2008)
Plataforma Mat´eria-prima Principais Produtos
processos
Insumos qu´ımicos com valor Hidr´olise qu´ımica agregado (lignina e a¸c´ucares), A¸c´ucar Lignocelulose e enzim´atica, building blocks
(Bioqu´ımica) e biomassa Fermenta¸c˜ao, Materiais (da lignina e de amido Biotransforma¸c˜ao, da lignocelulose), etanol
Processos combust´ıvel, calor e catal´ıticos eletricidade (da lignina)
Lignocelulose, Processos G´as de s´ıntese, ´oleo de G´as de s´ıntese assim como termoqu´ımicos: Pir´olise, insumos qu´ımicos
(Syngas) pl´asticos, – Gasifica¸c˜ao com valor agregado, borrachas, etc. – Pir´olise combust´ıveis l´ıquidos
e gasosos
Biog´as Efluentes l´ıquidos, Digest˜ao anaer´obia Metano e g´as carbˆonico
estrume (biog´as), insumos qu´ımicos
com valor agregado
Cadeias com Oleos de plantas´ Transesterifica¸c˜ao Biodiesel, glicerina e ´acidos
muitos carbonos como soja, milho, graxos como plataformas
(´oleos) e palma, gordura qu´ımicas
animal
de compostos podem ser produzidos a partir da plataforma bioqu´ımica e tal fato ´e uma das vantagens que essa plataforma apresenta em rela¸c˜ao `a termoqu´ımica (KAMM e KAMM, 2004).
Especificamente na produ¸c˜ao de etanol de segunda gera¸c˜ao a partir do baga¸co da cana-de-a¸c´ucar, a etapa i) mencionada anteriormente, corresponde ao pr´e-tratamento, a etapa ii), `a hidr´olise enzim´atica (ou sacarifica¸c˜ao) e ´e necess´aria para despolimerizar a celulose constituinte do baga¸co em monˆomeros de glicose, fonte de carbono para que microrganis-mos fermentadores (leveduras, bact´erias, fungos, etc.), na etapa iii) efetuem a fermenta¸c˜ao alco´olica.
A natureza recalcitrante do baga¸co in natura n˜ao o torna suscet´ıvel `a hidr´olise direta. V´arios m´etodos de pr´e-tratamento tˆem sido desenvolvidos com o objetivo de remover as barreiras recalcitrantes e aumentar a digestibilidade da celulose pela altera¸c˜ao de sua compo-si¸c˜ao e estruturas f´ısicas. O processo de produ¸c˜ao de etanol celul´osico, portanto, apresenta no m´ınimo trˆes etapas fundamentais e consecutivas (combinadas ou n˜ao): pr´e-tratamento,
hidr´olise enzim´atica e fermenta¸c˜ao alco´olica
3.5
Tecnologias de convers˜
ao da biomassa lignocelul´
osica em
eta-nol
A desconstru¸c˜ao da biomassa lignocelul´osica tendo em vista o aproveitamento econˆ o-mico de seus constituintes ´e uma das premissas da biorrefinaria. Se as etapas de fracionamento apresentarem rendimento e pureza relevantes de seus subprodutos, haver´a a possibilidade de processamento das fra¸c˜oes com tecnologias de bioconvers˜ao (fermenta¸c˜ao, biodigest˜ao) ou, em fins menos nobres, queima para cogera¸c˜ao. Na produ¸c˜ao de etanol 2G, o fracionamento da biomassa pode ser obtido atrav´es da etapa de pr´e-tratamento do baga¸co da cana-de-a¸c´ucar.
3.5.1 Pr´e-tratamento
A biomassa lignocelul´osica ´e uma matriz de redes de polissacar´ıdeos de liga¸c˜oes cru-zadas, prote´ınas glicosiladas e lignina em que as microfibrilas de celulose est˜ao ligadas com as hemiceluloses e fixadas com a lignina, como se fossem vigas de a¸co fixadas em concreto (Figura 3.9). Essas barreiras f´ısicas deixam a celulose inacess´ıvel ao ataque qu´ımico ou en-zim´atico. Uma etapa de pr´e-tratamento ´e necess´aria para tornar os materiais da biomassa mais acess´ıveis a reagentes qu´ımicos ou enzimas para produ¸c˜ao eficiente de produtos (ZHAO et al., 2012)
O pr´e-tratamento, portanto, ´e o processo pelo qual busca-se aumentar a produtividade, assim como rendimento total de a¸c´ucares liberados durante a etapa de hidr´olise subsequente (ROMAN´I et al., 2010). Acredita-se que a remo¸c˜ao das hemiceluloses das microfibras exp˜oe o interior da celulose microcristalina, que pode ser hidrolisada por enzimas celulol´ıticas. Al´em disso, o pr´e-tratamento quebra a rigidez macrosc´opica da biomassa e diminui as barreiras f´ısicas impostas `a transferˆencia de massa (HIMMEL et al., 2007).
Um pr´e-tratamento “ideal” deve atender `as seguintes condi¸c˜oes (CARA et al., 2007; MOSIER et al., 2005; PETERSEN et al., 2009; PIENKOS e ZHANG, 2009; SURYAWATI et al., 2009): (i) ser econˆomico e operacionalmente simples; (ii) ter exigˆencias m´ınimas de
Figura 3.9: Esquema simplificado do efeito do pr´e-tratamento na estrutura da biomassa. A matriz biom´assica ´e an´aloga a uma constru¸c˜ao cujas vigas de a¸co seriam as microfibrilas de celulose ligadas ´as hemiceluloses e fixadas pela lignina, o concreto (retirado e adaptado de RAIB, 2014).
energia, produtos qu´ımicos e ´agua de processo; (iii) ser pouco corrosivo; (iv) ter habilidade de alterar a estrutura dos materiais lignocelul´osicos; (v) ter seletividade em rela¸c˜ao `a perda de polissacar´ıdeos; (vi) possibilitar alta recupera¸c˜ao de produtos das hemiceluloses; (vii) levar a produ¸c˜ao m´ınima de produtos de degrada¸c˜ao (por exemplo fen´ois, furfural ou 5-hidroximetilfurfural); (viii) possibilitar produ¸c˜ao de substratos com alto teor celul´osico e acessibilidade para hidr´olise enzim´atica; (ix) gerar lignina de alta qualidade ou produtos derivados da lignina.
N˜ao h´a consenso em termos de qual seja o melhor tipo de pr´e-tratamento. H´a um balan¸co positivo entre vantagens (recupera¸c˜ao de pentoses, corros˜ao limitada, recupera¸c˜ao de lignina, etc) e desvantagens (altas exigˆencias energ´eticas, falta de seletividade, alta produ¸c˜ao de produtos de degrada¸c˜ao, etc) que depende fortemente do tipo de produto ou produtos finais a serem obtidos (etanol, butanol, xilitol, etc). Espera-se que, com o desenvolvimento e aplica¸c˜ao dessas tecnologias, possa-se chegar a um consenso sobre um pr´e-tratamento eficiente em termos de custo global, competitividade econˆomica e digestibilidade da celulose, com m´ınima gera¸c˜ao de produtos de degrada¸c˜ao para a produ¸c˜ao de etanol 2G.
3.5.1.1 Pr´e-tratamento hidrot´ermico
Consiste na solv´olise pela ´agua l´ıquida sob alta press˜ao em contato com a biomassa a altas temperaturas (150°C - 250°C) (BOBLETER, 1994; BOBLETER et al., 1976, 1981; BOBLETER e CONCIN, 1979; HORMEYER et al., 1988,; WALCH et al., 1992; MOK e ANTAL, 1992; KOHLMAN et al., 1995; ALLEN et al., 1996; VAN WALSUM et al., 1996). O pr´e-tratamento hidrot´ermico vem ganhando aten¸c˜ao por v´arios motivos:
i N˜ao requer a adi¸c˜ao de produtos qu´ımicos diferentes da ´agua, o processo inteiro acaba por ser ambientalmente favor´avel;
ii Apresenta alta recupera¸c˜ao de hemiceluloses (MOK e ANTAL et al., 1992) e produz um hidrolisado (ap´os hidr´olise enzim´atica do baga¸co pr´e-tratado) que resulta em baixa inibi¸c˜ao na fermenta¸c˜ao dos a¸c´ucares solubilizados (LASER et al., 2002; ALLENet al., 2001);
iii Em compara¸c˜ao com o pr´e-tratamento com ´acidos dilu´ıdos, os problemas relacionados com a corros˜ao de equipamentos s˜ao minimizados devido `as condi¸c˜oes de pH mais brandas do meio reacional;
iv O tratamento de efluentes ´e simplificado quando comparado aos demais processos de pr´e-tratamento.
Os estudos de processamento de biomassa lignocelul´osica por ´agua ou vapor apresen-tam v´arias denomina¸c˜oes na literatura: auto-hidr´olise (LORA e WAYMAN, 1978; CONNER, 1984; CARRASCO, 1989; TORTOSA et al., 1995), hidroterm´olise (BONN et al., 1983; H ¨ OR-MEYER et al., 1988; KUBIKOVA et al., 1996), extra¸c˜ao ou liquefa¸c˜ao aquosa HEITZ et al., 1986; SASKA e OZER, 1995), aquasolve (KUBIKOVA et al., 1996), pr´e-hidr´olise com ´agua (CONNER, 1984), pr´e-tratamento ou tratamento hidrot´ermico (OVEREND e CHORNET, 1987; SCHAFFELD, 1994b; KUBIKOVA et al., 1996) e pr´e-tratamento com vapor ou ex-tra¸c˜ao com vapor (PULS e DIETRICHS, 1981; RAMOS et al., 1992; apud GARROTE et al., 1999b). Todos esses estudos s˜ao baseados nos mesmos tipos de rea¸c˜ao e ser˜ao referidos genericamente como pr´e-tratamento hidrot´ermico neste trabalho.